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1 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024 
 
 jan. 2021 
Guerra psicológica e a imprensa feminista: um estudo do Jornal Brasil 
Mulher em Londrina durante a Ditadura Militar (1964-1985) 
 
Psychological war and feminist press: a study of Jornal Brasil Mulher in 
Londrina during the Military Dictatorship (1964-1985) 
 
Guerra psicológica y prensa feminista: estudio del Jornal Brasil Mulher de 
Londrina durante la Dictadura Militar (1964-1985) 
 
DOI: 10.55905/revconv.17n.6-114 
 
Originals received: 05/10/2024 
Acceptance for publication: 05/31/2024 
 
Fabio Lanza 
Doutor em Ciências Sociais 
Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) 
Endereço: São Paulo - São Paulo, Brasil 
E-mail: lanza@uel.br 
 
Lívia Campanheli 
Graduanda em Ciências Sociais 
Instituição: Universidade Estadual de Londrina (UEL) 
Endereço: Londrina - Paraná, Brasil 
E-mail: livia.campanheli@uel.br 
 
José Wilsson Assis Neves Júnior 
Doutor em Ciências Sociais 
Instituição: Universidade Estadual Paulista em Marília 
Endereço: Marília - São Paulo, Brasil 
E-mail: nevesjr1991@gmail.com 
 
Luan Prado Piovani 
Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia 
Instituição: Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) 
Endereço: Campinas - São Paulo, Brasil 
E-mail: luan.piovani98@gmail.com 
 
João Marcos Camargo Nalli 
Mestrando em Sociologia 
Instituição: Universidade Estadual de Londrina (UEL) 
Endereço: Londrina - Paraná, Brasil 
E-mail: joaomcn@hotmail.com.br 
 
mailto:lanza@uel.br
mailto:livia.campanheli@uel.br
mailto:nevesjr1991@gmail.com
mailto:luan.piovani98@gmail.com
mailto:joaomcn@hotmail.com.br
 
2 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-20, 2024 
 
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RESUMO 
Este artigo tem como objetivo investigar o papel da imprensa feminista, especificamente o Jornal 
Brasil Mulher em Londrina, durante a ditadura militar no Brasil, destacando a violência da guerra 
psicológica imposta pelos ditadores. Utilizando uma abordagem de pesquisa documental, 
analisando os documentos do Serviço Nacional de Informações (SNI) da Agência de Curitiba, 
foi possível compreender como o Jornal Brasil Mulher enfrentou as pressões da censura e da 
perseguição em um contexto de estratégias de manipulação psicológica usadas pela ditadura para 
controlar e influenciar a sociedade paranaense. Este estudo contribuiu para uma compreensão 
mais aprofundada da atuação da imprensa feminista como um espaço de resistência, 
documentando como a guerra psicológica afetou o jornal e suas estratégias, além de evidenciar 
o papel das mulheres nesse contexto. Os resultados indicaram a importância da liberdade de 
expressão e dos direitos das mulheres na construção de uma sociedade mais justa, equitativa, 
igualitária e a promoção de narrativas históricas que reconheçam o protagonismo feminino. 
 
Palavras-chave: ditadura militar (1964-1985), Jornal Brasil Mulher, imprensa feminista, guerra 
psicológica. 
 
ABSTRACT 
In this study has as objective investigate the role of feminist press, specifically the Jornal Brasil 
Mulher in Londrina, during the military dictatorship in Brazil, highlighting the violence of 
psychological war demanded by the dictators. Utilizing a documental research approach 
analyzing the documents of Nacional Information Service (SNI) of the Curitiba Agency, was 
possible comprehend how the journal Brazil Woman face pressure from censorship and 
persecution in a context of strategic psychological manipulation used by the Dictatorship to 
control and influence the society of Paraná. This study contributed to a understanding more 
profound of the activity of feminist press as a space of resistance, documented how the 
psychological war affected the journal and yours strategies, even exposing the role of women in 
these context. The results indicate the importance of freedom and the woman rights in the 
building of a society more just, equitable, equal and the promotion of historical narratives that 
recognizes the feminist protagonism. 
 
Keywords: military dictatorship (1964-1985), Jornal Brasil Mulher, feminist press, 
psychological war. 
 
RESUMEN 
Este artículo pretende investigar el papel de la prensa feminista, concretamente del Jornal Brasil 
Mulher de Londrina, durante la dictadura militar en Brasil, destacando la violencia de la guerra 
psicológica impuesta por los dictadores. Utilizando un enfoque de investigación documental, 
analizando los documentos del Servicio Nacional de Información (SNI) de la Agencia de 
Curitiba, fue posible comprender cómo el Jornal Brasil Mulher se enfrentó a las presiones de la 
censura y la persecución en un contexto de estrategias de manipulación psicológica utilizadas 
por la dictadura para controlar e influir en la sociedad de Paraná. Este estudio contribuyó a una 
comprensión más profunda de la prensa feminista como espacio de resistencia, documentando 
cómo la guerra psicológica afectó al periódico y sus estrategias, además de destacar el papel de 
las mujeres en este contexto. Los resultados indican la importancia de la libertad de expresión y 
de los derechos de las mujeres en la construcción de una sociedad más justa, equitativa e 
igualitaria, así como la promoción de narrativas históricas que reconozcan el papel de las 
 
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mujeres. 
 
Palabras clave: dictadura militar (1964-1985), Jornal Brasil Mulher, prensa feminista, guerra 
psicológica. 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
A ditadura militar que assolou o Brasil nos anos de 1964 a 1985 deixou um legado de 
repressão política, censura e violação dos direitos humanos (Sousa, 2019; Reis, 2020). Durante 
esse período da história do país, a imprensa desempenhou um papel essencial na divulgação de 
informações e na resistência contra o regime autoritário (Aquino, 1999; Marconi, 1980). Dessa 
forma, entre as várias vozes que desafiaram as normas estabelecidas pela ditadura, esse estudo 
destaca uma vertente de mídia alternativa específica: a imprensa feminista. 
Esse estudo se propõe a destacar o papel crucial desempenhado pela imprensa feminista 
durante a ditadura militar brasileira, com foco no Jornal Brasil Mulher, que teve início na cidade 
de Londrina no estado do Paraná. O Jornal Brasil Mulher não apenas se tornou um espaço de 
resistência, mas também desafiou abertamente as estruturas patriarcais e os estereótipos de 
gênero, abordando questões relacionadas aos direitos das mulheres, igualdade de gênero e 
enfrentando o machismo estrutural. 
Segundo Araújo (2000), os movimentos feministas da década de 1970 buscavam construir 
uma posição política que unisse feminismo, luta democrática e socialismo. Isso representou um 
desafio direto às estruturas de poder estabelecidas pela ditadura militar. A imprensa feminista 
não era apenas um veículo de informação, era uma ferramenta de resistência que contribuiu para 
a conscientização sobre as violações de direitos humanos e a importância fundamental da 
liberdade de expressão em um contexto de repressão política. 
No entanto, a ditadura militar também empregou estratégias de guerra psicológica para 
controlar e manipular a sociedade (Neves Jr, 2021). A imprensa, incluindo a feminista, foi um 
dos alvos principais dessa guerra psicológica, sofrendo censura, perseguição e ameaças (Aquino, 
1999). O conceito de guerra psicológica adversa é definida no Decreto-Lei nº 314, de 13 de março 
de 1967: 
 
 
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A guerra psicológica adversa é o emprêgo da propaganda, da contrapropaganda e de 
ações nos campos político, econômico, psicossocial e militar, com a finalidade de 
influenciar ou provocar opiniões, emoções, atitudes e comportamentos de grupos 
estrangeiros,inimigos, neutros ou amigos, contra a consecução dos objetivos nacionais. 
(Brasil, 1967) 
 
Esse decreto delineia a definição de maneira vaga, estrategicamente proporcionando uma 
base legal ampla para interpretação flexível. Essa impressão conceitual permitiu uma 
abrangência considerável na criminalização de atividades e manifestações percebidas como 
ameaças ao governo (Alves, 1985). A amplitude do conceito, aliada à ambiguidade, criou espaço 
para uma interpretação maleável, favorecendo os interesses das autoridades militares e 
facilitando a repressão de oposições políticas. 
Utilizando uma abordagem de pesquisa documental e analisando os documentos do SNI 
disponíveis no NDPH (Núcleo de Documentação e Pesquisa Histórica) da Universidade Estadual 
de Londrina, busca-se compreender como o Jornal Brasil Mulher enfrentou as pressões da 
censura e da perseguição, em um contexto de estratégias de manipulação psicológica usadas pelo 
regime ditatorial para controlar e influenciar a sociedade. A escolha da análise documental como 
método de investigação é baseada na visão de Tim May, que destaca o potencial informativo e 
estruturador dos documentos, como a sedimentação das práticas sociais. Nas palavras de May 
(2004, p. 205), “Os documentos, lidos como a sedimentação das práticas sociais, têm o potencial 
de informar e estruturar as decisões que as pessoas tomam diariamente e a longo prazo; eles 
também constituem leituras particulares dos eventos sociais”. 
O acesso aos arquivos do SNI no NDPH proporcionou um entendimento ampliado do 
contexto histórico e das condições sob as quais esses documentos foram produzidos. Além disso, 
as pesquisas foram estendidas ao SIAN, o site do Sistema de Informação do Arquivo Nacional, 
onde foi explorado o fundo documental relacionado ao SNI para identificar documentos de 
interesse. Esta abordagem metodológica permite uma análise abrangente, não apenas 
considerando o conteúdo dos documentos, mas também contextualizando-os no ambiente mais 
amplo em que foram gerados. 
Seguindo a abordagem proposta por May, é crucial compreender o período histórico, o 
contexto de produção dos documentos e os posicionamentos dos atores sociais, neste caso, os 
agentes do SNI. Como May enfatiza, a análise não se limita aos procedimentos de senso comum, 
mas se estende ao contexto político e social mais amplo que envolve a produção documental 
(2004, p. 213). Dessa maneira, a análise documental dos arquivos do SNI não apenas revelou as 
 
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pressões enfrentadas pelo Jornal Brasil Mulher, mas também permitiram uma compreensão mais 
profunda das perspectivas e interpretações dos agentes produtores no cenário político e social da 
época. 
Essa abordagem documental é fundamentada na ideia de que os arquivos, ao registrarem 
diversos eventos, fornecem uma visão única e valiosa da realidade. Como observado por Cellard, 
os documentos escritos são fontes extremamente preciosas para pesquisadores nas Ciências 
Sociais, possibilitando a reconstrução de épocas passadas, muitas vezes representado a quase 
toda totalidade dos vestígios da atividade humana em determinadas eras (2012, p. 295). 
No decorrer deste artigo, foram explorados os desafios enfrentados pela imprensa 
feminista, analisando as estratégias adotadas para enfrentar a censura e a perseguição. Buscando 
contribuir para a memória histórica, valorizando o papel das mulheres na resistência política e 
cultural. O objetivo é promover narrativas históricas inclusivas e plurais, reconhecendo as 
contribuições fundamentais das mulheres da história política e cultural. 
 
2 RAÍZES E FUNDAMENTOS DA DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL 
 
A Escola Superior de Guerra (ESG) foi estabelecida em 1949, durante o governo Dutra, 
com o intuito de incentivar o desenvolvimento de estudos políticos estratégicos nas Forças 
Armadas. Dois dos diretores mais proeminentes da ESG foram o General Cordeiro de Farias, um 
dos fundadores e o primeiro diretor, e Juarez Távora, que posteriormente se candidatou à 
presidência. 
A ESG desempenhou um papel crucial na relação entre setores militares e grupos das 
classes dominantes. Os documentos de criação da Escola compunham uma engenharia discursiva 
que permeou todo o regime, com o intuito de manter as decisões sobre o arranjo das instituições 
nas mãos dos que integravam o escalão acima da 'elite brasileira' (Schinke, 2019, p. 1960). 
A instituição efetuou uma função significativa na formação de uma geração de militares, 
incluindo figuras proeminentes no cenário político brasileiro, como os futuros presidentes 
militares Marechal Humberto Castelo Branco (1964-1967) e o General Ernesto Geisel (1974-
1979). Além de formar militares, a ESG também ofereceu cursos abertos a convidados civis, o 
que resultou na formação de empresários, profissionais liberais e líderes políticos comprometidos 
com a mesma doutrina, mas atuando na sociedade civil. 
 
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A Escola Superior de Guerra foi responsável pela elaboração da Doutrina de Segurança 
Nacional (DSN), que serviu como a base ideológica da ditadura militar no Brasil. A DSN incluía 
uma teoria de guerra que foi concebida em meio à Guerra Fria, o que resultou em uma visão de 
mundo binária, pautada no princípio de existência de uma batalha do bem (representado pelos 
ideais ocidentais) contra o mal (personificado no oriente comunista). Nesse contexto, a 
neutralidade não tinha lugar, levando ao patrulhamento ideológico e à famosa frase "Brasil, ame-
o ou deixe-o". 
Havia uma preocupação com a formação qualitativa dos agentes do aparato repressivo 
estatal, pois, conforme preconizado pela DSN golberyana, que destacava a preocupação com os 
baixos níveis intelectivos da população brasileira, as massas seriam facilmente manipuláveis 
pelos sujeitos subversivos (Silva, 2003). Essa perspectiva moldou não apenas a estrutura 
repressiva, mas também a visão sobre a sociedade e seu potencial de resistência, evidenciando o 
impacto abrangente da Doutrina de Segurança Nacional durante o período ditatorial. 
A partir da teoria de guerra revolucionária, observou-se uma militarização não apenas da 
política do Estado, com os militares dirigindo a máquina estatal, mas também da sociedade, uma 
vez que todos os civis eram instados a combater os "traidores" da nação. A teoria de guerra 
revolucionária também gerou a teoria da revolução e da subversão, com a crença de que existiria 
um inimigo interno que buscava disseminar sua influência por todo o território, muitas vezes 
associado a influências comunistas. “O medo era o de que o comunismo pudesse criar um clima 
emocional perigoso no país e iniciar um processo revolucionário a exemplo de Cuba.” (Sousa, 
2019) 
Aqueles que se opunham às ideias do governo eram caracterizados como inimigos 
internos, subversivos ou até mesmo terroristas, justificando ações autoritárias e repressivas. 
Assim surgiu a ideia de combater a subversão e reprimir as ameaças ao Estado, mobilizando, 
para tanto, uma concepção distorcida de defesa nacional a defesa nacional. Nesse sentido, a 
Doutrina de Segurança Nacional foi importante para a justificação da criação de órgãos 
repressivos, como o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e o Serviço Nacional de 
Informações (SNI), sob a alegação de que era necessário manter a ordem social. Além disso, 
também justificava a execução da censura e repressão, em especial na imprensa que representava 
uma ameaça aos interesses nacionais, sendo parte de uma estratégia mais ampla de combate ao 
comunismo e à subversão. 
 
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Nessa perspectiva, como sequência do combate à subversão através da censurade 
imprensas, a propaganda também foi utilizada como veículo de propagação sensíveis na 
sociedade, colocando em prática a ideia de guerra psicológica, que seria possível através do efeito 
psicossocial. 
 
Uma forma de atuar na sociedade para colocar em prática a ideia de “guerra psicológica” 
era pelo poder psicossocial. De acordo com os textos teóricos publicados pela Biblioteca 
do Exército, o poder psicossocial era um importante componente do poder nacional. 
(Sousa, 2019, p. 424) 
 
Para analisar a concepção dos militares em relação à guerra psicológica foi utilizado o 
documento ACT ACE 2047/82, intitulado “Temas explorados pelos meios de comunicação 
social que evidenciam ações de guerra psicológica adversa”. Segundo os agentes a caracterização 
dessa guerra indicava a utilização de técnicas sutis, porém eficazes, visando a consecução de seus 
objetivos. 
 
“Significa a "massificação da opinião pública/brasileira”, com o propósito deliberado - 
planejado, orientado e executado no País, com apoio do exterior (MCI) -, "influenciar 
opiniões, emoções, atitudes e comportamentos de pessoas ou grupos diversos" em torno 
de ideais comunistas e contrários a Revolução de Março de 1964.” (ACT/ACE - 
2047/82, lauda 6) 
 
Esse documento revela a percepção dos militares sobre a necessidade de controlar e 
moldar a psicologia da sociedade como parte integrante de sua estratégia de manutenção do 
regime e da resistência a influências consideradas subversivas. Pertinente, ainda, se faz 
problematizar que a vertente golberyana da DSN partia do pressuposto de constituir-se enquanto 
sistematização dos princípios e objetivos genéticos da população brasileira. Assim, por 
intermédio desta egocêntrica autopercepção do alto escalão das Forças Armadas como 
representação intelectual do povo brasileiro, as ideias e opiniões que se opunham aos princípios 
da DSN (estando elas pautadas na defesa do liberalismo ou do socialismo) passaram a ser 
retratadas como ardilosas estratégias de erosão da ordem social e da cultura nacional para o 
atendimento de interesses estrangeiros (Neves Jr, 2021). 
Nesse contexto, a população enfrentava uma realidade marcada pela constante apreensão, 
tanto em relação ao “inimigo interno” quanto à presença da repressão no país. O medo era um 
companheiro constante na vida cotidiana dos cidadãos, permeando suas interações e decisões. A 
 
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incerteza sobre quem poderia ser considerado um "inimigo interno" e as possíveis ramificações 
dessa classificação criavam um clima de ansiedade generalizada. A repressão estatal, manifestada 
através de órgãos como o DOPS e o SNI, adicionava outra camada de apreensão, pois a mera 
expressão de opiniões discordantes poderia resultar em interrogatórios, detenções e, em casos 
extremos, desaparecimentos. Nesse ambiente tenso, a sociedade civil vivenciava uma constante 
sensação de insegurança e vulnerabilidade. 
 
3 TERRORISMO DE ESTADO 
 
A política da Ditadura Militar de 1964 tinha apenas uma percepção, uma que se iguala ao 
de guerra, e isso fica mais claro porque “o princípio da guerra é a aniquilação total do outro.” 
(Reis, 2020, p. 19). O outro, nesse caso, seria toda a ideia e indivíduo que fosse considerado 
subversivo. A soma destas duas dimensões culminava no conceito golberyano de guerra total, 
que estendia o princípio de enfrentamento para além do confronto bélico direto (perspectiva 
militar tradicional, direcionada majoritariamente para as relações internacionais), adentrando os 
âmbitos da cultura, da política e da economia que eram apreendidas a partir da interação entre o 
externo/estrangeiro e o interno/nacional (Neves Jr, 2021). 
Para isso acontecer o Estado ditatorial militar foi dotado de um robusto aparato de 
vigilância e de tortura com o objetivo de encontrar e exterminar os subversivos. E apesar de ser 
uma noção recente, podemos dizer que além dessa Guerra Psicológica, havia também uma 
política de Terrorismo de Estado. “Os regimes de terrorismo de Estado implantados pelas 
ditaduras cívico-militares de segurança nacional foram regimes autoritários, implantados através 
de golpes de Estado de caráter contra-insurgente, seguindo a lógica da Doutrina de Segurança 
Nacional, atingindo o Cone Sul durante o período das décadas de 1960 a 1980.” (Bauer, 2005, p. 
1) 
O desafio de se falar em terrorismo nesse caso é por seu caráter político e social adquirido 
nos tempos atuais, é o que se percebe principalmente depois dos atentados de 11 de setembro de 
2001. Todavia, Diego Reis (2020) e Caroline Silveira Bauer (2005) percebem que se pode dar 
outro caráter à noção de terrorismo. Em Reis interpreta que há, atualmente, uma política de 
Estado que utiliza a posição de vítima dos atos terroristas e até mesmo o próprio temor desses 
atos para poder aplicar uma vigilância perante a sociedade e até mesmo de forma violenta. Já 
 
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Bauer demonstra que a noção de terrorismo pode ser aplicada, também, a outras épocas, 
principalmente nos regimes ditatoriais dos Estados sul-americanos no contexto de Guerra fria. 
 
Outra, ainda pouco explorada pelos pesquisadores brasileiros, é a que pretende 
interpretar esses regimes como regimes de terrorismo de Estado. Em realidade, apenas 
os acadêmicos brasileiros ainda não se dedicaram a discutir os limites e as 
possibilidades da utilização desse conceito para o caso de seu país. Pesquisadores de 
outras nacionalidades, incluindo os que tiveram em seus países a experiência de regimes 
de terrorismo de Estado (como argentinos, chilenos e uruguaios), quando estudam esses 
regimes não hesitam em considerar a ditadura cívico-militar brasileira como um 
exemplo de terrorismo de Estado. (Bauer, 2005, p. 1) 
 
Em princípio pode-se afirmar, utilizando Reis (2020), que a política é acima de tudo uma 
relação entre indivíduos, portanto uma relação com a diferença; afinal nem todo indivíduo é 
igual, ele é apenas semelhante dentro das leis que regem a sociedade. E de modo similar, Hannah 
Arendt, quando afirma que “a política diz respeito à coexistência e a associação de homens 
diferentes” (Arendt, 2008, p. 145). Tendo isso em mente, pode-se afirmar que o Estado Militar 
de 1964 é um regime político, cuja política, visava eliminar toda participação política e 
democrática, pois ele teme o diferente, ainda mais sua coexistência com tal diferença, “[...] 
segundo Nilo Batista, ‘a seleção criminalizante opera através de estereótipos[...]” (Batista, 2006, 
p. 25). 
Há uma problemática a mais, a Ditadura Militar de 1964 foi totalmente diferente de suas 
ditaduras “irmãs” da América Latina. Enquanto a Ditadura Chilena de Pinochet é aberta, havia 
no Brasil uma Ditadura velada, ou ao menos agia de forma mais discreta, é o caso das eleições 
indiretas. 
 
A repressão política durante a ditadura cívico-militar brasileira pode ser dividida em 
duas principais ações: a produção de informações e a ação repressiva propriamente dita. 
A atividade de produção de informações sobre determinados grupos e pessoas também 
pode ser considerada uma forma de repressão, já que a informação é a base de ação da 
atividade repressiva. Utilizou-se a informação como instrumento de poder através do 
conhecimento adquirido sobre o vigiado, criando-se um clima de constante suspeição 
sobre todos. (Bauer, 2005, p. 6) 
 
Apesar dessa Ditadura mascarada não se pode esquecer das principais características 
tomadas por este regime Militar: “[...] militarização do aparato do Estado; militarização e 
subordinação da sociedade civil; alto conteúdo repressivo; desenvolvimento do capitalismo; 
concepção tecnocrática a serviço de projetos econômicos com interesses do setor hegemônico do 
 
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capital; alienação frente ao imperialismo norte-americano[...]” (Bauer, 2005, p. 4). 
Reis demonstra também esse controle e temor. Deve-se tornar claro que todo terrorismo, 
parte de uma mesma premissa: “[...] o discurso teológico-salvacionista justificava os 
colonialismos, os imperialismos e, até mesmo, o extermínio deliberado de grupos étnicos, raciais 
ou religiosos, hoje, é em favor da defesa dos direitos humanos que toma forma, por vezes, as 
ações bélicas mais truculentas cometidas contra civis.” (Reis, 2020, p. 23). 
Em perspectiva similar, Terestchenko (2011) problematiza os métodos e estratégias 
utilizados na contemporaneidade, por democracias consolidadas (particularmente os EUA), para 
legitimar, perante a opinião pública, a aplicação de tortura em presos classificados pelo Estado 
como terroristas. Segundo o filósofo francês, mobilizando uma retórica pautada na defesa da 
moralidade e do bem maior, os Estados encontram caminhos para o exercício de práticas 
incondizentes com os mais básicos princípios de direitos universais. Neste distorcido processo 
de justificação do injustificável, práticas como a da tortura passam a ser apresentadas como “mal 
necessário” ou como ferramenta indispensável à conquista do bem maior frente à ameaça 
hipotética. Assim, 
 
Se, de um lado, ‘o terror parece menos um acontecimento passado do que uma 
possibilidade futura’, quando se fala em terrorismo ou em ameaça terrorista no singular, 
de outro, faz-se necessário questionar as clivagens que determinam o que é terror, na 
medida em que essas categorias são simultaneamente, construções e fenômenos 
políticos atravessados por tensionamentos de variadas ordens. (Reis, 2020, p. 24) 
 
Com a aplicação da política de Terrorismo de Estado utilizando a noção de defesa da 
liberdade e do país, ela acaba criando condições que permitem na verdade o contrário do que se 
prega. A fábula da bomba relógio, mobilizada por Terestchenko (2011) para ilustrar a perversa 
lógica de justificação da tortura na contemporaneidade, é elucidativa desta problemática. A 
fábula tem como pressuposto um cenário hipotético no qual um indivíduo, detido pelas 
autoridades, é acusado de ter implantado uma bomba relógio em uma instituição de ensino 
infantil de determinada cidade e, a partir desta situação problema, argumenta que a aplicação de 
métodos de tortura, neste caso específico, deve ser considerada como um dever que ecoa além 
do “mal necessário”, constituindo-se enquanto mecanismo de preservação do “bem”. Assim, a 
partir desta deturpada lógica argumentativa, em prol da preservação da segurança interna, muitos 
direitos e privilégios são quebrados. 
 
 
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Daí a vizinhança entre as medidas de combate ao terror e seu reverso sombrio, a espelhar 
exatamente ao que se propõe a combater e ao que há de mais assustador nos terrorismos: 
a restrição à liberdade, a presunção de criminalidade e a difusão do pânico ampliada a 
tal escala que se autoriza mesmo o uso indiscriminado da violência para neutralizar o 
perigo – também ele indefinido, polimorfo e multifacetado. (Reis, 2020, p. 30) 
 
E como descreve Reis na citação acima, Bauer tende a concordar perante essa perspectiva; 
mesmo que os dois estejam lidando com situações e eventos históricos diferentes. 
 
Esses regimes que se formaram através do controle absoluto do governo e do aparato 
coercitivo do Estado, através da destituição das autoridades e corpos representativos e 
submissão do Poder Judiciário; da desarticulação da sociedade política e civil, através 
da supressão das liberdades públicas, dissolução dos partidos e organizações políticas; 
da intervenção nos sindicatos e controle absoluto das universidades; do controle e 
manipulação dos meios de comunicação escritos, orais e visuais, tiveram como 
conseqüência deliberada a geração do terror ou, como alguns autores preconizam, de 
uma “cultura do medo”, fruto da “trivialização do horror” (Bauer, 2005) 
 
Desta forma, as ramificações desse Terrorismo de Estado da Ditadura Militar de 1964 se 
encontram emaranhadas até os dias de hoje na sociedade brasileira. É o caso de como damos as 
autoridades políticas, militares e de policiamento um certo grau de temor e “respeito”, dando a 
esses grupos uma certa anistia para seus atos, mesmo que sejam atos que prejudiquem de certa 
forma alguém, grupo ou a sociedade como um todo: ”[...] convergem para um ponto comum: o 
da violência política dos terrorismos de Estado, naturalizada em uma cadeia de violência 
sistêmica e estrutural, vinculada à legitimação das formas de dominação vigente.” (Reis, 2020, 
p. 29) 
Esses impactos acabam também afetando a sociedade e seus integrantes, criando assim 
uma “cultura do medo” (Bauer, 2005). Portanto os indivíduos com esse medo resultam em 
tomadas de ações que podem ser drásticas, sendo ações de excessiva violência, até passividade, 
ou seja uma “vista grossa”. É o caso da criação de organizações criminosas que acabam sendo 
recorridas pela população por terem medo dos meios legais; ou até mesmo o caso de cidadãos 
que decidem fazer vista grossa para crimes cometidos por alas políticas e militares. 
 
A evidência da repressão empregada pelo estado terrorista criou essa “cultura do medo”, 
na qual a participação política ou a simples contestação poderia ser equiparada ao risco 
real de sofrer essas práticas. A “cultura do medo” acaba gerando um efeito dissuasivo 
da sociedade. O efeito combinado da exploração econômica, da repressão física, do 
controle político e da rígida censura coibiu a participação em atividades de oposição 
comunitária, sindical ou política. (Bauer, 2005, p. 5) 
 
 
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Fica evidente as consequências de tamanho terrorismo não só nas entranhas da sociedade 
brasileira, mas também no psicológico de seus indivíduos. Então pode-se afirmar que se trata de 
uma Guerra Psicológica além de uma política de terrorismo de Estado; afinal suas ramificações 
e expandem para além do corpo político do Estado, e adentra nas instituições sociais e os 
cidadãos, vítimas de um sistema de exploração do medo. “É importante ressaltar que os regimes 
de terrorismo de Estado não se caracterizam somente pela ação repressiva. Apesar do terror 
aplicado pelo Estado ficar evidente em sua forma repressiva, setores como o da Educação, das 
Comunicações, entre outros, foram áreas onde o terror foi implantado como forma de dominação 
política.” (Bauer, 2005, p. 7). 
 
4 O JORNAL BRASIL MULHER 
 
Em meio a essa tensão e medo, foi fundado o primeiro periódico da imprensa alternativa 
criado e dirigido por mulheres, durante o governo Geisel em 1975, período marcado pela 
chamada "distensão": 
 
Em discurso proferido no ano de 1975, Geisel incorporou ao princípio de abertura 
política a chamada “distensão social”, pois “os objetivos do governo, de 
institucionalizar o poder em bases democráticas, seriam impossíveis de alcançar caso 
se agravassem as tensões sociais”. (Rocha Junior, 2022, p. 6) 
 
Este contexto político se caracterizava por uma relativa abertura e tolerância do regime 
militar em relação às críticas e atividades da oposição, desde que não representassem ameaças 
diretas aos objetivos políticos do governo. 
Esse ambiente mais tolerante permitiu a emergência de outros tipos de veículos, como a 
imprensa alternativa, ou nanica como também era chamada. Era constituída por veículos de 
comunicação independentes que surgiram como resposta à censura e ao controle exercido pelo 
governo ditatorial. Esses meios buscavam oferecer uma visão crítica e diversificada, 
desempenhando um papel fundamental na disseminação de informações e perspectivas 
alternativas, pois nãosofriam com a censura prévia ou com tantas pressões governamentais, 
como ocorria com grandes jornais. 
No entanto, mesmo nesse período de distensão, essas iniciativas não escaparam da 
inspeção do governo. O documento ACT ACE 1621/81, produzido pelo SNI em maio de 1977 
 
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intitulado “Imprensa “Nanica” ou “Alternativa”, revela que mesmo veículos como o Jornal Brasil 
Mulher estavam sob vigilância. Esse documento, ao analisar também o jornal feminista citado, 
descreve suas características, destacando suas reportagens sobre problemas sociais e econômicos 
no Brasil, suas críticas ao governo e ao regime político vigente, bem como sua postura 
independente, não divulgando nenhuma publicidade em seus números. 
Essa documentação evidencia a persistência da vigilância sobre essas imprensas 
consideradas alternativas, mesmo durante o período de distensão. Isso ocorria, pois, veículos 
alternativos como o Jornal Brasil Mulher desafiaram ativamente as normas estabelecidas pela 
ditadura. 
A partir das fontes documentais foi possível identificar que a primeira edição do Jornal 
Brasil Mulher foi editada em Londrina/PR e transportada para São Paulo, refletindo a estratégia 
de ampliação de sua divulgação. Focando em temas relacionados aos direitos das mulheres, 
igualdade de gênero, enfrentamento ao machismo estrutural e questões vinculadas à anistia, o 
jornal se tornou um desafio aberto às restrições impostas pela ditadura, contribuindo 
significativamente para a construção de um espaço de resistência e para a consolidação de 
identidades feministas. 
 
As feministas brasileiras da década de 1970 buscavam, através de sua imprensa, 
construir uma posição política que desse conta da especificidade da condição feminina, 
de uma visão alternativa de política [...] e, ainda, da luta contra a ditadura e o socialismo. 
(Araújo, 2000, p. 164) 
 
Além de ser um veículo de informação, o Jornal Brasil Mulher foi um espaço de 
resistência singular em meio à ditadura, desafiando abertamente as estruturas patriarcais e os 
estereótipos de gênero predominantes na sociedade (Leite, 2003). Ao abordar questões 
relacionadas aos direitos das mulheres e à igualdade de gênero, o jornal não apenas trouxe à tona 
temas negligenciados, mas também promoveu uma conscientização essencial sobre a condição 
feminina na época. 
Suas páginas tornaram-se um palco para vozes antes silenciadas, oferecendo um espaço 
para narrativas femininas diversas e para a construção de identidades feministas no contexto 
político e social hostil da ditadura. Enfrentando a censura e a pressão do regime, o Jornal Brasil 
Mulher não só resistiu, mas também se destacou como um farol de esperança e empoderamento 
 
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para as mulheres na luta por seus direitos e pela igualdade na sociedade brasileira (Debértolis, 
2002). 
Em meio ao seu papel desafiador, o Jornal Brasil Mulher não escapou da vigilância e 
monitoramento do Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de inteligência do regime 
militar. O SNI, atento à imprensa considerada subversiva, acompanhava de perto as atividades 
do jornal, impondo uma sombra constante sobre suas operações. A constante vigilância não 
apenas representava uma ameaça à liberdade de expressão, mas também impunha um clima de 
tensão e cautela aos envolvidos na produção e distribuição do jornal. 
 
5 O SNI E O JORNAL BRASIL MULHER 
 
Em busca na plataforma do Sistema do Arquivo Nacional (SIAN), foi encontrado o 
documento ASP ACE 4250/80, datado de 15 de junho de 1976, intitulado “Jornal Brasil Mulher”. 
O mencionado documento evidencia a ampla vigilância do Serviço Nacional de Informações 
(SNI) sobre o veículo de imprensa. Composto por 99 laudas, ele detalha minuciosamente 
atividades, informações pessoais e mudanças operacionais relacionadas ao jornal. Isso revela a 
intensa investigação do SNI sobre cada membro da equipe, inclusive suas atividades 
extracurriculares, destacando a atenção dada a todos os aspectos do funcionamento do jornal. 
A presença do guia de leitura acompanhando as edições do Jornal Brasil Mulher dentro 
dos relatórios do SNI é reveladora. As 94 páginas anexadas, contendo edições do jornal, 
juntamente com um guia detalhado de interpretação, destacam a atenção minuciosa que o SNI 
dedicava não apenas à presença do jornal na mídia, mas também à sua narrativa e influência 
potencial sobre os leitores. 
Ao integrar o guia de leitura em seus relatórios, o SNI evidenciou a sua preocupação com 
a abordagem editorial e a possível repercussão do Jornal Brasil Mulher. A inclusão dessa 
documentação revela o monitoramento da presença do jornal, e também uma análise cuidadosa 
de seu conteúdo. Isso ilustra o escopo da intensa repressão e vigilância exercida pelo regime, 
evidenciando o controle meticuloso sobre qualquer forma de expressão ou atividade política 
contrária aos interesses do Estado, inclusive na forma como o jornal era estruturado para seus 
leitores. 
 
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Por exemplo, este guia de leitura destaca a percepção da ditadura sobre a necessidade de 
uma reforma política para enfrentar as condições políticas e sociais em evolução, num contexto 
em que ganham corpo os conflitos interburgueses e se amplia a contestação popular à ditadura, 
e que o projeto institucional defendido pelo setor Geisel tenta se implantar (ASP/ACE - 4250/80, 
lauda 8). 
Esse trecho evidencia a importância que o regime militar atribuía à reforma política como 
meio de reorganização do poder político para consolidar a ditadura. No entanto, mesmo após dois 
anos da proclamação do processo “distencionista” pelo governo Geisel, as reformas nas 
estruturas políticas ainda não haviam sido efetivamente implantadas. 
 
A conjuntura política brasileira tem sido marcada, sobretudo nos últimos 4 meses por 
acontecimentos que, vistos isoladamente, podem parecer um amontoado de medidas 
contraditórias da ditadura. Para situá-las e compreendê-las devemos remontar um 
quadro mais amplo em que se desenvolve a política "distencionista" do governo Geisel. 
(ASP/ACE - 4250/80, lauda 8) 
 
Além disso, o guia discute a crise de hegemonia do poder político da ditadura, 
especialmente entre as classes dominantes, e como o movimento de oposição democrático e 
popular contribuiu para esse cenário. O anexo do guia ao relatório do SNI expõe a preocupação 
e perspectiva do regime em relação à conjuntura política e às estratégias necessárias para manter 
sua estabilidade diante das crescentes contestações. 
Após este trecho, segue-se a inclusão de outras 49 páginas. As primeiras seções 
apresentam mais anexos de jornais, agora também incluindo materiais do jornal Amnistia, que, 
como anteriormente observado pelos agentes, mantinha uma linha editorial semelhante à adotada 
pelo Jornal Brasil Mulher. 
As últimas 10 páginas deste documento contém a resposta a uma solicitação de busca, 
que detalha informações pessoais sobre as mulheres envolvidas no jornal. Esses dados abrangem 
aspectos diversos, desde informações sobre suas famílias até eventos que participaram, outros 
locais em que trabalharam e até mesmo viagens e visitas que realizaram. Além disso, é feita uma 
nova solicitação de busca, desta vez direcionada a detalhes específicos sobre os membros do 
conselho editorial e de pesquisa do Jornal Brasil Mulher. 
Por fim, o documento inclui o prontuário de uma jornalista que atuava como tradutora 
para o jornal. Esse arquivo abarca informações de cunho profissional, pessoal e histórico de sua 
participação no cenário político. 
 
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Outro documento crucial, datado de 11 de maio de 1976 e catalogado como AC ACE 
91834/76, descreve um encontro no Museu de Arte de São Paulo para celebrar o Dia 
Internacional da Mulher em 1976. Cerca de 400 mulheres e 20 homens participaram, discutindo 
temas como a condição feminina na sociedade, sua situação econômica e política. O evento 
contou com figuras proeminentes, incluindo Therezinha Godoy Zerbini e Joana Lopes, além da 
exibição de filmes e a distribuição de cartazes do Movimento Feminino pela Anistia (MFA). 
Após o evento, debates sobre os filmes foram proibidos por "ordens superiores", e a reunião 
encerrou-se com informações do MFA e a venda do jornal "Brasil Mulher", edição de dezembro 
de 1975. 
A proibição do debate demonstra a resistência do governo militar em permitir o livre 
fluxo de ideias e discussões que pudessem contrariar a narrativa oficial. A censura imposta às 
discussões sobre os filmes exibidos revela a tentativa de controlar não apenas a expressão 
política, mas também a cultura e a arte como formas de influenciar a sociedade. 
A proximidade entre Therezinha Zerbini e Joana Lopes, ambas com destacado 
protagonismo na década de 1970, oferece uma perspectiva interessante. Enquanto Zerbini 
liderava o Movimento Feminino pela Anistia, lutando pelos direitos e pela liberdade de presos 
políticos, ela também trabalhava ao lado de Joana Lopes que desempenhava um papel 
fundamental como editora do Jornal Brasil Mulher. 
Essas mulheres faziam parte de uma geração engajada politicamente, contribuindo 
significativamente para a luta pela redemocratização do país. Seus protagonismos em diferentes 
frentes, seja na defesa dos direitos civis e políticos das mulheres ou na resistência por meio da 
imprensa independente, refletem a diversidade e a intensidade do movimento pela 
redemocratização durante esse período. 
Depois dos anexos do jornal, o documento apresenta uma carta enviada do Ministério da 
Justiça ao chefe do SIGAB (Serviço de Informação ao Gabinete de Segurança Institucional da 
Presidência da República), na qual são feitas observações críticas sobre o jornal "Brasil Mulher". 
 
Este tablóide à semelhança de outros que circulam no momento (Opinião, Ex, 
Movimento) dedica-se a ação contestatória, agudamente crítica, tendenciosa e 
negativista. [...] O editorial, todo vazado segundo o jargão marxista, não deixa dúvidas 
quanto à função doutrinária do jornal. (AC/ACE - 91834/76, lauda 20) 
 
 
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A carta menciona que o jornal, apesar de parecer destinado a um público feminino, serve 
como um veículo para disseminação de ideias políticas de cunho comunista. O texto é 
considerado tendencioso e negativista, com matérias oriundas de fontes censuradas e uso de um 
discurso marxista, reforçando a preocupação do regime com publicações consideradas contrárias 
aos seus interesses. O documento se finda com a seguinte declaração: “Em decorrência do que 
foi exposto, sugiro que este jornal seja mantido sob observação, resultando daí as providências 
cabíveis.” 
A profundidade dessa análise e o acompanhamento detalhado de cada atividade do 
"Movimento Brasil Mulher" e do jornal refletem a amplitude da repressão e da vigilância 
impostas pelo governo militar. Essa postura se manifestava diante de qualquer manifestação 
opositora ou atividade política que pudesse desafiar os interesses do Estado. 
 
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
Este estudo ofereceu uma análise do papel crucial desempenhado pela imprensa 
feminista, com foco no Jornal Brasil Mulher, durante o período ditatorial no país. Diante de um 
contexto de repressão política, censura e violação dos direitos humanos, a imprensa alternativa, 
e em particular a imprensa feminista, emergiu como uma voz desafiadora, resistindo às normas 
estabelecidas pelo regime autoritário. 
O Jornal Brasil Mulher, fundado em 1975, não apenas se tornou um espaço de resistência, 
mas também confrontou abertamente as estruturas patriarcais e os estereótipos de gênero 
predominantes. Ao abordar temas relacionados aos direitos das mulheres, igualdade de gênero e 
ao enfrentamento do machismo estrutural, o jornal não só trouxe à tona questões negligenciadas, 
mas também promoveu uma conscientização crucial sobre a condição feminina na época. 
A abertura política relativa do governo Geisel, marcada pela chamada “distensão”, 
permitiu o surgimento de veículos de imprensa alternativa, proporcionando um ambiente mais 
tolerante. No entanto, a imprensa feminista, incluindo o Jornal Brasil Mulher, ainda estava sujeita 
à intensa vigilância e monitoramento por parte do SNI. 
A análise dos documentos do SNI revelou a extensão da investigação sobre o jornal, indo 
além da simples observação de suas atividades na mídia. A análise minuciosa do conteúdo do 
jornal demonstrou uma preocupação não apenas com a presença do jornal, mas também com sua 
 
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narrativa e influência potencial sobre os leitores. Essa atenção detalhada reflete a intensa 
repressão e vigilância exercida pelo regime, evidenciando o controle meticuloso sobre qualquer 
forma de expressão ou atividade política contrária aos interesses do Estado. 
Os desafios enfrentados pela imprensa feminista, como evidenciado no caso do Jornal 
Brasil Mulher, incluíram não apenas a censura e a perseguição, mas também a constante ameaça 
à liberdade de expressão. O contexto de guerra psicológica adversa, conforme definido pelo 
Decreto-Lei nº 314 de 1967, proporcionou uma base legal ampla para a interpretação flexível, 
permitindo a criminalização de atividades percebidas como ameaças ao governo. 
Em meio à tensão e ao medo, o Jornal Brasil Mulher destacou-se como um farol de 
esperança e empoderamento para as mulheres na luta por direitos e pela igualdade na sociedade 
brasileira. Sua resistência contribuiu para a conscientização sobre as violações de direitos 
humanos e representou uma narrativa histórica mais inclusiva e plural, valorizando o papel das 
mulheres na resistência política e cultural. 
No geral, este estudo buscou valorizar e compreender a história da imprensa feminista 
durante a ditadura militar, contribuindo para a preservação da memória histórica e destacando a 
importância dessas vozes na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. 
 
 
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