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Resumo Filosofia – Descartes O filósofo e seu tempo: a modernidade de Descartes: A filosofia de Descartes inaugura de forma mais acabada o pensamento moderno. Pensamento antecipado e preparado pelo humanismo do séc XVI, pelas novas concepções científicas da época e pelo ceticismo de Montaigne e de outros. Entender as linhas de pensamento de Descartes é, portanto, entender o sentido mesmo dessa modernidade. O tempo de Descartes é também um tempo de profunda crise da sociedade e da cultura europeia, um tempo de transição entre uma tradição que ainda sobrevive muito forte e uma nova visão de mundo que se anuncia. O final do séc XVI, ao final do qual nasce Descartes, é um período de grandes transformações, de ruptura com o mundo anterior. As grandes navegações, a descoberta da América vai alterar a imagem de como os homens viam a terra. As teorias científicas de Copérnico, Giordano, Galileu Galilei e Kepler vão revolucionar a maneira de se considerar o mundo físico. A reforme de Lutero vai abalar a autoridade universal da igreja católica no Ocidente. A decadência do sistema feudal e o surgimento do mercantilismo trazem uma nova ordem econômica baseada no comércio, com a defesa da livre iniciativa e no individualismo. Na arte, o movimento renascentista, ao retomar valores da antiguidade clássica vai opor uma cultura leiga, secular, e mesmo de inspiração pagã à arte sacra, religiosa da idade média. No entanto há reação por parte da tradição, a escolástica ainda é forte e se faz muito presente nas universidades. Com essas divergências ocorre a guerra dos trinta anos. A crença no poder crítico da razão humana individual, a metáfora da luz e da clareza que se opõe a escuridão e ao obscurismo, e a ideia de busca de progresso que orienta a própria tarefa da filosofia são alguns dos traços fundamentais da modernidade de Descartes. A necessidade de contextualização do pensamento, de situá-lo em relação à experiência de vida do indivíduo pensante, é uma exigência do próprio Descartes. O projeto filosófico de Descartes: Podemos considerar o projeto filosófico de Descartes como uma defesa do novo modelo de ciência inaugurada por Copérnico, Kepler e Galileu contra a concepção da escolástica de inspiração aristotélica em vigor ao final da idade média. A defesa desse novo modelo depende da possibilidade de mostrar que a nova ciência se encontra no caminho certo, ao passo que a ciência antiga havia adotado concepções falsas e errôneas como, por exemplo, o sistema geocêntrico de cosmo. O erro resultou do mau uso da razão, de sua aplicação incorreta em nosso conhecimento do mundo. A finalidade do método é precisamente colocar a razão no bom caminho, evitando assim o erro. O método, portanto, é um caminho, um procedimento que visa garantir o sucesso de uma tentativa de conhecimento, da elaboração de uma teoria científica. Um método se constitui basicamente de regras e princípios que são as diretrizes do procedimento. As regras de Descartes, inspiradas na geometria, são simples, mas devem ser efetivamente postas em prática, seguidas à risca: “Assim, em lugar desse grande número de preceitos de que se compõe a lógica, julguei que me bastariam os quatro a seguir, desde que eu tomasse a firme resolução de jamais deixar de observá-los”. Assim Descartes desenvolveu três regras: 1. Regra da evidência: “jamais aceitar uma coisa como verdadeira que eu não soubesse ser evidentemente como tal”. 2. Regra da análise: “dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas partes quantas possíveis e quantas necessárias para resolvê-las”. 3. Regra da síntese: “conduzir por ordem meus pensamentos, a começar pelos objetos mais simples e mais fáceis a serem conhecidos, para galgar, pouco a pouco, como que por graus, até o conhecimento dos mais complexos”. Descartes assume a missão de fundamentar ou legitimar a ciência, demonstrando de forma conclusiva que o homem pode conhecer o real de modo verdadeiro e definitivo. O método que formula deve, portanto, fundamentar-se em critérios seguros. Sua tarefa inicial deve consistir na refutação do ceticismo, se os céticos sustentavam que não podemos ter certeza acerca de nada, uma vez que nossas faculdades de conhecimentos são falhas e as teorias científicas que formulamos incompletas e sujeitas ao erro. Descartes propõe- se a encontrar uma certeza básica, imune às dúvidas céticas, que possa servir de base e fundamento para a construção da nova teoria científica. É preciso assim encontrar um ponto de apoio, o chamado “ponto arquimediano”, que possa servir de ponto de partida seguro para o processo do conhecimento. O ponto de partida de Descartes é, de fato, a constatação da crise das ciências e do saber em geral em sua época. Descartes constata que a tradição, ao contrário do que pretendia, estava muito longe de ter encontrado a verdade e de ter constituído um sistema sólido e coerente que lhe desse autoridade. Se a autoridade externa institucional da igreja e do saber científico é incerta, a única alternativa possível parece ser a interioridade, a própria razão humana, a luz natural que o homem possui em si mesmo, sua racionalidade. O argumento do cogito: “Penso, logo existo” uma das mais célebres expressões filosóficas, trata-se da conclusão do “argumento do cogito”, por meio do qual o filósofo pretende encontrar um fundamento seguro para a construção do “edifico do conhecimento”. Constitui talvez a principal contribuição de Descartes ao desenvolvimento do pensamento filosófico de que somos, ainda hoje, herdeiros. O objetivo principal do argumento do cogito é estabelecer os fundamentos do conhecimento através da refutação do ceticismo. A estratégia cartesiana de refutação do ceticismo não implica, no entanto, contrapor essa posição filosófica uma teoria considerada mais válida, pois nesse caso Descartes acabaria por enredar-se nas malhas da questão cética sobre o insolúvel conflito das teorias. Ao contrário, Descartes pretende assumir incialmente o ceticismo, levando-o às suas últimas consequências para, a partir disso, refutá-lo. A etapa inicial da argumentação cartesiana é a formulação de uma dúvida metódica, colocando em questão todo o conhecimento adquirido, toda a ciência clássica, todas as nossas crenças e opiniões. A dúvida é necessária, já que dentre esses conhecimentos e crenças muitos há que descobrimos ser comprovadamente falsos e outros que não parecem justificados. Toda e qualquer posição deve ser rejeitada, caso haja o menor motivo para dúvida. Devemos, portanto, esvaziar-nos de todos os nossos conhecimentos e crenças, já que dentre eles há alguns que não são confiáveis, mas não sabemos quais até examiná-los todos. Descartes chega a esta conclusão através de um argumento em três níveis de intensidade crescente. Sendo os dois primeiros o argumento contra a ilusão dos sentidos e o argumento do sonho, o terceiro sendo o argumento do “gênio maligno”. 1. O primeiro argumento: Diz respeito ao que Descartes afirma nesse momento serem as fontes do conhecimento, nossos sentidos, através dos quais esse conhecimento é adquirido. Não podemos confiar em nossos sentidos, contudo eles são a fonte principal de nosso conhecimento sobre o mundo natural. 2. O segundo argumento: É introduzido representando uma nova etapa na radicalização da dúvida. É possível que, na verdade, eu esteja dormindo e sonhando. Tudo o que acreditamos perceber claramente pode estar ocorrendo apenas em sonho, sem ter nenhuma relação com a realidade externa. Essa questão da relação entre aquilo que se passa em nossa mente e o mundo externo é um dos problemas mais cruciais levantados pela filosofia cartesiana.3. O terceiro argumento: Levará a dúvida a suas últimas consequências e representa uma inovação de Descartes em relação aos argumentos céticos tradicionais, constituindo uma radicalização do ceticismo. Esse é o argumento de deus enganador, este é o ponto final da aplicação do método da dúvida, pois Descartes afirma que poderia ter sido criado tanto crendo em Deus como também crendo num “gênio maligno” que criou todas as coisas. Uma análise do argumento do cogito: É um dos mais famosos argumentos da tradição filosófica. “Penso, logo existo”. No entanto, apesar de sua fama e simplicidade é um dos argumentos mis discutidos e controversos, havendo inúmeras divergências sobre sua interpretação e validade. Do idealismo ao realismo: Só poderá haver ciência quando o pensamento puder formular leis e princípios que expliquem como o real funciona. A concepção cartesiana de ciência é ainda clássica, derivada em grande parte por Aristóteles. Trata-se de um corpo de verdades teóricas, universais e necessárias, de certezas definitivas, que não admitem erro, correção ou refutação. Essa concepção irá se alterar progressivamente ao longo do pensamento moderno.