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1 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-16, 2024 
 
 jan. 2021 
Museologia da saúde: o pensamento museológico decolonial e a função social 
dos museus na saúde pública 
 
Health museology: decolonial museological thought and the social function of 
museums in public health 
 
Museología de la salud: el pensamiento museológico decolonial y la función 
social de los museos en la salud pública 
 
DOI: 10.55905/revconv.17n.6-133 
 
Originals received: 05/14/2024 
Acceptance for publication: 06/04/2024 
 
Pedro Cesco Litwin 
Mestre em Educação 
Instituição: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) 
Endereço: Florianópolis – Santa Catarina, Brasil) 
E-mail: pedroclitwin@gmail.com 
 
RESUMO 
Este trabalho de pesquisa aborda a museologia da saúde como categoria que diz respeito ao 
diálogo entre o uso social da memória e a saúde pública, e que parte das minhas experiências na 
investigação sobre as funções sociais dos museus, na perspectiva da museologia decolonial. 
Nesse sentido, algumas questões sobre a abordagem museal e museológica da saúde e da 
memória são trazidas à tona quando pensamos na responsabilidade dos processos museais na 
transformação social. Portanto, faz-se necessário entender como esses processos têm agenciado 
temas da saúde pública, pandemia e luto. Tendo como pressuposto teórico a museologia em seu 
caráter interdisciplinar, o presente estudo aborda diferentes processos museológicos ligados ao 
tema da saúde pública tais como Centro de Documentação e Pesquisa do Instituto de Psiquiatria 
de Santa Catarina (CEDOPE - IPq/SC), o Memorial Inumeráveis, o Museu do Isolamento, 
exposições curriculares do curso de Museologia da UFSC: "Mamilo manifesto" e "Noia", dentre 
outros. Para isso, a proposta de construir uma diretriz para a intervenção social, se volta para a 
dimensão clínica da museologia na perspectiva holística da saúde. 
 
Palavras-chave: museologia decolonial, memória da saúde, experiência, saúde coletiva. 
 
ABSTRACT 
This research work addresses health museology as a category that concerns the dialogue between 
the social use of memory and public health, stemming from my experiences in investigating the 
social functions of museums from the perspective of decolonial museology. In this sense, some 
questions about the museal and museological approach to health and memory are brought to the 
forefront when considering the responsibility of museal processes in social transformation. 
Therefore, it is necessary to understand how these processes have addressed themes of public 
health, pandemics, and mourning. Taking museology in its interdisciplinary character as a 
theoretical assumption, the present study addresses different museological processes related to 
 
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the theme of public health, such as the Documentation and Research Center of the Psychiatry 
Institute of Santa Catarina (CEDOPE - IPq/SC), the Memorial Inumeráveis, the Isolation 
Museum, curricular exhibitions of the Museology course at UFSC: "Manifesto Mamilo" and 
"Noia", among others. For this purpose, the proposal to construct a guideline for social 
intervention turns to the clinical dimension of museology from the holistic perspective of health. 
 
Keywords: decolonial museology, health memory, experience, collective health. 
 
RESUMEN 
Este trabajo de investigación aborda la museología de la salud como una categoría que concierne 
al diálogo entre el uso social de la memoria y la salud pública, partiendo de mis experiencias en 
la investigación sobre las funciones sociales de los museos desde la perspectiva de la museología 
decolonial. En este sentido, algunas cuestiones sobre el enfoque museal y museológico de la 
salud y la memoria se ponen sobre la mesa al considerar la responsabilidad de los procesos 
museales en la transformación social. Por lo tanto, es necesario comprender cómo estos procesos 
han abordado temas de salud pública, pandemias y duelo. Tomando la museología en su carácter 
interdisciplinario como supuesto teórico, el presente estudio aborda diferentes procesos 
museológicos relacionados con el tema de la salud pública, como el Centro de Documentación e 
Investigación del Instituto de Psiquiatría de Santa Catarina (CEDOPE - IPq/SC), el Memorial 
Inumeráveis, el Museo del Aislamiento, exposiciones curriculares del curso de Museología de la 
UFSC: "Manifesto Mamilo" y "Noia", entre otros. Con este fin, la propuesta de construir una 
directriz para la intervención social se orienta hacia la dimensión clínica de la museología desde 
la perspectiva holística de la salud. 
 
Palabras clave: museología decolonial, memoria de la salud, experiencia, salud colectiva. 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
A atual crise sanitária posicionou o Brasil como um dos epicentros mundiais de 
contaminação do novo coronavírus. O Sistema Único de Saúde (SUS)1, tem tido papel 
fundamental na contenção dessa pandemia que infectou milhões de vidas humanas. Profissionais 
de saúde de diferentes áreas, em condições precárias e insalubres de trabalho, têm mobilizado 
esforços sobre-humanos para conter a propagação do vírus e tratar dos infectados. Até o momento 
da escrita deste artigo mais de 619000 pessoas morreram no país por conta da Covid-19. 
A pandemia que nos afeta já mobilizou diversas ações de solidariedade e campanhas de 
redução de impacto na vida da população. Tais iniciativas têm como protagonistas a sociedade 
civil organizada, órgãos dos setores públicos, sobretudo, municipais e estaduais. É importante 
 
1 Cf. artigos 196 a 200 da Constituição Federal (1988) e Lei 8080 de 19 de setembro de 1990 ou “Lei Orgânica da 
Saúde". 
 
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lembrar que neste cenário caótico, o governo Bolsonaro demonstrou um grave desinteresse em 
gerir a crise sanitária. Após a gestão dos médicos Henrique Mandetta (1o de janeiro de 2019 - 16 
de abril de 2020) e Nelson Teich (16 de abril de 2020 - 15 de maio de 2020), o Ministério da 
Saúde se encontrou sem um dirigente técnico da área da saúde. Desde a demissão de Teich, essa 
pasta foi liderada pelo general Eduardo Pazuello, (16 de setembro de 2020 - 23 de março de 
2021). Atualmente, o médico cardiologista Marcelo Queiroga é o ministro da saúde. 
A militarização sofrida pelo SUS é uma grave realidade política que acentua o caos que 
já afeta a saúde da população mais vulnerável e as pessoas apontadas como grupos de risco. 
Dentre essas, destacam-se: os povos originários e pessoas negras2; a população idosa; pessoas 
em situação de rua e demais pessoas imunossuprimidas nas quais a Covid-19 pode se apresentar 
de forma mais grave. A gestão militarizada da saúde é marcada pela falta de transparência nas 
negociações de insumos, corrupção, ineficiência logística e dificuldade para o acesso à 
informações. 
Esse conjunto de "negligências" pode ser entendido a partir do sociólogo Zygmunt 
Bauman (1998) que aponta nosso despreparo enquanto sociedade para identificarmos "sinais de 
alerta" para "as condições que concretizaram o Holocausto"(p.109). O autor entende o genocídio 
como uma "engenharia social"(p.115) para a consolidação de um projeto de sociedade moderna 
idealizada. Por isso, não é um exagero relacionarmos as "omissões" do governo Bolsonaro com 
práticas genocidas. Há um conjunto de discursos que antecederam e que hoje se materializam em 
práticas de extermínio de grupos que divergem das idealizações "bolsonaristas". Essa ideologia 
(Chauí 1988,p. 86) é marcada por mais uma característica comum, conceituada por Baumancomo heterofobia. "A heterofobia não vai muito além de uma visão de mundo que se resume na 
fórmula 'ou eles ou nós' e no preceito 'não há lugar para os dois', ou 'índio bom é índio morto' " 
(p.114). Declarações semelhantes puderam ser identificadas inúmeras vezes tanto em falas 
públicas de Bolsonaro como de seus apoiadores.3 Diante desse cenário, algumas perguntas 
emergem. Pretendemos refletir sobre como as iniciativas de memória escolhidas para a análise 
 
2 Vítimas históricas do processo colonizador e de outras violências de Estado tais como racismo, pobreza, 
violência policial e encarceramento em massa. 
3 Cf. Dossiê publicado pelo Observatório Judaico de Direitos Humanos Henry Sobel (2019) que listou 
acontecimentos de cunho racista, antissemita e neonazista anteriormente à posse e nos primeiros 18 meses da gestão 
de Jair Bolsonaro. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1_yMUCGiFrK8SiwkWY6OH- 
uCVS70MQHMB/view?fbclid=IwAR0QdM- 
9jnmOPBQ6aDrQvdiT6AGZsuWi3fuOddIsGlmxeoR72Q3Si5rFmks <acesso: 29/dez/2021)> 
 
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tem agenciado temas como saúde e promovido práticas para a elaboração social do luto. O 
presente trabalho também apresenta experiências museais contemporâneas sobre essa temática, 
além de exposições curriculares do curso de graduação em museologia da UFSC. O estudo 
analítico de tais processos museológicos é estratégico para o desenvolvimento do conceito de 
"museologia da saúde" a partir de um olhar decolonial da museologia.4 
 
2 POLÍTICA E CULTURA, RELIGIÃO E SAÚDE 
 
Partindo dessa contextualização, proponho iniciarmos um debate problematizando o 
papel da religião nos agenciamentos de saúde e sua relação com as políticas públicas desse campo 
e o partidarismo político. A atual extrema direita neoliberal demonstra um nítido desinteresse em 
lidar com a pandemia. Brasil e Estados Unidos, na figura de seus 38o e 45o chefes do executivo, 
eleitos, explicitam fracassos das gestões neoliberais em relação a esse colapso na saúde por parte 
dessas duas nações. Tais mandatos de caráter ideológico ultra conservadores e embasados em 
um fanatismo cristão (sobretudo católico e neopentecostal) armamentista e negacionista tem 
naturalizado as mortes de modo a justificá-las ou mesmo negá- las de diferentes maneiras. 
Tal realidade acentua ainda mais a desinformação por meio de práticas comunicacionais 
anti científicas, fazendo com que predomine uma lógica coletiva ultra liberal. Essa lógica 
promove, por exemplo, argumentos individuais contra a vacina, comprometendo o processo de 
imunização coletiva. 
É importante destacarmos nesta análise que a conjuntura política que permeia a práxis 
dos profissionais de museus, e da cultura de modo geral, acentua ainda mais nossa dificuldade 
de mobilização política. A agenda ultra liberal imposta após o golpe parlamentar que retirou a 
presidente Dilma Rousseff se articula por meio do desmantelamento da cultura, a qual não é vista 
como parte de uma ideia de progresso mais ampla e comprometida com as demandas da 
coletividade. Um dos primeiros movimentos do governo de Michel Temer, para mercadejar o 
Estado brasileiro identitária e economicamente, foi justamente tentar extinguir o Ministério da 
Cultura, culminando posteriormente na aprovação no Senado do projeto de emenda à constituição 
 
4 Costa (2020), sobre "saúde cultural"; Chagas (2012), sobre "museus biófilos"; Lima (2017), sobre "uso social da 
memória", Cury (2006), sobre comunicação museológica, bem como sobre experiência em Benjamin (2012) 
colonialismo, racismo e saúde mental em Fanon (2008), a concepção do Museu de Imagens do Inconsciente como 
referencial institucional em Silveira (2013); educação patrimonial decolonial em Tolentino (2018) além de Paim 
(2018), sobre educação decolonial e temas candentes na sociedade contemporânea. 
 
5 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-16, 2024 
 
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número 55 que restringiu os gastos públicos essenciais. Esses ataques às políticas públicas de 
cultura, saúde e educação acarretaram em diversas ocupações tais como o Ocupa MinC e, 
posteriormente, de escolas e universidades iniciadas pelos movimentos estudantis. No governo 
Bolsonaro, o Ministério da Cultura é extinto e com isso, um de seus tentáculos, o Instituto 
Brasileiro de Museus - IBRAM, vinculado até então a esta pasta, passa a ser uma subpasta do 
Ministério do Turismo. Essa mudança reforça ainda mais a ideia da cultura, dos museus e da 
memória como mercadorias restritas a apenas uma de suas dimensões possíveis: a turística. 
A crítica à ideia de progresso apresentada pelo filósofo Walter Benjamin (2012) nos ajuda 
a pensar como esse conceito que justifica a mercantilização se baseia numa percepção do tempo 
homogênea, linear e esvaziada de humanidade. A frase proferida pelo atual presidente “E daí? 
Alguns vão morrer, lamento, essa e a vida" ilustra como a crença no avanço econômico gera a 
normalização da barbárie. A declaração de Solange Vieira, chefe da Superintendência de Seguros 
Privados (Susep), associada ao ministro da economia Paulo Guedes, também é elucidativa nesse 
sentido. Ao relacionar as mortes de idosos por Covid e o déficit previdenciário, foi denunciado 
que Vieira defendeu em reunião ministerial que “É bom que as mortes se concentrem entre os 
idosos [...] Isso melhorará nosso desempenho econômico”.5 
Um outro ponto a ser destacado por seu caráter simbólico é a presença de bandeiras de 
Israel em atos pró governo que ocorreram nos últimos meses. É emblemática a idealização 
antissemita elaborada, principalmente por grupos neopentecostais de direita da base bolsonarista, 
sobre o referido país; o povo judeu e como isso reverbera de maneira contraditória na política 
brasileira. Assim, essas apropriações de simbologias religiosas e nacionalistas judaicas geram 
tanto contradições éticas quanto estéticas, cada qual agenciada de maneira específica para cada 
interesse político. 
A tentativa desastrada de aproximação entre as presidências de extremas direitas 
brasileira e israelense (quando do mandato do primeiro ministro Benjamin Netanyahu 2009- 
2021) mostram contradições e seletividades de interesses. Vê-se que, além de liderar o processo 
de imunização pela vacina no mundo por um longo período, Israel também já avançou em 
importantes temas de saúde pública tais como o aborto e uso medicinal da cannabis, aspectos 
 
5 Cf. https://www.reuters.com/article/saude-coronavirus-brasil-especial-idLTAKBN2322XZ <acesso: 30/11/2021 
às 15:30> 
 
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ignorados pelas pautas de idologia cristã reacionária em nossa política brasileira.6 Tais pautas há 
muito tempo são secundarizadas e tratadas ideologicamente de maneira reacionária pelo 
partidarismo político brasileira. É válido salientar que o proibicionismo em relação a esses dois 
temas (cannabis e aborto), somado aos argumentos legalistas e religiosos, na prática, sempre 
acarretou em um ultraliberalismo do uso e comercialização de cannabis e outras drogas ilícitas. 
Quanto a questão do aborto, o proibicionismo expõe mulheres -sobretudo pobres e negras- a 
procedimentos insalubres. Para entender tais agenciamentos e contradições na área da saúde por 
parte de diferentes grupos, o presente trabalho interrelaciona os campos religioso e político. Para 
isso, tem como enfoque o conceito demuseologia da saúde, fruto de uma reflexão realizada em 
meu Trabalho de Conclusão de Curso no qual propus uma intersecção entre os campos da 
memória, museologia, museus e saúde mental. Nessa pesquisa tive como fontes os bens culturais 
que compõem parte do patrimônio histórico da saúde pública catarinense, propondo análises 
sobre a gestão das coleções do Centro de Documentação e Pesquisa (CEDOPE) 
institucionalizado nas dependências do Instituto de Psiquiatria de Santa Catarina (IPq/SC). 
 
3 MUSEOLOGIA E PESQUISA, SAÚDE E RELIGIÃO 
 
Diante das ideias apresentadas, é importante nos questionarmos sobre: o que a presença 
de acervos de arte sacra católica e de caráter religioso em lugares de memória ligados a hospitais 
representam para a história política dessas instituições? O que o ato político de atribuir um 
estatuto patrimonial sobre tais objetos significa e quais os discursos atribuídos às memória desses 
agentes de saúde àquele tempo? Essa referida coleção, foi categorizada como "Freiras da 
Congregação da Divina Providência"7 durante pesquisa realizada no CEDOPE. O referido Centro 
é responsável pela gestão de acervo e pesquisa de objetos desde o período do antigo Hospital 
Colônia Santana (HCS) presente nas dependências do atual Instituto de Psiquiatria de Santa 
Catarina. Essa transição institucional se deve às reformas nas políticas públicas na área da 
 
6 Enquanto isso, o parlamento brasileiro, por meio de sua bancada fanática religiosa, discutia, em plena pandemia -
momento de aumento dos casos de violências contra a mulher-, uma legislação que visa dissuadir vítimas de 
estupro a realizarem procedimentos de aborto. 
7 A qual além de fotografias, contém objetos utensílios de uso cotidiano dessas religiosas, tais como mobiliários e 
objetos litúrgicos. (Litwin, 2019,p.121) 
 
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psiquiatria ocorridas ao longo do século passado. Graças às reformas psiquiátricas, a presença de 
agentes religiosos foi decrescendo em Hospitais psiquiátricos como o HCS. 
Os referidos bens culturais que este texto tem como recorte são entendidos sob uma 
perspectiva museológica como documentos de memória de interesse público. Nesse sentido, 
podemos localizar uma variedade de testemunhos de como eram realizados os agenciamentos de 
saúde por parte das freiras da Divina Providência. Além disso, podemos problematizar, a partir 
das narrativas atribuídas a esses objetos arraigados de memória, como as políticas de saúde 
pública se modificaram ao longo dos anos, verificando contrastes e permanências na gestão da 
saúde pelas entidades cristãs católicas e neopentecostais. A partir disso vale problematizarmos e 
apresentar um balanço de avanços e retrocessos relacionados ao âmbito da saúde mental no 
passado, presente e pensar o futuro dessas instituições e sua relação com a museologia. 
Esses documentos de memória possuem um potencial de pesquisa em diferentes 
dimensões do passado e nos ajudam a compreendermos os agenciamentos produzidos por parte 
das religiosas e sua relação com a vida no HCS. É questionável a ausência de laicidade tanto no 
passado, como no presente de muitas outras instituições de promoção da saúde mental. A 
enfermeira Eliani Costa, entrevistou uma série de profissionais, com diferentes funções, que 
fizeram parte do quadro funcional do Hospital Colônia Santana e localizou em suas entrevistas a 
centralização do poder agenciado pelas religiosas o qual em muitas situações superava o dos 
próprios médicos (Costa, 2012, p.123). Essa realidade também demonstra como os sujeitos 
submetidos à lógica manicomial passavam por um "processo desumanizador", (Ferreira,2014, 
p.33) sobretudo aqueles institucionalizados ou em postos de trabalhos menos prestigiados no 
hospital psiquiátrico. 
Vale deixar nítido que a museologia, em sua relação com os processos museológicos, 
percebe os bens culturais não apenas no passado, mas também no presente e no futuro. Os museus 
são entendidos aqui como instituições de acirramento das disputas políticas pelo direito à 
memória. Desse modo, vale problematizarmos quais são os discursos comunicacionais e 
expográficos atribuídos às religiosas no processo de divulgação desse recorte da memória do 
IPq/SC. A gestão e o poder agenciado pelas freiras, de maneira questionável, foi apenas mais 
um, o qual posteriormente às reformas acima citadas, ainda persiste centralizado agora em uma 
 
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outra categoria profissional: a médica, especificamente a psiquiátrica8. Desse modo, podemos 
afirmar que ao longo da história das instituições psiquiátricas ou de assistência à saúde mental 
(manicômios e comunidades terapêuticas) a lógica de tratamento persiste centrada em dois 
saberes ou visões de mundo: a religiosa e a psiquiátrica. 
A antropóloga Rosa Virgínia Melo nos ajuda a entender como as práticas de humanização 
em saúde mais contemporâneas se relacionam com esses procedimentos ligados à religiosidade 
cristã que ainda se ressignificam de diferentes formas na coisa pública. (2018, p.205) Verifica-
se a atuação de entidades religiosas em diferentes setores da saúde pública ao longo da história. 
Partindo da contemporaneidade podemos apurar a ampla quantidade de comunidades 
terapêuticas (CTs) sob a gestão de entidades religiosas, expandidas principalmente durante o 
governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2002-2010). 
Ao problematizar o controle moral aos quais sujeitos adictos são submetidos, Melo 
(2018,p.207) aponta a contradição existente nas diretrizes de saúde pública que embasaram a 
Rede de Atenção Psicossocial desde 2001. A análise da autora, nos permite entender que no 
período de 2001 a 2019, no entanto, a perspectiva da redução de danos era basilar para tratamento 
de adicções, mas ao mesmo tempo pôde-se observar a ideia de abstinência como recorrente nas 
CTs. Conforme noticiado, atualmente, esta ideia se modificou e o que volta a ser o protocolo 
recomendado é a abstinência. 
A existência concomitante de duas diretrizes (redução de danos e abstinência) por todos 
esses anos, apesar de aparentemente incoerente, ao menos dava aos usuários dos serviços de 
saúde mental duas possibilidades de tratamentos para a adicção. Atualmente, a lógica religiosa 
cristã mais uma vez aponta direcionamentos em relação ao manejo do uso de drogas, colocando 
o não uso como um ideal. Podemos assim refletir sobre quais são as relações, avanços ou 
possíveis incoerências entre a permanência de práticas ocorridas em comunidades terapêuticas e 
as principais mudanças ocorridas na reforma de políticas públicas de saúde mental. Cabe também 
entender como se articulam os agentes político-partidários na disputa pela gestão das 
comunidades terapêuticas. A assistente social Laura Paes Machado entende que as CTs se 
colocam pelo combate às drogas, porém tornam-se "um empreendimento material e político 
bastante lucrativo'' (2011, p. 56) 
 
8 Cf. Foucault, Michel. O poder psiquiátrico : curso dado no Collège de France (1973-1974). [s.l.] : São Paulo : 
Martins Fontes, 2006., 2006 
 
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Em seu estudo de caso, Machado (2011) detalha como se dá o processo de disputa política 
eleitoral por parte de lideranças religiosas que utilizam das CTs como uma espécie de comitês 
permanentes de campanha. De acordo com a autora, essa estrutura de organizaçãoacarreta não 
apenas na eleição mas, posteriormente, na interferência direta das políticas públicas de saúde 
mental. De tal modo, a assim chamada terapia religiosa, mesmo indo contra os protocolos 
técnicos e laicos de saúde, pôde se espalhar nos sistemas públicos de assistência à saúde mental 
com relativa facilidade. A pesquisa detalha como a pauta da ampliação das comunidades 
terapêuticas foi tratada nos debates eleitorais ao longo dos anos e expandida no governo Lula. 
Isso se deve, dentre outras questões, à pressão exercida pela mídia hegemônica sobre o combate 
a assim chamada "epidemia do crack". 
 
4 MUSEOLOGIA DA SAÚDE: IDEIAS PARA ELABORAÇÃO DE UM CONCEITO 
 
A interdisciplinaridade em museologia (Rússio, 2010) se tornou intrínseca ao campo e é 
debatida há muito tempo no cenário museológico. As atribuições regulamentadas para 
profissionais museólogos e museólogas9, apesar de traçar os limites, direitos e responsabilidades, 
não cercearam a liberdade epistemológica que a museologia pode exercer com as demais áreas 
da ciência. No caso das ciências da saúde não é diferente. Diante da história da ciência, o Museu, 
enquanto instituição promotora de pesquisas científicas, foi fundamental para o desenvolvimento 
de diferentes disciplinas. Entretanto, é necessário entender que a presença de profissionais 
museólogos é algo muito recente nessa história. Por isso, reivindicar uma museologia da saúde 
se torna demarcação política de responsabilização e participação mais incisiva da museologia 
nos debates sobre saúde pública. 
O médico sanitarista José Wellington Gomes Araujo e o historiador e sociólogo Eduardo 
Navarro Stotz (2021) problematizam os valores que têm embasado a cultura da saúde pública 
brasileira e de demais países em desenvolvimento. Os autores criticam princípios adotados como 
guias de promoção de políticas de saúde pública os entendendo como tecnicistas e pouco 
inclusivos em relação às demandas de cidadãos mais vulneráveis e consideram 
 
um equívoco quando os macro-programas (ou "ideários") internacionais como a 
Promoção da Saúde preconizam uma nova cultura de saúde para a população. 
 
9 Cf. LEI No 7.287, DE 18 DE DEZEMBRO DE 1984. Dispõe sobre a Regulamentação da Profissão de Museólogo 
 
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Reiteramos: é o setor saúde que necessita de uma "nova cultura". Os profissionais e 
técnicos são educadores, ainda que possam não ter consciência desse papel. É 
indispensável, portanto, pensar na educação dos educadores no contexto de novas 
práticas de saúde. (Stotz e Araujo, 2021, p.17) 
 
É inegável que profissionais de museologia, museus, e demais disciplinas científicas são 
fundamentais para a construção dessa "nova cultura". Para tratar de saúde, em sua relação com a 
museologia é importante rememorar protagonistas nessa luta pela humanização e 
aprofundamento nas questões que abarcam o campo da saúde na América Latina e suas 
especificidades socioculturais. Dentre tantos, podemos destacar os doutores Juliano Moreira e 
Franz Fanon10, médicos psiquiatras negros que influenciaram outras áreas do conhecimento tais 
como a sociologia, psicologia e filosofia em um cenário científico marcadamente racista e 
eurocentrico. Esses autores são entendidos como basilares para fundamentar teoricamente a 
museologia da saúde enquanto aprofundamento teórico para a transformação prática dessa 
cultura da saúde a partir de ações e processos educativo-culturais11. 
No Brasil, destacam-se também a psiquiatra alagoana Nise da Silveira e a enfermeira, 
assistente social, terapeuta ocupacional e sambista Ivone Lara12 pioneiras em suas práticas de 
humanização dos tratamentos de saúde mental por meio da arte e da cultura. A importância dessas 
profissionais se dá pela institucionalização e gestão pública de aparatos de cultura dentro de 
instituições de promoção de saúde mental. O pioneirismo de Nise com a incorporação de ateliês 
de artes visuais para o tratamento da esquizofrenia se tornou um núcleo de pesquisas que originou 
em 1952 o Museu de Imagens do Inconsciente - MII. 
Outros museus de temáticas semelhantes ao MII surgiram posteriormente, dentre eles o 
Museu da Loucura (Barbacena - MG) e o Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea (Rio de 
Janeiro - RJ). Tais processos museológicos são entendidos como exemplos de centros de estímulo 
da saúde mental individual dos sujeitos, mas também de educação coletiva para temas tais como 
arte e saúde mental. Esses museus são responsáveis pelo processo de cura cultural da sociedade 
que historicamente oprime os estigmatizados como loucos. São, portanto, instituições promoção 
da saúde cultural a partir de uma musealidade da saúde. 
 
10 Cf. Fanon, Frantz. Pele negra, máscaras brancas, 2008. 
11 Cf. As ideias de Lima (2017) Paim (2018) Paim e Lima (2019) sobre as ideias de Educação Museal e Educação 
para temas candentes na contemporaneidade; Andrade e Maluf (2012;2018) sobre ética em pesquisas de ciência 
humanas sobre saúde; políticas públicas e agenciamentos sociais na área da saúde. 
12 Cf. Scheffer, Graziela. A Reforma Psiquiátrica brasileira e a questão étnico-racial"( 2016); 
 Scheffer, Graziela. Serviço Social e Dona Ivone Lara: o lado negro e laico da nossa história profissional.2016. 
 
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A museóloga Heloisa Helena da Costa entende que 
 
Saúde cultural é a capacidade que o indivíduo adquire de, através da percepção do valor 
dos bens culturais que compõem seu patrimônio, superar questões complexas da 
existência e melhorar sua qualidade de vida na qual a memória afetiva, o afeto 
catalisador e a autoestima elevada são fundamentos de base para a saúde integral” 
(Costa, 2012, p. 29 apud Lima, 2017) 
 
Nesse sentido, profissionais da museologia são entendidos pela autora não apenas em seu 
aspecto preservacionista em relação a esses bens culturais escolhidos por determinada 
comunidade. 
 
percebe-se que o museólogo é responsável por preservar a alma das sociedades, por 
preservar a saúde cultural dos grupos sociais. A questão inicial sugere que um 
profissional museólogo, bem formado e consciente de seu papel social, responsabiliza-
se pela saúde cultural dos cidadãos (Costa, 2020, p.148) 
 
Mesmo com desenvolvimentos teóricos como o apresentado por Costa, vale destacar que 
a museologia ainda tem muito a avançar na elaboração e o comprometimento em relação a pautas 
ligadas ao entrelaçamento entre cultura, memória e saúde. Sabemos que para que esse processo 
avance, devemos romper com lógicas coloniais que estruturam e ainda são as principais 
referências culturais positivamente valoradas por parte de nossa sociedade brasileira. No campo 
dos museus não seria diferente, é preciso decoloniza-lo para dar início a essa agenda de 
transformação e tornar mais crítico o entendimento sobre o processo de ressignificação da cultura 
em geral e da cultura da saúde. Walter Benjamin nos ajuda a pensar nessa mudança quando nos 
alerta que 
 
Nunca houve um documento da cultura que não fosse simultaneamente um documento 
da barbárie. E, assim como o próprio bem cultural não é isento de barbárie, tampouco o 
é o processo de transmissão em que foi passado adiante. Por isso, o materialista histórico 
se desvia desse processo, na medida do possível. Ele considera como sua tarefa escovar 
a história a contrapelo (2012, p. 245). 
 
A ideia de museologia da saúde tem como objetivoinfiltrar-se13 com mais ênfase no 
campo da saúde, de modo a atribuir valores epistemológicos sobre as experiências dos usuários 
de sistemas de saúde (Andrade e Maluf, 2017, p.282). Assim, busca-se colocar os profissionais 
 
13 Cf. o conceito de "gretas" da pedagoga decolonial Catherine Walsh (2015). 
 
12 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-16, 2024 
 
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museólogos/as em disputas políticas nos espaços e processos de promoção da saúde para além 
de adentrar ao circuito hospitalar, mas também propondo e participando de práticas que 
extrapolam os muros institucionais das instituições de saúde. É necessária a construção de um 
debate que desenvolva uma metodologia clínica museológica para a modificação da cultura da 
saúde visando a promoção da saúde cultural, ressignificando inconsciências coletivas que nos 
automatizam enquanto sociedade14. Visa-se desse modo um aprimoramento crítico das políticas 
públicas de saúde e sua relação com a cultura e da própria ciência médica moderna. Busca-se 
assim avanços técnicos na promoção da saúde pública e visibilidade a outros saberes que 
legitimem outras epistemologias fora do eixo norte global. 
Nesse sentido, cabe a apresentação de iniciativas museológicas recentes tais como as 
exposições curriculares de curadoria compartilhada por estudantes de museologia da UFSC 
Mamilo Manifesto (2018) e Noia (2020). A primeira abordou temas como a experiência da 
amamentação, câncer de mama, cirurgia plástica, uso do sutiã e estética a partir de diferentes 
instalações. A segunda, que, devido à pandemia de Covid-19 foi executada online, tratou em suas 
instalações, dos temas relacionados à saúde mental dos estudantes na pandemia impactada graças 
às aulas em formato remoto. 
Além desses dois projetos, destacam-se sobre a temática pandêmica o Museu do 
Isolamento que exibe obras de arte produzidas durante o isolamento demandado pela pandemia 
o qual é entendido aqui como um vetor social em prol da saúde mental coletiva e da economia 
da cultura por estimular a produção artística e dar visibilidade a artistas; o Memorial Inumeráveis 
o qual presta homenagens às vítimas de Covid - 19 e que em suas redes sociais e já apresentou 
um projeto para a construção de um espaço físico e o projeto Bem ti vi que reúne cartas de amigos 
e familiares de vítimas da pandemia, também colaborando para a elaboração do luto dos que 
perderam seus entes queridos. O Museu da Parteira15 também é entendido como um lugar de 
memória da saúde contra hegemônica por tratar de temas como o da saúde da mulher e parto a 
partir de conhecimentos ancestrais não eurocêntricos. Esses processos museológicos e museais 
 
14 É emblemático que a cultura da saúde, centralizada no poder médico, ao mesmo tempo que exalta, também 
vulnerabiliza a vida desses profissionais que acabam por ser vítimas históricas do suicídio, principalmente 
psiquiatras e anestesistas. (Cf. Santa, Nathália Della; Cantilino, Amaury. Suicídio entre Médicos e Estudantes de 
Medicina: Revisão de Literatura. 2016; MELEIRO, A.M.A.S.. Suicídio entre médicos e estudantes de medicina. 
1998) 
15 Apresentado no Podcast Museus e resistência produzido pelo curso de museologia da Universidade Federal de 
Santa Catarina - UFSC 
 
13 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-16, 2024 
 
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contra hegemônicos são algumas iniciativas de memória, educação e de promoção da saúde por 
meio do "uso social da memória" (Lima, 2017) e que fortalecem a saúde cultural por meio da 
promoção de práticas de saúde de maneira holística . 
Nesse sentido, decolonizar os museus e a museologia é um dos primeiros passos a ser 
dado. O museólogo Bruno Brulon chama a atenção para sua hipótese de como se deu a dominação 
por parte dos processos coloniais e como os museus eram agenciados nas várias expressões da 
colonização. Brulon defende que, 
 
assim como a produção de conhecimento moderno não se deu sem a periferia, os museus 
modernos na Europa [...], foram constituídos como instituições dependentes da relação 
de subordinação das colônias - e da ideia de um Outro congelado no tempo e nas vitrines 
herméticas de suas exposições - para que pudessem conformar o discurso civilizatório 
europeu e, ao mesmo tempo, legitimar o projeto colonial. (2021, p.7) 
 
Esses museus modernos europeus possuem relação direta com a produção da ciência, 
inclusive a médica. Portanto, as diretrizes de saúde que imperam internacionalmente hoje não 
devem ser vistas como alheias aos processos de pesquisa e construção desse conhecimento que 
também ocorreram nessas instituições. Brulon (2021, p.10) ainda aponta que 
 
"A racionalidade cartesiana, [...] engendra as representações de sujeitos sem corpos e 
destituídos de sua historicidade como assujeitados aos regimes de colonialidade que 
fundaram a musealização. É [...] preciso re-pensar o pensamento: este que nos chega 
como um instrumento de exclusão material e simbólica dos corpos que não podem ser 
pensados - isso porque, ao longo dos últimos séculos, alguns corpos não foram 
entendidos como corpos que pensam." 
 
Diante da provocação de Brulon, nos é possibilitado refletir sobre: quais são os corpos16 
mais vulneráveis nessa cultura de saúde a qual problematizamos? Os racismos sofridos por Sarah 
"Saartjie" Baartman, dentre os quais por médicos pesquisadores do Museu do Homem de Paris, 
justificados pela produção da ciência médica, são exemplos de como a cultura museal e a cultura 
da saúde se intercruzam por meio do racismo científico. Esse é um problema histórico da 
colonialidade agenciada por homens brancos que até hoje tendem a hegemonizar as instituições 
de produção de pesquisa e ciência. 
A museologia da saúde pode ser entendida em sua dimensão teórica que, além de trabalhar 
de maneira técnica e direta na gestão de acervos relativos à memória da saúde em suas diferentes 
 
16 Cf. Espinosa (2007); Silveira (1995); Fernandes. (2019). 
 
14 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-16, 2024 
 
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perspectivas materiais possíveis17, também promove práticas de saúde museal e cultural e a 
cultura da saúde. Tal subcampo, além de gerenciar a memória e os patrimônios materiais e 
imateriais que documentam a história da saúde e doença e seus agentes envolvidos 
historicamente, também tem como paradigma a proposta de promoção da saúde cultural de 
acordo com as demandas específicas dos diferentes públicos e comunidades. 
Visa-se a partir dessa proposta museológica o exercício crítico e o questionamento, 
discussão, problematização e proposta de superação de comportamentos e demandas coletivas 
embasados em aspectos inconscientes ou nitidamente políticos que vulnerabilizam a saúde 
cultural e integral das pessoas que compõem a coletividade. Visa-se assim a superação de 
fenômenos insalubres e sintomas que geram danos aos corpos os quais devem dessa maneira ser 
tratados cada qual com suas especificidades individuais, em uma dialética coletiva. 
A museologia da saúde demanda da teoria museológica um agenciamento da memória da 
saúde e suas categorias relacionadas como substrato para o desenvolvimento de ações técnicas e 
práticas em relação aos bens culturais patrimoniais deste campo. Mas indo além das dimensões 
práticas que os fazeres museológicos desenvolvem, pensar a museologia da saúde nos leva a 
entender as especificidades que cada documento de memórianecessita tanto do ponto de vista 
técnico e físico, quanto do ponto de vista ético e das sensibilidades semânticas envolvidas nos 
processos museais que gerem tais objetos musealizados. 
Dessa forma, abre-se margem para que profissionais da área da museologia possam se 
aperfeiçoar e inaugurar novos subcampos teóricos que extrapolam a perspectiva museal e/ou 
tipológica de museus, memoriais, acervos, coleções e lugares de memória em geral. 
Fundamentando-se nas demandas mais urgentes dos sujeitos ligadas às mais variadas 
perspectivas de saúde, propõe-se, para isso, o referido conceito. Entretanto, é necessário também 
pensar em demandas específicas da profissão de museólogo e portanto inaugurarmos uma 
reflexão interna do campo ligada a uma urgência de se estabelecer critérios de melhora das 
condições de trabalho de museólogos/as, muitas vezes expostos à insalubridade. Pensando 
assim, desde a saúde integral dos públicos internos do próprio museu (profissionais e corpo 
técnico), quanto das comunidades atingidas diretamente pelo museu em suas ações extramuros e 
intramuros. Penso, dessa forma que a museologia da saúde deve constituir-se enquanto campo 
epistêmico que resolva lacunas teóricas que a princípio sejam muito amplas, trazendo 
 
17 Medicina;saúde pública; hospitalar; saúde preventiva; saúde mental; segurança alimentar etc. 
 
15 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-16, 2024 
 
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especificidades para cada tipologia de processo ou reflexão museológica e demais processos 
museais que se dedicam a tipologias específicas. 
Esta proposta de pensar novos horizontes teóricos proporciona um engajamento científico 
decolonial da museologia, inserindo o campo em outras questões também importantíssimas, 
assim como ocorre em outras disciplinas humanas. Dessa forma, o/a museólogo se insere em um 
espaço mais abrangente das discussões epistemológicas, teóricas e ética com maior igualdade e 
importância com essas outras áreas do saber. Assim, inaugurando novos subcampos teóricos 
como o da museologia da saúde podemos discutir as demandas sociais a partir de novos 
pressupostos teóricos e éticos da ciência museológica. Possibilitando, desse modo, outras teorias 
museológicas não apenas dedicadas à saúde, mas também, por exemplo, à museologia das 
religiões, da infância, ambiental, de gênero, das relações étnico raciais dentre tantos outros. 
Com essas novas demarcações epistêmicas, além de um maior fortalecimento teórico, 
pode ocorrer também um maior impulsionamento da museologia nos debates específicos a estes 
temas indo além da perspectiva do espaço musealizado e seus respectivos protocolos e diretrizes 
técnicas. O campo museológico, ao se infiltrar nesses debates mais amplos pode se projetar em 
dimensões mais próximas das demandas dos públicos museais, dos não públicos e a de instâncias 
sociais onde os museus e demais formas de processos museais podem se inserir promovendo a 
"saúde cultural" em outras ambiências não tão convencionais. 
 
 
 
16 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-16, 2024 
 
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