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A Histria do Brasil para quem tem Pressa - Marcos Costa-píginas-21

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Brasil.	O	processo	de	modernização	das	relações	entre	Estado	e	sociedade	havia
realmente	avançado	ao	longo	de	toda	a	década	de	1990.
Na	passagem	do	século	XX	para	o	XXI	parecia	que	o	Brasil	havia	finalmente
encontrado	o	caminho	para	se	livrar	de	uma	vez	por	todas	do	seu	passado.
O	 GOVERNO	LULA	 A	 ESTABILIDADE	 ECONÔMICA	 PROPORCIONADA	 PELO
PLANO	REAL	E	A	GRANDE	REFORMA	DO	ESTADO	BRASILEIRO,	OPERACIONALIZADA
PELO	 GOVERNO	 FHC,	 DERAM	 ALICERCE	 SÓLIDO	 PARA	 A	 SEMPRE	 INSTÁVEL
DEMOCRACIA	BRASILEIRA,	A	PONTO	DE	TRANSFORMAR	AS	ELEIÇÕES	DE	2002	EM	UM
EVENTO	 REALMENTE	 HISTÓRICO.	 A	 ECONOMIA	 BRASILEIRA	 ESTAVA	 EM	 FRANCO
PROCESSO	DE	EXPANSÃO,	ENTRANDO	EM	ESTÁGIO	AMADURECIDO	E	COLHENDO	OS
FRUTOS	DE	TODO	O	PROCESSO	QUE	HAVIA	SIDO	INAUGURADO	PELAS	POLÍTICAS	DE
FERNANDO	HENRIQUE	CARDOSO.	NINGUÉM	 JAMAIS	PODERIA	 IMAGINAR	QUE,	EM
UM	MOMENTO	COMO	AQUELE,	SERIA	ELEITO	UM	PRESIDENTE	ORIUNDO	DA	CLASSE
TRABALHADORA	E	DE	UM	PARTIDO	DE	ESQUERDA.
O	último	presidente	que	havia	 se	aproximado	da	classe	 trabalhadora	e	que
nutria	simpatia	pela	esquerda	—	João	Goulart	—	havia	sofrido	um	golpe	militar.
A	julgar	pelas	bandeiras	históricas	do	Partido	dos	Trabalhadores	—	levantadas
no	final	da	década	de	1970	e	início	da	de	1980	—	e	pela	postura	do	partido	ao
longo	dos	anos	—	seja	no	Congresso,	seja	no	Senado	—,	de	oposição	à	política
neoliberal	 de	 FHC,	 julgava-se	 que	 a	 desaceleração	 desse	 processo	 criaria
embates	 na	 política	 brasileira.	 Embora	 tenha	 ocorrido	 uma	 modernização	 da
economia	e	uma	estabilidade	econômica	que	contribuía	para	o	bem-estar	social,
na	era	FHC	não	havia	ocorrido	uma	mudança	substancial	nas	condições	de	vida
da	parcela	mais	pobre	da	população.	Esperava-se	que,	no	governo	Lula,	o	foco
no	desenvolvimento	econômico	que	beneficiava	uma	elite	fosse	direcionado	para
questões	sociais	em	benefício	do	povo.
Governando	 em	 um	 momento	 propício	 da	 economia	 do	 país,	 Lula
conseguiu	 fazer	 com	 que	 a	 política	 socioeconômica	 do	 Estado	 brasileiro
convergisse	para	uma	agenda	única.	A	criação	de	programas	de	distribuição	de
renda	para	aqueles	que	viviam	na	linha	da	miséria,	combinada	com	o	aumento
da	 oferta	 de	 crédito	 para	 a	 classe	média,	 fez	 com	que	 um	princípio	 básico	 da
economia	ocorresse	de	 forma	 sistemática,	 e	 o	 aumento	do	poder	 aquisitivo	da
população	fez	girar	a	roda	da	economia.	Esse	giro	libera	uma	reação	em	cadeia:
maior	 consumo,	 maior	 produção,	 melhores	 resultados	 no	 comércio	 e	 nos
serviços,	aquecimento	econômico,	pleno	emprego	e	uma	sensação	generalizada
de	 bem-estar	 social.	 Entre	 2002	 e	 2010,	 vivíamos	 no	 melhor	 dos	 mundos
possíveis.	 No	 entanto,	 entre	 2005	 e	 2006,	 uma	 denúncia	 de	 compra	 de
votos/parlamentares	 no	 Congresso	 Nacional	 para	 a	 aprovação	 de	 projetos	 de
interesse	 do	 governo	 —	 o	 chamado	 Mensalão	 —	 trouxe	 de	 volta	 os	 velhos
fantasmas	que	o	povo	brasileiro	esperava	que	tivessem	ficado	no	passado.
O	BRASIL	NÃO	TEM	POVO?
Embora	 abalado	 pelas	 denúncias	 de	 corrupção	 —	 que	 tinham	 levado
políticos	 importantes	para	a	cadeia	—,	o	Partido	dos	Trabalhadores	conseguiu
fazer	seu	sucessor	nas	eleições	de	2010.	Em	uma	eleição	histórica	no	Brasil,	pela
primeira	vez,	uma	mulher,	no	período	republicano,	assumia	o	Executivo	do	país:
Dilma	Roussef.
No	entanto,	o	entusiasmo	com	o	governo	e	com	a	economia	do	país	—	que
dava	sinais	de	retração	—,	nos	anos	 iniciais	do	governo	Dilma,	havia	caído	da
frigideira	 para	 a	 brasa.	 Havia	 algum	 entusiasmo	 capitalizado	 pela	 Copa	 do
Mundo	de	futebol	da	Fifa,	que	se	realizaria	em	2014.
Os	preparativos	para	a	Copa	implicavam	a	construção	de	estádios	grandiosos
para	a	realização	dos	jogos.	Todos	eles	deveriam	seguir	o	chamado	padrão	Fifa
de	qualidade.	Muitos	em	regiões	empobrecidas	e	carentes	de	serviços	básicos.	A
Arena	da	Amazônia,	por	exemplo,	em	Manaus,	custou	cerca	de	R$	800	milhões,
em	um	estado	em	que	apenas	36%	da	população	tem	acesso	à	rede	de	água,	e	a
coleta	de	esgoto	atende	a	apenas	4%	da	população.
As	exigências	do	padrão	Fifa	irritaram	profundamente	os	brasileiros.	Unidas
a	uma	crise	de	representação	política	surgida	no	escândalo	do	Mensalão,	levam	o
povo	às	ruas	para	exigir	o	mesmo	padrão	Fifa	pelo	qual	o	governo	construía	os
estádios	da	Copa,	para	hospitais,	escolas,	estradas,	transporte	público,	moradias
populares,	que	no	país	ainda	são	precários.
A	 parceria	 exitosa	 entre	 governo	 e	 iniciativa	 privada	 na	 construção	 da
infraestrutura	 da	 Copa	 foi	 fruto	 da	 vontade	 política	 para	 que	 tudo	 se
materializasse.	O	povo	percebeu	que,	 se	houvesse	essa	mesma	vontade	política
para	a	construção	de	hospitais,	escolas,	creches	ou	infraestrutura	—	saneamento,
água	etc.	—,	o	país	poderia	ser	melhor.	Os	recursos	existiam	na	sétima	economia
mais	robusta	do	mundo	e	havia	uma	disparidade	entre	essa	posição	no	ranking
da	 riqueza	 e	 a	 posição	 (85
a
)	 no	 ranking	 do	 IDH	 (Índice	 de	Desenvolvimento
Humano).
O	povo	percebeu	 também	que,	 se	 a	mesma	vontade	política	não	acontecia
nos	 serviços	 básicos,	 era	 porque	 eles	 haviam	 sido	 também	 privatizados:	 a
educação,	 por	meio	do	 avanço	das	 escolas	 particulares	 em	 todos	os	níveis,	 e	 a
saúde,	por	meio	da	proliferação	dos	planos	de	saúde.	Em	um	quadro	como	esse,
é	claro	que	serviços	públicos	de	excelência	nesses	setores	serão	vistos	como	uma
interferência	 do	 Estado	 na	 economia,	 na	 livre	 concorrência.	 O	 problema	 se
agrava	 pelo	 meio-termo	 que	 se	 vive	 entre,	 de	 um	 lado,	 o	 lobby	 de	 grandes
empresas	desses	setores	que	simplesmente	impedem	o	investimento	em	nome	da
livre	 concorrência,	 e	 de	 outro	 a	 ineficiência	 do	 Estado	 com	 falta	 de	 projetos
consistentes	nessas	áreas.
Ficou	 claro	 que,	 quando	 existe	 vontade	 política,	 as	 coisas	 acontecem,	 e,
quando	 não	 há	 interesse	 das	 elites	 políticas	 e	 econômicas,	 as	 coisas	 são
simplesmente	 procrastinadas	 e	 os	 interesses	 particulares	 se	 sobrepõem	 aos
coletivos.	A	 falta	de	 solução	 e	 a	 procrastinação	 em	 torno	da	questão	do	grave
problema	 de	 saneamento	 básico,	 além	 do	 desconforto	 evidente	 que	 causa	 à
população,	é	responsável	por	inúmeras	doenças	em	adultos	e	crianças.	Portanto,
no	Brasil,	é	mera	falta	de	interesse	e	de	vontade	política,	e	não	falta	de	recursos.
A	 perversão	 e	 o	 sadismo,	 nesse	 caso,	 são	 algo	 desumano	 e	 uma	 tortura
sistemática	e	cotidiana	contra	os	desfavorecidos	do	país.
O	 povo	 brasileiro,	 porém,	 tem	 uma	 capacidade	 única	 de	 surpreender.	 As
grandes	manifestações	populares,	 que	 sacudiram	o	Brasil	 em	2013,	não	 foram
resultado	apenas	da	crise	de	representação	política	que	tomou	conta	do	país	por
ocasião	das	denúncias	do	Mensalão.	Crise	econômica	e	gastos	exorbitantes	com
a	Copa,	de	um	 lado,	 e,	de	outro,	 a	 sensação	cotidiana	da	ausência	do	Estado,
levaram	o	povo	a	surtar	e	a	ter	um	rompante	anarquista.	O	resultado:	incêndios
nas	ruas	e	a	repressão	do	Estado	numa	espécie	de	Primavera	Árabe	que	—	para
o	terror	da	classe	política	e	dos	donos	do	poder	—	havia	chegado	ao	Brasil.
A	LUTA	DE	TODOS	CONTRA	TODOS	ENTRE	OS	ANOS	2009	E	2014,	O	BNDES
(BANCO	NACIONAL	DE	DESENVOLVIMENTO	ECONÔMICO	E	SOCIAL)	MANTEVE	UM
PROGRAMA,	O	PSI	(PROGRAMA	DE	SUSTENTAÇÃO	DE	INVESTIMENTOS),	VOLTADO
PARA	 CONCEDER	 EMPRÉSTIMOS	 A	 GRANDES	 EMPRESAS	 BRASILEIRAS	 E
MULTINACIONAIS,	QUE	MOVIMENTOU	O	MONTANTE	DE	R$	362	BILHÕES.	ENTRE	AS
EMPRESAS	QUE	TOMARAM	ESSES	EMPRÉSTIMOS	ESTÃO	A	FIAT-CHRYSLER,	COM	R$
3	BILHÕES	E	JUROS	DE	4,7%	AO	ANO;	O	GRUPO	VALE,	COM	R$	3	BILHÕES	E	JUROS	DE
4,2%	AO	ANO;	A	RENAULT,	COM	R$	1,5	BILHÃO	E	JUROS	DE	5,1%	AO	ANO;	A	FORD,
COM	R$	1,2	BILHÃO	E	JUROS	DE	4%	AO	ANO;	A	TIM,	COM	R$	1	BILHÃO	E	JUROS	DE
3,5%	AO	ANO	(SÓ	PARA	CITAR	AS	DA	CASA	DO	BILHÃO).
Em	 qualquer	 país,	 o	 governo	 concede	 empréstimos	 subsidiados	 ao	 setor
privado	com	o	 intuito	de	aquecer	a	economia.	Fato	é	que,	no	Brasil,	qualquer
brasileiro	 que	 queira	 ou	 precise	 de	 um	 aportefinanceiro	 tem	 que	 recorrer	 ao
cheque	especial	ou	ao	cartão	de	crédito,	cujos	juros	bateram,	em	média	(2015),	a
casa	dos	290%	e	430%	ao	ano,	respectivamente,	e	acaba	entrando	numa	dívida
impagável.	Ou	seja,	facilidades	de	condições	para	os	grandes	empresários,	de	um
lado,	e,	de	outro,	uma	sucessão	de	obstáculos	impostos	ao	povo,	que,	tendo	no
cheque	 especial	 e	 no	 cartão	 de	 crédito	 suas	 formas	 mais	 acessíveis	 de	 aporte
financeiro,	 torna-se	 refém	de	 um	 sistema	bancário	 predatório.	Não	por	 acaso,
nesse	mesmo	período,	2009-2014,	registram-se	recordes	históricos	no	lucro	dos
bancos.	Em	2014,	os	cinco	maiores	bancos	do	país	levaram	juntos	quase	R$	60
bilhões.	Em	2015,	foram	R$	68	bilhões,	aproximadamente.

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