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Índice 1.Intoxicação Exógena: histórico toxicológico 2. Exame físico da Intoxicação Exógena 3.Intoxicação Exógena: Toxíndromes 4.Síndrome serotoninérgica 5.Síndrome neuroléptica maligna (SNM) 6.Diagnósticos diferenciais da intoxicação exógena 7.Manejo do paciente intoxicado 8.Descontaminação 9.Intoxicações por drogas ilícitas e álcool 10.Intoxicação Exógena: quadro clínico cocaína e derivados Índice A Intoxicação exógena pode ser definida como um conjunto de efeitos nocivos ao organismo produzidos pela interação de um ou mais agentes tóxicos com o sistema biológico, representados por manifestações clínicas ou laboratoriais que revelam desequilíbrio orgânico. A gravidade das intoxicações é determinada por diversos fatores, dentre eles, o grau de toxicidade do agente, a quantidade de substância a que o paciente foi exposto, o tempo decorrido entre o acidente e a intervenção médica, além de fatores do próprio indivíduo, como idade e competência imunológica. A maioria dos pacientes intoxicados atendidos no departamento de emergência são adultos com overdose intencional por drogas orais. Outros cenários clínicos comuns incluem a intoxicação acidental em crianças, que representam a maioria das chamadas para os centros regionais de controle de intoxicação. Drogas de abuso ilícitas; intoxicação crônica a partir de agentes farmacêuticos em doses supraterapêuticas; exposições químicas ambientais, industriais e agrícolas; e interações medicamentosas, são outras causas de intoxicação. No departamento de emergência, é importante avaliar e reconhecer cenários onde pode haver toxicidade imediata ou retardada, bem como iniciar a descontaminação, aumentar a eliminação das drogas e realizar estratégias mais focadas com antídotos, quando indicados. Intoxicação Exógena: histórico toxicológico Muitas vezes, o paciente intoxicado pode estar alterado ou torporoso, ou ainda não cooperativo com o examinador. Isso limita a história ao que pode ser obtido a partir de testemunhas, como socorristas ou familiares, e a informação gerada pelo exame físico se restringe às funções sobre as quais o paciente não possui controle consciente. Informações em relação a quais medicamentos ou substâncias estavam disponíveis para o paciente e a hora da ingestão também são importantes. SE LIGA! Os socorristas rotineiramente trarão todos os frascos de medicamentos presentes na cena, não apenas os medicamentos prescritos para o paciente ou com relato de ingesta. Um paciente tentando suicídio pode enganar intencionalmente a equipe do departamento de emergência, armazenando essas medicações em recipientes mal identificados. Outras fontes de informações potencialmente úteis incluem registros estatais de substâncias controladas, registros de farmácia e prontuários médicos anteriores. O acesso ao histórico de mensagens de texto do paciente também pode ser útil se o paciente ou o responsável concordarem com isso. Exame físico da Intoxicação Exógena Os pacientes intoxicados frequentemente não estão dispostos ou são incapazes de colaborar com um exame físico participativo. O exame físico toxicológico, portanto, se baseia em dados observacionais que não necessitam de cooperação para serem obtidos. Muitos agentes ingeridos podem causar alteração do pulso, da frequência respiratória e pressão arterial (PA), bem como do estado mental. Assim, o registro rápido e preciso dos sinais vitais do paciente pode fornecer pistas valiosas para descoberta do agente envolvido, e permitem a classificação do paciente em um estado de excitação fisiológica ou depressão. A excitação fisiológica é caracterizada por: Taquicardia; Elevação de PA; Hipertermia; Aumento da profundidade respiratória. É mais comumente causada por agentes anticolinérgicos, simpatomiméticos ou alucinógenos centrais, ou por estados de abstinência de drogas. A depressão fisiológica, por sua vez, é caracterizada por: Estado mental deprimido Hipotensão Bradicardia Diminuição da frequência respiratória Diminuição da temperatura É mais comumente precipitada pelo etanol, outros agentes sedativos- hipnóticos, opiáceos, agentes colinérgicos (parassimpaticomiméticos), simpatolíticos ou álcoois tóxicos (metanol ou etilenoglicol). O nível de consciência, tamanho pupilar e presença ou ausência de atividade convulsiva podem sugerir um agente em particular. Um exame neurológico cuidadoso com foco na intensidade do tônus muscular, clônus ou hiperreflexia pode auxiliar no diagnóstico da síndrome serotoninérgica ou síndrome neuroléptica maligna (SNM). O exame da pele e das membranas mucosas, com especial atenção para a coloração e o grau de umidade, pode sugerir a intoxicação por algum entre vários agentes. Também pode revelar evidências de abuso de drogas injetáveis, como “track marks” (marcas que indicam o uso prolongado e repetido no mesmo local de injeção de drogas) ou ulcerações de skin popping (geralmente, é uma injeção de depósito subcutânea ou intradérmica e não uma injeção intramuscular). Imagem: Track marks e skin popping, respectivamente. Fonte: Google imagens. Intoxicação Exógena: Toxíndromes As toxíndromes são conjuntos de sinais e sintomas baseados em processos autonômicos e neuroquímicos que podem sugerir uma classe particular de exposição e direcionar o manejo e o tratamento. As cinco entidades tradicionalmente descritas incluem as toxíndromes simpatomiméticas, anticolinérgicas, colinérgicas, sedativas/hipnóticas e opioides. Além disso, a síndrome serotoninérgica e a síndrome neuroléptica maligna foram bem descritas. Simpatomimética Esta toxíndrome é definida por um estado de excesso simpatomimético, tipicamente causando os efeitos esperados da reação de “luta ou fuga”. Os pacientes estão frequentemente alterados e podem estar delirantes, especialmente com a ingestão de derivados das anfetaminas, como a N-metil- 3,4-metilenodioxianfetamina (MDMA). Os sinais vitais estão tipicamente elevados e apresentam hipertensão, taquicardia e taquipneia. Eles também podem estar hipertérmicos, como consequência da elevação da taxa metabólica, midriáticos e diaforéticos. SE LIGA! Em intoxicações graves, alterações do débito cardíaco podem ocorrer por diminuição do tempo de enchimento diastólico, juntamente com a arritmogênese, resultando em colapso circulatório e choque, que podem ser refratários à ressuscitação volêmica e aos agentes vasopressores. Anticolinérgica Muitos fármacos possuem propriedades antimuscarínicas e, portanto, esta toxíndrome é comumente encontrada. Ao bloquear o tônus colinérgico normal, ocorre uma alteração no equilíbrio homeostático normal entre os braços simpáticos e parassimpáticos do sistema nervoso autônomo. Isso permite que o componente simpático funcione sem oposição, gerando um estado simpatomimético relativo. Portanto, muitos dos sintomas atribuíveis à toxíndrome anticolinérgica, incluindo delírio, hipertermia, midríase e rubor cutâneo, compartilham semelhanças. Em contraste, como as glândulas secretoras da pele e das membranas mucosas são colinergicamente inervadas, esses sistemas estão tipicamente secos e não diaforéticos, como se encontram na toxíndrome simpatomimética. Os sinais e sintomas típicos podem ser lembrados pelo mnemônico “louco como um chapeleiro, quente como uma lebre, cego como um morcego, vermelho como uma beterraba e seco como um osso”. Colinérgica A toxíndrome colinérgica resulta da superestimulação da porção parassimpática do sistema nervoso autônomo, que realiza as funções de “descanso e digestão”. Esses pacientes tipicamente têm “fluidos provenientes de todos os orifícios”, como consequência do aumento da secreção glandular, e se apresentam com diaforese, perda de urina, miose, broncorreia, êmese, lacrimejamento, letargia e salivação. Os agentes causadores são principalmente anti-colinesterásicos, como inseticidas organofosforadose carbamatos. Estas substâncias são facilmente disponíveis como pesticidas, mas também foram projetadas como armas de destruição em massa. É importante reconhecer rapidamente esta toxíndrome porque os pacientes morrem frequentemente de broncorreia excessiva, efetivamente se afogando nas próprias secreções, a não ser que possa ser administrado o tratamento com antídoto e regeneradores da colinesterase. Sedativa/hipnótica A marca dessa toxíndrome é a sedação. Isso geralmente ocorre em um espectro dependendo do agente específico ingerido, da via e sua potência. É bem conhecido no departamento de emergência, porque a intoxicação por etanol ocorre frequentemente. Outros agentes, como os barbitúricos e os benzodiazepínicos, também causarão um quadro similar, assim como substâncias ilícitas, como o gama- hidroxibutirato (GHB). A concomitância de lesões traumáticas pode ser alta. SE LIGA! Em ingestões graves, um estado de anestesia geral pode ser alcançado com perda do tônus e reflexos de proteção das vias aéreas. Além disso, pode causar hipotermia através da supressão do metabolismo muscular. A hipotermia pode ser tratada com aquecimento externo passivo. Zolpidem O zolpidem é um sedativo-hipnótico não benzodiazepínico usado para tratar a insônia. Ele promove o sono aumentando a atividade do ácido GAMA- aminobutírico, e foi inicialmente promovido como uma melhoria em relação aos benzodiazepínicos para o tratamento da insônia. Ele deveria ser mais seguro, produzir menos comprometimento psicomotor com doses terapêuticas e não ser aditivo, além de não estar associado a um estado de abstinência. No entanto, cursa com tolerância e dependência a seus efeitos e está associado a estados de abstinência caracterizados por insônia, ansiedade, agitação e delírio. Por causa do comprometimento psicomotor ocasional, os indivíduos não devem dirigir ou participar de atividades perigosas no dia seguinte ao uso de zolpidem. Existem inúmeros relatos de sonhos vívidos após o seu consumo. Podem ocorrer, na intoxicação, sedação (incluindo coma) e vômitos. Óbito é descrito com coingestões e não com zolpidem isoladamente. Opioide Semelhante aos sedativos/hipnóticos, a toxíndrome opioide também envolve miose, sedação e drive respiratório diminuído. O diagnóstico é confirmado observando uma resposta à naloxona, um antagonista direto dos receptores opioides. No entanto, como certos opioides possuem potências mais altas, a falta de resposta não exclui a intoxicação por opioides. Além disso, este é um diagnóstico clínico porque nem todos os opioides serão detectáveis pela triagem toxicológica padrão. SE LIGA! A toxíndrome por opioide provoca, na maioria das vezes, miose pupilar, mas existe uma notável exceção da pentazocina e do propoxifeno, que podem se manifestar com midríase. Síndrome serotoninérgica Um estado de excesso serotonérgico define esta toxíndrome, e muitas vezes é precipitado pela adição de um novo agente serotoninérgico ou uma substância que interfere com o metabolismo de um agente previamente tolerado. Tipicamente descrita com os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) e inibidores da monoamina oxidase (IMAOs), ela vem sendo relatada com antidepressivos tricíclicos e antipsicóticos atípicos. Consequentemente, a síndrome serotoninérgica geralmente ocorre dentro de horas a dias da introdução de uma nova medicação, embora venha sendo descrita como forma tardia devido às meias-vidas prolongadas de alguns antidepressivos. As manifestações da síndrome serotoninérgica incluem rebaixamento do nível de consciência, hipertermia e agitação, bem como hiperreflexia, clônus e diaforese. Síndrome neuroléptica maligna (SNM) Semelhante à síndrome serotoninérgica, a SNM também apresenta rebaixamento do nível de consciência, hipertermia e agitação; no entanto, diferentemente da síndrome serotoninérgica, os efeitos musculares periféricos tendem a ser rigidez e hiporreflexia, ao invés de clônus e hiperreflexia. Isto ocorre devido a depleção dopaminérgica pelo uso de antagonistas da dopamina, como antipsicóticos. Diagnósticos diferenciais da intoxicação exógena Frequentemente, os pacientes intoxicados têm algum grau de delírio como parte de sua apresentação. Desta maneira, deve ser considerado excluir outras causas de rebaixamento do nível de consciência ao iniciar o tratamento toxicológico apropriado. Qualquer paciente que se apresente intoxicado na emergência deve ter as causas reversíveis de rebaixamento do nível de consciência excluídas, como hipoglicemia e deficiências nutricionais. O trauma é frequentemente concomitante com a intoxicação, portanto, um exame cuidadoso com o paciente despido, procurando-se por evidência de lesão traumática, também deve ser realizado. Testes diagnósticos Na maioria dos casos, a provável exposição do paciente a algum tóxico geralmente é conhecida e as toxinas já foram suspeitadas ou identificadas, mas no cenário de uma overdose ou exposição desconhecida, uma ampla gama de exames laboratoriais é frequentemente usada para detectar anormalidades e potencialmente elucidar o quadro clínico. As investigações diagnósticas rotineiramente realizadas são: hemograma, bioquímica sérica com função renal, provas de função hepática, exame de urina (com teste de gravidez, se pertinente), triagem toxicológica de urina, concentração de álcool sérico, lactato sérico e glicemia. Com base nestes resultados, ou quando se sabe o que foi ingerido, outros testes podem ser obtidos, tais como dosagens séricas específicas. Quando exames para um agente específico não estão disponíveis ou não são realizados no local, o tratamento empírico geralmente começa antes que estes resultados estejam disponíveis. Manejo do paciente intoxicado Inicialmente, é importante avaliar em que fase da toxicose o paciente se encontra. Fase pré-clínica: É a fase que ocorre imediatamente após as superfícies externa ou interna do organismo entrarem em contato com o toxicante, mas ainda não há sinais ou sintomas. O objetivo da abordagem nesta fase é reduzir a toxicidade. Fase tóxica: Estende-se do início dos sintomas até o pico das manifestações. O objetivo aqui é estabilização. Garantir vias aéreas, ventilação, hemodinâmica, além de fornecer antídoto específico, quando houver disponibilidade. Fase de resolução: Pico dos sintomas. O objetivo neste caso é o acompanhamento até recuperação completa do paciente. De maneira geral, devemos tratar pacientes com intoxicação aguda da mesma maneira que outras doenças ameaçadoras à vida, sendo que o principal foco é seguir os “ABCs” básicos da ressuscitação, assegurando a proteção das vias aéreas e a adequação da ventilação, mantendo o estado circulatório do paciente com ressuscitação hídrica e suporte vasopressor. Se a via aérea estiver comprometida ou em risco de comprometimento, ou ainda se o esforço respiratório for insuficiente para manter a ventilação adequada, a intubação geralmente é a conduta de escolha. Deve-se obter acessos venosos, com cateteres periféricos e centrais já conhecidos pelos profissionais. Os acessos intraósseos também são locais de acesso viáveis a partir da perspectiva toxicológica, porque não existem contraindicações conhecidas para o tratamento com antídoto através desta via. Uma vez que o tratamento de suporte tenha sido iniciado e a ameaça imediata para o ABC tenha sido estabilizada, deve-se então progredir para uma avaliação sistemática das estratégias de descontaminação, aumento da eliminação, terapia focada (antídotos) e obtenção de ajuda do especialista. Descontaminação A descontaminação é o processo de prevenção da absorção sistêmica. Se a intoxicação ocorreu através da pele, devem ser retiradas todas as roupas do paciente, removidos todos os resíduos e ter a pele lavada copiosamente. Se foi por via ocular, com auxílio de anestésico tópico, deve-se lavar os olhos com soro fisiológico e solicitaravaliação imediata do oftalmologista. A maioria das intoxicações no departamento de emergência, contudo, envolve o trato gastrointestinal, e as medidas possíveis são: carvão ativado, lavagem gástrica, irrigação intestinal, hiper-hidratação e alcalinização da urina. A indução de vômitos não é mais recomendada no departamento de emergência (p. ex., xarope de ipeca). Carvão ativado O carvão ativado (CA) é um pó altamente adsorvente feito de partículas porosas superaquecidas e com alta área superficial, produzidas por pirólise de material orgânico. Sua extensa área de superfície é coberta por uma rede baseada em carbono que também inclui grupos funcionais (por exemplo, carbonil, hidroxila) que adsorvem produtos químicos em poucos minutos após o contato, impedindo a absorção gastrointestinal e a subsequente toxicidade. É mais provável que o CA beneficie os pacientes quando administrado enquanto a toxina permanece no estômago. Tradicionalmente, acredita-se que esse período esteja dentro de uma hora após a ingestão de veneno. O carvão reduz, em média, em 69% a absorção de substâncias tóxicas quando administrado até trinta minutos após a ingestão. Essa redução foi de 34% quando o carvão foi usado na primeira hora da ingestão. Geralmente, após duas horas da ingestão, o carvão é ineficaz. O carvão ativado tem sido administrado com maior frequência em uma dose de 25 a 100 gramas (10 a 25 gramas ou 0,5 a 1,0 g/kg em crianças menores). Deve-se diluir o carvão em água, soro fisiológico ou catárticos (manitol ou sorbitol), geralmente 8 mL de solução para cada grama de carvão. Este último é o mais recomendado, não por aumentar a eficácia do carvão, mas por evitar constipação. Quando indicado em múltiplas doses, recomenda-se 0,5g de carvão/kg, a cada 4 horas, mas recomendamos a individualização da dose de acordo com a dose do agente ingerido, através da administração de carvão ativado em uma proporção de 10:1 (proporção de carvão ativado em relação ao agente). Se o paciente está sedado, não protege a via aérea ou não está disposto a beber a suspensão de carvão ativado, a administração é contraindicada. Isso pode ser particularmente verdadeiro para crianças pequenas com capacidade limitada para beber a pasta. Além disso, não se deve colocar uma sonda nasogástrica exclusivamente para administrar carvão ativado, porque o risco de aspiração ou instilação direta de carvão ativado nos pulmões aumenta nesses pacientes, reduzindo assim a relação risco-benefício. SE LIGA! O agente ingerido deve ser passível de adsorção por carvão ativado. Recomenda-se consultar um centro de intoxicação regional ou médico toxicologista se houver incerteza quanto as indicações para o uso do carvão ativado. Lavagem gástrica A lavagem gástrica consiste na passagem de uma sonda nasogástrica de grosso calibre. Deve-se colocar o paciente em decúbito lateral esquerdo com a cabeça em nível levemente inferior ao corpo. Através da sonda administram-se pequenos volumes de soro fisiológico (100 a 250 mL), mantendo-se a sonda aberta, em posição inferior ao paciente. Existem poucos dados ou evidências que mostram sua eficácia e não deve ser realizada rotineiramente para o tratamento de pacientes intoxicados. Devido aos riscos de aspiração e trauma esofágico, a American Association of Poison Centers sugere que apenas seja realizada dentro de uma hora após a ingestão de um agente tóxico potencialmente ameaçador à vida, que não se adsorve ao carvão ativado ou para o qual não existe antídoto e, mesmo assim, em um centro com experiência suficiente para executar o procedimento com segurança. Raramente uma intoxicação atenderá a todos esses critérios, portanto, apesar de seu uso antes difundido, a lavagem gástrica é praticamente apenas de interesse histórico. Alcalinização sérica Se o sangue for suficientemente alcalinizado, certas substâncias hidrossolúveis ingeridas, tais como salicilatos, metotrexato e fenobarbital, serão submetidas a aprisionamento de íons e a aumento da eliminação urinária. Isto é especialmente importante em intoxicações por salicilato, porque a alcalinização não só promove a eliminação, mas também evita que o salicilato atravesse a barreira hematoencefálica no sistema nervoso central (SNC). Deve-se monitorar o pH sérico e o nível de bicarbonato, bem como o pH urinário, com o objetivo de se obter um pH sérico de aproximadamente 7,5 e um pH urinário de aproximadamente 8,0. Certifique-se também de que o nível de potássio sérico está normal, porque a alcalinização causará uma alteração intracelular do potássio e, consequentemente, aumentará a sua reabsorção urinária, excretando íons de hidrogênio na urina, diminuindo o gradiente de pH e eliminando os benefícios desse processo. Para que isso seja alcançado, prepare uma solução com 850 mL de soro glicosado a 5% + 150 mL de bicarbonato de sódio a 8,4% (150 mEq de bic). Essa solução alcaliniza a urina e tem concentração fisiológica de sódio (0,9%). Se não houver contraindicação, infundir um litro dessa solução a cada seis a oito horas e monitorizar o pH urinário. Métodos dialíticos Acidentes agudos de evolução desfavorável podem exigir o uso de medidas de aumento da excreção renal, dentre estas a diálise, para remoção das substâncias tóxicas. Em certos casos, a falência renal aguda secundária a intoxicação pode ser o próprio fator determinante do emprego de diálise. No entanto, poucos estudos mostram que métodos de aumento de eliminação realmente encurtam a duração do quadro clínico toxicológico ou melhoram os desfechos clínicos. A hemodiálise clássica é o método dialítico mais usado e disponível. Ela consiste em uma membrana sintética semipermeável que substitui os glomérulos e túbulos renais e atua como filtro para os rins deficientes. Tem-se ainda outro modo dialítico que pode ser utilizado na intoxicação exógena, a hemoperfusão. A hemoperfusão difere da hemodiálise convencional pelo uso de hemofiltros com carvão ativado, os quais possuem efeito de absorção, ou seja, de aderir a substancias tóxicas para que estas sejam eliminadas do sangue. Intoxicações por drogas ilícitas e álcoois Cocaína e derivados A cocaína, supostamente o estimulante mais potente de origem natural, é extraída das folhas da planta de coca (Erythroxylum coca), originária das terras altas dos Andes da América do Sul. Os nativos dessa região mastigam ou preparam folhas de coca em um chá para refrescar e aliviar a fadiga, semelhante aos costumes de mascar tabaco e beber chá ou café em outras culturas. A pasta de cocaína não purificada é convertida em formas mais utilizáveis de cocaína. A base livre cristalizada do alcaloide da cocaína é conhecida como crack, o qual é inalado com o uso de um “cachimbo de crack” especialmente projetado para tolerar a alta temperatura necessária para volatilizar a cocaína pura. A alta solubilidade lipídica e o transporte rápido dos pulmões para o cérebro contribuem para o início rápido da ação do crack. Os sais solúveis em água da cocaína (cloridrato e sulfato de cocaína) estão disponíveis como um pó cristalino branco que é utilizado pela via intranasal ou dissolvido e injetado por via intravenosa. A administração oral é rara, exceto para os pacientes que estão contrabandeando ou escondendo drogas. O uso agudo da cocaína causa liberação de dopamina, epinefrina, norepinefrina e serotonina. Estes neurotransmissores atuam em diferentes subtipos de receptores, causando diversos efeitos, entretanto o mais importante é a estimulação adrenérgica pela norepinefrina e epinefrina. A norepinefrina causa vasoconstrição por estimulação dos receptores alfa- adrenérgicos no músculo liso vascular, enquanto a epinefrina aumenta a contratilidade miocárdica e a frequência cardíaca mediante a estimulação dos receptores beta1-adrenérgicos. Além da liberação de catecolaminas, a recaptação desses neurotransmissores estimulantes a partir da fenda sináptica é inibida,alterando o equilíbrio normal entre os tônus excitatório e inibitório no SNC. Uma estimulação subsequente propaga a liberação de catecolaminas periféricas. A recaptação da serotonina também é inibida de forma semelhante e pode levar ao aumento da resposta serotoninérgica. Intoxicação Exógena: quadro clínico cocaína e derivados O efeito clínico primário da cocaína é a excitação do sistema nervoso simpático. Pacientes com toxicidade moderada estão alertas e acordados, mas podem ter diaforese, taquicardia, midríase e hipertensão, sem danos aos órgãos. Um paciente mais severamente intoxicado pode estar agitado, combativo e hipertérmico. O dano aos órgãos é raro, mas pode se manifestar como uma emergência hipertensiva. O uso agudo de cocaína está associado a vasoconstrição arterial e a formação aumentada de trombos. A taquicardia e a hipertensão aumentam a demanda miocárdica de oxigênio e promovem aumento das forças de cisalhamento vascular. Em altas concentrações sanguíneas, os efeitos inotrópicos negativos da cocaína podem causar depressão aguda da função ventricular esquerda e insuficiência cardíaca. A cocaína pode causar disritmias supraventriculares e ventriculares através de ações diretas nos receptores do miocárdio ou como complicação da isquemia do miocárdio. SE LIGA! Todos os pacientes jovens com síndrome coronariana aguda (SCA), particularmente aqueles com os sintomas citados acima, devem ser cuidadosamente questionados sobre o uso de cocaína. SAIBA MAIS: O uso crônico de cocaína pode causar aterogênese acelerada e hipertrofia do ventrículo esquerdo (VE), o que aumenta o risco de isquemia ou infarto do miocárdio. Isso ocorre devido a quantidade de catecolaminas circulantes, levando ao aumento de radicais livres que predispõem ao desenvolvimento e formação aterosclerótica. A cocaína está associada a isquemia cardíaca em 5 a 6% dos pacientes com visitas relacionadas a cocaína no departamento de emergência. A cocaína ainda pode ocasionar outras condições, como aneurisma da artéria coronária e cardiomiopatia dilatada. A cocaína pode causar uma variedade de complicações no sistema nervoso central (SNC), incluindo agitação psicomotora, convulsões, coma, cefaleia, hemorragia intracraniana e sintomas neurológicos focais. A agitação psicomotora ocorre através de vários mecanismos, como aumento nos aminoácidos excitatórios glutamato e aspartato do SNC, e liberação dos neurotransmissores excitatórios noradrenalina, serotonina e dopamina. Esta agitação psicomotora induzida por cocaína pode causar hipertermia quando a vasoconstrição periférica impede o corpo de dissipar o calor gerado pela agitação persistente. A mortalidade pode chegar a 33% quando a hipertermia se desenvolve no cenário de intoxicação por cocaína. As convulsões ocorrem em aproximadamente 3 a 4% das consultas de emergência relacionadas à cocaína após o uso agudo ou crônico. Os pacientes com toxicidade à cocaína podem apresentar um espectro de complicações músculo-esqueléticas. Os sinais podem variar de elevação da creatina fosfoquinase e da mioglobina a alterações eletrolíticas (hipercalemia, hipocalcemia) observadas na rabdomiólise. Pacientes com rabdomiólise grave podem ter acidose láctica, hipercalemia e insuficiência renal potencialmente fatais. Chumbinho: como o veneno age no organismo (e o que fazer) O chumbinho é uma substância granulada de cor cinza escuro, que contém aldicarb e outros inseticidas. O chumbinho não tem cheiro, nem sabor e, por isso, é frequentemente usado como veneno para matar ratos. Embora ele possa ser comprado de forma ilegal, seu uso é proibido no Brasil e em outros países, porque não é seguro como raticida e tem grandes possibilidades de envenenar pessoas. Quando uma pessoa ingere chumbinho acidentalmente, a substância inibe uma enzima muito importante do sistema nervoso que é essencial para a vida e que é conhecida como "acetilcolinesterase". Por esse motivo, pessoas com intoxicação por chumbinho geralmente apresentam sintomas como tonturas, vômitos, excesso de suor, tremores e sangramentos. Se isto acontecer, deve- se chamar o SAMU, através do número 192, explicando onde se está e como está a pessoa que tocou ou ingeriu a substância. Se a vítima não estiver respirando ou se o seu coração não estiver batendo, deve-se realizar a massagem cardíaca, para manter a oxigenação do sangue e do cérebro, a fim de salvar sua vida. É importante lembrar que a respiração boca-a-boca não deve ser feita, já que, se o envenenamento tiver acontecido por ingestão, existe risco de a pessoa que está prestando o auxílio ficar também intoxicada. Confira como fazer a massagem cardíaca corretamente. Quando suspeitar de envenenamento Os sinais e sintomas de envenenamento com chumbinho demoram cerca de 1 hora para se manifestar, mas é possível suspeitar do contato ou ingestão de chumbinho quando surgem sinais como: Existência de resíduos de chumbinho nas mãos ou boca da pessoa; Hálito diferente do habitual; Vômito ou diarreia, que pode conter sangue; Lábios pálidos ou arroxeados; Ardência na boca, garganta ou estômago; Sonolência; Dor de cabeça; Mal estar; Aumento da salivação e do suor; Dilatação da pupila; Pele fria e pálida; Confusão mental, que se manifesta por exemplo quando a pessoa não consegue dizer o que estava fazendo; Alucinações e delírios, como ouvir vozes ou achar que está falando com alguém; Dificuldade para respirar; Aumento da vontade de urinar ou urina ausente; Convulsões; Sangue na urina ou nas fezes; Paralisia de parte do corpo ou completa impossibilidade de se mover; Coma. Em caso de suspeita de envenenamento, deve-se levar a vítima para o hospital o mais rápido possível e ligar para o Disque-Intoxicação: 0800-722-600. O que fazer em caso de intoxicação com chumbinho Em caso de suspeita ou ingestão de chumbinho, é aconselhado ligar imediatamente para o SAMU, discando o número 192, para pedir socorro ou levar a vítima imediatamente para o hospital. Se a pessoa não estiver respondendo nem respirando Quando se observa que a pessoa não está respondendo nem respirando, é sinal de que está entrando em parada cardiorrespiratória, o que pode levar à morte em poucos minutos. Nessas situações, o indicado é chamar a ajuda médica e iniciar a massagem cardíaca, que deve ser feita da seguinte forma: Deitar a pessoa de barriga para cima e sobre uma superfície dura, como o chão ou uma mesa; Posicionar as mãos sobre o peito da vítima, com as palmas viradas para baixo e dedos entrelaçados, no ponto médio da linha entre os mamilos; Empurrar as mãos com força contra o peito (compressão), utilizando o peso do próprio corpo e mantendo os braços esticados, contando, no mínimo, 2 empurrões por segundo. A massagem deve ser mantida até a chegada do serviço da equipe médica e é importante deixar que o tórax volte à posição normal entre cada compressão. A vítima pode não acordar mesmo quando recebe a massagem cardíaca corretamente, porém, não se deve desistir até à chegada da ambulância ou dos bombeiros para tentar salvar a vida da vítima. No hospital, se for confirmada a intoxicação por chumbinho, a equipe médica poderá fazer uma lavagem gástrica, usar soro para eliminar o veneno do corpo mais rápido, e remédios contra hemorragia, convulsões e carvão ativado para evitar a absorção das substâncias tóxicas que ainda estão no estômago. Veja com maior detalhe como fazer a massagem cardíaca corretamente. O que não se deve fazer Em caso de suspeita de envenenamento com chumbinho, não é aconselhado oferecer água, suco ou qualquer líquido ou alimento para a pessoa ingerir. Além disso, também não se deve tentar provocar vômito colocando o dedo na garganta da vítima. Para proteção própria, também se deve evitar fazer respiração boca-a-boca à vítima, já que isso pode causar intoxicação em quem está fazendo o salvamento. Parte superior do formulárioParte inferior do formulário Bibliografia CENTRO DE INFORMAÇÃO E ASSISTÊNCIA TOXICOLÓGICA DO HOSPITAL INSTITUTO DOUTOR JOSÉ FROTA/IJF- PREFEITURA DE FORTALEZA. Intoxicações agudas: guia prático para o tratamento. 2017. Disponível em: <https://saude.fortaleza.ce.gov.br/images/Manuais_saude/Guia_IJF_Intoxicaco es.pdf>. Acesso em 25 fev 2020 SILVA, Ana Carolina Sousa et. al.. Intoxicação exógena por “chumbinho” como forma de autoextermínio no Estado de Goiás, 2003 - 20071. Rev. Eletr. Enf. Vol.12. 4.ed; 686-691, 2010 Mostrar bibliografia completa