Prévia do material em texto
Rev Med (São Paulo). 2012 jul.-set.;91(3):159-62. 159 Comunicação em medicina Communication skills in medicine Izabel Cristina Rios Rios IC. Comunicação em medicina / Communication skills in medicine. Rev Med (São Paulo). 2012 jul.-set.;91(3):159- 62. RESUMO: Comunicação efetiva e interação são competên- cias clínicas essenciais ao profissionalismo em Medicina. Defi ne�se com�nica��o e�e�i�a como procedimen�o de in�efine�se com�nica��o e�e�i�a como procedimen�o de in- �era��o do profissional da saúde e pacien�es o� eq�ipe q�e promove acolhimento, diálogo e entendimento recíprocos. Es��dos mos�ram q�e com�nica��o e�e�i�a tem impacto significa�i�o no c�idado e a�men�o da q�alidade da a�en- ��o à saúde. Já a �al�a de habilidade de com�nica��o es�á associada à má prática e erros médicos. A competência relacional e comunicacional se fundamenta em atitudes, conhecimen�os e habilidades de com�nica��o e in�era��o q�e req�er ensino�aprendizagem e deve ser desenvolvida nas escolas médicas. As dire�rizes c�rric�lares do Minis�ério da Educação para o curso médico, desde 2001, preconi- zam o desen�ol�imen�o de habilidades de com�nica��o. O ensino�aprendizagem de com�nica��o de�e se desen�ol�er ao longo da grad�a��o de �orma sis�ema�izada, em di�ersos cenários de ensino, em peq�enos gr�pos �rabalhados com me�odologias a�i�as. O processo ed�cacional come�a com obje�i�os ed�cacionais básicos (in�rod���o à con�ersa na prá�ica médica) e �ai se complexizando ao longo do c�rso médico (comunicação em cenários e si��a�ões específicos, si��a�ões di�íceis e de confli�o) de �orma q�e ao se� final os al�nos �enham conhecimen�os, habilidades e a�i��des para lidar com a maioria das situações práticas em Medicina. Na FMUSP em 2011, das 127 disciplinas da graduação, 45 tratavam de aspectos comunicacionais relativos à s�a �emá�ica específica. O desafio é criar es�ra�égia de ensino�aprendizagem �ol�ada especi�icamen�e para o desenvolvimento de competências comunicacionais na grad�a��o médica como �m �odo, �endo em �is�a as boas práticas em Medicina. DESCRITORES: Com�nica��o em saúde; Ed�ca��o médica; H�maniza��o da assis�ência: Rela�ões interpessoais. ABSTRACT: Effective communication and interaction are essential skills clinics to professionalism in medicine. E��ec�i�e comm�nica�ion is defined as �he in�erac�ion o� people that promotes acceptance, dialogue and mutual understanding. Studies show that effective communica- �ion has a significan� impac� on care and increases �he q�ali�y o� heal�h care. Howe�er �he lack o� comm�nica�ion skills is associated with malpractice and medical errors. The rela�ional and comm�nica�i�e compe�ence is based on attitudes, knowledge and skills of communication and in�erac�ion �ha� req�ires �eaching and learning, and sho�ld be de�eloped in medical schools. The c�rric�l�m g�idelines o� �he Minis�ry o� Ed�ca�ion �or �he medical school, since 2001, point to the development of communication skills. The �eaching and learning o� comm�nica�ion sho�ld be sys�ema�ically de�eloped d�ring �he �ndergrad�a�e, �sing various scenarios education and the work in small groups wi�h ac�i�e me�hodologies. The ed�ca�ional process begins wi�h basic ed�ca�ional goals (in�rod�c�ory in�er�iews in medical prac�ice) and going �o becoming more complex (comm�nica�ions in specific scenarios and si��a�ions, di�- fic�l� si��a�ions and conflic�s), so �ha� a� �he end �he s��den�s had knowledge, skills and attitudes to deal with the most of the situations in medical practice. In FMUSP in 2011, from 127 undergraduate disciplines, 45 of them developed comm�nica�ion aspec�s rela�ed �o �heir specific �heme. The challenge is �o crea�e �eaching and learning s�ra�egy specifically �o �he de�elopmen� o� comm�nica�ion skills in medical ed�ca�ion as a whole, keeping in �iew �he bes� practices in medicine. KEYWORDS: Health communication; Education, medical; H�maniza�ion o� assis�ance; Interpersonal relations. Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP. Endereço para correspondência: Izabel Cris�ina Rios. A�. Dr. Arnaldo, 455. S�o Pa�lo, SP, CEP:01246�903. 160 Rios IC. Comunicação em medicina. Comunicação efetiva e interação são hoje apontadas como competências clínicas1-5 essenciais ao profissionalismo em Medicina. Ser capaz de desen�ol�er in�era��o com o o��ro é condi��o básica para a prá�ica médica: “A com�nica��o é �ma habilidade clínica ��ndamen�al q�e pode ser ensinada e aprendida. Um médico rea- liza de 160000 a 300000 en�re�is�as d�ran�e s�a �ida profissional, �azendo com q�e a en�re�is�a médica seja o procedimen�o mais com�men�e realizado em clínica médica” (p.624)1. No contexto do cuidado6, define�se como co- municação efetiva o procedimento médico fundamen- �ado na in�ers�bje�i�idade7 compreendida aq�i como resultante da interação de pessoas em um espaço relacional q�e promo�e o acolhimen�o, o diálogo e o en�endimen�o mú��o. No cenário internacional, as competências re- lacionais, q�e en�ol�em par�ic�larmen�e habilidades comunicacionais, empatia e construção de vínculo, têm sido amplamente estudadas por referência às suas implicações na prática médica. Já em 1995, �ma ampla re�is�o de li�era��ra p�blicada na Social Science & Medicine8 apresentava uma metanálise, mostrando relação positiva entre a�men�o da q�alidade da a�en��o à saúde como �m todo e comunicação sócio�a�e�i�a (q�e incl�i aspec�os da s�bje�i�idade do pacien�e e promo�e �ínc�lo), e relação negativa entre adesão e comunicação instru- men�al (�ocada nos aspec�os biomédicos do adoeci- mento). Nesse estudo, mais precisamente aos artigos abordando pacien�es com câncer e sa�is�a��o com as in�orma�ões recebidas, encon�ro��se q�e 92% dos pacien�es in�ernados q�eriam mais in�orma�ões q�e as �ornecidas pela eq�ipe de saúde, 69% dos pa- cien�es in�ernados q�eriam �omar decisões sobre s�a terapêutica de forma compartilhada com o médico, m�i�o embora 71% dos médicos pre�erissem decidir sozinhos sobre as cond��as a serem adotadas em cada caso. Obser�o��se �ambém associação positiva en�re in�orma�ões ao pacien�e de �orma ins�ficien�e o� inadeq�ada e a�men�o de sin�omas psiq�iá�ricos, principalmente depressão e ansiedade. Van Dalen et al.9 da Universidade de Maas-Universidade de Maas- �rich�, em es��do q�e apresen�a res�l�ados de mais de vinte anos de atuação nessa temática, demons- �ram q�e a com�nica��o é �m �a�or de�erminan�e em q�ase �odos os aspec�os do c�idado à saúde. A his�ória clínica con�rib�i em 60 a 80% dos dados para o diagnóstico. Estudos de correlação mostram associação positiva entre melhor controle de pressão arterial e glicemia, diminuição de sintomas clínicos, percep��o s�bje�i�a de saúde e boa com�nica��o médico pacien�e, no q�e se re�ere ao �so adeq�ado do �empo de con�ersa, compor�amen�o n�o �erbal, e q�alidade da in�orma��o. Estudos de Rider e Keefer1 de Harvard mos�ram q�e a boa comunicação e relação médico- pacien�e �êm impac�o significa�i�o no c�idado e a�- men�o da q�alidade da a�en��o à saúde. Já a �al�a de habilidade de com�nica��o es�á associada à má prática e erros médicos. A competência relacional e comunicacional se fundamenta em atitudes, conhecimentos e ha- bilidades de com�nica��o e in�era��o q�e req�er ensino�aprendizagem e deve ser desenvolvida nas escolas médicas, sendo um dos eixos avaliadores para a acreditação da residência médica em outros países10,11. No ano 2003, em Harvard, líderes de escolas médicas de todo o mundo reuniram-se para discutir as compe�ências relacionais e de com�nica��o q�e de�eriam �azer par�e do ensino médico c�rric�lar. O doc�men�o final de�ermina q�e, em �odas as áreas de a��a��o em Medicina, o médico de�e ser capaz de mostrar respeito e compreensão para com pacientes, colegas e al�nos, realizar esc��a e arg�men�a��o q�e permite trocar informações, construir propostas tera- pêuticas e esclarecer satisfatoriamente pacientes e�amiliares, e saber �rabalhar com membros da eq�ipe de saúde o� gr�po de o��ros profissionais. As dire�rizes c�rric�lares do Minis�ério da Educação para o curso médico, desde 2001, preco- nizam o desen�ol�imen�o de habilidades de com�ni- cação na formação do aluno de Medicina12. Define-se como habilidades essenciais2-5 para a comunicação médico-paciente: 1. Construir a relação médico-paciente: in- centivar parceria/ promover participação ativa do pa- ciente/ respeitar suas ideias na tomada de decisão; 2. Desenvolver a conversa: incentivar o pacien�e a �alar sobre s�a �ida, saúde e �ra�amen�o/ �sar perg�n�as aber�as e �echadas adeq�adamen�e/ escutar ativamente/ �sar adeq�adamen�e ling�agem �erbal e n�o��erbal (�ace, ges�os, con�a�o �is�al, posição do corpo); 3. Re�nir in�orma�ões: organizar conj�n�o completo dos dados clínico e vivencial do paciente/ estruturar, esclarecer, e resumir as informações; 4. Compreender o paciente: explorar fatores contextuais (família, cultura, idade, sexo, socioeco- nômico, espiritualidade, crenças, preocupações e ex- pectativas)/ reconhecer ideias, sentimentos e valores/ perceber e respei�ar limi�es da s�a pri�acidade; 5. Compar�ilhar in�orma�ões e �azer acordos: �azer acordos terapêuticos/ incentivar a participação do paciente na tomada de decisão/ considerar seus desejos, problemas e planos/ checar se ele conse- gue seguir o plano/ pedir outros recursos e apoio da eq�ipe de saúde se necessário; 161 Rev Med (São Paulo). 2012 jul.-set.;91(3):159-62. 6. Encerrar a con�ersa: �erificar se o pa- cien�e �em o��ras q�es�ões e preoc�pa�ões/ res�mir e reforçar o plano de ação/ discutir o seguimento (próxima �isi�a, o q�e �azer no caso de res�l�ados inesperados, etc). Esse conj�n�o �écnico de habilidades essen- ciais em q�alq�er con�ex�o da a�en��o à saúde só �erá e�e�i�idade se ocorrer no ambien�e de �ma rela- ��o in�ers�bje�i�a. N�o ha�erá com�nica��o e�e�i�a se o médico apenas seguir o roteiro da consulta sem mani�es�ar �erdadeira disponibilidade in�erna para compreender o o��ro (empa�ia) e com ele b�scar a cons�r���o de sen�ido para a si��a��o de saúde em q�es��o (c�idado). Na Ed�ca��o Médica, é consenso q�e o ensino�aprendizagem de com�nica��o de�e se desenvolver ao longo da graduação de forma sis�ema�izada, em di�ersos cenários de ensino, e pre�erencialmen�e em peq�enos gr�pos �rabalhados com metodologias ativas13. São metodologias ativas �req�en�emen�e ado�adas3,9: discussão de textos e casos em peq�enos gr�pos, obser�a��o do al�no junto ao paciente (em tempo real), fi lmagem do aluno com o paciente e discussão, Medicina Narrativa (lei��ra e escri�a), drama�iza��o, a��o�reflex�o e auto-avaliação, Grupo Balint, OSCE � Objective Structured Clinical Examination, oficinas de habilidades in�erpessoais, aprendizagem baseada em problemas. O processo ed�cacional come�a com obje- �i�os ed�cacionais mais básicos e �ai se complexi- zando ao longo do c�rso médico de �orma q�e ao final os al�nos �enham conhecimen�os, habilidades e atitudes conforme se descreve no Quadro 1. Quadro 1. Obje�i�os ed�cacionais do ensino�aprendizagem de com�nica��o em Medicina Primeiro e segundo ano - Introdução à conversa na prática médica 1. Conhecer princípios e concei�os da com�nica��o na prá�ica médica: defini��o de con�ersa, esc��a a�en�a, ling�a- gem, encontro, acolhimento, empatia. 2. Iden�ificar con�ex�os e cenários implicados na com�nica��o nas prá�icas de saúde 3. Realizar �ma en�re�is�a clínica adeq�ada ao c�idado. Terceiro e q�ar�o ano – Com�nica��o em cenários e si��a�ões específicos 1. Conhecer princípios e concei�os da in�ers�bje�i�idade: o e� e o o��ro, campo relacional, campo �rans�erencial. 2. Iden�ificar si��a�ões psicodinâmicas par�ic�lares: c�idado à crian�a, sex�alidade, �iolência, confli�os, c�idado ao idoso 3. A��ar de modo empá�ico e de acordo com a especificidade de cada encon�ro in�ers�bje�i�o. Q�in�o e sex�o ano – Com�nica��o em si��a�ões di�íceis e de confli�o 1. Demons�rar conhecimen�os sobre: in�ers�bje�i�idade, �écnicas com�nicacionais, empa�ia, psicodinâmica de si��a- �ões específicas 2. Demons�rar habilidades com�nicacionais para lidar com si��a�ões de dific�ldades específicas (por ex. �iolência, confli�os, más no�icias, emergência e �rgência, pacien�e psiq�iá�rico, e�c.) Na FMUSP em 2011, das 127 disciplinas da graduação, 45 (duas do campo das humanidades mé- dicas e as demais predominantemente da área clínica) tratavam de aspectos comunicacionais relativos à sua �emá�ica específica. Nosso desafio é criar es�ra�égia de ensino�aprendizagem o� de ges��o do conhecimen�o �ol�ado especificamen�e para o desen�ol�imen�o de competências comunicacionais na graduação médica como um todo, temática reconhecidamente importante para as boas prá�icas em Medicina. Agradecimen�os: Ademir Lopes J�nior, Denise Balles�er, Silmar Gannam, Diógenes Ba�is�a da Sil�a, Ana Clá�dia Camargo, D�lce Maria Senna e Milena Gros, q�e significa�i�amen�e con�rib�íram nas disc�ssões sobre esse �ema e na elabora��o dos obje�i�os ed�cacionais apresen�ados nes�e ar�igo. 162 Rios IC. Comunicação em medicina. REFERÊNCIAS Rider EA, Keefer CH. Communicat ion ski l ls 1. compe�encies: defini�ions and a �eaching �oolbox. Med Educ. 2006;40:624-9. Makoul G. Communication skills education in medical 2. school and beyond. JAMA. 2003;289(1):93. Makoul G. A guide for instructor and learners for teaching 3. and assessing communication skills. The SEGUE framework. Program in Communication & Medicine. Chicago, Ill.: Nor�hwes�ern Uni�ersi�y Feinberg School o� Medicine; 2005. A�ailable �rom: h��p://www.pcm. northwestern.edu K�r�z SM, Sil�erman JD, Draper J. Calgary � Cambridge 4. guide to the medical interview – communication process. Ox�ord: Radcli��e Medical Press; 1998. K�r�z SM, Sil�erman JD, Benson J, Draper J. Marrying 5. content and process in clinical method teaching: enhancing �he Calgary�Cambridge g�ides. Acad Med. 2003;78(8):802-9. Ayres JRM. C�idado e recons�r���o das prá�icas de 6. saúde. In�er�ace Ed�c Com�n Saúde. 2004;8(14):73� 92. Coelho Jr NE, Fig�eiredo LC. Fig�ras da in�ers�bje�i�idade 7. na cons�i��i��o s�bje�i�a: dimensões da al�eridade. Interações. 2004;9(17):9-28. Ong LML, Haes JCJM, Hoos AM, Hoos LFB. Doc�or�8. patient communication: a review of the literature. Social Sci Med. 1995;40(7):903-18. Van Dalen J, Bar�holome�s P9. , Kerkhofs E, Lulofs R, Van Thiel J, Re�hans JJ, Scherpbier AJ, Van Der Vleuten CP. Teaching and assessing communication skills in Maas�rich�: �he firs� �wen�y years. Med Teach. 2001;23(3):245-51. Association of American Medical Colleges. Medical 10. school objec�i�es. 2005. A�ailable �rom: h��p//www. aamc.org/meded/msop/msop1.pdf. Accreditation Council for Graduate Medical Education - 11. ACGME, 2007. A�ailable �rom: h��p://www.acgme.org/ acWebsi�e/home/home.asp Brasil. Dire�rizes Curriculares do Curso de Medicina. 12. Brasília; 2004 [citado 20 jul. 2012]. Disponível em: http:// por�al.mec.go�.br/cne/arq�i�os/pd�/CES04.pd�. Rios IC. S�bje�i�idade con�emporânea na ed�ca��o 13. médica: a formação humanística em medicina [Tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina; 2010.