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Natalia Quintino Dias Ventilação mecânica A Ventilação Mecânica invasiva (VM) se caracteriza pelo acoplamento do paciente a um ventilador mecânico. Ela acontece através do tubo endotraqueal ou traqueostomia para manutenção da ventilação e da oxigenação, assim como da homeostase acidobásica. É indicada enquanto o paciente se recupera de um quadro de insuficiência respiratória aguda, quando ocorre incapacidade da musculatura respiratória em manter a ventilação espontânea. A insuficiência respiratória é habitualmente classificada em tipo 1 e tipo 2, dependendo do gradiente alvéolo-arterial de O2 [(PA-a) O2]. Tipo 1: hipoxêmica – com gradiente aumentado -> defeito nas trocas alvéolo-capilares. Tipo 2: Hipercápnica: hipoxemia com gradiente normal -> hipoventilação alveolar. A ventilação é o movimento repetitivo de entrada e de saída do ar nos pulmões. O funcionamento adequado desse simples processo é necessário, e sua falha pode levar à hipoxemia e/ou hipercapnia, com consequente insuficiência respiratória. Na respiração normal, sem suporte ventilatório, a entrada de ar para os pulmões se dá pelo gradiente negativo de pressão gerado pela contração da musculatura inspiratória: o diafragma se rebaixa e as costelas se elevam, promovendo o aumento da caixa torácica, com consequente redução da pressão interna (em relação à externa), forçando o ar a entrar nos pulmões. Atualmente, quando se trata de suporte respiratório por ventilação mecânica, independentemente do modo utilizado, a entrada de gás (normalmente uma mistura de ar comprimido e oxigênio) do aparelho para os pulmões ocorre por intermédio de um gradiente positivo de pressão, ou seja, um valor de pressão supra-atmosférica é ciclicamente gerado nas vias aéreas, criando um gradiente pressórico que “empurra” o gás até os alvéolos. Assim, o suporte ventilatório mecânico parte de uma premissa inversa em relação à fisiologia respiratória humana. A Ventilação Mecânica (VM) se faz através da utilização de aparelhos que, intermitentemente, insuflam as vias respiratórias com volumes de ar (volume corrente; Vt). O movimento do gás para dentro dos pulmões ocorre devido à geração de um gradiente de pressão entre as vias aéreas superiores e o alvéolo, através do aumento da pressão na via aérea proximal (ventilação por pressão positiva). Controla-se, então, a fração inspirada de O2 (FiO2) necessária para obter uma taxa arterial de oxigênio (pressão parcial de oxigênio no sangue arterial; PaO2) adequada e a velocidade com que o ar será administrado (fluxo inspiratório). O número de ciclos respiratórios que os pacientes realizam em 1 minuto (frequência respiratória; f) será consequência do tempo inspiratório (Ti), que depende do fluxo e do tempo expiratório (Te). O Te pode ser definido tanto pelo paciente (ventilação assistida), de acordo com suas necessidades metabólicas, como através de programação prévia do aparelho (ventilação controlada). O produto da f pelo Vt é o volume minuto (VE). Conceitos O ciclo ventilatório é definido como uma respiração completa, desde o início da inspiração, passando por toda a expiração até atingir uma nova inspiração. PEEP (positive end-expiratory pressure): pressão expiratória final positiva. No final da expiração existe um volume residual mantido pelas pregas vocais no paciente em ventilação espontânea fisiológica, o qual impede, desta forma, o Natalia Quintino Dias colabamento dos alvéolos. Esse volume residual gera uma pressão residual fisiológica nas vias aéreas. No paciente sob ventilação mecânica e intubação endotraqueal, a glote é incapaz de manter esta pressão expiratória, de modo que o ventilador se torna responsável por gerar a pressão expiratória final positiva (PEEP). Considera-se adequado um valor de 5 cmH2O para o ajuste inicial da PEEP. Valores maiores podem ser usados com a finalidade de diminuir edema pulmonar e em manobras de recrutamento alveolar (abertura de alvéolos colapsados). O aumento da pressão intratorácica pode levar a consequências, como aumento da pressão intracraniana, diminuição do retorno venoso e do débito cardíaco. Além disso, está associado a eventos gastrointestinais, como úlceras de estresse e diminuição da motilidade. O represamento de ar, com aumento das pressões pulmonares, gera uma pressão maior que PEEP desejada, a qual denomina-se auto-PEEP. Isso ocorre principalmente em paciente com obstrução das vias aéreas, como em paciente com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), asma e em paciente com broncoespasmo. Quando não há tempo expiratório suficiente para esvaziar o ar inspirado, ocorre aprisionamento de ar e aumento da auto-PEEP, o que pode acarretar instabilidade hemodinâmica e redução no volume corrente com aumento progressivo das pressões. Embora a PEEP seja essencialmente benéfica para o paciente, o aumento da pressão intrapulmonar associada ao auto-PEEP acarreta elevado risco de complicações hemodinâmicas, assincronias ventilatórias, barotrauma e aumento do espaço morto (regiões ventiladas, porém não perfundidas – piora da hipercapnia). A auto-PEEP é facilmente calculada com o paciente sedado e em ventilação controlada pelo examinador, que realiza uma pausa expiratória de pelo menos três segundos. A diferença entre a PEEP final observada após a pausa e a PEEP que foi posta no monitor é a auto- PEEP. Indiretamente, pelo gráfico de pressão- tempo no ventilador, pode-se identificar a presença de auto-PEEP e estimar o valor Ciclo ventilatório Pode ser dividido em 4 fases. Fase 1 – Inspiratória: os pulmões insuflam até o fechamento da válvula inspiratória. Fase 2 – Ciclagem: transição da inspiração para a expiração, em que ocorre fechamento da válvula inspiratória e abertura da válvula expiratória. Fase 3 – Expiratória: esvaziamento pulmonar (passivo). A abertura da válvula expiratória permite que a pressão do sistema respiratório se equilibre com a pressão expiratória final determinada no ventilador. Fase 4 – Disparo: após o término da expiração, quando o ventilador abre a válvula inspiratória (disparo), sendo, portanto, o início do ciclo ventilatório. Os disparos podem ser a tempo (modo controlado pelo ventilador) e pelo paciente (disparos a pressão e a fluxo, chamados de modos de disparo pneumáticos). PEEP: é pressão positiva expiratória final da expiração, com o objetivo de impedir o colabamento alveolar. Volume corrente (Vt): é o volume de ar que entra e sai dos pulmões a cada ciclo respiratório. Em indivíduos normais, gira em torno de 6 a 8 mL/ kg de peso predito. Volume minuto (VE): é o produto do volume corrente pela frequência respiratória. Pressão de pico (Ppico): pressão máxima atingida nas vias aéreas durante o ciclo respiratório. Pressão de platô ou pressão de pausa (Pplat): pressão de equilíbrio nas vias aéreas após uma pausa inspiratória. Durante a pausa, a pressão na via aérea mensurada pelo ventilador mecânico se reduzirá até se equalizar com a pressão alveolar. Dessa forma, a pressão de platô é a que melhor representa a pressão alveolar. Natalia Quintino Dias Ciclos respiratórios Controlado Ciclo passivo, em que o ventilador substitui totalmente o esforço muscular respiratório e o controle neural (drive) do paciente. A variável para o disparo do ventilador é o tempo, dado pela frequência respiratória. As variáveis: tempo, fluxo, volume, pressão também são controladas durante a inspiração destes ciclos. O ciclo dito controlado pode ser ciclado a volume (VCV, do inglês volume controlled ventilation), ou seja, quando muda da inspiração para expiração após alcançar o volume corrente estipulado, ou ciclado a tempo como no modo pressão controlada (PCV, do inglês pressure controlled ventilation), quando ciclaao atingir o tempo inspiratório fornecido. Assistido Ciclo ativo, em que o ventilador auxilia ou assiste a musculatura inspiratória do paciente que se encontra ativa. O disparo acontece quando se alcança um nível de pressão ou fluxo predeterminados (sensibilidade), podendo também ser disparado pelo drive neural como no modo NAVA. • O parâmetro sensibilidade deflagra a variação de fluxo ou pressão reconhecida pelo ventilador como esforço muscular do paciente capaz de gerar um ciclo respiratório (disparo). • Da mesma forma, os ciclos assistidos também podem ser ciclados a volume (volume assistido), a tempo (pressão assisto- controlada), a fluxo (pressão de suporte) ou pelo drive neural (NAVA). Modos ventilatórios básicos ● Assistido/controlado (A/C). ● Ventilação com pressão de suporte (PSV). ● Ventilação mandatória intermitente sincronizada com pressão de suporte (PS). Nos modos ventilatórios controlados ou assistidos, os 2 modos de ventilação mecânica mais utilizados são: Ventilação Controlada a Pressão (PCV) e Ventilação Controlada a Volume (VCV). Já no modo espontâneo, a Pressão de Suporte Ventilatório (PSV) é o modo mais utilizado. Modo A/C-VCV: ventilação controlada a volume A principal desvantagem é o menor controle sobre a pressão nas vias aéreas durante o ciclo respiratório, além de fluxos e volume correntes fixos, o que não ocorre na ventilação fisiológica. Em pacientes capazes de interagir com o ventilador, em ventilação assistida, isso pode aumentar a chance de assincronias entre o paciente e o ventilador. A principal vantagem é o controle preciso do volume corrente e fluxo. Além disso, o modo VCV permite que se monitore mais facilmente a mecânica ventilatória. Modo A/C-PCV: ventilação controlada a pressão A principal vantagem do modo PCV é a capacidade de controle da pressão inspiratória, limitando assim as pressões máximas que podem ser obtidas nas vias aéreas, o que pode ser útil em pacientes em alto risco de barotrauma. Além disso, o fluxo e volume correntes são variáveis, o que o aproxima da ventilação fisiológica. A principal desvantagem é a incapacidade de controlar o volume corrente. Modo PSV: pressão de suporte ventilatório A principal vantagem do modo PSV é sua capacidade de oferecer ao paciente uma ventilação mais próxima da ventilação fisiológica, quando comparada aos modos VCV ou PCV. O volume corrente, o fluxo, e os tempos inspiratório e expiratório são variáveis e determinados pelo paciente em quase sua totalidade. As principais desvantagens são a limitação no controle e monitorização da ventilação e a necessidade de cooperação do paciente, parâmetros que podem ser importantes naqueles mais graves. Modo SIMV com PS Esse modo é uma junção dos modos A/C e PSV. O ventilador oferece uma frequência mínima predeterminada, porém permitindo que ciclos espontâneos aconteçam entre eles, caso o paciente tenha drive para o disparo do ventilador. Este modo garante uma frequência respiratória mínima onde se pode estabelecer um VC fixo (SIMV-VCV) ou uma pressão constante na via aérea com ciclagem a tempo (SIMV-PCV), usado anteriormente para desmame de ventilação, porém entrou em desuso nos últimos anos por trabalhos que demonstraram haver um atraso no Natalia Quintino Dias desmame ventilatório com a utilização deste modo. Este modo pode ser utilizado quando, na transição entre um modo controlado e assistido, seja necessária a manutenção de um volume minuto mínimo para garantia da ventilação do paciente. Monitorização da mecânica respiratória Deve-se realizar a monitorização da mecânica ventilatória de rotina em todo paciente submetido a suporte ventilatório mecânico invasivo. Os principais parâmetros a serem analisados são: o volume corrente expirado (Vt), a pressão de pico, a pressão de platô (em ventilação controlada), a PEEP extrínseca, o auto-PEEP ou PEEP intrínseca. Além disso, deve-se fazer os cálculos de resistência de vias aéreas (Rva), de complacência estática (Cst) e monitorar as curvas de fluxo, pressão e volume versus tempo em casos selecionados. Ajustes iniciais do ventilador Sugerimos parâmetros iniciais para ajuste da ventilação. Usar modo assistido-controlado, podendo ser ciclado a volume (VCV) ou ciclado a tempo e limitado à pressão (PCV), reavaliando nas primeiras horas de acordo com o quadro clínico. Alguns parâmetros precisam ser ajustados da seguinte forma: ● FiO2 – 100% ou valor necessário para manter a saturação arterial de oxigênio entre 93% a 97%. ● Volume corrente – 6 mL/kg de peso predito inicialmente. Reavaliar de acordo com a evolução do quadro. ● Pressão de insuflação (Pins) – 12 a 20 cmH2O. ● Tempo inspiratório (Ti) – 1 a 1,2 segundo. ● PEEP – 5 cm H2O inicialmente, salvo em situação de doenças como SDRA em que o PEEP deverá ser ajustado de acordo com orientações específicas. ● Frequência respiratória – inicialmente deve ser controlada entre 12 e 16 rpm. Em caso de doença obstrutiva, pode-se começar usando frequência mais baixa (<12 rpm) e, em casos de doenças restritivas, pode-se usar frequências mais altas (>20 rpm). ● Relação inspiração/expiração – 1:2 a 1:3 ● Disparo – definir o tipo de disparo do ventilador. A sensibilidade do ventilador deve ser ajustada para o valor mais sensível possível, com cuidado para evitar o autodisparo. Disparo à pressão, programar de −0,5 a −2,0 (cmH2O), ou a fluxo, entre +2,0 a +4,0 (L/minuto). Após 30 minutos de ventilação estável, deve-se colher uma gasometria arterial para observar se as metas de ventilação e troca foram atingidas. Do contrário, realizar os reajustes necessários nos parâmetros ventilatórios. Ventilação mecânica na Síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) Utiliza-se a estratégia da ventilação protetora, que consiste em: Usar a menor FiO2 possível para garantir SpO2> 92%. Nas primeiras 48 a 72 horas são recomendados modos controlados, sejam eles a volume (VCV) ou a pressão (PCV), buscando manter volume corrente de até 6 mL/kg do peso predito. Buscar manter Pplatô ≤ 30 cmH2O. Desmame da ventilação mecânica Deve-se retirar o paciente da ventilação invasiva o mais rápido possível, quando clinicamente viável. Considerar o desmame ventilatório se: -- Causa da falência respiratória resolvida ou controlada; PaO2 ≥ 60 mmHg com FiO2 ≤ 0,4 e PEEP ≤ 5 a 8 cmH2O. -- Hemodinâmica estável, com boa perfusão tecidual, sem ou com doses baixas de vasopressores, ausência de insuficiência coronariana descompensada ou arritmias com repercussão hemodinâmica. -- Capacidade de iniciar esforços inspiratórios. -- Balanço hídrico zerado ou negativo nas últimas 24h. -- Equilíbrio acidobásico e eletrolítico normais. Com esses critérios, deverá ser realizado o teste de autonomia respiratória (teste de respiração espontânea, TRE): o paciente deve ser colocado em tubo em T ou PSV, com pressão de 5 a 7 cmH2O durante 30 a 120 minutos. Durante o TRE, o paciente deve ser monitorizado para sinais de insucesso. Considera-se sucesso no TRE manter pacientes com padrão respiratório, troca gasosa, estabilidade hemodinâmica e conforto adequados. Os sinais de intolerância ao teste são: FR > 35rpm, sat de O2 < 90%, FC > 140 bpm, PAS >180 mmHg ou < 90 mmHg, agitação, sudorese, alteração de nível de consciência. Sucesso do desmame: manutenção da ventilação espontânea durante pelo menos 48h após a interrupção da ventilação artificial.