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AULA 4 TOMADA DE DECISÃO E INTUIÇÃO Prof. Fábio Eduardo da Silva 2 INTRODUÇÃO Nesta aula, vamos refletir sobre a importância da intuição em várias áreas. Você já deve ter percebido que decidimos intuitivamente na maior parte do tempo. Nosso sistema é rápido, eficaz, sem esforço consciente ou deliberativo (Kahneman, 2012). Não temos estrutura para decidir conscientemente na maior parte do tempo, pois simplesmente travaríamos! Então a primeira reflexão de fazemos é que a intuição é muito importante, de fato essencial ao nosso modo usual de decidir, independente do contexto. Neste texto, vamos focar em algumas áreas nas quais a intuição parece se destacar. Vamos explorar o contexto organizacional no qual a intuição ocorre: a 4ª Revolução Industrial. O que a intuição tem a ver com ela? Estaria também a consciência humana evoluindo exponencialmente, num movimento transformador massivo? Trata-se de uma mudança de paradigma e a intuição está nele, tanto num nível pessoal quanto organizacional! Por exemplo, a administração intuitiva; isso é possível? Se sim, que efeitos produz, para que é usada? E quais países mais usam a intuição no mundo? E o Brasil? Fenômenos paranormais ou anômalos, ou ainda intuição-psi, você vivenciou alguma coisa desse tipo? É muito possível que sim, visto que em estudos brasileiros, cerca de 8 a cada 10 pessoas relatam ter tido ao menos um deles! Mas esses fenômenos existem mesmo? Se sim, podem ser usados nas organizações? Observe que a intuição parece ter muitas faces e utilidades! Nas ocupações de risco, por exemplo: na enfermagem, clínica, diagnóstico, terapia. Entre os bombeiros, no exército e na aplicação da lei. E por fim, no ensino. Seria a intuição boa ou ruim para a educação? Que implicações teria ela para essa área? TEMA 1 – CONTEXTO DA INTUIÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES 1.1 A intuição no contexto da 4ª Revolução Industrial O contexto da intuição nas organizações é a 4ª Revolução Industrial! Marcada pela disrupção tecnológica sem precedentes, se, por um lado, está modificando completamente a forma de funcionamento do mundo (nos negócios, no governo e política, na educação, na cultura e sociedade em geral), por outro, está trazendo novos problemas que exigem novas soluções. A inteligência 3 artificial (IA) está cada vez mais natural no nosso dia a dia e vai se tornar comum nas demais tecnologias; a internet das coisas (IoT), na qual nossos objetos se interconectam uns com os outros por meio da internet; as realidades virtual e aumentada, transportando-nos para multiversos cibernéticos; a análise massiva de dados (big data) produzida por toda essa interligação; as nano, bio e neurotecnologias, que vão nos tornar híbridos com as máquinas (em certa medida já o somos, smartphones são extensões de nosso cérebro, que é muito plástico) e revolucionar vários campos; os sistemas inovadores de produção e armazenamento de energia; drones, para as mais impensadas funções; impressoras 3D, que imprimirão de tudo, seja físico ou biológico (uma das formas da biologia sintética), micro ou macroscópico; a computação cognitiva e quântica; e, como não poderia faltar, a robótica, presente na automação massiva das indústrias (que reduzirá ao extremo seus quadros de funcionários) e nas mais diferentes interfaces com humanos (Filatro et al., 2019; Fava, 2018; Perasso, 2016; Saiba..., 2019). A 4ª Revolução Industrial está ainda nos seus primórdios, o que significa que as principais mudanças ainda estão por vir. Entre elas, talvez a mais grave seja a perda de milhões de vagas de trabalho, em especial nos países mais industrializados. Muitos empregos vão se transformar, extinguir-se, mas outros tantos surgirão. Assim, a requalificação profissional representa um grande desafio e provavelmente vai fazer surgir outro tipo de desigualdade social, entre as pessoas com baixa e elevada qualificação, esta essencial para a empregabilidade nessa nova fase. Esse cenário de futuro cada vez mais presente, tem Volatilidade intensa, Incertezas crescentes, Complexidade nunca vista e Ambiguidade emergente (VUCA) e exigirá, de fato já está exigindo, novas habilidades e o aprimoramento de inteligências aplicáveis a um contexto extremamente novo (Fava, 2016; Época, 2019). Fava (2016) fala das inteligências necessárias para o século XXI, dentre as quais a inteligência cognitiva, ligada à nossa capacidade de raciocinar, planejar, sintetizar, resolver problemas e tomar decisões, pensar de forma abstrata e categorizar. Também, o que se faz cada vez mais necessário, aprender rapidamente com a experiência, para se adaptar a um mundo novo e aceleradamente mutável. Essa é uma área onde a inteligência artificial, a inteligência cognitiva e a aprendizagem de máquinas vão atuar amplamente, podendo substituir inúmeras atividades realizadas por seres humanos, os quais 4 precisam desenvolver suas habilidades cognitivas. Para isso, a educação precisa se atualizar para contribuir com esse desenvolvimento. Como estamos no plano das funções cognitivas, também conhecidas como funções executivas, adicionamos uma habilidade crucial relacionada a essa área, a atenção. Em meio à multiplicidade e à crescente quantidade de estímulos/informações a que estamos submetidos (infoxicação), treinar a atenção se faz crucial. Para que não nos percamos na ilusão da multitarefa, na dispersão do foco e no fascínio absorvente das novas tecnologias, o treino estimula a atenção, o centramento, e a presentificação se apresenta como necessidade adaptativa atual, pois está relacionada tanto à percepção quanto ao controle ou regulação emocional, o que inclui a gestão do stress e ansiedade, e consequentemente a manutenção da própria saúde física, mental e emocional. Neste tema, devemos destacar as técnicas de mindfulness, que têm sido aplicadas nas mais diferentes áreas, tais como negócios, educação, segurança e saúde (Marti; Garcia-Campayo; Demarzo, 2016; Loughton; Morden, 2015). O treino estimula a atenção também se relaciona diretamente com a força de vontade, que Fava (2018) nos indica como inteligência volitiva e inclui a proatividade como elemento crucial para empregabilidade em tempo de mudança, no qual atividades que não requerem criatividade, ou seja, que podem ser repetidas facilmente, serão substituídas máquinas ou programas: Os profissionais poderão enfrentar a faina de maneira muito diferente: uns se encarregam de lançar novas iniciativas, gerar mutações construtivas e liderar de forma dinâmica e ativa. Outros tentam manter a conjuntura, se conformar com o tradicional, ficar apenas com a cabeça acima da água, serem bons Guardiões do status quo. Os primeiros abordam as questões de frente e trabalham para uma transmutação construtiva. Os segundos seguem a corrente, são empurrados pelo fluxo da multidão sem qualquer diferencial e conduzem passivamente os negócios de forma conservadora em uma enfadonha rotina. [...] Proatividade, dinamismo e iniciativa se resumem no que denominaria de inteligência volitiva. [...] Nesse mundo tecnológico, a mais notável característica para o profissional do Futuro é o QV [Quociente volitivo] (Fava, 2018, p. 124-125). É esse tipo de inteligência que permite o processo de inovação, de transformações e metamorfoses essenciais à competitividade e à sobrevivência das organizações. Implica também a eficiência, ou seja, fazer a coisa da maneira correta, fazer bem feito, gerando eficácia, ou seja, o resultado, o alcance das metas, daquilo que foi planejado. Na concorrência crescente dessa nova fase, que inclui não apenas outros profissionais e outras organizações, mas também as máquinas inteligentes, a inteligência volitiva se faz essencial (Fava, 2018). 5 Como comentamos, o treino da atenção é a base para esse tipo de inteligência, visto que a motivação é em grande parte dirigidapor processos afetivos, do tipo dow up, ou seja, de estruturas subcorticais (profundas no cérebro) para estruturas corticais (na superfície do cérebro). Atenção reflexa, automática também segue o mesmo processo, sendo definida de forma externa pela qualidade dos estímulos, tal como ocorre com as reações emocionais. Mas a atenção executiva segue o processo inverso (tipo top-dow), está relacionada à vontade consciente e pode e de fato deve ser treinada. Saiba mais Para conhecer mais sobre o midfulness e suas técnicas, indicamos as seguintes obras: MARTI, A. C. I; GARCIA-CAMPAYO, J.; DEMARZO, M. Mindfulness e ciência: da tradição à modernidade. São Paulo: Palas Athena, 2016. WALLACE, B. A. A revolução da atenção: revelando o poder da mente focada, Vozes, 2018. Fava (2018) também nos recorda da inteligência emocional, muito conhecida nos meios organizacionais e que tem sido foco de treinamentos cada vez mais frequentes. As emoções são cruciais em praticamente tudo o que fazemos. Influenciam (dirigem) nossa atenção, memória, aprendizado, julgamento, tomada de decisão, resolução de problemas, motivação e seu resultado direto, ação ou prática. Também são cruciais nos relacionamentos interpessoais, em especial com relação à comunicação não verbal. Tamanha sua importância que se faz necessário que desenvolvamos a inteligência para lidar com ela. A inteligência emocional pode ser sintetizada em: a. autopercepção, ou perceber as emoções em nós mesmos; b. autogestão emocional, ou gerir nossas próprias emoções para que se alinham as metas e objetivos que temos; c. percepção das emoções das outras pessoas, por exemplo, no processo da empatia; e d. lidar com a emoção das outras pessoas, nos relacionamentos interpessoais, com especial destaque para a gestão de conflitos (Goleman, 2001; Gonzaga, 2018). 6 Por fim, Fava (2018) apresenta-nos a inteligência decernere, ou seja, aquela ligada à capacidade de discernir, que influenciará diretamente a tomada de decisão, particularmente em nosso ambiente VUCA. A inteligência decernere é faculdade de saber examinar, testar proposições de qualquer tipo que sejam oferecidas para aceitação, a fim de descobrir se elas correspondem ou não a realidade. Embora abrange uma ampla gama de atividades mentais, como pesquisa, escolha de informações, raciocínio efetivo, pensamento sistêmico, resolução de problemas e tomada de decisões, a parte medular da inteligência decernere refere-se a reivindicações de questionamento, da crítica, do discernimento em sua essência em vez de aceitá-las ao valor nominal. (Fava, 2018, p. 127) Essa inteligência, como bem enfatiza o autor, não conta com pesquisas acadêmicas, ao menos não com esse nome, mas, como você pode perceber, esse é o tipo de inteligência que mais se aproxima dos processos intuitivos, os quais têm como característica o funcionamento espontâneo e não consciente, por um lado, e por outro, necessitam de processos racionais, cognitivos, para que possam ser utilizados com eficiência e eficácia. Assim, reduz-se a infinidade de vieses e processos de autoengano, naturais ao nosso processamento mental. Para que possamos ter senso crítico em relação às informações externas, ou seja, ao nosso julgamento em relação às informações do mundo, precisamos desenvolver o senso de autocrítica, aquele pelo qual observamos nossos equívocos e nos tornamos mais aptos para discernir, julgar, decidir e, consequentemente, agir, visando mais eficiência e eficácia. E, mais ainda, é crucial para que possamos equiparar nosso desenvolvimento interior com aquele que acontece fora de nós. A maior parte da pesquisa científica está dedicada ao domínio de tecnologias relacionadas ao mundo exterior a nós mesmos(as). Há também muitos estudos sobre a nossa fisiologia e, em particular, sobre nossos processos neuronais. Proporcionalmente, é muito pequena a parcela de pesquisa dedicada a como desenvolvemos nossas capacidades internas, emocionais, cognitivas e intuitivas. Esse contraste pode ser perigoso. Parece que, se não cuidarmos de nós mesmos(as), de nosso desenvolvimento interno, não cuidamos bem uns dos outros, não conquistamos harmonia interpessoal, seja ela em nível local ou global. Tampouco conseguimos harmonia com o meio ambiente. Dentre as principais preocupações do Fórum Econômico Mundial de 2019, estão as tensões geopolíticas, potencialmente criadoras de conflitos sociais, econômicos e até mesmo bélicos. Também existe a preocupação com a 7 sustentabilidade de nosso planeta em função dos evidentes desequilíbrios climáticos não apenas previstos, mas, em alguns casos, já em curso. Esse fórum, naturalmente também dedica muito de seu foco à 4ª Revolução Industrial. Por exemplo, como estimulá-la em diferentes situações geopolíticas nos países em desenvolvimento, como o Brasil (Saiba..., 2019). 1.2 A intuição e a evolução da consciência: vivemos um movimento transformador massivo? Toda essa fantástica evolução tecnológica econômica precisa ser acompanhada por uma evolução da consciência. Isso está ocorrendo? Se, por um lado, estamos numa época em que ocorre a maior produção e acumulação de riqueza jamais vistas, por outro, a desigualdade de recursos e de oportunidades está em proporções avassaladoras. Contrastes entre abundância e carência ainda caracterizam nosso desenvolvimento coletivo. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 2,2 bilhões de pessoas têm sobrepeso em seus corpos, enquanto 850 milhões de pessoas passam fome. Quatro bilhões de pessoas têm smartphones, mas 800 milhões não têm eletricidade. A economia extrativa é predadora de nosso planeta, arriscando a vida das novas gerações. Nós nos aproximamos de um aquecimento médio da temperatura superior a dois graus, o que é preditor de catástrofes inevitáveis no plano ambiental (Marins, 2019). Se considerarmos esses e outros dados, poderíamos ter uma visão pessimista do contexto atual. Lembre-se de que, por razões filogenéticas, tendemos a valorizar mais os riscos, as dificuldades e as perdas do que suas contrapartes. No entanto há razões para acreditar que efetivamente estamos passando por uma transformação na consciência Mundial, uma nova consciência, ou, nas palavras de Marins (2019), um movimento transformador massivo, que caracteriza a Era do Impacto, nome de sua obra, que combate a nossa ignorância e apatia e incita-nos a colaborar com esse movimento, enfatizando que “todo mundo pode mudar o mundo”! Inspirado na obra cinematográfica (filme documentário) de Maria Mourão (Quem se importa), ganhadora de vários prêmios internacionais, Marins fala-nos sobre o momento especial que estamos vivendo. Segundo ele, a melhor época da humanidade. 8 Como o mundo está mais transparente, para o mal e para o bem tanto exsudando diariamente o que tem de ruim quanto multiplicando tudo que há de bom - que não é pouco -, temos que eleger minuto a minuto o que vamos impulsionar: egoísmo, etnocentrismo, utilitarismo, ódio, tribalismo e nacionalismo ou compreensão, tolerância, amor, empatia, diversidade, colaboratividade e globocentrismo. Na dinâmica da hiperconexão, na lógica das conexões ecossistêmicas, cabe a nós, tão somente, impulsionar problemas ou coedificar soluções. Mas Livres, mais informados, mais conectados e mais conscientes, nossa responsabilidade com toda a humanidade aumenta. Nossas ações individuais se multiplicam com facilidade e contam agora mais do que nunca. A liberdade conquistada, física ou digital, não é o território do conforto como pensam alguns. É o território da decisão, onde o pensamento, ao ser compartilhado, se torna ação massiva. (Marins, 2019, p. 31-32) Nesse movimento transformador massivo ocorre a integração de milhões de pessoas, preocupadas, por exemplo, com a degradação ambiental e o esgotamento dos recursos que poderão levarao fim da sobrevivência humana! O Homo economicus, já bastante idoso, com cerca de 250 anos, parece dar lugar ao Homo solidários, noeticus ou emphaticus. Milhares de empreendedores já definem seu sucesso principalmente pelo impacto social e socioambiental voltado a beneficiar toda a sociedade, sem ser os maiores do mundo e sim os melhores para o mundo! Grandes iniciativas que beneficiam milhões de pessoas convivem com pequenas e médias. Diferentes tamanhos, sempre ideias transformadoras, são capazes de descentralizar soluções, de promover mudanças efetivas em toda a sociedade e economia. São os designers do futuro: Universo de seres humanos empáticos, empreendedores conscientes, líderes integrais e cidadãos colaborativos, atuando em rede e sistematicamente desfrutando possibilidades inéditas, local ou globalmente. [...] reflexo de um novo nível de consciência da humanidade. [...] ocorrências relacionadas a um momento histórico global, uma era de transição planetária, o momento auspicioso para nossa espécie. [...] é um gigantesco movimento transformador massivo que está em curso, acessível a todos e entretecido de fios invisíveis. É a era do impacto. (Marins, 2019, p. 31-32) Em sua obra, Marins (2019) não se apresenta como otimista visionário, mas mostra dados impressionantes, seja pela qualidade ou pela quantidade, que suportam suas ideias. Esse processo ao qual se refere o autor é o movimento transformador da liberdade, o movimento transformador da economia e o movimento transformador da consciência. Em termos de liberdade, fala-nos sobre o quanto foi conquistado em termos de nossas necessidades fisiológicas (física), 9 da equidade de raça e de gênero e da liberdade política (cívica) e religiosa (espiritual). A segunda dimensão, da economia, indica que nosso mercado capitalista migra para uma nova fase, a do pós-capitalismo. As transformações profundas que estão ocorrendo na forma de pensar e de agir, incluindo a dimensão da inovação e as ferramentas tecnológicas para um novo futuro: “tinge a economia estatal, privada e da ecologia, com movimentos de evolução dessa percepção e a sua associação com empreendedorismo social e os novos designs econômicos” (Marins, 2019, p. 38). Por fim, o autor considera que a mais importante dimensão desse movimento transformador massivo é aquela relacionada à consciência! A sua evolução permite o aperfeiçoamento coletivo e a conquista de um nível de liberdade pós-convencional. “Essa terceira subdimensão se dedica aos movimentos de evolução que vão do egocentrismo, passam pelo etnocentrismo e chegam ao globo-centrismo” (Marins, 2019, p. 38). Para o autor, a descentralização, a exponencialidade e a inovação operam tanto quanto pressupostos quanto na geração de resultados. Tem sido assim para milhões de cidadãos que conquistam uma nova capacidade de pensar e de agir, descentralizando decisões, soluções e o uso de recursos e informações. Estas, que até bem pouco tempo estavam centralizadas pelo governos, corporações e universidades, agora estão distribuídas em torno do planeta de forma exponencial (Marins, 2019, p. 38): essas tremendas transformações que ocorrem em todo o mundo estão associadas a elevação do nível de consciência da humanidade, fenômeno evolutivo da espécie humana que vem sendo estudado nas últimas décadas por pesquisadores da psicologia do desenvolvimento. Essas pesquisas indicam a existência de uma curva exponencial no estágio de desenvolvimento da consciência de todos os indivíduos. Pelo que vimos até o momento, a percepção/valorização da intuição, como parte essencial de nosso funcionamento (em especial da tomada de decisão), e seu uso deliberado e relativamente consciente são parte dessa evolução da consciência. Permitindo-me especular, talvez seja a intuição um dos principais propulsores dessa evolução, senão o maior. Vejamos mais sobre isso. 10 1.3 A intuição na mudança de paradigma Como comentamos, habitamos a mudança (volatilidade), incerteza, complexidade e ambiguidade (conflito) – VUCA. O mundo não apenas muda rápido, mas cada vez mais rápido. Os padrões predominantemente racionais de pensamento não são mais suficientes para compreendê-lo como está ou no que ele se tornará, nem para lidar com esses quadros emergentes (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, Filatro et al., 2019). Para lidar com mudanças tão rápidas, é necessário certo sentido de estabilidade interior; para lidar com a complexidade é necessário uma âncora de simplicidade; para lidar com a incerteza, a pessoa tem de desenvolver um nível mais profundo de sistema de apoio interno; e para lidar com o conflito faz-se necessário uma capacidade especial de síntese, um nível mais profundo de percepção. A intuição parece facilitar o cultivo dessas qualidades. (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 44, grifo nosso) Quadro 1 – O papel da intuição ao se lidar com a mudança: Fonte: Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 44 A mudança global em curso pode ser vista como parte da evolução (da consciência) humana. Passamos por várias revoluções, parece que estamos agora nos dirigindo para a revolução da “consciência”, para conquistarmos mais percepção de nosso mundo interior. Assim, a intuição é vista como um nível mais profundo de consciência, associado a uma informação distinta, não acessível ao nível dos sentidos. A 4ª Revolução Industrial é um processo coletivo fruto de nossa evolução intelectiva e inventiva, é externa e traz impactos muito fortes, mas ainda não conhecidos. O desenvolvimento da intuição, ou melhor, a conscientização e seu aprimoramento podem ser considerads também uma revolução, mas silenciosa, possivelmente essencial para que nos adaptemos de forma saudável à revolução externa (Marins, 2019; Parikh; Neubauer; Lank, 2003). Parece não ter permanecido nenhuma âncora! As ideologias foram desconfiguradas, não cumpriram com suas promessas de padrões e qualidade de vida. O mesmo ocorreu com os sistemas de valores materialistas e espiritualistas (Parikh; Neubauer; Lank, 2003). Mudança Complexidade Estabilidade Simplicidade Intuição 11 Mudança de paradigma – num nível profundo, a aceleração das mudanças com a consequente perda das referências convencionais pode indicar a transformação na visão da realidade, ou seja, na emergência de um novo paradigma, no qual a perspectiva positivista, determinista, mecanicista, materialista e reducionista dá lugar a um prisma mais subjetivista de uma visão aproximada, holística, interligada, na forma de rede ordenada, semelhante a um pensamento. Essa visão impacta as organizações e seus líderes. Observe tais mudanças nas gravuras (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 48-49): Figura 1 – Mudanças nas organizações 1.4 Intuição no nível da organização Respeitabilidade-reconhecimento cada vez maiores: conforme levantamento dos autores, mais e mais administradores de alto nível, incluindo 12 presidentes de empresas, estão admitindo o uso da intuição na tomada de decisão (TD). Sistemas computadorizados de apoio à TD: quando as informações são disponíveis, a TD tem sido apoiada por sistemas computadorizados, porém a dependência absoluta desses sistemas leva à paralisia de análise. Em cenários em mutação, em áreas que não podem ser computadorizadas, no excesso ou na falta de informação, quando as variáveis não são previsíveis com razoável grau de certeza, enfim, quando o clima é de incerteza, o uso da intuição é essencial. Falta de precedentes e problemas mal estruturados: um dos princípios da TD é a confiança nos precedentes, porém muitas situações emergentes não têm precedentes nem paralelos. De forma similar, problemas mal estruturados e que não podem ser avaliados analiticamente (decisões ligadas a contratação de executivos, aquisições, fusões) carecem da intuição. Escolher entrealternativas equilibradas: quando as alternativas são quase igualmente equilibradas, a intuição pode ser também necessária. Outros itens incluem inovação e empreendedorismo, bem como liderança, os quais serão considerados no próximo texto. 1.5 Intuição no nível individual Processamento humano de informações – capacidades mentais: a intuição pode ser vista como uma das excepcionais capacidades humanas, ainda não compreendida nem desenvolvida. Com o estudo da criatividade, a intuição emergiu com especial significado. Integração: a intuição pode ser auxiliar na compreensão da consciência, na sua dinâmica interna e integração externa, colaborando para uma visão de unidade num estado aparente de separação e conflito. Músculo, cabeça e coração: quando primitivos, nossa força estava nas mãos, em nossos músculos. A civilização focou poder nas ideias. Nosso próximo passo é desenvolver a nossa consciência para superarmos a inteligência racional, precisamos conquistar a sabedoria. “Precisaremos agir tanto com a cabeça como com o coração, para estabelecer uma cooperação entre nós mesmos, entre nossas nações, nossos continentes e nossos hemisférios. Só recentemente nos tornamos superiores aos outros animais; agora, precisamos aprender a nos tornar melhores seres humanos” (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 52). 13 Sobreviver à prosperidade: pela inteligência a humanidade alcançou o patamar presente; precisa agora da sabedoria para a próxima etapa, para prosperar, libertando-se de seus temores ligados à sobrevivência, rumando para uma visão compartilhada do mundo provedor. Com mente e coração superiores, será possível construir um mundo melhor. Questões existenciais: a intuição pode auxiliar na compreensão de 4 questões existenciais: necessidade de liberdade; causas do isolamento, significado da vida e a natureza da morte. TEMA 2 – SEU PAPEL NA ADMINISTRAÇÃO 2.1 A intuição na administração (ADM) O conceito de descoberta de soluções criativas é fundamental para a compreensão de uma filosofia moderna de ADM. A maioria das empresas antigas diminuíram seus funcionários, os novos empregos têm sido criados por empresas jovens e empreendedoras, surgidas de ideias criativas (veja o tema 5). Profissionais de grandes empresas admitem também que utilizam a intuição, e que esta é mais confiável e precisam na medida em que aprendem a confiar nela: “A intuição é realmente necessária na administração? A primeira resposta é que a intuição não consiste simplesmente em conhecer o estado futuro das coisas. Ela também está relacionada com o modo como algumas pessoas administram o estado atual das coisas” (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 58) Ter as melhores informações possibilita tomar as melhores decisões. A perfeita informação é a “linha direta com Deus”, porém o poço da sabedoria virou um hidrante e não é mais possível manter-se atualizado sobre as informações úteis que são geradas, de forma cada vez mais rápida, no mundo (Parikh; Neubauer; Lank, 2003). Em 1900, para o conhecimento do mundo dobrar, levava aproximadamente 100 anos. Em 1945, 25 anos; em 2015, 13 meses e, em 2020, isso ocorre a cada 12 horas (Filatro et al., 2019)! Essa explosão de informações também desencadeia um movimento muito rápido de motores sociais. Isso cria um contínuo estado de mudanças, impossível de ser acompanhado. Pela intuição é possível examinar uma quantidade grande de informações e ainda encontrar aquelas que são relevantes. Pela intuição é também possível manter-se no crescente de fluxo de mudanças, tal qual um malabarista que se foca no ritmo e não em cada bola que manuseia. A intuição 14 poderá consistir-se numa orientação constante, num eixo que mantém um equilíbrio dinâmico em meio às mudanças contínuas e cada vez mais aceleradas (Parikh; Neubauer; Lank, 2003). 2.2 Efeitos diretos da administração intuitiva Criação de uma visão – inovar continuamente é necessário para a sobrevivência empresarial. Para isso, é preciso ter uma visão do futuro e uma introvisão dos pontos críticos, que necessitam da implementação de estratégias. A mudança provoca resistências psicológicas, emoções negativas (ansiedade, medo), as quais precisam ser convertidas em energia positiva, como coragem. A criação de uma visão comum dentro da empresa produz essa energia positiva, dirigida à concretização do sonho coletivo. Isso será apresentado no tema 5. Escolha de uma direção – tendo as metas sido visionadas, um método para alcançá-las se faz necessário. A intuição pode auxiliar na criação dessas estratégias. Tomada de decisões – Com a direção e o método escolhido, as decisões operacionais precisam ser feitas. Que tarefas e qual a ordem delas? A longo prazo, a capacidade de manter um ritmo interior intuitivo gera continuamente a transformação de novos conflitos em desafios partilhados. A médio prazo, esta mesma capacidade permite que a pessoa identifique as orientações que levam a estratégias mais claras. Só então os administradores poderão tomar decisões quanto às tarefas que deverão ser executadas num determinado momento. (Parikh; Neubauer; Lank, 2003, p. 69) TEMA 3 – ALGUMAS PESQUISAS SOBRE INTUIÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES 3.1 Relatório global sobre intuição Processos intuitivos têm sido atribuídos a várias descobertas científicas, por exemplo, a descoberta da estrutura de anel fechado da molécula de compostos orgânicos por F. A Von Kekulé (1829-1896). Mas no contexto organizacional seria a intuição também valorizada? Num levantamento internacional sobre Intuição, Parikh, Neubauer e Lank (2003) obtiveram questionários respondidos por 1.312 administradores advindos de 9 países (Áustria, França, Holanda, Suécia, Reino Unido, Estados Unidos, Japão, Brasil e Índia). Destes, 53,6% indicaram utilizar tanto a intuição quanto a 15 lógica-raciocínio em seu trabalho; 7,5% assinalaram usar mais a intuição do que a razão, enquanto 38,9% responderam que faziam o contrário. Os dados do Brasil indicaram que 53,5% dos administradores utilizam mais a razão que a intuição, 42,1% utilizam em igual medida e apenas 4,4% utilizam mais a intuição, portanto abaixo da média geral do estudo (7,5%). Um dado interessante é que os países que mais relatam usar/valorizar a intuição são do primeiro mundo: Suécia – 8,9%, Holanda – 8,7%, EUA – 8,9%, Reino Unido – 7,5% e Japão – 7,5%! Esses dados indicam o valor dado à intuição no contexto organizacional. Porém, cabe acrescentar que não valorizá-la (38,9%) não significa não utilizá-la, visto que estudos indicam que a utilizamos inconscientemente praticamente o tempo todo! Como fora comentado, processos intuitivos (de vários tipos) não conscientes são parte essencial de nosso funcionamento mental e funcionam involuntariamente quer os percebamos e valorizemos ou não! Retornando ao levantamento indicado acima, as principais áreas que foram consideradas relevantes para a aplicação da intuição foram: a. estratégia e planejamento empresarial; b. marketing; c. desenvolvimento de recursos humanos; e d. pesquisa e desenvolvimento. Utilidade na empresa, os pesquisadores incluem: a. inovação; b. Criação de estratégias; c. Tomada de decisões; d. Resolução de problemas; f. Elaboração de uma visão de futuro; g. Valorização dos potenciais humanos; h. Encontro/confirmação de sentido existencial; i. Melhora na autoestima e autoconfiança; j. Melhora no bem-estar subjetivo (felicidade); k. Melhora nos relacionamentos interpessoais e l. Vantagem competitiva (Parikh; Neubauer; Lank, 2003). Esses dados sugerem que não apenas a intuição tem forte importância na vida profissional de administradores como é utilizada voluntariamente por 61,5% 16 da amostra investigada. Além disso, é reconhecida como tendo valor em diversas áreas a atividades. 3.2 Intuição anômala, psi ou não local e organizaçõesComo vimos no tema 1, existe um tipo de intuição que parece desafiar nossos conhecimentos sobre as habilidades ou potencialidades humanas. São os fenômenos psi (telepatia, clarividência, precognição e ação direta da mente sobre sistemas físicos ou biológicos), parte de um conjunto maior ditas anômalas, porque representam lacunas no conhecimento humano (Radin, 2011). Lembre-se de que a “possibilidade de se obterem informações ou impressões (cognitivas ou fisiológicas) por vias extrassensoriais do futuro, passado ou presente (fenômenos anômalos relacionados a psi), não exclui a influência daquelas preexistentes no organismo, ou seja, essas informações supostamente anômalas vão interagir com aquelas de caráter “normal”, digamos assim. As evidências para esses fenômenos são fruto de controvérsia científica, apesar de que as revisões sistemáticas de estudos, com base estatísticas, usualmente chamadas de meta-análises, têm dado suporte para a existência destes (Cardeña, 2018). Também os relatos das pessoas indicam que elas têm essas experiências. Estudos de levantamento feitos por pesquisadores da USP, UNESC e instituto Neuropsi (este conduzido por nós) encontraram que cerca de 85% de 918 respondentes, de São Paulo, Paraná e Santa Catarina alegaram ter vivenciado pelo menos uma das experiências anômalas relacionadas à psi (intuição psi) que estamos considerando. Em síntese, essas experiências intuitivas têm elevada prevalência e impacto psicossocial e clínico (Machado, 2009; 2010, Batista, 2016). Mas seria intuição-psi usada nas organizações? Numa pesquisa realizada na cidade de Recife, Barros (1998), do Instituto Pernambucano de Pesquisas Psicobiofísicas, buscou saber até onde a intuição- psi ou não local (Telepatia, Clarividência e Precognição), era empregada por administradores(as) de empresas como forma de solucionar problemas. O estudo buscou saber a postura dos(as) empresários(as) a respeito dessas questões e incluiu uma amostra de 300 micro, pequenas e grandes empresas localizadas na cidade de Recife. As empresas averiguadas englobam 4.283 empregados. Delas foram entrevistados(as) empresários(as) que atuam em diferentes ramos de atividade, sendo os do campo industrial 15% das empresas, 17 os do comércio, 44% e os do campo de serviços, 41%. Na disposição por gênero, a classificação é de 70% homens e 30% mulheres. 77% das empresas originaram- se devido à iniciativa dos próprios donos. 23% das empresas foram adquiridas por herança familiar. A diferença que se deseja conseguir com a origem da empresa, se por legado ou por iniciativa do empresário, é analisar as atitudes do empresário nas suas decisões, desde o momento em que este decide pelo comércio escolhido. Por que optar por este em vez daquele? Como o empresário chegou a uma decisão final e decidiu optar por um especifico ramo do comércio? Fatores de escolha do ramo de atividade: a experiência anterior na atividade é predominante com 50%, a intuição com 23% e a pesquisa de mercado com 12%. Deve-se evidenciar a intuição, com um total de 23% de sugestão, como uma opção de importância na história empresarial desde os primeiros tempos do estabelecimento (Barros, 1998). Dentre os resultados, as alternativas “Medito e encontro a solução” e “Uso a minha intuição” pareceram indicar formas distintas de se referir ao mesmo fenômeno. Isoladamente a opção “Uso a minha intuição” para resolver problemas foi assinalada por 34% dos empresários pesquisados. A expressão “Medito e encontro a solução”, se for analisada como um fator intuitivo, tem um percentual que sobe para 46%. Verificou-se também que a expressão “Peço ajuda a terceiros”, como consulta a esotéricos, foi pouco evidenciada pelos empresários (Barros, 1998). Em termos da referência de acerto na resolução de problemas, verificou-se que 2/3 dos empresários que relataram utilizar a intuição obtiveram acertos na ordem de 75% ou mais. Os que optaram pela ajuda mística obtiveram 1/3 de acertos. Verifica-se também que 7% dos empresários afirmam acertar sempre, ou seja, 100% das vezes. Os(as) entrevistados(as) alegam entender a intuição como um sexto sentido, como algo que não vem do uso da razão, é uma forma de percepção extrassensorial, um autoconhecimento adquirido por alguma fonte que não se situa entre os sentidos clássicos, ficando assim bem clara a intuição como um fenômeno paranormal (Barros, 1998). Voltando ao contexto internacional, em um episódio clássico apresentado pela Newark College of Engineering (Faculdade de Engenharia Newark), os pesquisadores analisaram a habilidade de precognição entre empresários. Nesse teste, os participantes criavam uma sequência de números binários de 100 dígitos. Para verificar o acerto, 100 dígitos eram gerados por um computador, utilizando técnicas de geração de números aleatórios, sendo então comparados com 18 aqueles criados pelos empresários. Os resultados mostraram que vários participantes tinham a capacidade de obter escores para além das expectativas do acaso e, o mais importante, os empresários mais bem-sucedidos (empresas com mais sucesso financeiro) obtinham escores que excediam de maneira significativa as probabilidades do acaso. Já os empresários cujo empreendimento perdia dinheiro apresentaram números inferiores da média e se distanciaram expressivamente dos níveis do acaso (Mihalasky, 2010). Kasian (2006) da Akamai University, investigou os sonhos que pareceram predizer vendas de propriedade. Dez participantes foram selecionados e, após fornecer um relato de sonho escrito, os participantes foram entrevistados por telefone. Aos dados da entrevista integraram-se os relatos dos sonhos para responder à pergunta da pesquisa. Os relatos continham temas de amizade e de familiaridade acima da norma, e agressão e negatividade abaixo da norma. Esses sonhos pareceram informar, alertar, inspirar e acoplar o sonhador a perseguir pessoalmente opções significativas de casas. Porque as imagens sonhadas se assemelharam frequentemente à propriedade vendida. Junguianos considerariam tal correspondência entre uma experiência interna e um evento exterior uma sincronicidade. Na escala de absorção, os participantes marcaram 26 (p<0,02), alto comparada ao normativo de 20, com um desvio padrão de 6. Os participantes que terminaram a escala criativa da personalidade produziram uma contagem média de 8.6 (p<0,02), alta comparada ao normativo de 3.6, com um desvio padrão de 4.1. Nos testes de Torrance do pensar criativo, as contagens medianas dos participantes, as figurais e as verbais caíram nos percentis 90 e 56, respectivamente. O estudo autoriza pesquisa adicional a demonstrar como maneiras sutis, anômalas do saber podem suplementar decisões lógicas, racionais (Kasian, 2006). Esse professor (Silva; Martins, 2020) realizou um estudo experimental, desenvolvido numa empresa imobiliária de Curitiba, verificando se era possível que 16 corretoras se utilizem de intuição-psi (clarividência e precognição) para aumentar suas locações. O estudo foi conduzido no mês de junho e julho/2011. A proposta teve como objetivo avaliar os escores de testes psi (clarividência e precognição) das corretoras de imóveis e correlacioná-los com os níveis de locações destes. Os resultados não são conclusivos, mas foram significativos. Mais detalhes dessa pesquisa são apresentados posteriormente. Esses poucos estudos indicam que a intuição-psi ou anômala 19 possivelmente faça parte das decisões profissionais, e ainda mais, talvez estejam ligadas ao sucesso, à vantagem competitiva. Naturalmente, como se trata de uma área nascente de pesquisa, os resultados precisam replicados e novas pesquisas desenvolvidas em quantidade e qualidade considerável para que possamos ter mais referências sobre esse tipo de intuição, se de fato existe e quais suas características no contextoorganizacional. De qualquer forma, é uma área muito promissora e provavelmente relacionada às profundas mudanças atuais e ao futuro do desenvolvimento da consciência humana. TEMA 4 – OCUPAÇÕES DE RISCO 4.1 Ocupações médicas 4.1.1 Enfermagem e enfermagem de emergência Estudos qualitativos têm sugerido que a intuição é um componente na prática de enfermagem, em especial na enfermagem de emergência. Tem sido descrita como um tipo de conhecimento da enfermagem e tem ganho aceitação como válido não só na emergência, mas também na enfermagem clínica. Num estudo com 14 enfermeiras experientes, surgiram relatos semelhantes ao que é apresentado a seguir (Langan-Fox; Vranic, 2011). Por volta das 23 horas, um bebê de sete meses acompanhado por sua babá chegou sem nenhuma queixa específica. De repente, senti meu estômago revirar. Avaliei os sinais básicos do bebê, não encontrei nada incomum e o peguei e informei ao pediatra que eu o estava levando para a área de ressuscitação. Quando perguntado por que, eu respondi que ele precisava estar lá. O residente não teve escolha senão me seguir. Duas horas depois, o bebê foi internado na sala de operações, necessitando de reparo de um grande defeito do septo ventral não diagnosticado anteriormente. Mais tarde, o pediatra perguntou como eu sabia sobre a insuficiência cardíaca. Não pude responder, pois tinha a sensação de saber que algo estava seriamente errado. Essa experiência me perturbou. (Lyneham et al. citados por Langan-Fox; Vranic, 2011, p. 111) Estudos nessa área têm-se concentrado no trabalho de enfermeiras experientes, focando-se então em explicações ligadas à expertise profissional, experiência e conhecimento. Essas pesquisas têm reconhecido intuição como uma forma legítima de conhecimento, o que fortalece o uso dessas habilidades em todos os níveis de experiência e também estimula estudos acadêmicos com essa temática (Langan-Fox; Vranic, 2011). 20 a intuição é caracterizada como percepção direta, e como um fenômeno lícito, observável e mensurável, potencialmente ensinável e parte apropriada da ciência da enfermagem. (Effken, citado por Langan-Fox, Vranic, 2011, p. 112) 4.1.2 Consulta clínica/Diagnóstico/Terapia A intuição tem sido também considerada relevante no campo das consultas e diagnósticos clínicos, pois a perspectiva intuitiva pode melhorar a qualidade das consultas, e os estudos de levantamentos feitos com médicos têm indicado que estes reconhecem a prevalência das experiências intuitivas em suas práticas. De forma similar, diagnósticos psiquiátricos também podem ter a intuição como função importante. “Como nós temos demonstrado, entretanto, a intuição é um importante componente do diagnóstico psiquiátrico e não é inferior a outras ferramentas diagnósticas” (Langan-Fox; Vranic, 2011, p. 112-113). Médicos homeopáticos também frequentemente relatam o uso da intuição e a importância disso nas suas práticas. Na área de psicoterapia, a intuição também é utilizada para resolver problemas psicológicos, em especial por meio de leituras das reações durante os relatos em psicoterapia. Assim, os dados sugerem que são comuns os relatos do uso da intuição dentro de profissões da saúde, indicando a sua eficácia detectando anomalias perigosas, sejam elas fisiológicas ou psicológicas. Num estudo que estamos conduzindo junto ao Grupo Interdisciplinar de Psicologia Analítica e da Religião (GIEPAR), sediado no Conselho Regional de Psicologia do Paraná, verificamos que 86,6% dos 179 psicólogos e psicólogas respondentes relatam ter vivenciado ao menos uma experiência anômala relacionada a psi (intuição psi). Também seus(suas) clientes relatam ter essas experiências, sendo que apenas 13% deles nunca relataram alguma experiência dessa natureza. O estudo que explora a prevalência e a relevância dessas experiências na prática profissional de psicólogas(os) deve ser finalizado neste ano (2020), trazendo mais evidência e compreensão sobre o impacto dessas experiências na vida profissional. 4.2 Bombeiros, exército, aplicação da lei 4.2.1 Bombeiros Combate a incêndios usualmente implica decisões muito rápidas com 21 base em pouquíssimas informações. Essas decisões frequentemente podem fazer a diferença entre a vida e a morte. Murgallis (citado por Langan-Fox; Vranic, 2011), num artigo da Harvard Business Review, afirma que a intuição é uma habilidade crítica para os grupos de combate ao incêndio de alta performance. Relata também que ela pode ser apreendida “por meio de treinamento, leitura, resposta a emergências e conversas com veteranos” (Effken, citado por Langan-Fox; Vranic, 2011, p. 113). Buckman (citado por Langan-Fox, Vranic, 2011) é um treinador de bombeiros. Ele enfatiza a importância dos “dois primeiros segundos” no combate ao incêndio e que a intuição é muito relevante, ao ponto de que sua utilização deva ser ensinada aos bombeiros, oficiais, chefes e comandantes de incidentes. Buckman também afirma que a parte inconsciente adaptativa do cérebro processa informações de maneira rápida e silenciosa. Sua noção final é de que, para que um filtro se torne melhor em concluir uma rápida avaliação de uma determinada situação e, portanto, produza boas decisões, seu cérebro deve ser treinado e receber informações confiáveis para tomar a decisão intuitiva correta no ambiente nos primeiros dois segundos. (Langan-Fox, Vranic, 2011, p.114) 4.2.2 Exército Intuição tática é a expressão utilizada por Reinwald (citado por Langan- Fox; Vranic, 2011) num artigo para a revista Military Review, dos Estados Unidos. Trata-se do pensamento intuitivo aplicado ao combate. A compreensão imediata de uma situação e a atitude a ser tomada podem ser vitais no exército. É a intuição que permite aos líderes tomarem decisões de forma mais rápida que os inimigos e, em consequência disso, pode ser a “diferença entre a competência e a incompetência, a vitória ou a derrota”. Por essa razão, a intuição é muito considerada no exército, como no Programa de Avaliação e Desenvolvimento de Liderança (LADP), que reconhece essa habilidade como uma qualidade-chave da liderança, estimulando fortemente para que seja desenvolvida, principalmente entre os comandantes seniores. (McClean, citado por Langan-Fox; Vranic, 2011). Além disso, Os comandantes raramente controlam os eventos no campo de batalha. O general de sucesso não é aquele que implementa cuidadosamente seus planos originais, mas aquele que intuitivamente "lê" o caos no campo de batalha o suficiente para aproveitar as oportunidades que passam. . . Como é impossível pesar todos os fatores relevantes, mesmo para as decisões mais simples da guerra, é a intuição do líder militar [...] 22 que deve, em última análise, guiá-lo na tomada de decisões eficaz. (Handel citado por Langan-Fox; Vranic, 2011, p. 114). 4.2.3 Aplicação da lei No estudo de levantamento feito pelo Instituto de Justiça Nacional dos Estados Unidos, em 2004, cerca de 90% dos entrevistados da Academia Nacional relataram sentir um instinto, um sexto sentido, ou seja, ter algum tipo de intuição manifesta via corpo. Os pesquisadores concluíram que a intuição deve ser vigiada e que seu uso pode produzir vieses cognitivos, os quais podem criar problemas nos processos investigativos criminais (Langan-Fox; Vranic, 2011). Recorde-se que consideramos alguns dias e enganos que usualmente cometemos ao avaliar e decidir. Outro estudo realizado em 2007 por Tussey (citado por Langan-Fox; Vranic, 2011) considerou uma amostra de 37 acadêmicos da polícia municipal e 37 graduandos da universidade rural do oeste da Pensilvânia. Os resultados foram numa direção que apoia a ideia de que a intuição é pertinente à tomada de decisão dos policiais. TEMA 5 – INTUIÇÃO NO ENSINO 5.1 Intuição não boa para o ensino! Considere o que você estudou sobre intuiçãoe responda, por favor: ela é uma estratégia boa para o ensino? Tradicionalmente, professores e professoras conduzem seus estudantes passo a passo, explicando conteúdos e procedimentos para que eles(elas) os dominem de forma explícita, sendo capazes de reproduzi-los prática e teoricamente de forma deliberada, consciente, justificando as razões pelas quais o fizeram (Iannello; Antonietti; Betsch, 2011). Estamos nos referindo ao sistema 2, analítico, consciente, liberado, dispendioso e lento. A intuição, por sua vez, está mais relacionada ao sistema 1 (Intuitivo ou experiencial), no qual os processos mentais ocorrem rapidamente, de forma não consciente, apresentando evidências diretas, sem requerer raciocínio lógico, tampouco evidencia como chegou a determinada conclusão (Kahneman, 2012). Assim, a docência não deve conduzir aos processos intuitivos, ou seja, à compreensão de conceitos ou aplicação procedimentos intuitivamente. Ao contrário, as concepções que os alunos 23 apreendem espontaneamente da realidade (intuições) geralmente estão erradas e precisam ser estruturadas por meio dos conceitos acadêmicos. Nessa perspectiva, a intuição pode ser igualada ao senso comum, usualmente ilusório, ingênuo. Além disso, alguns conteúdos a serem aprendidos são contraintuitivos. Nesse caso, o ensino deve ser usado não apenas para ajudar os alunos a substituir as intuições por conceitos mais relevantes, mas também para combater os vieses produzidos pelas supostas evidências intuitivas [...]. De qualquer forma, mesmo que a intuição possa levar os alunos a desenvolver concepções corretas, tais concepções não representam conhecimento válido. Isso ocorre porque os alunos não podem articular e analisar essas concepções explicitamente e, portanto, não podem destacar seus fundamentos, sondar sua veracidade por meio de argumentos ou comunicar os conceitos a outros, esclarecendo por que eles confiam em sua validade. (Iannello; Antonietti; Betsch, 2011, p. 168) Ainda que a intuição pudesse ser importante no processo da descoberta, ou seja, no processo que o aluno chega a compreender alguma coisa, ela não teria condições de explicitar a justificativa ou como os alunos se deram conta daquilo que aprenderam. Em síntese, ela não é uma estratégia boa para o ensino. 5.2 Intuição pode facilitar ensino? Da perspectiva construtivista, a pré-compreensão dos estudantes é o ponto inicial com base no qual se chega aos conceitos a serem compreendidos. Parece estar bem estabelecido que estudantes não são tábulas rasas, uma vez que eles e elas têm sua própria compreensão sobre aquilo que os professores irão explicar. Independente se refletem mais ou menos a realidade, é por certo o ponto de partida para o ensino, cuja base é a interação, a conexão entre docentes e discentes, a qual, de caráter emocional, é importantíssima para o processo de ensino-aprendizagem. Intuições também envolvem uma seleção de características da realidade, uma representação rápida, simplificada do que vai ser compreendido posteriormente, isso de forma leve, sem sobrecarga cognitiva. Em complemento, ainda que algumas intuições possam estar incorretas, elas serviram de base para a ampliação posterior. Outras, no entanto, podem levar os alunos a identificar aspectos essenciais daquilo que está em jogo, facilitando a sua compreensão e aprendizado. Lembre-se de que uma das características da intuição é o processamento simultâneo de várias características, permitindo compreender relações entre os vários elementos, fornecendo uma visão geral inicial da situação. Outro elemento importante é que a intuição trabalha com conhecimento familiar ao indivíduo, por isso apresenta um certo senso de certeza, 24 que reduz o medo e a ansiedade diante do desconhecido. Por vezes até acompanha um senso de confiabilidade e autoconfiança. Todos esses elementos são muito importantes ao processo de aprendizagem (Iannello; Antonietti; Betsch, 2011). 5.3 Estilos cognitivos podem facilitar ensino? Vários estudos têm mostrado que pessoas apresentam formas ou estilos de funcionamento que são tendências para atitudes comportamentos e estratégias semelhantes em situações comuns. Eles refletem como a pessoa age e não quão bem ela se sai. Se as habilidades podem ser medidas pelo nível de desempenho, os estilos cognitivos são mensurados pela maneira de desempenhar. As habilidades tendem a ser unipolares, enquanto os estilos usualmente são bipolares ou multipolares. Estilos cognitivos são preditores de desempenho acadêmico e outras habilidades gerais. Existem vários pares de estilos cognitivos e muitos instrumentos que os mensuram. Voltaremos posteriormente à temática dos estilos cognitivos, trazendo mais informações sobre eles. Um dos estilos que tende a uma dimensão mais unificadora de vários outros considera a polaridade intuição-deliberação (Iannello; Antonietti; Betsch, 2011). O CSI (Índice de Estilo Cognitivo) é um instrumento muito utilizado nos estudos de gestão e negócios. Ele se baseia na polaridade em que os extremos de cognição intuitiva e cognição analítica (ou deliberativa) representam um contínuo de uma única dimensão. As pessoas com estilo intuitivo abordam tarefas cognitivas de maneira rápida fácil e automática, pois confiam e seguem seus instintos e sentimentos. Esse estilo é caracterizado como global, impulsivo, divergente e indutivo. Em contraposição, as pessoas com estilo analítico confiam mais em técnicas lógicas mais lentas, elaboradas e planejadas para lidar com tarefas cognitivas. O instrumento indicado (CSI) apresenta os dois polos e entre eles uma escala contínua. Ou seja, um indivíduo pode estar no extremo no outro ou em qualquer ponto do espectro entre os dois. Mais do que isso, estudos sugerem que, mesmo que uma pessoa tenha predominância em uma das polaridades, ela faz uso dos dois sistemas, dependendo se a situação requer mais um ou outro estilo de funcionamento. Pode inclusive utilizar os dois ao mesmo tempo. O mesmo já foi indicado sobre o funcionamento intuitivo e analítico. Em síntese, é comum que as pessoas tenham tendências para uma das polaridades, mas que 25 utilizem ambos os sistemas, conforme as necessidades (Iannello; Antonietti; Betsch, 2011). Um exemplo da importância desses estilos para a aprendizagem é mostrado nos estudos em que o aprendizado se dá por meio de hipermídia. Nela, os dispositivos institucionais mostram-se em vários formatos (ex.: textos, falas, gráficos, figuras, filmes, entre outros). Além disso, os(as) estudantes podem acessá-los na ordem que desejar, por exemplo, pulando de um conhecimento para o outro com base em suas preferências pessoais. Essa flexibilidade é considerada positiva, pois pode facilitar ambos os estilos cognitivos (Iannello; Antonietti; Betsch, 2011, p. 173): Riding e Grimley [...] descobriram que os alunos que possuem um estilo cognitivo analítico não aprendem tão bem quanto os alunos com um estilo intuitivo-holístico ao usar uma apresentação multimídia de informações que fragmentam o texto a ser aprendido em várias pequenas unidades. Graff [...] observou que os melhores resultados de aprendizagem não foram obtidos nem por analistas nem por holistas intuitivos, mas por estudantes que exibiam um estilo intermediário. Esses e outros estudos sugerem que a intuição é parte de um sistema mental duplo, ou seja, permite o funcionamento tanto intuitivo quanto analítico simultaneamente, ou a mudança de um modo para outro, para compensar as fraquezas de modo menos desenvolvido ou se adequar à necessidade do contexto. 5.4 Por uma educação ambidestra Nos moldes clássicos de nossa educação ocidental, poderíamos até pensar que é intuição não é boa para o ensino. Centrado na atenção e na consciência, nosso ensino tradicional não apenas ignora os processos intuitivos como parece combatê-los.Culturalmente a razão, a análise, a consciência têm mais valor que a intuição, que é não consciência. Isso é válido para o ambiente escolar/acadêmico e, usualmente, também para o organizacional. Em outras culturas, essa valorização se dá de forma diversa (Iannello; Antonietti; Betsch, 2011, p. 175): Por exemplo, em algumas tribos nômades, os pastores percebem que falta uma cabeça de gado não contando os animais um a um, mas simplesmente olhando o rebanho. Em contraste, nas escolas ocidentais somos ensinados a aplicar um procedimento aritmético, em vez de um rápido ato intuitivo para estimar o tamanho de um grupo de elementos. Tais diferenças culturais em relação ao uso da intuição podem ser uma das razões pelas quais os jogos infantis em alguns países visam treinar 26 esse tipo de habilidade intuitiva. Por exemplo, em algumas aldeias africanas, as crianças recolhem pedras em pequenas pilhas e adivinha quantas pedras há em cada pilha: a criança que estimou com sucesso o número de pedras à primeira vista é a vencedora. Da mesma forma, na Europa durante o período renascentista, a capacidade de avaliar a quantidade e / ou tamanho dos produtos a serem comprados foi muito apreciada, uma vez que os comerciantes nem sempre eram capazes de contá-los e medi-los; consequentemente, os aprendizes foram incentivados a confiar em intuições desse tipo. Esses exemplos etnográficos e históricos sugerem que a intuição pode desempenhar um papel no ensino. Comentamos que os processos intuitivos podem ser funcionalmente relevantes ao aprendizado porque apresentam um quadro preliminar, holístico, familiar e autoconfiante daquilo que será aprendido, facilitando os processos analíticos posteriores. Também vão sucedê-los, visto que depois que algo foi aprendido tende a se tornar automático, permitindo um procedimento mais rápido, direto e eficaz. A matemática é um exemplo simples dessa lógica. Após a compreensão, determinados cálculos são feitos de forma automática e a estrutura que foi criada para que pudessem ser compreendidos de forma linear é retirada. Essa é também a diferença entre um enxadrista iniciante e um mestre de xadrez. Antonietti et al. [...] no campo do ensino de matemática pode ser usado para exemplificar isso. Os autores descobriram que o estilo de pensamento intuitivo era predominante tanto no baixo desempenho como no desempenho elevado, enquanto o estilo analítico caracteriza os alunos medianos. Parece que a abordagem intuitiva é seguida por estudantes que não conseguem aplicar os algoritmos sequenciais que foram ensinados (o que lhes permitiria alcançar resultados aceitáveis de aprendizado), bem como por estudantes que não precisam seguir mecanicamente passo a passo, pois eles podem pular algumas passagens. Para resumir, as estratégias intuitivas são duplas: elas podem ser implementadas tanto por estudantes qualificados quanto por fracassados. No entanto, para produzir bons resultados de aprendizado, eles devem ser integrados a modos de pensar analíticos, como ocorreu no caso dos estudantes que superaram, mas não dos que fracassaram. (Iannello; Antonietti; Betsch, 2011, p. 176) Os resultados desses e de outros estudos sugere que o ensino não deve corresponder ao estilo cognitivo predominante do(a) aluno(a). Ou seja, em ensinar de forma intuitiva e holística aqueles(as) estudantes que têm esse estilo cognitivo predominante e vice-versa. Pode ser mais útil estimular que “passem de uma abordagem intuitiva para uma analítica e vice-versa, de acordo com os recursos da tarefa, demandas, recursos disponíveis, restrições situacionais, resultados esperados e assim por diante” (Iannello; Antonietti; Betsch, 2011, p. 176). A flexibilidade cognitiva ou uma mente ambidestra parece obter melhores resultados tanto na educação, como sugerem os estudos relacionados à 27 matemática, quanto nas organizações, em particular quando nos referimos à inovação e ao empreendedorismo. 5.5 Por uma educação aberta para o novo? Nossa educação tem sido inspirada em estudos que se baseiam em concepções diversas de sobre como nós humanos funcionamos. As contribuições da neurociência cognitiva fazem surgir novos olhares sobre o funcionamento ou o processamento mental. Como sabemos, uma nova teoria sobre o processamento consciente versus não consciente (teoria do novo inconsciente) traz uma perspectiva bastante diversa sobre a nossa forma normal de funcionar. Esses estudos revelam os mecanismos inconscientes do processamento complexo de informação envolvidos no afeto, na motivação, na autorregulação, no controle e na metacognição. Também na aprendizagem. Não temos tempo nem energia para funcionar de forma consciente. Para que qualquer organismo complexo possa trabalhar em tempo real é preciso que tenha uma imensa restrição às informações que acessa. Por exemplo, em nosso sistema sensorial temos apenas 0,000002% de consciência das informações que nos chegam a cada segundo (Hassin; Uleman; Bargh, 2005; Mlodinow, 2014; Callegaro, 2011; Cosenza, 2016). Que implicações tem esse novo modelo de funcionamento humano? Como fica nossa visão sobre nós mesmos e sobre os outros (ex.: alunos e alunas) se funcionarmos, como sugerem os estudos, amplamente de forma não consciente, mesmo que não consigamos perceber isso? Quais são as implicações disso para a comunicação (em especial a não verbal), memória (implícita), atenção (involuntária), aprendizado e tomada de decisão (TD)? Devemos focar numa educação que estimule a consciência ou que se adapte ao fato de que a maior parte do aprendizado é não consciente, tal como a maior parte da memória, atenção, comunicação, tomada de decisão etc.? Devemos ser mais tolerantes e flexíveis conosco e com os demais ou, ao contrário, devemos nos esforçar mais e estimular que os outros também o façam, para que todos sejamos mais conscientes? Para finalizar, recordemo-nos de que a intuição, à qual temos nos referido neste tópico, é aquela mais convencional, baseada no aprendizado, na experiência e na percepção. Como vimos antes neste texto, há ainda a intuição- psi, anômala ou não local. Lembrando que a prevalência desse tipo de intuição 28 (experiências anômalas) em amostras brasileiras é muito alta, na ordem de 85%, qual seria o papel ou a importância desse tipo de intuição no processo de ensino- aprendizagem? Poderia esse tipo de intuição ser ensinada-aprendida? Poderia auxiliar na resolução de problemas, na orientação, na tomada de decisão relacionadas ao contexto escolar/acadêmico? A produção de conhecimento científico é significativa e crescente nessas áreas. Diante dela, deveríamos nos abrir para o novo, talvez para uma nova educação? Com todas essas dúvidas, que nos reportam à nossa fantástica ignorância, por um lado, e imensas possibilidades ainda inexploradas por outro, concluímos nosso texto. Parabéns por chegar até este ponto! Espero que tenha gostado, ou ao menos se inquietado com a aventura. 29 REFERÊNCIAS BARROS, A. G. Psi na administração de empresa: pesquisa realizada na cidade de Recife, PE, Brasil. Tercer Encuentro Psi, p. 27-33, 1998. BATISTA, B. C. Replicação da pesquisa experiências psi na vida cotidiana, sua prevalência, relevância e associação com crenças e atitudes. Trabalho de Conclusão de Curso – UNESC, 2016. CALLEGARO, M. M. O novo inconsciente. Porto Alegre: Artmed. 2011. CARDEÑA, E. The experimental evidence for parapsychological phenomena: a review. American Psychologist, v. 73, n. 5, p. 663-677, jul.-ago., 2018. COSENZA, R. M. Por que não somos racionais. Porto Alegre: Artmed, 2016. 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