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1 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024 jan. 2021 Guerra psicológica e a imprensa feminista: um estudo do Jornal Brasil Mulher em Londrina durante a Ditadura Militar (1964-1985) Psychological war and feminist press: a study of Jornal Brasil Mulher in Londrina during the Military Dictatorship (1964-1985) Guerra psicológica y prensa feminista: estudio del Jornal Brasil Mulher de Londrina durante la Dictadura Militar (1964-1985) DOI: 10.55905/revconv.17n.6-114 Originals received: 05/10/2024 Acceptance for publication: 05/31/2024 Fabio Lanza Doutor em Ciências Sociais Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) Endereço: São Paulo - São Paulo, Brasil E-mail: lanza@uel.br Lívia Campanheli Graduanda em Ciências Sociais Instituição: Universidade Estadual de Londrina (UEL) Endereço: Londrina - Paraná, Brasil E-mail: livia.campanheli@uel.br José Wilsson Assis Neves Júnior Doutor em Ciências Sociais Instituição: Universidade Estadual Paulista em Marília Endereço: Marília - São Paulo, Brasil E-mail: nevesjr1991@gmail.com Luan Prado Piovani Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia Instituição: Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Endereço: Campinas - São Paulo, Brasil E-mail: luan.piovani98@gmail.com João Marcos Camargo Nalli Mestrando em Sociologia Instituição: Universidade Estadual de Londrina (UEL) Endereço: Londrina - Paraná, Brasil E-mail: joaomcn@hotmail.com.br mailto:lanza@uel.br mailto:livia.campanheli@uel.br mailto:nevesjr1991@gmail.com mailto:luan.piovani98@gmail.com mailto:joaomcn@hotmail.com.br 2 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024 jan. 2021 RESUMO Este artigo tem como objetivo investigar o papel da imprensa feminista, especificamente o Jornal Brasil Mulher em Londrina, durante a ditadura militar no Brasil, destacando a violência da guerra psicológica imposta pelos ditadores. Utilizando uma abordagem de pesquisa documental, analisando os documentos do Serviço Nacional de Informações (SNI) da Agência de Curitiba, foi possível compreender como o Jornal Brasil Mulher enfrentou as pressões da censura e da perseguição em um contexto de estratégias de manipulação psicológica usadas pela ditadura para controlar e influenciar a sociedade paranaense. Este estudo contribuiu para uma compreensão mais aprofundada da atuação da imprensa feminista como um espaço de resistência, documentando como a guerra psicológica afetou o jornal e suas estratégias, além de evidenciar o papel das mulheres nesse contexto. Os resultados indicaram a importância da liberdade de expressão e dos direitos das mulheres na construção de uma sociedade mais justa, equitativa, igualitária e a promoção de narrativas históricas que reconheçam o protagonismo feminino. Palavras-chave: ditadura militar (1964-1985), Jornal Brasil Mulher, imprensa feminista, guerra psicológica. ABSTRACT In this study has as objective investigate the role of feminist press, specifically the Jornal Brasil Mulher in Londrina, during the military dictatorship in Brazil, highlighting the violence of psychological war demanded by the dictators. Utilizing a documental research approach analyzing the documents of Nacional Information Service (SNI) of the Curitiba Agency, was possible comprehend how the journal Brazil Woman face pressure from censorship and persecution in a context of strategic psychological manipulation used by the Dictatorship to control and influence the society of Paraná. This study contributed to a understanding more profound of the activity of feminist press as a space of resistance, documented how the psychological war affected the journal and yours strategies, even exposing the role of women in these context. The results indicate the importance of freedom and the woman rights in the building of a society more just, equitable, equal and the promotion of historical narratives that recognizes the feminist protagonism. Keywords: military dictatorship (1964-1985), Jornal Brasil Mulher, feminist press, psychological war. RESUMEN Este artículo pretende investigar el papel de la prensa feminista, concretamente del Jornal Brasil Mulher de Londrina, durante la dictadura militar en Brasil, destacando la violencia de la guerra psicológica impuesta por los dictadores. Utilizando un enfoque de investigación documental, analizando los documentos del Servicio Nacional de Información (SNI) de la Agencia de Curitiba, fue posible comprender cómo el Jornal Brasil Mulher se enfrentó a las presiones de la censura y la persecución en un contexto de estrategias de manipulación psicológica utilizadas por la dictadura para controlar e influir en la sociedad de Paraná. Este estudio contribuyó a una comprensión más profunda de la prensa feminista como espacio de resistencia, documentando cómo la guerra psicológica afectó al periódico y sus estrategias, además de destacar el papel de las mujeres en este contexto. Los resultados indican la importancia de la libertad de expresión y de los derechos de las mujeres en la construcción de una sociedad más justa, equitativa e igualitaria, así como la promoción de narrativas históricas que reconozcan el papel de las 3 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024 jan. 2021 mujeres. Palabras clave: dictadura militar (1964-1985), Jornal Brasil Mulher, prensa feminista, guerra psicológica. 1 INTRODUÇÃO A ditadura militar que assolou o Brasil nos anos de 1964 a 1985 deixou um legado de repressão política, censura e violação dos direitos humanos (Sousa, 2019; Reis, 2020). Durante esse período da história do país, a imprensa desempenhou um papel essencial na divulgação de informações e na resistência contra o regime autoritário (Aquino, 1999; Marconi, 1980). Dessa forma, entre as várias vozes que desafiaram as normas estabelecidas pela ditadura, esse estudo destaca uma vertente de mídia alternativa específica: a imprensa feminista. Esse estudo se propõe a destacar o papel crucial desempenhado pela imprensa feminista durante a ditadura militar brasileira, com foco no Jornal Brasil Mulher, que teve início na cidade de Londrina no estado do Paraná. O Jornal Brasil Mulher não apenas se tornou um espaço de resistência, mas também desafiou abertamente as estruturas patriarcais e os estereótipos de gênero, abordando questões relacionadas aos direitos das mulheres, igualdade de gênero e enfrentando o machismo estrutural. Segundo Araújo (2000), os movimentos feministas da década de 1970 buscavam construir uma posição política que unisse feminismo, luta democrática e socialismo. Isso representou um desafio direto às estruturas de poder estabelecidas pela ditadura militar. A imprensa feminista não era apenas um veículo de informação, era uma ferramenta de resistência que contribuiu para a conscientização sobre as violações de direitos humanos e a importância fundamental da liberdade de expressão em um contexto de repressão política. No entanto, a ditadura militar também empregou estratégias de guerra psicológica para controlar e manipular a sociedade (Neves Jr, 2021). A imprensa, incluindo a feminista, foi um dos alvos principais dessa guerra psicológica, sofrendo censura, perseguição e ameaças (Aquino, 1999). O conceito de guerra psicológica adversa é definida no Decreto-Lei nº 314, de 13 de março de 1967: 4 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024 jan. 2021 A guerra psicológica adversa é o emprêgo da propaganda, da contrapropaganda e de ações nos campos político, econômico, psicossocial e militar, com a finalidade de influenciar ou provocar opiniões, emoções, atitudes e comportamentos de grupos estrangeiros,inimigos, neutros ou amigos, contra a consecução dos objetivos nacionais. (Brasil, 1967) Esse decreto delineia a definição de maneira vaga, estrategicamente proporcionando uma base legal ampla para interpretação flexível. Essa impressão conceitual permitiu uma abrangência considerável na criminalização de atividades e manifestações percebidas como ameaças ao governo (Alves, 1985). A amplitude do conceito, aliada à ambiguidade, criou espaço para uma interpretação maleável, favorecendo os interesses das autoridades militares e facilitando a repressão de oposições políticas. Utilizando uma abordagem de pesquisa documental e analisando os documentos do SNI disponíveis no NDPH (Núcleo de Documentação e Pesquisa Histórica) da Universidade Estadual de Londrina, busca-se compreender como o Jornal Brasil Mulher enfrentou as pressões da censura e da perseguição, em um contexto de estratégias de manipulação psicológica usadas pelo regime ditatorial para controlar e influenciar a sociedade. A escolha da análise documental como método de investigação é baseada na visão de Tim May, que destaca o potencial informativo e estruturador dos documentos, como a sedimentação das práticas sociais. Nas palavras de May (2004, p. 205), “Os documentos, lidos como a sedimentação das práticas sociais, têm o potencial de informar e estruturar as decisões que as pessoas tomam diariamente e a longo prazo; eles também constituem leituras particulares dos eventos sociais”. O acesso aos arquivos do SNI no NDPH proporcionou um entendimento ampliado do contexto histórico e das condições sob as quais esses documentos foram produzidos. Além disso, as pesquisas foram estendidas ao SIAN, o site do Sistema de Informação do Arquivo Nacional, onde foi explorado o fundo documental relacionado ao SNI para identificar documentos de interesse. Esta abordagem metodológica permite uma análise abrangente, não apenas considerando o conteúdo dos documentos, mas também contextualizando-os no ambiente mais amplo em que foram gerados. Seguindo a abordagem proposta por May, é crucial compreender o período histórico, o contexto de produção dos documentos e os posicionamentos dos atores sociais, neste caso, os agentes do SNI. Como May enfatiza, a análise não se limita aos procedimentos de senso comum, mas se estende ao contexto político e social mais amplo que envolve a produção documental (2004, p. 213). Dessa maneira, a análise documental dos arquivos do SNI não apenas revelou as 5 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024 jan. 2021 pressões enfrentadas pelo Jornal Brasil Mulher, mas também permitiram uma compreensão mais profunda das perspectivas e interpretações dos agentes produtores no cenário político e social da época. Essa abordagem documental é fundamentada na ideia de que os arquivos, ao registrarem diversos eventos, fornecem uma visão única e valiosa da realidade. Como observado por Cellard, os documentos escritos são fontes extremamente preciosas para pesquisadores nas Ciências Sociais, possibilitando a reconstrução de épocas passadas, muitas vezes representado a quase toda totalidade dos vestígios da atividade humana em determinadas eras (2012, p. 295). No decorrer deste artigo, foram explorados os desafios enfrentados pela imprensa feminista, analisando as estratégias adotadas para enfrentar a censura e a perseguição. Buscando contribuir para a memória histórica, valorizando o papel das mulheres na resistência política e cultural. O objetivo é promover narrativas históricas inclusivas e plurais, reconhecendo as contribuições fundamentais das mulheres da história política e cultural. 2 RAÍZES E FUNDAMENTOS DA DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL A Escola Superior de Guerra (ESG) foi estabelecida em 1949, durante o governo Dutra, com o intuito de incentivar o desenvolvimento de estudos políticos estratégicos nas Forças Armadas. Dois dos diretores mais proeminentes da ESG foram o General Cordeiro de Farias, um dos fundadores e o primeiro diretor, e Juarez Távora, que posteriormente se candidatou à presidência. A ESG desempenhou um papel crucial na relação entre setores militares e grupos das classes dominantes. Os documentos de criação da Escola compunham uma engenharia discursiva que permeou todo o regime, com o intuito de manter as decisões sobre o arranjo das instituições nas mãos dos que integravam o escalão acima da 'elite brasileira' (Schinke, 2019, p. 1960). A instituição efetuou uma função significativa na formação de uma geração de militares, incluindo figuras proeminentes no cenário político brasileiro, como os futuros presidentes militares Marechal Humberto Castelo Branco (1964-1967) e o General Ernesto Geisel (1974- 1979). Além de formar militares, a ESG também ofereceu cursos abertos a convidados civis, o que resultou na formação de empresários, profissionais liberais e líderes políticos comprometidos com a mesma doutrina, mas atuando na sociedade civil. 6 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024 jan. 2021 A Escola Superior de Guerra foi responsável pela elaboração da Doutrina de Segurança Nacional (DSN), que serviu como a base ideológica da ditadura militar no Brasil. A DSN incluía uma teoria de guerra que foi concebida em meio à Guerra Fria, o que resultou em uma visão de mundo binária, pautada no princípio de existência de uma batalha do bem (representado pelos ideais ocidentais) contra o mal (personificado no oriente comunista). Nesse contexto, a neutralidade não tinha lugar, levando ao patrulhamento ideológico e à famosa frase "Brasil, ame- o ou deixe-o". Havia uma preocupação com a formação qualitativa dos agentes do aparato repressivo estatal, pois, conforme preconizado pela DSN golberyana, que destacava a preocupação com os baixos níveis intelectivos da população brasileira, as massas seriam facilmente manipuláveis pelos sujeitos subversivos (Silva, 2003). Essa perspectiva moldou não apenas a estrutura repressiva, mas também a visão sobre a sociedade e seu potencial de resistência, evidenciando o impacto abrangente da Doutrina de Segurança Nacional durante o período ditatorial. A partir da teoria de guerra revolucionária, observou-se uma militarização não apenas da política do Estado, com os militares dirigindo a máquina estatal, mas também da sociedade, uma vez que todos os civis eram instados a combater os "traidores" da nação. A teoria de guerra revolucionária também gerou a teoria da revolução e da subversão, com a crença de que existiria um inimigo interno que buscava disseminar sua influência por todo o território, muitas vezes associado a influências comunistas. “O medo era o de que o comunismo pudesse criar um clima emocional perigoso no país e iniciar um processo revolucionário a exemplo de Cuba.” (Sousa, 2019) Aqueles que se opunham às ideias do governo eram caracterizados como inimigos internos, subversivos ou até mesmo terroristas, justificando ações autoritárias e repressivas. Assim surgiu a ideia de combater a subversão e reprimir as ameaças ao Estado, mobilizando, para tanto, uma concepção distorcida de defesa nacional a defesa nacional. Nesse sentido, a Doutrina de Segurança Nacional foi importante para a justificação da criação de órgãos repressivos, como o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e o Serviço Nacional de Informações (SNI), sob a alegação de que era necessário manter a ordem social. Além disso, também justificava a execução da censura e repressão, em especial na imprensa que representava uma ameaça aos interesses nacionais, sendo parte de uma estratégia mais ampla de combate ao comunismo e à subversão. 7 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024 jan. 2021 Nessa perspectiva, como sequência do combate à subversão através da censurade imprensas, a propaganda também foi utilizada como veículo de propagação sensíveis na sociedade, colocando em prática a ideia de guerra psicológica, que seria possível através do efeito psicossocial. Uma forma de atuar na sociedade para colocar em prática a ideia de “guerra psicológica” era pelo poder psicossocial. De acordo com os textos teóricos publicados pela Biblioteca do Exército, o poder psicossocial era um importante componente do poder nacional. (Sousa, 2019, p. 424) Para analisar a concepção dos militares em relação à guerra psicológica foi utilizado o documento ACT ACE 2047/82, intitulado “Temas explorados pelos meios de comunicação social que evidenciam ações de guerra psicológica adversa”. Segundo os agentes a caracterização dessa guerra indicava a utilização de técnicas sutis, porém eficazes, visando a consecução de seus objetivos. “Significa a "massificação da opinião pública/brasileira”, com o propósito deliberado - planejado, orientado e executado no País, com apoio do exterior (MCI) -, "influenciar opiniões, emoções, atitudes e comportamentos de pessoas ou grupos diversos" em torno de ideais comunistas e contrários a Revolução de Março de 1964.” (ACT/ACE - 2047/82, lauda 6) Esse documento revela a percepção dos militares sobre a necessidade de controlar e moldar a psicologia da sociedade como parte integrante de sua estratégia de manutenção do regime e da resistência a influências consideradas subversivas. Pertinente, ainda, se faz problematizar que a vertente golberyana da DSN partia do pressuposto de constituir-se enquanto sistematização dos princípios e objetivos genéticos da população brasileira. Assim, por intermédio desta egocêntrica autopercepção do alto escalão das Forças Armadas como representação intelectual do povo brasileiro, as ideias e opiniões que se opunham aos princípios da DSN (estando elas pautadas na defesa do liberalismo ou do socialismo) passaram a ser retratadas como ardilosas estratégias de erosão da ordem social e da cultura nacional para o atendimento de interesses estrangeiros (Neves Jr, 2021). Nesse contexto, a população enfrentava uma realidade marcada pela constante apreensão, tanto em relação ao “inimigo interno” quanto à presença da repressão no país. O medo era um companheiro constante na vida cotidiana dos cidadãos, permeando suas interações e decisões. A 8 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024 jan. 2021 incerteza sobre quem poderia ser considerado um "inimigo interno" e as possíveis ramificações dessa classificação criavam um clima de ansiedade generalizada. A repressão estatal, manifestada através de órgãos como o DOPS e o SNI, adicionava outra camada de apreensão, pois a mera expressão de opiniões discordantes poderia resultar em interrogatórios, detenções e, em casos extremos, desaparecimentos. Nesse ambiente tenso, a sociedade civil vivenciava uma constante sensação de insegurança e vulnerabilidade. 3 TERRORISMO DE ESTADO A política da Ditadura Militar de 1964 tinha apenas uma percepção, uma que se iguala ao de guerra, e isso fica mais claro porque “o princípio da guerra é a aniquilação total do outro.” (Reis, 2020, p. 19). O outro, nesse caso, seria toda a ideia e indivíduo que fosse considerado subversivo. A soma destas duas dimensões culminava no conceito golberyano de guerra total, que estendia o princípio de enfrentamento para além do confronto bélico direto (perspectiva militar tradicional, direcionada majoritariamente para as relações internacionais), adentrando os âmbitos da cultura, da política e da economia que eram apreendidas a partir da interação entre o externo/estrangeiro e o interno/nacional (Neves Jr, 2021). Para isso acontecer o Estado ditatorial militar foi dotado de um robusto aparato de vigilância e de tortura com o objetivo de encontrar e exterminar os subversivos. E apesar de ser uma noção recente, podemos dizer que além dessa Guerra Psicológica, havia também uma política de Terrorismo de Estado. “Os regimes de terrorismo de Estado implantados pelas ditaduras cívico-militares de segurança nacional foram regimes autoritários, implantados através de golpes de Estado de caráter contra-insurgente, seguindo a lógica da Doutrina de Segurança Nacional, atingindo o Cone Sul durante o período das décadas de 1960 a 1980.” (Bauer, 2005, p. 1) O desafio de se falar em terrorismo nesse caso é por seu caráter político e social adquirido nos tempos atuais, é o que se percebe principalmente depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. Todavia, Diego Reis (2020) e Caroline Silveira Bauer (2005) percebem que se pode dar outro caráter à noção de terrorismo. Em Reis interpreta que há, atualmente, uma política de Estado que utiliza a posição de vítima dos atos terroristas e até mesmo o próprio temor desses atos para poder aplicar uma vigilância perante a sociedade e até mesmo de forma violenta. Já 9 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024 jan. 2021 Bauer demonstra que a noção de terrorismo pode ser aplicada, também, a outras épocas, principalmente nos regimes ditatoriais dos Estados sul-americanos no contexto de Guerra fria. Outra, ainda pouco explorada pelos pesquisadores brasileiros, é a que pretende interpretar esses regimes como regimes de terrorismo de Estado. Em realidade, apenas os acadêmicos brasileiros ainda não se dedicaram a discutir os limites e as possibilidades da utilização desse conceito para o caso de seu país. Pesquisadores de outras nacionalidades, incluindo os que tiveram em seus países a experiência de regimes de terrorismo de Estado (como argentinos, chilenos e uruguaios), quando estudam esses regimes não hesitam em considerar a ditadura cívico-militar brasileira como um exemplo de terrorismo de Estado. (Bauer, 2005, p. 1) Em princípio pode-se afirmar, utilizando Reis (2020), que a política é acima de tudo uma relação entre indivíduos, portanto uma relação com a diferença; afinal nem todo indivíduo é igual, ele é apenas semelhante dentro das leis que regem a sociedade. E de modo similar, Hannah Arendt, quando afirma que “a política diz respeito à coexistência e a associação de homens diferentes” (Arendt, 2008, p. 145). Tendo isso em mente, pode-se afirmar que o Estado Militar de 1964 é um regime político, cuja política, visava eliminar toda participação política e democrática, pois ele teme o diferente, ainda mais sua coexistência com tal diferença, “[...] segundo Nilo Batista, ‘a seleção criminalizante opera através de estereótipos[...]” (Batista, 2006, p. 25). Há uma problemática a mais, a Ditadura Militar de 1964 foi totalmente diferente de suas ditaduras “irmãs” da América Latina. Enquanto a Ditadura Chilena de Pinochet é aberta, havia no Brasil uma Ditadura velada, ou ao menos agia de forma mais discreta, é o caso das eleições indiretas. A repressão política durante a ditadura cívico-militar brasileira pode ser dividida em duas principais ações: a produção de informações e a ação repressiva propriamente dita. A atividade de produção de informações sobre determinados grupos e pessoas também pode ser considerada uma forma de repressão, já que a informação é a base de ação da atividade repressiva. Utilizou-se a informação como instrumento de poder através do conhecimento adquirido sobre o vigiado, criando-se um clima de constante suspeição sobre todos. (Bauer, 2005, p. 6) Apesar dessa Ditadura mascarada não se pode esquecer das principais características tomadas por este regime Militar: “[...] militarização do aparato do Estado; militarização e subordinação da sociedade civil; alto conteúdo repressivo; desenvolvimento do capitalismo; concepção tecnocrática a serviço de projetos econômicos com interesses do setor hegemônico do 10 Contribuciones a Las Ciencias Sociales,São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024 jan. 2021 capital; alienação frente ao imperialismo norte-americano[...]” (Bauer, 2005, p. 4). Reis demonstra também esse controle e temor. Deve-se tornar claro que todo terrorismo, parte de uma mesma premissa: “[...] o discurso teológico-salvacionista justificava os colonialismos, os imperialismos e, até mesmo, o extermínio deliberado de grupos étnicos, raciais ou religiosos, hoje, é em favor da defesa dos direitos humanos que toma forma, por vezes, as ações bélicas mais truculentas cometidas contra civis.” (Reis, 2020, p. 23). Em perspectiva similar, Terestchenko (2011) problematiza os métodos e estratégias utilizados na contemporaneidade, por democracias consolidadas (particularmente os EUA), para legitimar, perante a opinião pública, a aplicação de tortura em presos classificados pelo Estado como terroristas. Segundo o filósofo francês, mobilizando uma retórica pautada na defesa da moralidade e do bem maior, os Estados encontram caminhos para o exercício de práticas incondizentes com os mais básicos princípios de direitos universais. Neste distorcido processo de justificação do injustificável, práticas como a da tortura passam a ser apresentadas como “mal necessário” ou como ferramenta indispensável à conquista do bem maior frente à ameaça hipotética. Assim, Se, de um lado, ‘o terror parece menos um acontecimento passado do que uma possibilidade futura’, quando se fala em terrorismo ou em ameaça terrorista no singular, de outro, faz-se necessário questionar as clivagens que determinam o que é terror, na medida em que essas categorias são simultaneamente, construções e fenômenos políticos atravessados por tensionamentos de variadas ordens. (Reis, 2020, p. 24) Com a aplicação da política de Terrorismo de Estado utilizando a noção de defesa da liberdade e do país, ela acaba criando condições que permitem na verdade o contrário do que se prega. A fábula da bomba relógio, mobilizada por Terestchenko (2011) para ilustrar a perversa lógica de justificação da tortura na contemporaneidade, é elucidativa desta problemática. A fábula tem como pressuposto um cenário hipotético no qual um indivíduo, detido pelas autoridades, é acusado de ter implantado uma bomba relógio em uma instituição de ensino infantil de determinada cidade e, a partir desta situação problema, argumenta que a aplicação de métodos de tortura, neste caso específico, deve ser considerada como um dever que ecoa além do “mal necessário”, constituindo-se enquanto mecanismo de preservação do “bem”. Assim, a partir desta deturpada lógica argumentativa, em prol da preservação da segurança interna, muitos direitos e privilégios são quebrados. 11 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024 jan. 2021 Daí a vizinhança entre as medidas de combate ao terror e seu reverso sombrio, a espelhar exatamente ao que se propõe a combater e ao que há de mais assustador nos terrorismos: a restrição à liberdade, a presunção de criminalidade e a difusão do pânico ampliada a tal escala que se autoriza mesmo o uso indiscriminado da violência para neutralizar o perigo – também ele indefinido, polimorfo e multifacetado. (Reis, 2020, p. 30) E como descreve Reis na citação acima, Bauer tende a concordar perante essa perspectiva; mesmo que os dois estejam lidando com situações e eventos históricos diferentes. Esses regimes que se formaram através do controle absoluto do governo e do aparato coercitivo do Estado, através da destituição das autoridades e corpos representativos e submissão do Poder Judiciário; da desarticulação da sociedade política e civil, através da supressão das liberdades públicas, dissolução dos partidos e organizações políticas; da intervenção nos sindicatos e controle absoluto das universidades; do controle e manipulação dos meios de comunicação escritos, orais e visuais, tiveram como conseqüência deliberada a geração do terror ou, como alguns autores preconizam, de uma “cultura do medo”, fruto da “trivialização do horror” (Bauer, 2005) Desta forma, as ramificações desse Terrorismo de Estado da Ditadura Militar de 1964 se encontram emaranhadas até os dias de hoje na sociedade brasileira. É o caso de como damos as autoridades políticas, militares e de policiamento um certo grau de temor e “respeito”, dando a esses grupos uma certa anistia para seus atos, mesmo que sejam atos que prejudiquem de certa forma alguém, grupo ou a sociedade como um todo: ”[...] convergem para um ponto comum: o da violência política dos terrorismos de Estado, naturalizada em uma cadeia de violência sistêmica e estrutural, vinculada à legitimação das formas de dominação vigente.” (Reis, 2020, p. 29) Esses impactos acabam também afetando a sociedade e seus integrantes, criando assim uma “cultura do medo” (Bauer, 2005). Portanto os indivíduos com esse medo resultam em tomadas de ações que podem ser drásticas, sendo ações de excessiva violência, até passividade, ou seja uma “vista grossa”. É o caso da criação de organizações criminosas que acabam sendo recorridas pela população por terem medo dos meios legais; ou até mesmo o caso de cidadãos que decidem fazer vista grossa para crimes cometidos por alas políticas e militares. A evidência da repressão empregada pelo estado terrorista criou essa “cultura do medo”, na qual a participação política ou a simples contestação poderia ser equiparada ao risco real de sofrer essas práticas. A “cultura do medo” acaba gerando um efeito dissuasivo da sociedade. O efeito combinado da exploração econômica, da repressão física, do controle político e da rígida censura coibiu a participação em atividades de oposição comunitária, sindical ou política. (Bauer, 2005, p. 5) 12 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024 jan. 2021 Fica evidente as consequências de tamanho terrorismo não só nas entranhas da sociedade brasileira, mas também no psicológico de seus indivíduos. Então pode-se afirmar que se trata de uma Guerra Psicológica além de uma política de terrorismo de Estado; afinal suas ramificações e expandem para além do corpo político do Estado, e adentra nas instituições sociais e os cidadãos, vítimas de um sistema de exploração do medo. “É importante ressaltar que os regimes de terrorismo de Estado não se caracterizam somente pela ação repressiva. Apesar do terror aplicado pelo Estado ficar evidente em sua forma repressiva, setores como o da Educação, das Comunicações, entre outros, foram áreas onde o terror foi implantado como forma de dominação política.” (Bauer, 2005, p. 7). 4 O JORNAL BRASIL MULHER Em meio a essa tensão e medo, foi fundado o primeiro periódico da imprensa alternativa criado e dirigido por mulheres, durante o governo Geisel em 1975, período marcado pela chamada "distensão": Em discurso proferido no ano de 1975, Geisel incorporou ao princípio de abertura política a chamada “distensão social”, pois “os objetivos do governo, de institucionalizar o poder em bases democráticas, seriam impossíveis de alcançar caso se agravassem as tensões sociais”. (Rocha Junior, 2022, p. 6) Este contexto político se caracterizava por uma relativa abertura e tolerância do regime militar em relação às críticas e atividades da oposição, desde que não representassem ameaças diretas aos objetivos políticos do governo. Esse ambiente mais tolerante permitiu a emergência de outros tipos de veículos, como a imprensa alternativa, ou nanica como também era chamada. Era constituída por veículos de comunicação independentes que surgiram como resposta à censura e ao controle exercido pelo governo ditatorial. Esses meios buscavam oferecer uma visão crítica e diversificada, desempenhando um papel fundamental na disseminação de informações e perspectivas alternativas, pois nãosofriam com a censura prévia ou com tantas pressões governamentais, como ocorria com grandes jornais. No entanto, mesmo nesse período de distensão, essas iniciativas não escaparam da inspeção do governo. O documento ACT ACE 1621/81, produzido pelo SNI em maio de 1977 13 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024 jan. 2021 intitulado “Imprensa “Nanica” ou “Alternativa”, revela que mesmo veículos como o Jornal Brasil Mulher estavam sob vigilância. Esse documento, ao analisar também o jornal feminista citado, descreve suas características, destacando suas reportagens sobre problemas sociais e econômicos no Brasil, suas críticas ao governo e ao regime político vigente, bem como sua postura independente, não divulgando nenhuma publicidade em seus números. Essa documentação evidencia a persistência da vigilância sobre essas imprensas consideradas alternativas, mesmo durante o período de distensão. Isso ocorria, pois, veículos alternativos como o Jornal Brasil Mulher desafiaram ativamente as normas estabelecidas pela ditadura. A partir das fontes documentais foi possível identificar que a primeira edição do Jornal Brasil Mulher foi editada em Londrina/PR e transportada para São Paulo, refletindo a estratégia de ampliação de sua divulgação. Focando em temas relacionados aos direitos das mulheres, igualdade de gênero, enfrentamento ao machismo estrutural e questões vinculadas à anistia, o jornal se tornou um desafio aberto às restrições impostas pela ditadura, contribuindo significativamente para a construção de um espaço de resistência e para a consolidação de identidades feministas. As feministas brasileiras da década de 1970 buscavam, através de sua imprensa, construir uma posição política que desse conta da especificidade da condição feminina, de uma visão alternativa de política [...] e, ainda, da luta contra a ditadura e o socialismo. (Araújo, 2000, p. 164) Além de ser um veículo de informação, o Jornal Brasil Mulher foi um espaço de resistência singular em meio à ditadura, desafiando abertamente as estruturas patriarcais e os estereótipos de gênero predominantes na sociedade (Leite, 2003). Ao abordar questões relacionadas aos direitos das mulheres e à igualdade de gênero, o jornal não apenas trouxe à tona temas negligenciados, mas também promoveu uma conscientização essencial sobre a condição feminina na época. Suas páginas tornaram-se um palco para vozes antes silenciadas, oferecendo um espaço para narrativas femininas diversas e para a construção de identidades feministas no contexto político e social hostil da ditadura. Enfrentando a censura e a pressão do regime, o Jornal Brasil Mulher não só resistiu, mas também se destacou como um farol de esperança e empoderamento 14 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024 jan. 2021 para as mulheres na luta por seus direitos e pela igualdade na sociedade brasileira (Debértolis, 2002). Em meio ao seu papel desafiador, o Jornal Brasil Mulher não escapou da vigilância e monitoramento do Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de inteligência do regime militar. O SNI, atento à imprensa considerada subversiva, acompanhava de perto as atividades do jornal, impondo uma sombra constante sobre suas operações. A constante vigilância não apenas representava uma ameaça à liberdade de expressão, mas também impunha um clima de tensão e cautela aos envolvidos na produção e distribuição do jornal. 5 O SNI E O JORNAL BRASIL MULHER Em busca na plataforma do Sistema do Arquivo Nacional (SIAN), foi encontrado o documento ASP ACE 4250/80, datado de 15 de junho de 1976, intitulado “Jornal Brasil Mulher”. O mencionado documento evidencia a ampla vigilância do Serviço Nacional de Informações (SNI) sobre o veículo de imprensa. Composto por 99 laudas, ele detalha minuciosamente atividades, informações pessoais e mudanças operacionais relacionadas ao jornal. Isso revela a intensa investigação do SNI sobre cada membro da equipe, inclusive suas atividades extracurriculares, destacando a atenção dada a todos os aspectos do funcionamento do jornal. A presença do guia de leitura acompanhando as edições do Jornal Brasil Mulher dentro dos relatórios do SNI é reveladora. As 94 páginas anexadas, contendo edições do jornal, juntamente com um guia detalhado de interpretação, destacam a atenção minuciosa que o SNI dedicava não apenas à presença do jornal na mídia, mas também à sua narrativa e influência potencial sobre os leitores. Ao integrar o guia de leitura em seus relatórios, o SNI evidenciou a sua preocupação com a abordagem editorial e a possível repercussão do Jornal Brasil Mulher. A inclusão dessa documentação revela o monitoramento da presença do jornal, e também uma análise cuidadosa de seu conteúdo. Isso ilustra o escopo da intensa repressão e vigilância exercida pelo regime, evidenciando o controle meticuloso sobre qualquer forma de expressão ou atividade política contrária aos interesses do Estado, inclusive na forma como o jornal era estruturado para seus leitores. 15 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024 jan. 2021 Por exemplo, este guia de leitura destaca a percepção da ditadura sobre a necessidade de uma reforma política para enfrentar as condições políticas e sociais em evolução, num contexto em que ganham corpo os conflitos interburgueses e se amplia a contestação popular à ditadura, e que o projeto institucional defendido pelo setor Geisel tenta se implantar (ASP/ACE - 4250/80, lauda 8). Esse trecho evidencia a importância que o regime militar atribuía à reforma política como meio de reorganização do poder político para consolidar a ditadura. No entanto, mesmo após dois anos da proclamação do processo “distencionista” pelo governo Geisel, as reformas nas estruturas políticas ainda não haviam sido efetivamente implantadas. A conjuntura política brasileira tem sido marcada, sobretudo nos últimos 4 meses por acontecimentos que, vistos isoladamente, podem parecer um amontoado de medidas contraditórias da ditadura. Para situá-las e compreendê-las devemos remontar um quadro mais amplo em que se desenvolve a política "distencionista" do governo Geisel. (ASP/ACE - 4250/80, lauda 8) Além disso, o guia discute a crise de hegemonia do poder político da ditadura, especialmente entre as classes dominantes, e como o movimento de oposição democrático e popular contribuiu para esse cenário. O anexo do guia ao relatório do SNI expõe a preocupação e perspectiva do regime em relação à conjuntura política e às estratégias necessárias para manter sua estabilidade diante das crescentes contestações. Após este trecho, segue-se a inclusão de outras 49 páginas. As primeiras seções apresentam mais anexos de jornais, agora também incluindo materiais do jornal Amnistia, que, como anteriormente observado pelos agentes, mantinha uma linha editorial semelhante à adotada pelo Jornal Brasil Mulher. As últimas 10 páginas deste documento contém a resposta a uma solicitação de busca, que detalha informações pessoais sobre as mulheres envolvidas no jornal. Esses dados abrangem aspectos diversos, desde informações sobre suas famílias até eventos que participaram, outros locais em que trabalharam e até mesmo viagens e visitas que realizaram. Além disso, é feita uma nova solicitação de busca, desta vez direcionada a detalhes específicos sobre os membros do conselho editorial e de pesquisa do Jornal Brasil Mulher. Por fim, o documento inclui o prontuário de uma jornalista que atuava como tradutora para o jornal. Esse arquivo abarca informações de cunho profissional, pessoal e histórico de sua participação no cenário político. 16 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024jan. 2021 Outro documento crucial, datado de 11 de maio de 1976 e catalogado como AC ACE 91834/76, descreve um encontro no Museu de Arte de São Paulo para celebrar o Dia Internacional da Mulher em 1976. Cerca de 400 mulheres e 20 homens participaram, discutindo temas como a condição feminina na sociedade, sua situação econômica e política. O evento contou com figuras proeminentes, incluindo Therezinha Godoy Zerbini e Joana Lopes, além da exibição de filmes e a distribuição de cartazes do Movimento Feminino pela Anistia (MFA). Após o evento, debates sobre os filmes foram proibidos por "ordens superiores", e a reunião encerrou-se com informações do MFA e a venda do jornal "Brasil Mulher", edição de dezembro de 1975. A proibição do debate demonstra a resistência do governo militar em permitir o livre fluxo de ideias e discussões que pudessem contrariar a narrativa oficial. A censura imposta às discussões sobre os filmes exibidos revela a tentativa de controlar não apenas a expressão política, mas também a cultura e a arte como formas de influenciar a sociedade. A proximidade entre Therezinha Zerbini e Joana Lopes, ambas com destacado protagonismo na década de 1970, oferece uma perspectiva interessante. Enquanto Zerbini liderava o Movimento Feminino pela Anistia, lutando pelos direitos e pela liberdade de presos políticos, ela também trabalhava ao lado de Joana Lopes que desempenhava um papel fundamental como editora do Jornal Brasil Mulher. Essas mulheres faziam parte de uma geração engajada politicamente, contribuindo significativamente para a luta pela redemocratização do país. Seus protagonismos em diferentes frentes, seja na defesa dos direitos civis e políticos das mulheres ou na resistência por meio da imprensa independente, refletem a diversidade e a intensidade do movimento pela redemocratização durante esse período. Depois dos anexos do jornal, o documento apresenta uma carta enviada do Ministério da Justiça ao chefe do SIGAB (Serviço de Informação ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República), na qual são feitas observações críticas sobre o jornal "Brasil Mulher". Este tablóide à semelhança de outros que circulam no momento (Opinião, Ex, Movimento) dedica-se a ação contestatória, agudamente crítica, tendenciosa e negativista. [...] O editorial, todo vazado segundo o jargão marxista, não deixa dúvidas quanto à função doutrinária do jornal. (AC/ACE - 91834/76, lauda 20) 17 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024 jan. 2021 A carta menciona que o jornal, apesar de parecer destinado a um público feminino, serve como um veículo para disseminação de ideias políticas de cunho comunista. O texto é considerado tendencioso e negativista, com matérias oriundas de fontes censuradas e uso de um discurso marxista, reforçando a preocupação do regime com publicações consideradas contrárias aos seus interesses. O documento se finda com a seguinte declaração: “Em decorrência do que foi exposto, sugiro que este jornal seja mantido sob observação, resultando daí as providências cabíveis.” A profundidade dessa análise e o acompanhamento detalhado de cada atividade do "Movimento Brasil Mulher" e do jornal refletem a amplitude da repressão e da vigilância impostas pelo governo militar. Essa postura se manifestava diante de qualquer manifestação opositora ou atividade política que pudesse desafiar os interesses do Estado. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo ofereceu uma análise do papel crucial desempenhado pela imprensa feminista, com foco no Jornal Brasil Mulher, durante o período ditatorial no país. Diante de um contexto de repressão política, censura e violação dos direitos humanos, a imprensa alternativa, e em particular a imprensa feminista, emergiu como uma voz desafiadora, resistindo às normas estabelecidas pelo regime autoritário. O Jornal Brasil Mulher, fundado em 1975, não apenas se tornou um espaço de resistência, mas também confrontou abertamente as estruturas patriarcais e os estereótipos de gênero predominantes. Ao abordar temas relacionados aos direitos das mulheres, igualdade de gênero e ao enfrentamento do machismo estrutural, o jornal não só trouxe à tona questões negligenciadas, mas também promoveu uma conscientização crucial sobre a condição feminina na época. A abertura política relativa do governo Geisel, marcada pela chamada “distensão”, permitiu o surgimento de veículos de imprensa alternativa, proporcionando um ambiente mais tolerante. No entanto, a imprensa feminista, incluindo o Jornal Brasil Mulher, ainda estava sujeita à intensa vigilância e monitoramento por parte do SNI. A análise dos documentos do SNI revelou a extensão da investigação sobre o jornal, indo além da simples observação de suas atividades na mídia. A análise minuciosa do conteúdo do jornal demonstrou uma preocupação não apenas com a presença do jornal, mas também com sua 18 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024 jan. 2021 narrativa e influência potencial sobre os leitores. Essa atenção detalhada reflete a intensa repressão e vigilância exercida pelo regime, evidenciando o controle meticuloso sobre qualquer forma de expressão ou atividade política contrária aos interesses do Estado. Os desafios enfrentados pela imprensa feminista, como evidenciado no caso do Jornal Brasil Mulher, incluíram não apenas a censura e a perseguição, mas também a constante ameaça à liberdade de expressão. O contexto de guerra psicológica adversa, conforme definido pelo Decreto-Lei nº 314 de 1967, proporcionou uma base legal ampla para a interpretação flexível, permitindo a criminalização de atividades percebidas como ameaças ao governo. Em meio à tensão e ao medo, o Jornal Brasil Mulher destacou-se como um farol de esperança e empoderamento para as mulheres na luta por direitos e pela igualdade na sociedade brasileira. Sua resistência contribuiu para a conscientização sobre as violações de direitos humanos e representou uma narrativa histórica mais inclusiva e plural, valorizando o papel das mulheres na resistência política e cultural. No geral, este estudo buscou valorizar e compreender a história da imprensa feminista durante a ditadura militar, contribuindo para a preservação da memória histórica e destacando a importância dessas vozes na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. 19 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024 jan. 2021 REFERÊNCIAS ALVES, M. H. M. State and Opposition in Military Brazil. Austin: University of Texas, 1985. AQUINO, Maria A. 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