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Cultura Religiosa Douglas Moacir Flor Cultura Religiosa Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-3725-4 IESDE BRASIL S/A Curitiba 2014 Douglas Moacir Flor Cultura Religiosa © 2007 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. Capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Shutterstock IESDE Brasil S/A Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Todos os direitos reservados. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________________________ F649c Flor, Douglas Moacir Cultura religiosa / Douglas Moacir Flor. - 1. ed. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2014. 64 p. ISBN 978-85-387-3725-4 1. Religião. I. Título. 13-07929 CDD: 200 CDU: 2 ________________________________________________________________________________ 12/12/2013 13/12/2013 Sumário Cultura Religiosa –um tema controverso | 9 A palavra religião | 9 Conhecimento religioso | 9 Por que estudar as religiões? | 10 Tolerância religiosa | 11 Sincretismo religioso | 12 O fenômeno religioso | 16 Religião e Arte | 16 Religião e Moral | 20 Religião e Ciência | 20 Religião e Filosofia | 21 Religião e Economia | 22 Religião e Educação | 22 As grandes religiões I | 25 Hinduísmo | 25 As grandes religiões II | 33 Confucionismo | 33 Xintoísmo | 38 Taoísmo | 40 Conclusão | 44 As grandes religiões III | 47 Judaísmo | 47 Islamismo | 53 Apresentação Estamos iniciando uma caminhada. Há mais de 15 anos trabalho com a disciplina de Cultura Religiosa. O começo sempre é difícil. Existe uma resistência natural do aluno em estudar os conteúdos. O preconceito fica claro quando se define a disciplina como aula de religião. Outros ainda pensam em catequese. Mas não será este o nosso objetivo. Apenas quero caminhar com vocês no sentido de construir uma reflexão madura sobre a vivência e o comportamento religioso das pessoas e a influência que exercem sobre a vida de cada um de nós. Ao final de cada semestre, fico surpreso com a reação dos alunos. A maioria considera a disciplina muito interessante. É claro, que alguns resistentes ficam indiferentes, pois não tiveram a coragem de abrir o coração e aceitar conceitos essenciais para se viver uma boa vida. Trabalho em uma Universidade Confessional, isso significa que a mesma está ligada a uma Instituição Religiosa. Mas nem por isso queremos impor o que pensamos. Vamos apenas debater. Se puder ajudá-los com essa reflexão, com certeza o farei. Você irá encontrar neste livro um panorama de algumas das maiores religiões do mundo. Notará a pluralidade religiosa e terá uma ideia da riqueza de pensamento e valores das religiões estudadas. Nesta caminhada, muitos dos textos têm a participação de professores de Cultura Religiosa que nesses 15 anos estão ao meu lado. Citamos aqui Ronaldo Steffen, Jonas Dietrich, Valter Kuchenbecker, Egon Seibert, Ricardo Rieth, Valter Steyer, Thomas Heimann, Nereu Haag e Bruno Muller. Além desses, não podemos deixar de citar o Capelão Geral da Universidade Luterana do Brasil, pastor Gerhard Grasel e o Diretor do curso de Teologia da Ulbra, pastor Leopoldo Heimann. São pessoas que têm ajudado não somente a construir esta trajetória em Cultura Religiosa, como têm colaborado com o aprofundamento da reflexão e ajudado muitas pessoas. Douglas Moacir Flor Resumo Você já deve ter passado por alguma experiência religiosa. Se não pas- sou, alguém ao seu lado já deve ter contado algo que o levou a refletir sobre o assunto. Aqui, vamos ver que a experiência religiosa é mais rica do que se imagina, além de ser universal. A religião está presente no cotidiano por meio de diferentes manifesta- ções. Pode-se, sem entrar em detalhes por ora, mencionar algumas áre- as, alguns eventos e algumas práticas pessoais e sociais marcadas por ideias, ritos e símbolos consagrados ao campo religioso. Vamos utilizar alguns pontos trabalhados pelo colega Ronaldo Steffen (2003), estudioso do assunto e professor de Cultura Religiosa, publicado no site da universidade. De uma forma bem simples, podemos reportar ao leitor algumas prá- ticas familiares ligadas à tradição religiosa como o casamento, batis- mo, morte e velamento. São cerimônias religiosas tão tradicionais que muitas pessoas, sem que se deem conta, se envolvem. O que dizer de pessoas doentes ou com problemas mais sérios que buscam ajuda di- vina como alternativa para a cura? No esporte, estamos acostumados, marcadamente no futebol, com a cena de uma oração conjunta antes da entrada no campo. Numa deci- são por pênaltis, por exemplo, é comum a imagem de jogadores ajoe- lhados, rezando ou beijando sua santinha. 8 | Cultura Religiosa – um tema controverso No campo musical não são raras as menções que se faz a personagens religiosos e até mesmo a sentimentos de ordem religiosa; no campo das artes somos conduzidos a milhares de imagens notadamente carregadas de simbolismo religioso dos mais diversos matizes. A literatura não tem deixado por menos e tem sido o mercado que mais cresce em termos de editoria nos últimos anos. O cinema tem sido pródigo nas temáticas de ordem religiosa. As novelas, fenômeno brasileiro que ganha o mundo, jamais têm deixado de lado alguma alusão, personagem e até mesmo a temática central ligados a fatos eminentemente religiosos. A nossa alimentação está em grande parte determinada por elemen- tos de ordem religiosa; o modo de expressar nossas ideias por meio da linguagem é, igualmente, em grande parte determinada por formas re- ligiosas. O turismo religioso é hoje um grande filão na arrecadação de divisas para um município. A Educação é fortemente marcada pelos valores que ela prega, quase sempre idênticos aos de ordem religiosa. A área da saúde, o trato com a dor, a vida e a morte foram e ainda são construídos com suporte religioso. Nosso calendário, suas datas festi- vas e grandes eventos têm sua origem no meio eclesiástico. As diversas áreas do conhecimento humano, de uma ou de outra maneira, têm-se ocupado com a temática religiosa, como a Filosofia, a Psicologia, a So- ciologia, a Antropologia, a História, a Medicina, a Física, a Arqueologia, a Geografia e assim por diante. 9|Cultura Religiosa – um tema controverso Cultura Religiosa – um tema controverso Douglas Moacir Flor* A palavra religião Afinal, o que é religião? No texto a seguir temos uma definição que poderá ajudá-lo a enten- der o sentido. Etimologicamente, o termo religião surge na história da humanidade através dos autores clássicos, como Cícero, Lac- tânio e Agostinho, respectivamente, nas palavras re-legere, que significa reler, re-ligare, que significa religar, e re-eligere, que significa reeleger. Todos os conceitos nos dão a ideia de voltar a uma situação anterior, ou seja, ligar novamente a criatura com o criador. É exatamente esta tentativa de religar com o Ser Superior, através de um conjunto de crenças, normas, ritos ou costumes, que dá origem às diversas religiões o fenômeno religioso propriamente dito. (KUCHENBE- CKER, 2000, p. 18) Apesar de seguidamente ouvir-se que religião é coisa do passado, as menções acima indicam uma direção contrária. Estão apontando para o fato de que o ser humano preocupa-se com o divino, aqui entendido no sentido daquilo que ocupa lugar de destaque ou o primeiro lugar na vida. Conhecimento religioso Is to ck ph ot o. Batismo. Mestrando em Educação pela Universidade Luterana do Brasil. Graduado em Teologia pelo Seminário Concórdia – Instituição da Igreja Luterana do Brasil – e em Jornalismo pela Unisinos. Professor de Cultura Religiosa e Jornalismo na Ulbra. 10 | Cultura Religiosa – um tema controverso Jo hn F rie s. Peregrinosno rio Ganges. Monge budista. Is to ck ph ot o. Celebração judaica. Ilo na M . L ac ho w sk i L oe w en . Ainda tentando responder o que é religião, podemos dizer que religião é um batismo numa igreja cristã. É um ritual sagrado nas águas do rio Ganges. É a adoração num templo budista. Pode ser um muçul- mano ajoelhado e orando para Alá. Ou os mesmos devotos do Islã peregrinando à Meca. Pode ser um judeu diante do Muro das Lamentações em Jerusalém. São tantas as menções que seria impossível citar todas. O que pretendemos fazer é ligar os fatos. As ciências da religião procuram responder o que as atividades citadas acima têm em comum. Nós procuramos, como pesquisadores, investigar os rituais de uma perspectiva externa. Buscamos semelhanças e diferenças. Queremos entender como se dá o processo historicamente e o que isso representa para sociedade hoje. Por que estudar as religiões? Dependendo da experiência de cada um, as respostas serão diferentes. Talvez você seja um re- ligioso e não precise de tantas explicações. Mas, com certeza, muitas pessoas não se atentaram para a importância do assunto. 11|Cultura Religiosa – um tema controverso Jostein Gaarder, em seu O Livro das Religiões, nos ajuda a responder à pergunta acima: Um rápido olhar para o mundo ao redor mostra que a religião desempenha um papel bastante significativo na vida social e política de todas as partes do globo. Ouvimos falar de católicos e protestantes em conflito na Irlanda do Norte, cristão contra muçulmanos nos Bálcãs, atrito entre muçulmanos e hinduístas na Índia, guerra entre hinduístas e budis- tas no Sri Lanka. Nos Estados Unidos e no Japão há seitas religiosas extremistas que já praticaram atos de terrorismo. Ao mesmo tempo, representantes de diversas religiões promovem ajuda humanitária aos pobres e destituídos do Terceiro Mundo. É difícil adquirir uma compreensão adequada da política internacional sem que se esteja consciente do fator religião. (GAARDER, 2000, p. 14) Além disso, explica Gaarder, um conhecimento religioso também pode ser útil num mundo que se torna cada vez mais multicultural. Ainda mais quando falamos em globalização, apesar de que o termo deve ser usado com cuidado. Muitos de nós viajamos pelo Brasil ou mesmo ao exterior, entrando em contato com as diversas culturas religiosas. Esses povos têm costumes diferentes que devem ser respeitados pelos seus visitantes. Se uma mulher estiver num país muçulmano, por exemplo, terá que observar o tipo de roupa que usará nas ruas. É claro que não precisará andar com uma burca, mas terá que cobrir seu corpo com roupas decentes. Finalmente, acreditamos que o estudo das religiões pode ser importante para o desenvolvimen- to pessoal do indivíduo. As religiões podem responder várias das perguntas existenciais que fazemos, como: de onde viemos? o que somos? para onde iremos? Tolerância religiosa St ev e Ev an s/ W ik ip ed ia . Muçulmanas vestidas com a burca. Este é um dos pontos mais importantes na nossa caminhada. Tolerância é o respeito pelas pessoas que possuem diferentes pontos de vista em relação à religião. Não significa que precisamos concordar com tudo o que as outras religiões praticam e seguir os mesmos rituais. Cada um tem o direito de seguir aquilo que é melhor para si, pode ter uma fé sólida. Mas a tolerância não é compatível com atitudes como zombar das opiniões alheias ou se utilizar da força e de ameaças. A tolerância não limita o direito de fazer propaganda, mas exige que esta seja feita com respeito pela opinião dos outros (GAARDER, 2000, p. 15). 12 | Cultura Religiosa – um tema controverso O respeito pela vida religiosa dos outros, pelas suas opiniões e pontos de vista, é um pré-requisito para a nossa aula de Cultura Religiosa. Sem isso, é impossível começar, pois: Com frequência, a intolerância é resultado do conhecimento insuficiente de um assunto. Quem vê de fora uma religião, enxerga apenas as suas manifestações, e não o que elas significam para o indivíduo que a professa. (GAARDER, 2000, p. 15) Sincretismo religioso No Brasil, é muito interessante falar sobre religião. Isto porque temos aqui uma pluralidade reli- giosa bem interessante. Além disso, encontramos o que chamamos de sincretismo religioso. Isso acon- tece quando misturamos elementos de várias religiões numa só. Sincretismo é o termo que os historia- dores denominam de fusão ou associação de religiões, ritos, crenças e personagens cultuais. Os cultos afro-brasileiros são um exemplo comprovado de sincretismo religioso. Queremos mostrar como isso acontece através da fala de Riobaldo Tatarana, um personagem sertanejo do Grande Sertão: Veredas. Hem? Hem? O que mais penso, testo e explico: todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara da loucura. No geral. Isso é que é a salvação-da-alma... Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio... Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão, católico, embrenho a certo; aceito as preces de compadre meu Quelemém, doutrina dele, de Cardéque. Mas, quando posso, vou no Mindubim, onde um Matias é crente, metodista: a gente se acusa de pecador, lê alto a Bíblia, e ora, cantando hinos belos deles. Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca. Mas é só muito provisório. Eu queria rezar – o tempo todo. Muita gente não me aprova, acham que lei de Deus é privilégios, invariável. E eu! Bofe! Detesto! O que sou? – o que faço, que quero, muito curial. E em cara de todos faço, executado. Eu? – não tresmalho! Olhe: tem uma preta, Maria Leôncia, longe daqui não mora, as rezas dela afamam muita virtude de poder. Pois a ela pago, todo mês – encomenda de rezar por mim um terço, todo santo dia, e, nos domingos, um rosário. Vale, se vale. Minha mu- lher não vê mal nisso. E estou, já mandei recado para uma outra, do Vau-Vau, uma Izina Calanga, para vir aqui, ouvi de que reza também com grandes meremerências, vou efetuar com ela trato igual. Quero punhado dessas, me defendo em Deus, reunidas de mim em volta... Chagas de Cristo! (ROSA, 1985) Quem sabe você conhece alguém que se identifica com este personagem. É comum a gente encontrar situações como esta. Nas aulas de Cultura Religiosa, quando perguntamos se nossos alunos têm alguma religião, muitos respondem: sou católico apostólico romano, não praticante. Isto significa que eles são católicos por tradição, mas não vão à igreja aos domingos. Muitos são católicos, mas não deixam de ir ao terreiro ou ao centro espírita. É importante ressaltar aqui a questão da tolerância. Religião sem o devido respeito perde o senti- do. Não é possível pregar algo e praticar outra coisa. Por outro lado, a experiência religiosa é importante na vida de todo o ser humano. Se você ainda não passou por isso, busque entender um pouco mais do assunto. Leia, reflita sempre. 13|Cultura Religiosa – um tema controverso Atividades 1. Como você analisa a experiência religiosa? 2. Como você vê a religião dos outros? Ampliando conhecimentos Busque em jornais e revistas textos que o reporte a algum assunto relacionado à cultura religiosa e re- flita sobre ele. Se possível, discuta com seus colegas. Recomendamos a leitura do primeiro capítulo do livro: KUCHENBECKER, Valter. O Homem e o Sagrado. Canoas: Editora da Ulbra, 2000. 14 | Cultura Religiosa – um tema controverso Autoavaliação 1. Você já passou por alguma experiência religiosa? Relate uma experiência que o tenha reportado ao mundo religioso. Referências GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O Livro das Religiões. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. KUCHENBECKER, Valter. O Homem e o Sagrado. 5. ed. Canoas: Editora da Ulbra, 2000. ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. SMITH, Huston. As Religiões do Mundo. São Paulo: Cultrix, 1991. ZICMAN,Renée. Misticismo e Novas Religiões. Petrópolis: Vozes, 1994. Resumo É possível perceber a religião como um fenômeno religioso. Mesmo que nos dias atuais, a ciência cada vez mais ocupe o lugar da religião, são muitos os fatores que nos reportam à importância da religião na vida dos povos em todo o mundo. No passado, a religião era o centro do uni- verso. Assim, é possível concordar que: [...] apesar desta mudança de prioridade, o homem sempre e em todos os tempos tem demonstrado a sua preocupação com o divino. Existe no ser humano uma consciência natural que o impulsiona nesta dire- ção. Tal preocupação tem se manifestado de formas diferentes através das diferentes culturas e civilizações. Esta busca e necessidade de rela- cionar-se com o Ser Superior, o Eterno e o Divino chamamos de fenô- meno religioso. No entanto, este fenômeno precisa ser corretamente orientado e conduzido pelo próprio Criador. Caso contrário, levará o homem a falsos deuses. (KUCHENBECKER, 2000, p. 15) Essa assertiva remete a uma dimensão em que é possível perceber-se a religião como fenômeno humano, tais como os classificados abaixo e ex- postos pelo Professor Martinho Lutero Hoffmann, em material não publi- cado. 16 | O fenômeno religioso O fenômeno religioso Religião e Arte A religião, enquanto fenômeno humano, tem provocado as mais belas obras artísticas. Isso pode ser observado em qualquer religião desde os tempos mais antigos até os mais modernos. No antigo Egito, citamos as pirâmides, o templo de Karnac, a esfinge de Gizé e uma quantidade enorme de estátuas. Esfinge. Co re l/ IE SD E. Na Grécia Clássica, o Pathernon, as estátuas de Fídias e toda uma série de mitos que até hoje in- fluenciam as artes e até mesmo as ciências. Pathernon. W ik ip éd ia . 17|O fenômeno religioso Na Palestina, o templo de Salomão, destruído na conquista babilônica do século VI a.C.; o de He- rodes, também destruído pelos romanos no ano 70 d.C., mas que subsistem na memória do povo judeu como alguns dos grandes marcos da sua arte; e os livros sagrados, que levaram Augusto de Campos, um dos maiores escritores contemporâneos, a afirmar que Deus é um grande poeta. Na Idade Média europeia, as grandes catedrais, prodígios não só de concepção artística, mas tam- bém de engenharia e arquitetura; os vitrais dessas mesmas catedrais; a criação da música polifônica; esculturas; e pinturas. Catedral gótica. W ik ip éd ia . W ik ip éd ia . Vitrais. Na Renascença italiana, a catedral de Florença; a basílica de São Pedro, em Roma. As pinturas so- bre os mais variados assuntos religiosos, dentre as quais se sobressai o conjunto ímpar da Capela Sistina; as esculturas como a Pietá; a Divina Comédia escrita por Dante Alighieri. Basílica de São Pedro. W ik ip éd ia . 18 | O fenômeno religioso Pietá de Michelângelo. W ik ip éd ia . Em Portugal, os conjuntos de azulejos; os sermões de Antônio Vieira; o monumento monolítico erigido em louvor a Deus, mas cujos rescaldos são mais que suficientes para fazer da Língua Portuguesa uma língua de primeira grandeza. No Brasil, o mesmo Vieira, que nacionalizamos com muito amor, devido ao fato de aqui ter vivido muitos anos; as igrejas barrocas de Minas Gerais, Bahia e Pernambuco; as estátuas e pinturas desse mes- mo período; e a catedral de Brasília projetada por Niemeyer. Igreja barroca de Ouro Preto. Be ni Jr . A música alemã, por sua vez, se torna a mais importante por seus inúmeros gênios, entre os quais avultam Mozart, Beethoven, Buxtehude, Brahms e, principalmente, os 200 compositores da família Bach, um em especial que deu o supremo nome da história musical: Johann Sebastian Bach (1685-1750). 19|O fenômeno religioso Johann Sebastian Bach. W ik ip éd ia . Nos Estados Unidos, a música gospel e o negro spiritual. Outras regiões do mundo com ou- tras religiões também contribuíram significativamente para as artes em geral, como os pagodes chineses, os jardins japoneses, os templos hindus, entre outros. Em suma: todo povo e toda religião forneceram à Arte alguma coisa de muito valor que não deve, sob nenhuma hipótese, ser relegada a segundo plano. Jardim japonês. Co re l/ IE SD E. 20 | O fenômeno religioso Religião e Moral A Moral vem a ser, num mundo que se vive em sociedade, um de seus pilares imprescindíveis. A convivência de muitas pessoas dentro de um mesmo espaço físico exige regras e leis, deveres e obri- gações, direitos e privilégios e, mais que tudo, virtudes e valores. A Moral nos diz o que é certo e o que é errado. Mas o que diz à Moral se algo é certo ou errado, ou qual a hierarquia dos valores e virtudes, é, na maioria das vezes, a religião que as pessoas aceitam. Há, evidentemente, religião sem moral e moral sem religião, mas, na grande maioria dos casos, moral e religião mantêm um casamento mais do que fechado. Quando isso acontece, é a religião que dita as normas e ainda fornece toda a motivação para que as normas sejam plenamente cumpridas. Religião e Ciência Se Religião, Arte e Moral formam um trio quase perfeito, Religião e Ciência, há tempos descasa- dos, brigam muito, continuamente. A briga realmente esquentou no século XIX. Auguste Comte (1798- 1857), o fundador do positivismo, afirmou, na teoria dos três estágios do conhecimento, que a Religião era, dos três, o mais antigo e o mais simplório, devendo ceder lugar à Filosofia que, por sua vez, entre- garia o posto à Ciência. O incrível de tudo isso é o próprio Comte, depois de haver levantado essa ideia, criar a religião da humanidade, um manual que, a partir da sua filosofia positivista, defende o amor como causa, a ordem como meio e o progresso como fim. O grande problema, no entanto, surge com Charles Darwin (1809-1882) e a Teoria Evolutiva. Até aí não se via nenhuma dificuldade com o relato inicial do primeiro livro de Moisés. Acreditava-se, com toda a candura, na criação do mundo em seis dias e na idade do universo em torno de seis mil anos, como se o relato bíblico fosse uma reportagem dos tempos antigos. O universo ficou mais velho, e a rápida mão do Criador cedeu lugar à lenta evolução. A imagem e a semelhança de Deus atribuída ao homem desmanchou-se em crânios simiescos datados de algumas centenas de milhares de anos. Charles Darwin. W ik ip éd ia . Auguste Comte. W ik ip éd ia . 21|O fenômeno religioso As perguntas que, pois, se impõem são estas: há no big-bang e na evolução alguma verdade que pode ser considerada final, ou tudo gira no terreno arenoso das hipóteses e da especulação? As narrativas bíblicas têm a pretensão de ser uma afirmativa de caráter científico tal e qual entendemos hoje a ciência com seu meticuloso método, ou foram desde o princípio concebidas na categoria de mitos, como verdades supe- riores que só podem ser expressas em linguagem sublime e figurada? Sendo assim, podemos abrir mão da literalidade da Criação para injetar nela as categorias da evolução? As respostas a cada uma dessas perguntas dependerão da fé e da compreensão ou ausência de fé tanto em relação à religião como também em relação à própria ciência, visto que essa, para muitos, constitui uma espécie de religião que, além de plantar certezas, garante safras de soluções. Religião e Filosofia Religião e Filosofia são duas retas paralelas que ora divergem, ora se encontram, ora se comple- mentam, ora se anulam. Pode-se afirmar que o surgimento da Filosofia no Ocidente foi um ataque aos mitos gregos. Tales de Mileto (625/4-558/6 a.C.) procura uma explicação fora deles e diz que a origem de tudo é a água. Anaximandro (610/9 -547/6 a.C.) põe no lugar da água o indeterminado, e Anaxímenes (588-528/5 a.C.), o ar. Xenófanes de Cólofon (Jônia, Ásia Menor, 570-528 a.C.) critica a antropomorfização de Deus na po- esia de Homero e Hesíodo. Demócrito de Abdera (Trácia, 460-370 a.C.) é o pai do atomismo, afirmando que tudo é formado por substâncias indivisíveis, as quais se combinam ou se separam, formando ou desfazendouma pessoa ou um objeto. Os sofistas, primeiros professores profissionais da história, tor- nam tudo relativo segundo a famosa frase de Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas; do ser enquanto existe e do não ser enquanto não existe”. Sócrates (470-399 a.C.), reagindo ao relativismo sofista, introduz a teoria das ideias inatas, às quais se poderia chegar pela maiêutica (partejamento de ideias). Com as ideias inatas, se pressupunha uma vida anterior, abrindo, assim, caminho para a religião. Platão (428-347 a.C.), aluno de Sócrates, continua na mesma trilha ao propor o mundo das ideias como a autêntica realidade (mito da caverna, corpo prisão da alma). A Idade Média, marcada profundamente pela religião cristã, desenvolve a tese de que a Filosofia é a serva da Teologia (ciência da religião). Vale notar que os eruditos cristãos primeiramente usaram as categorias platônicas e acabaram contaminando-se com um modo platônico de ver as coisas, mas em seguida se apropriaram das concepções aristotélicas, sendo igualmente influenciados por elas (amor ordenado, provas racionais da existência de Deus etc.). Por outro lado, há quem visualize religião (ou teologia) e Filosofia não como concorrentes, mas como dois métodos diferentes, não opostos, para tratar e compreender uma mesma realidade. Mar- tin Heidegger (1889-1976), por exemplo, foi sepultado como católico romano. Edmund Husserl (1859- 1938), expoente do fenomenalismo, converteu-se à Igreja Luterana. Em tempo: não se deve confundir religião e teologia. Embora sejam conceitos afins, não são a mesma coisa. Religião é um conjunto de crenças que formam um sistema coeso. Teologia é a reflexão crítica e sistemática sobre os dados oferecidos pela religião. Em outras palavras: teologia é a ciência, e religião é o objeto ou a matéria dessa ciência. 22 | O fenômeno religioso Religião e Economia Toda crença, tão logo se institucionalize, passa a ter uma economia interna. Precisa manter suas propriedades (escolas, templos, creches, asilos, seminários etc.) e pagar seus funcionários. Para tanto, se utiliza de vários expedientes: cobrança de uma taxa, estabelecimento de um percentual dos ganhos do fiel (o dízimo, por exemplo), ofertas livres, doações ou subvenções do governo. A religião, no entanto, não se limita apenas a isso. Ela, para o bem ou para o mal, influencia a economia da comunidade como um todo, embora nem sempre seja determinante. Max Weber (1864-1920) tentou mostrar que o surgimento do capitalismo se deveu ao protestantismo de cunho calvinista. Sabe-se, porém, que muito antes de Calvino já havia banqueiros e que até os papas se utilizavam dos seus monetários serviços. Certamente, o que se pode afirmar é isto: certas ênfases doutrinárias desta ou daquela religião podem motivar seus adeptos a ter uma ou outra resposta eco- nômica. Contrastando-se o catolicismo medieval e contrarreformista com o luteranismo, é possível ver algumas diferenças: no catolicismo a forma de se adorar e servir a Deus passava pela veneração dos santos, orações, jejuns, penitências, peregrinações e culminava em tornar-se monge ou freira; no luteranismo, o servir e adorar a Deus começava pela fé (considerada o supremo culto, prosseguia na participação dos cultos, leitura da Bíblia, oração etc., e concretizava-se no trabalho diário, visto como vocação de Deus, razão pela qual todo trabalho, fosse ele qual fosse, deveria ser bem feito porque era, além de um culto a Deus, um serviço ao próximo). Partindo-se daí, é possível admitir que o progresso dos países luteranos em relação aos católicos tenha uma origem doutrinária. Contudo, pode-se também questionar se outros fatores não intervieram com peso igual ou até superior. Um deles seria o posicionamento assumido pela nobreza medieval em relação ao trabalho, que era de franco desprezo – calcula-se que na Espanha, no século XVI, apenas 3% da população efetivamente se dedicava ao trabalho! Por não ter havido uma quebra de ordem cultural e so- cial nos países em que a visão medieval permaneceu firme, não poderia estar aí também uma resposta? Religião e Educação Por ser a Religião um conjunto de ensinamentos (note-se o termo), segue-se que ela, para sobre- viver, precisa apelar para a Educação. Não é por outro motivo que os primeiros professores foram todos pessoas ligadas a um culto específico. No entanto, o que se quer discutir aqui é se a religião consegue lançar os olhos para a Educação como um todo. Num primeiro exame, observa-se que a religião contri- buiu com muito pouco ou mesmo nada nessa direção. Na China, país de cultura milenar, a Educação esbarrava nos milhares de ideogramas que um aluno precisava memorizar, pois era necessário tempo e dinheiro. Ao que tudo indica, não havia ne- nhum plano de Educação abrangente. No primeiro projeto educacional conhecido, o confuciano (sé- culo VI a.C.), a ênfase não era popular, mas elitista, já que Confúcio queria restabelecer o império, trans- formado quase numa obra de ficção por causa do ínfimo poder exercido pelo imperador. O sistema 23|O fenômeno religioso idealizado pelo mestre visava a preparar os funcionários públicos, os mandarins, que seriam a base burocrática do império. Deve-se notar que, embora seja atualmente considerado uma religião, o con- fucionismo tinha a princípio uma função muito mais política e pedagógica do que propriamente reli- giosa. Num certo sentido, é a Reforma que ata o nó bem firme da religião com a educação. Lutero achava que ela poderia fazer de alguém um cidadão útil para o Estado. Já nos primeiros anos da Reforma, recomendava aos príncipes e gover- nantes que fundassem escolas e obrigassem os pais a enviar a elas os filhos. Por outro lado, a fim de pôr em prática a noção de sacerdócio universal de todos os crentes, advogava que todo cristão poderia ler a Bíblia e interpretá-la – não ale- atoriamente – de modo objetivo, levando em conta as regras da gramática e da retórica e todo o contexto geográfico, histórico, social etc. Pode-se até afirmar, sem nenhum receio, que a educação brasileira não seria hoje o que é sem as escolas confessionais, pois são milhares por toda parte. É interessante analisar a religião no intuito de abrir as lentes para um novo olhar. À medida que conseguimos nos despir de preconceitos, avaliamos de outra maneira e enriquecemos cultu- ralmente. Você vai perceber isso quando se deparar com notícias de jornais e televisão. O assunto “religião” será percebido com mais atenção. Atividades 1. Em grupos formados com quatro pessoas, refletir e listar sobre a influência da religião na vida diária da sua cidade. 2. Num segundo momento, os grupos apresentam suas respostas e abrem o debate com o grande grupo. Ampliando conhecimentos A dica de estudo é prática. Busquem o diálogo. Pesquisem na internet sites que mostrem a relação entre arte e religião. Ouçam músicas que tenham sido inspiradas pela religião. Pode ser música clássica, gospel ou mesmo popu- lar. Muitos jovens, das mais diversas religiões, costumam compor músicas e gravá-las em CD. Confúcio. W ik ip éd ia . 24 | O fenômeno religioso Autoavaliação 1. Com quais aspectos desta aula você se identificou? Escreva o relato sobre uma visita a algum museu, o ouvir de uma música etc., que o tenha reportado à religião. Referências HOFFMANN, Martinho Lutero. O Fenômeno Religioso. Texto inédito, mas usado nas aulas de Cultura Religiosa da Universidade Luterana do Brasil, 2002. KUCHENBECKER, Valter. O Homem e o Sagrado. 5. ed. Canoas: Editora da Ulbra, 2000. Resumo Vamos partir para uma longa viagem. A ideia é dar a volta ao mundo e estudar as grandes religiões. Se fôssemos numerar todas as religiões existentes no mundo, possivelmente teríamos milhares. Portanto, va- mos falar das principais, pois a partir dessas é que surgiram todas as outras. Cada uma das grandes religiões produziu milhares de seitas ou grupos menores que foram se subdividindo durante os séculos. Todas produziram umagrande riqueza cultural e valores fundamentais para a preservação do ser humano. As grandes religiões I Hinduísmo É uma religião intrigante em muitos aspectos. Não tem um fundador, apenas um livro sagrado ou regras singulares que nos ajudam a entender facilmente suas crenças e suas tradições. Nasceu há cerca de 4 mil anos, na Índia. É difícil falar dela como uma religião só. O Hinduísmo tem uma infinidade de ramos e divindades. A religião hindu passou por constantes transformações ao longo dos séculos – resultado das sucessivas invasões que marcaram a história deste povo. Apesar da diversidade de deuses e formas de encontrar o caminho, um aspecto é comum entre todos: a vida na Terra é parte de um ciclo de nascimentos, mortes e renascimentos, do qual é preciso se libertar. A reencarnação, determinada pela Lei do Carma, talvez explique a resignação e a satisfação pela vida que levam, mesmo diante de costumes tão diferentes dos nossos e da “pobreza” (do nosso ponto de vista) em que vivem. 26 | As grandes religiões I Origem Não há uma precisão histórica sobre o início do Hinduísmo. Ele é resultado de um processo gra- dual, provém das religiões primitivas tribais da Índia e toma forma com a invasão deste país, por volta de 1500 a.C., pelos arianos indo-europeus. Seu sistema religioso está organizado em torno de quatro escritos sagrados, conhecidos como Vedas. As tradições religiosas eram inicialmente transmitidas oralmente. A partir de 800 a.C. é que surgem os primeiros escritos. O Rig-Veda é o livro principal. Aos Vedas são acrescentados dois outros livros: os Brahmanas e o Upanishads. As três obras contêm todo o Dharma, as obrigações da casta, uma espécie de lei. A melhor definição é que [...] projeta-se como a religião eterna e se caracteriza por sua imensa diversidade e pela capacidade excepcional que vem demonstrando através da história de abranger novos modos de pensamento e expressão religiosa. (GAARDER, 2000, p. 40) Por outro lado, encontramos algumas pistas que nos levam a entender o processo de construção e consolidação do Hinduísmo: [...] A invasão dos árias levou à Índia um politeísmo já organizado, como mitos e cultos próprios, de caráter naturalista [...] Para assegurar o predomínio de sua casta, os sacerdotes arianos elaboraram uma doutrina sincretista, em que o conceito de brahman, de alguma forma equivalente ao mana dos melanésios, era elevado a uma ordem superior, ab- solutizada, que por vezes se identificava com a própria divindade (donde o deus Brahma, personificado). Desta forma, valorizavam a sua mediação sacerdotal, pois pelos ritos sagrados podiam produzir e manipular o brahman (conceito mágico). (PIAZZA, 1991, p. 246) Muitos entendem que os arianos usaram o Hinduísmo para exercer o poder e governar os hindus sem resistência, mas isso é apenas uma hipótese. O povo hindu Precisamos pensar nas pessoas, no povo hindu, e como a religião funciona no dia a dia. Olhan- do o Hinduísmo como um todo – sua grande literatura, seus rituais complexos, sua difundida cultura popular, sua arte opulenta – podemos resumir tudo numa única frase: “Você pode ter aquilo que deseja.” (SMITH, 1991, p. 30). Pense no que as pessoas buscam na vida: prazer, sucesso mundano (riqueza, fama e poder), ser- viço e libertação. Os hindus não proíbem nenhuma dessas buscas. Para eles tudo tem o seu momento na vida e se você desejar essas coisas deve buscá-las. Por outro lado também sabem que nem todas as buscas vão trazer os resultados esperados. Somos pessoas limitadas Sabem os hindus que somos pessoas limitadas na alegria, no conhecimento e na existência. Na alegria, por exemplo, existem restrições como a dor física, a frustração que surge dos impedimentos ao desejo e o tédio com a vida em geral. A dor física é a menos problemática. Como a intensidade da dor se deve, em parte, ao medo que a acompanha, dominar o medo reduzirá a dor. 27|As grandes religiões I A segunda grande limitação da vida humana é a ignorância. Dizem os hindus que ela pode ser removida. Os Upanishads falam de “conhecer aquilo cujo conhecimento traz o conhecimento de todas as coisas”. Quanto à terceira grande limitação, a existência, o Hinduísmo leva essa ideia um pouco além, pro- pondo um eu extenso, com vidas sucessivas, assim como uma única vida é feita de momentos sucessivos. A literatura hindu é rica em metáforas e parábolas destinadas a nos despertar para as “minas de ouro” que repousam ocultas nas profundezas do nosso ser. Somos como reis que, vítimas de um ataque de amnésia, vagueiam pelo reino vestindo andrajos, sem saber quem realmente são. Ou como um filhote de leão, separado da mãe, que é criado por ovelhas e se acostuma a pastar e balir, acreditando ser também uma ovelha. Somos como o amante que, no sonho, corre o mundo, desesperado em busca da amada, esquecido de que ela está deitada ao seu lado. Os quatro estágios da vida Segundo a tradição hindu, a vida do homem está dividida em quatro estágios, denominados asramas: Bramacarya – é o estágio da juventude. Fase em que o estudante deve aprender os ensina-:: mentos dos Vedas com um professor mais velho ou com um sábio; Grihastha – fase adulta, em que ele assume o papel de chefe de família;:: Vanaprastha – é o estágio do homem idoso. Ele deve gradualmente afastar-se das coisas deste :: mundo e dedicar-se à reflexão; Samnyasin – nesta fase, o indivíduo deve renunciar ao mundo. :: A vida da mulher não é dividida em etapas. Divindades O Hinduísmo possui uma tríade de grandes deuses – Brahma, o criador, Shiva, o destruidor, e Vishnu, o conservador. Além desses, os hindus possuem milhões de divindades, chamadas de divindades dos lares. É a religião no mundo com o maior número de deuses. A única regra universalmente aceita pelo hindu é a de seguir as normas de sua casta, na expecta- tiva de um futuro feliz para si mesmo. Brahma, o criador Nascido de uma flor-de-lótus que brotava do umbigo de Vishnu, Brahma é o criador, o respon- sável pela construção do Universo. Ele é casado com Sarasvati, a deusa do conhecimento. Embora seja central na mitologia hindu, Brahma não é muito cultuado porque já realizou sua tarefa e só voltará na próxima criação do mundo. 28 | As grandes religiões I Shiva, o destruidor Esse possui dois aspectos principais, aterrorizante e benevolente, aparece sob muitas formas e recebe mais de mil nomes. O primeiro é Rudra, um deus violento, o deus das tempestades. Durante a dinastia Gupta, Shiva era ao mesmo tempo o deus do amor e da destruição. Suas manifestações podem ser divididas em cinco categorias: o jovem asceta, o dançarino cósmico, o senhor da destruição, o de- mônio Brairava e o marido amoroso. Ele é representado vestido ou nu, com o cabelo longo preso em um coque ou usando uma coroa. Vishnu, o protetor Conhecido como deus preservador, Vishnu representa a força criadora que une todo o universo e possibilita a luz e a vida. Ele incorpora o amor divino e controla o destino humano. Pode ser reco- nhecido pela sua cor azul-escura e pelos quatro braços, que sugerem sua capacidade de alcançar os quatro cantos do mundo. Vishnu é muito popular, principalmente sob a forma de avatares – suas diversas encarnações. Reencarnação Os hindus acreditam na reencarnação ou transmigração das almas. É um processo de infinitas en- carnações com o fim de ser absorvido o espírito pelo absoluto Brahma. Isto significa que as almas nunca morrem, desde que façam parte do indestrutível tudo, Brahma. A alma de um homem de baixa posição social poderá renascer como uma cobra ou até como um objeto não pertencente ao plano humano, de- pendendo da segunda crença, a Lei do Carma. Entendem que o homem é hoje resultado de suas ações anteriores a esta vida. Os hindus dividem o povo em castas. O grupo de maior valor era formado pelos Brâmanes ou líderes religiosos, também chamados de videntes. Logo abaixo aparecem os príncipes ou administradores, depois os agricultores ou vassalos seguidos dosservos. Fora das castas estão os párias, ou intocáveis, uma espécie de mendigos e miseráveis. Desta forma, para eles, é impossível questionar, duvidar ou aspirar a qualquer posição social nessa existência. Uma das explicações para a questão das castas é que os arianos (invasores europeus) mantinham ligação com algumas religiões, como a grega, a romana e a germânica. Eles davam importância signifi- cativa ao sacrifício e faziam diversas oferendas a seu panteão de deuses, a fim de conquistar favores e manter sob controle as forças sobrenaturais. As crenças e os ritos, já existentes na região, foram incorpo- rados ao sistema religioso dos invasores e originaram novos cultos. Aí está um exemplo de sincretismo religioso, como também aconteceu no Brasil com as religiões africanas. Animais sagrados Ouvimos muitas histórias sobre animais sagrados na Índia, especialmente sobre a vaca. Realmente existe o culto aos animais. A vaca é um animal sagrado, simbolicamente vista como Alimentadora Sagrada. 29|As grandes religiões I Não pode ser morta sob nehuma circunstância. A pessoa que toca a vaca fica ritualmente limpa, por isso o leite e todos os seus derivados, como a manteiga, são utilizados em cerimônias de purificação. Até seus excrementos são sagrados e podem ser usados como agentes de purificação. Também são considerados sagrados animais como a cobra, o crocodilo e o macaco. Normalmente os hindus não gostam de tirar a vida dos animais e muito menos comer sua carne, o que tornou a maioria dos fiéis vegetarianos. Para concluir, é importante ressaltar que extraímos apenas algumas partes importantes que nos dão uma ideia da religião. Mas entender em que os hindus acreditam é difícil, como nos conta o historiador: É difícil descrever o Hinduísmo. É preciso vivenciar. Os sábios hindus parecem mais sábios do que nós; têm mais força, mais alegria. Parecem ser mais livres no sentido de não se confinarem à ordem natural. Parecem serenos, até mesmo radiantes. Pacifistas por natureza, seu amor flui para o mundo, para todos sem distinção. O contato com eles fortalece e purifica. (SMITH, 1991, p. 41) Budismo Um príncipe hindu rico, possuidor de todos os bens necessários para uma vida agradável, sem pro- blemas e pertencente a uma das maiores castas. Bem que Siddartha Gautama poderia desfrutar tudo isso e viver sua vida com sua esposa, sua filha recém-nascida, nos palácios de seu pai. Mas faltava alguma coisa. Os problemas existenciais o levaram a abandonar tudo em busca de uma solução para superar o sofrimento hu- mano. Passou a ser conhecido como Buda ou “Iluminado”. Espalhou suas descobertas por toda a Índia dando origem a uma das religiões mais influentes do mundo. Hoje, são mais de 400 milhões de adeptos. Para se compreender o Budismo é necessário muita leitura. É uma religião complexa devido às muitas seitas, escolas e pensamentos existentes, sempre de caráter nacionalista regionalizado. O Budismo começou no século VI a.C. como uma dissidência do Hinduísmo, nas proximidades do Himalaia. Siddartha Gautama, o fundador, foi um príncipe que não concordou com o poder salvador dos Vedas, com os rituais e com a ascendência dos sacerdotes nas questões religiosas. Deixou tudo o que tinha e durante seis anos procurou o verdadeiro caminho da salvação ou o sentido mais elevado e permanente da vida. Dentre as suas tentativas, buscou experiências que lhe respondessem aos anseios da vida. Tentou os caminhos dos sacerdotes e do ascetismo, chegando próximo à morte por causa do sofrimento ao seu corpo. Não foi nesse momento que encontrou a paz de espírito. Como um ascético, testava-se a si mesmo, chegando ao extremo de comer suas próprias fezes para testar sua autodisciplina. Depois de várias tentativas, veio a resposta: a salvação pode ser conquistada por um caminho intermediário entre o desejo e a mortificação. Assim chegamos à ideia do “caminho do meio”. As quatro verdades Buda desenvolveu o seu pensamento em torno de quatro verdades, como mostra Steffen (2000, p. 42): a primeira verdade é que o sofrimento é universal;:: a segunda identifica a causa do sofrimento (o desejo interno);:: 30 | As grandes religiões I a terceira indica a necessidade de dominar o desejo e aniquilar a ambição;:: a quarta verdade vai mostrar o caminho (os oito caminhos) para aniquilar a ambição. :: Os oito caminhos Fé justa:: Resolução justa:: Palavra justa:: Conduta justa:: Ocupação (trabalho) justa:: Esforço justo:: Pensamento justo:: Meditação justa:: Com isso, alcança-se nirvana, que é o estado mental livre de paixões. Assim Gautama anulou todo o sistema de castas1 do Hinduísmo, os rituais brâmares e toda a concepção de divindade. Manteve, no entanto, a doutrina do carma e da reencarnação. A filosofia budista pode ser resumida pela afirmação de que há um caminho do meio. Buda dizia que os excessos, tanto de prazeres sexuais como de ascetismo, eram evidências externas do desejo la- tente – desejo de vida material ou desejo de glória espiritual futura. Os dez preceitos O Budismo é rico em preceitos, cuidados a serem adotados para uma vida equilibrada. Quem seguir determinadas regras vai encontrar benefícios no caminho com a finalidade de chegar à salvação. Os dez preceitos incluem desde ordenamentos para não se destruir a vida até a abster-se da promis- cuidade, enfatizando a necessidade de só possuir o que for dado como presente, afastar-se da mentira, não beber álcool, fazer refeições apenas depois do surgimento da lua, além de regulamentar o uso de ornamentos e metais preciosos. Quando Gautama morreu, por volta dos 80 anos, o movimento já esta- va institucionalizado. No livro O Homem e o Sagrado, o autor do texto que fala sobre o Budismo, Professor Ronaldo Ste- ffen, faz uma referência interessante de Buda. Diz ele: Buda era um humanista. Embora afirmasse a existência de uma multidão infinita de deuses e espíritos menores, era seu parecer que essas divindades não tornavam os seres humanos melhores, pois eram seres finitos e sujeitos a todas as fraquezas da natureza humana. Não acreditava num ser supremo nem em rituais puramente cerimoniais. Também não via importância no ato de orar e na existência de sacerdotes. Ensinava seus seguidores a dependerem de si mesmos, mas permanecendo benevolentes e amorosos com a humanidade. Aceitava, no entanto, a crença da transmigração das almas e a lei do carma. Acreditava que os erros do passado poderiam ser superados por uma vida exemplar e que a alma nada mais era do que a inter-relação de cinco energias, que se desintegravam quando o ser físico morria. (STE- FFEN, 2000, p. 43) 31|As grandes religiões I O Budismo e suas diversas seitas O Budismo hoje é formado por diversas seitas. Com o passar do tempo seus seguidores foram introduzindo novos ingredientes nos rituais. Por este motivo, o Budismo não pode ser totalmente ex- plicado sem uma leitura mais aprofundada. O paradoxo é que Gautama, que não acreditava em Deus, tornou-se um para seus seguidores. Três séculos após sua morte, já havia pelo menos 16 seitas distintas de Budismo. É necessário estudar um pouco da expansão territorial do Budismo para entender o surgi- mento destas seitas. Esta expansão ocorre no século III a.C., quando Asoka, talvez o mais importante im- perador da Índia, envia missionários às nações estrangeiras para convertê-las ao Budismo. Desta forma, encontramos hoje o Budismo chinês, com ênfase no culto aos ancestrais; o Budismo japonês, que inclui o antigo deus Shinto em sua lista de divindades; e o Budismo tibetano, que enfatiza a vida monástica e o princípio da não quebra do poder eclesiástico. Algumas seitas budistas Seitas da “Terra Pura”, que seguem tenazmente o objetivo último de atingir o paraíso. Ensinam :: que as obras não têm importância e que, para garantir os resultados desejados na vida, basta crer e executar os rituais. Seitas dos “Intuitivos”, que perseguem os benefícios da contemplação vivendo vida simples :: e autodisciplina.Seitas “Racionalistas”, que se utilizam de processo sincrético, alegando que não há um único :: caminho a ser observado. Seitas da “Palavra Pura”, que depositam sua fé em salvadores cuja boa vontade deve ser busca-:: da em complexas observações ritualísticas. Seitas “Sociopolíticas”, que desenvolvem, como no Japão, um forte sentimento nacionalista :: como doutrina central (STEFFEN, 2000, p. 44). O Budismo pode ser analisado a partir de suas duas maiores escolas de pensamento: a Hinayana, predominantemente monástica e não teísta, e a Mahayana, que ensina que o universo é habitado por numerosos espíritos e deuses ansiosos por ajudarem os homens em suas necessidades. As duas religiões têm algumas características bem definidas. Mas é bom lembrar que o Hinduís- mo é uma dissensão do Budismo. Buda não concordava com a situação de resignação, principalmente dos párias. Para ele, a vida não tinha sentido se fosse compreendida dessa maneira. Ao mesmo tempo fica claro que para Buda não há a necessidade de um deus que supra todas as necessidades do homem, pois o ser humano, por suas próprias forças, pode encontrar o caminho e chegar ao nirvana. 32 | As grandes religiões I Atividades 1. No que o pensamento hinduísta difere do pensamento ocidental? 2. Quais as lições que podemos tirar dos hindus para a nossa vida? 3. Qual a ligação de Siddharta Gautama com o Hinduísmo? 4. Quando falamos em reencarnação, qual religião da atualidade está relacionada a este pensamento e como isso acontece? Ampliando conhecimentos Recomendo para estudo a leitura dos capítulos 2 e 3 do livro: SMITH, Huston. As Religiões do Mundo. São Paulo: Cultrix, 1991. Autoavaliação 1. Como você encararia a vida se tivesse que viver como os hindus e eles dissessem que você pertencesse aos párias? Referências KUCHENBECKER, Valter. O Homem e o Sagrado. 5. ed. Canoas: Editora da Ulbra, 2000. PIAZZA, Waldomiro. Religiões da Humanidade. São Paulo: Editora Loyola, 1991. SMITH, Huston. As Religiões do Mundo. São Paulo: Editora Cultrix, 1991. STEFFEN, Ronaldo. As grandes religiões do mundo. In: KUCHENBECKER, Valter. O Homem e o Sagrado. 5. ed. Canoas: Editora da Ulbra, 2000. As grandes religiões II Confucionismo Vamos caminhar por terras orientais. Uma volta pela China é o nosso compromisso neste momen- to. Vocês já devem ter observado que a China está despontando em todo o mundo pelo seu crescimen- to econômico e aos poucos vem sendo reconhecida como uma grande potência mundial. Talvez, o que você não saiba é que, “até 1911, a China foi uma potência imperial, onde o imperador reinava acima de tudo. O imperador era considerado o representante do país diante do supremo deus Céu”. (GAARDER, 2000, p. 77). O que havia por traz de tudo isso era uma ideologia confucionista. O conjunto de pensamentos, regras e rituais sociais confucionistas, foi desenvolvido pelo filósofo K’ung-Fu-Tzu (551-479 a.C.). No Bra- sil, o conhecemos como Confúcio. Além disso, Confúcio formulou normas para a vida religiosa, para os sacrifícios e os rituais. Segundo Gaarder, o confucionismo era, na verdade, uma religião estatal praticada pela elite e pelas classes dominantes, a qual, no entanto, nunca se disseminou muito entre as massas, as camadas mais amplas da população. Da mesma forma que o imperador, em seu palácio em Pequim, ficava remotamente afastado das pessoas comuns, o Céu era remoto e impessoal para a gran- de massa dos chineses pobres, trabalhadores e camponeses. A religião dos pobres era a adoração dos espíritos, particular- mente dos antepassados, religiosidade carregada de magia e traços de outras religiões. (GAARDER, 2000, p. 77) Quem foi Confúcio Confúcio nasceu em 551 a.C., filho de pessoas pobres, e desde cedo demonstrou um grande in- teresse no que se referia à vida. Diz a história que “após iniciar sua carreira pública como um oficial de segunda classe no estado de Lu, aos 18 anos, tornou-se professor e começou a ensinar História, Filoso- fia, Ética, Música, Poesia e boas maneiras” (STEFFEN, 2000, p. 48). A ideia era mostrar aos seus alunos os princípios necessários naquele momento de decadência da ordem feudal chinesa. 34 | As grandes religiões II Num outro texto, lemos o seguinte: Embora suas lembranças da infância contenham referências nostálgicas à caça, à pesca e ao arco, sugerindo com isso que ele foi tudo menos uma traça de livro, Confúcio dedicou-se cedo aos estudos e se saiu bem. Chegando aos quinze anos de idade, forcei a minha mente ao aprendizado. Com vinte e poucos anos, depois de ter ocupado vários cargos públicos insignificantes, depois de ter feito um casamento não muito bem sucedido, ele se estabeleceu como professor particular. Essa era obviamente a sua vocação. A reputação de suas qualidades pessoais e sabedoria prática espalhou- se com rapidez, atraindo um círculo de discípulos entusiasmados. (SMITH, 1991, p. 156) A carreira de Confúcio não foi um sucesso. Sua ambição era bem maior. Alguns biógrafos che- garam a criar a lenda de que, por volta dos 50 anos, Confúcio realizou uma brilhante administração durante cinco anos, avançando rapidamente de ministro de Obras Públicas para ministro da Justiça e primeiro-ministro, e fazendo de Lu uma província modelo. “A verdade é que os governantes da época tinham medo da franqueza e da integridade de Confúcio, tanto medo que nunca o designariam para qualquer posição de poder” (SMITH, 1991, p. 156). Os escritos Confúcio compilou alguns materiais, os quais foram utilizados em sua filosofia de vida. Dentre os materiais, encontramos: Shih Ching (Livro de poesias), Li Chi (Livro dos ritos), I Ching (Livro das transfor- mações), Shu Ching (Livro de história) e Ch’um Ch’íu (os anais da primavera e do outono). A filosofia de Confúcio A questão central na filosofia de Confúcio está no termo li. Significa cortesia, reverência, ritos e ceri- mônias e o posicionamento ideal na vida pública e privada. “O chinês mais moderno entende por ‘li’ uma ordem social ideal, com tudo em seu devido lugar e com todas as pessoas prestando respeito e reverência aos outros na hierarquia social” (STEFFEN, 2000, p. 48). De uma certa forma, a ideia era estabelecer a ordem e acabar com a queda do respeito desen- cadeada pela ordem feudal. Confúcio acreditava que, se cada um soubesse o seu lugar, poderia haver um comportamento de reciprocidade como um guia de vida. É aqui que vai surgir o dito “não faças aos outros o que não queres que te façam”. Político fracassado, Confúcio foi, sem dúvida, um dos maiores professores do mundo. Preparado para ensinar história, poesia, governança, propriedade, matemática, música, adivinhação e esportes, ele foi, à moda de Sócrates, um homem Universidade. Seu método de ensino também era socrático. Sempre informal, ele não fazia preleções; preferia conversar sobre os problemas propostos pelos seus alunos, citando leitura e fazendo perguntas. Ele se apresentava aos alunos como um companheiro de viagem, comprometido com a tarefa de se tornar plenamente humano, mas modesto. Quanto ao ponto a que chegou no cumprimento dessa tarefa, ele mesmo cita: Há quatro coisas no Caminho da pessoa profunda, nenhuma das quais fui capaz de fazer. Servir ao meu pai, como esperaria que um filho me servisse. Servir ao meu governante, como esperaria que meus ministros me servissem. Servir ao meu irmão mais velho, como esperaria que meus irmãos mais novos os servissem. Ser o primeiro a tratar os amigos como esperaria que eles me tratassem. Essas coisas não fui capaz de fazer. (CONFÚCIO) 35|As grandes religiões II Homem simples e humilde Não havia nada de sobrenatural nele. Confúcio gostava de estar com as pessoas, de jantar fora, de cantar em coro uma bela canção e de beber, mas não em excesso. Seus discípulos relataram que, nas ho- ras de folga, o Mestre tinha um comportamento informal e alegre. Ele era afável, mas firme; digno, mas agradável. Estava sempre pronto para defender a causa das pessoas comuns contra a nobreza opressivade sua época; nas suas relações pessoais, ele rompia escandalosamente as linhas de classe impostas pela sociedade e nunca menosprezava os alunos mais pobres, mesmo quando não podiam pagar as aulas. Era gentil, mas capaz de sarcasmos quando achava merecido. Falando daquele que começava a criticar suas companhias, Confúcio observou: “É evidente que Tzu Kung tornou-se perfeito. Ele tem tempo para esse tipo de coisa. Eu não tenho tempo livre”. Confúcio nunca lamentou a escolha que fez. Ele dizia que com alimento ordinário para co- mer, água para beber e o braço dobrado como travesseiro, ainda existia alegria em meio a isso e a tudo. As riquezas e honrarias adquiridas por meios iníquos não significaram para ele mais do que as nuvens flutuantes. A glorificação veio após a sua morte. Entre seus discípulos, o gesto foi imediato. Disse Tzu Kung: “Ele é o sol, a luz, aos quais não há meios de se subir. A impossibilidade de igualarmos nosso Mestre é como a impossibilidade de alcançarmos o céu subindo por uma escada”. Em poucas gerações, Confúcio era visto em toda a China como o “mentor e modelo de dez mil gerações”. O que mais lhe teria agra- dado foi a atenção dada às suas ideias. Durante dois mil anos – até o século XX – toda criança chinesa chegou à sala de aula, toda manhã, e lavantou as mãozinhas postas na direção de uma mesa que tinha uma placa com o nome de Confúcio. Praticamente, todo estudante chinês estudou cuidadosamente os provérbios de Confúcio, durante horas a fio; o resultado é que eles se tornaram parte da mente chinesa, chegando até aos analfabetos na forma de provérbios. O governo chinês também foi influenciado por essas ideias, mais profundamente do que qualquer outra pessoa. Alguns provérbios Verdadeiro filósofo não será aquele que, mesmo sendo reconhecido, jamais guarda ressenti-:: mento? Não faças aos outros o que não queres que te façam. :: Não me entristece que os outros não me conheçam. Entristece-me não conhecer os outros. :: Não esperes resultados rápidos nem procures pequenas vantagens. Se buscares resultados :: rápidos, não alcançarás a meta final. Se te deixares desviar por pequenas vantagens, nunca realizarás grandes feitos. As pessoas mais nobres primeiro praticam o que pregam e depois pregam de acordo com a :: sua prática. Se quando olhas dentro do teu coração não vês nada de errado, por que te preo- cupas? O que há para temeres? Quando conheces uma coisa, reconhecer que tu a conheces; e quando não a conheces, saber :: que tu não sabes – isso é conhecimento. Ir longe demais é tão mau quanto ficar aquém. :: 36 | As grandes religiões II Quando vês um homem digno, pensa quando poderás emulá-lo. :: Quando vês um homem desprezível, examina o teu próprio caráter. :: Riqueza e posição, eis o que as pessoas desejam; mas se não as conseguirem da maneira cor-:: reta, nunca as possuirão. Sê bondoso com todos, mas íntimo apenas dos virtuosos. :: Pano de fundo É claro que os provérbios, por si só, não explicam o sucesso de Confúcio. É necessário compreen- der o que havia de errado na sociedade em que ele vivia. A Antiga China não era nem mais nem menos turbulenta do que as outras terras. Do oitavo ao ter- ceiro século a.C., porém, a China testemunhou o colapso da dinastia Chou, que foi um governo de paz e ordem. Baronatos rivais ficaram em liberdade para fazer o que bem entendiam, criando uma situação idêntica à da Palestina no período dos juízes: “Naqueles dias não havia rei em Israel; cada homem fazia o que parecia certo a seus próprios olhos”. A guerra quase contínua desse período começou dentro dos padrões do cavalheirismo. O carro de guerra era sua arma, a cortesia era o seu código e os atos de generosidade conferiam honra. Diante da invasão, o barão arrogante enviaria um comboio de provisões ao exército invasor. Ou, para provar que seus homens estavam além do medo e da intimidação, ele enviaria, como mensageiro, soldados que cortariam a própria garganta diante do invasor. Tal como na era de Homero, guerreiros de exércitos inimigos se reconheciam, trocavam desdenhosos cumprimentos do alto de seus carros de guerra, be- biam juntos e às vezes trocavam armas antes de entrar em combate. Na época de Confúcio, porém, a guerra interminável degenerava; de cavalheiresca, tornara-se o terror desenfreado do período dos Estados combatentes. O horror chegou ao auge no século seguinte à morte de Confúcio. Os combatentes entre carros de guerra deram lugar à cavalaria, com seus ataques de surpresa e reides súbitos. Em vez do ato nobre de manter os prisioneiros até receber o resgate, os conquistadores promoviam execuções em massa. Populações inteiras, capturadas nos azares da guerra, eram decapitadas, incluindo velhos, mulheres e crianças. Lemos descrições de chacinas de 60 mil, 80 mil e até de 400 mil pessoas. Há relatos de vencidos atirados em caldeirões de água fervente e seus familia- res forçados a beber aquela “sopa” humana. A pergunta, nessa época, era: por que continuamos nos destruindo? Talvez aí esteja a resposta para compreendermos o poder do Confucionismo. Confúcio viveu numa época em que a coesão social havia se deteriorado até o ponto crítico. Confúcio insistia que o amor ocupa um lugar importante na vida; mas também que o amor deve ser apoiado por estruturas sociais e por um etos coletivo. Bater exclusivamente na tecla do amor é o mes- mo que pregar os fins sem os meios. Quando perguntaram à Confúcio certa vez, “devemos amar nossos inimigos, aqueles que nos causam mal?”. Ele respondeu: “De modo algum. Respondei ao ódio com a justiça e ao amor com a benevolência. Caso contrário, estaríeis desperdiçando vossa benevolência.” 37|As grandes religiões II Respeito às tradições O que chama a atenção nas religiões orientais é o respeito que todos cultivam pelos mais velhos. A idade não é um peso, mas uma bênção. A experiência é importante para os mais novos, que a buscam nas pessoas de maior vivência. Assim também são conservadas as tradições, transmitidas pelos mais velhos. Sobre a socialização, o próprio Confúcio ensinou: Deve ser transmitida dos velhos para os jovens, enquanto os hábitos e as ideias devem ser conservados como uma teia ininterrupta de memória entre os portadores da tradição, geração após geração. [...] Quando a continuidade das tradições de civilidade se rompe, a comunidade é ameaçada. A menos que essa ruptura seja consertada, a comunidade se esfacelará em [...] guerras de facções. Isso porque, quando a continuidade é interrompida, a herança cultural não está sendo transmitida. A nova geração se defronta com a tarefa de redescobrir, reinventar e reaprender, por tentativa e erro, a maior parte daquilo que precisa saber. [...] Essa não é tarefa para uma única geração. (CONFÚCIO) A tradição deliberada A tradição deliberada segue, no esquema de Confúcio, cinco termos chaves: Jen::: Etimologicamente uma combinação dos caracteres correspondentes a “ser humano” e “dois”, designa o relacionamento ideal que deve existir entre as pessoas. Traduzido das mais variadas formas (bondade, fraternidade, benevolência e amor), talvez a melhor maneira de transmitir a ideia seja pela expressão: “sensibilidade do coração humano”. Jen envolve simulta- neamente um sentimento de compaixão pelos outros e de respeito por si mesmo, um senti- mento indivisível da dignidade da vida humana, onde quer que ela apareça. Chun Tzu::: Se jen é o relacionamento ideal entre seres humanos, chun tzu refere-se ao termo ideal nesses relacionamentos. Esse conceito tem sido traduzido como homem superior e o me- lhor da humanidade. Talvez pessoa amadurecida seja uma tradução tão fiel quanto qualquer outra. É o oposto de pessoa estreita, da pessoa mesquinha, da pessoa de espírito pequeno. Somente quando aqueles que formam a sociedade se transformarem em chun tzus é que o mundo poderá caminhar na direção da paz. Se houver honra no coração, haverá beleza no caráter. Se houver beleza no caráter, haverá harmonia nolar. Se houver harmonia no lar, haverá ordem no país. Se houver ordem no país, haverá paz no mundo. Li::: O terceiro conceito, li, tem dois significados. Seu primeiro significado é propriedade, a maneira pela qual as coisas devem ser feitas. As pessoas precisavam de modelos, e Confúcio queria direcio- nar a atenção delas para os melhores modelos oferecidos pela sua história social. Propriedade é um conceito com amplo alcance, mas podemos perceber o âmago do interesse quando ele diz que: Se as palavras não forem corretas [...] a linguagem não estará de acordo com a verdade das coisas. Se a linguagem não estiver de acordo com a verdade das coisas, os negócios não pode- rão ser concluídos com sucesso. [...] Portanto, um homem superior considera necessário que os nomes por ele utilizados sejam falados apropriadamente, e também que aquilo que ele fala possa ser transmitido apropriadamente. O que o homem superior requer é que em suas palavras nada haja de incorreto. 38 | As grandes religiões II Todo o pensamento humano avança por meio de palavras; logo, se as palavras forem oblíquas, o pensamento não conseguirá avançar em linha reta. Aí é importante aquilo que Confúcio chamava de “retificação dos nomes”. A “retificação dos nomes”, na doutrina do meio, nas relações constantes, no respeito pela idade e pela família, esboça importantes aspectos específicos de li no seu primeiro significado: propriedade ou o que é certo. O outro significado da palavra é ritual, que transforma o certo – no sentido daquilo que é correto fazer – em rito. Quando o comportamento correto é detalhado em minúcias confucionistas, a vida inteira do indivíduo se estiliza numa dança sagrada. A vida social foi coreografada. Te: :: O quarto conceito axial que Confúcio procurou elaborar para seus conterrâneos foi te. Sig- nifica poder. Especificamente, o poder por meio do qual os homens são governados. Ele estava convencido de que nenhum governante consegue reprimir todos os seus cidadãos o tempo todo, nem mesmo grande parte deles na maior parte do tempo. O governo precisa contar com uma aceitação da sua vontade, uma confiança apreciável naquilo que está fazendo. Confúcio acrescentou que a confiança popular era de longe a mais importante, pois “se o povo não tiver confiança em seu governo, este não se sustentará”. Para ele, somente são dignos de governar aqueles que prefeririam não ter de governar. Quando o Barão de Lu perguntou-lhe como governar, Confúcio respondeu: Governar é manter-se reto. Se tu, senhor, dirigires teu povo em linha reta, qual de teus súditos se arriscará a sair dessa linha? Wen::: O conceito final na estrutura confucionista é wen. Refere-se às “artes da paz”, enquanto diferenciadas das “artes da guerra”, à música, à arte, à poesia, à soma da cultura no seu modo estético e espiritual. Confúcio considerava apenas semi-humanas as pessoas que eram indi- ferentes à arte. Mas o que atraía seu interesse não era a arte pela arte. Era o poder da arte de transformar a natureza humana na direção da virtude que o impressionava – seu poder de facilitar o interesse pelos outros. Pela poesia, a mente é despertada; pela música, recebe-se o acabamento. As odes estimulam a mente. Elas induzem à autocontemplação. Ensinam a arte da sensibilidade. Ajudam a evitar o ressenti- mento. Fazem-no acreditar no dever de servir ao país e ao príncipe. Xintoísmo Não vamos nos ater muito a esta religião. Apenas para cultura geral vamos tecer algumas considerações sobre o Xintoísmo, que tem uma influência muito grande sobre a cultura japone- sa. A partir desta religião é que poderemos en- tender um pouco mais a força desse povo, sua seriedade, seus compromissos e sua devoção. Co re l/ IE SD E. Templo xintoísta. 39|As grandes religiões II O caminho dos deuses Quando falamos do Xintoísmo, normalmente nos reportamos aos japoneses, ricos pela sua for- ma de pensar, por sua cultura e também pelos seus valores religiosos. Primitivamente, a religião Xintoísta era chamada de Kami-no-michi, que é traduzido por “o caminho dos deuses”. Em chinês, a mesma expressão é shen-tao, de onde procede a palavra shinto (em português, xinto). O Xintoísmo é uma religião peculiar por sua expressão de amor japonês pelo seu país e suas instituições. Este aspecto da história sagrada está descrito no Kojiki, datado do século VIII. (STEFFEN, 2000, p. 50). O Kojiki diz que as ilhas japonesas foram criadas por Izanami e Izanagi, que também habitaram a terra como numerosas divindades, das quais os japoneses são descendentes. A família real é descen- dente de Jimmu Tenno (cerca de 660 a.C.), o primeiro imperador humano, neto de Ni-ni-go, neto de Amaterasu, a divindade feminina Sol. No Shinto, Amaterasu é reconhecida como a primeira no panteão das divindades, mas não é a única. É apenas uma entre muitos. O Xintoísmo primitivo via o Japão como a terra dos deuses, o que explica o caráter nacionalista da religião. Acreditam que todos os japoneses têm origem divina, mas em especial o imperador, que é descendente da própria deusa do sol. A partir de 500 d.C., o Xintoísmo enfrentou dura competição com o Budismo, e as duas religiões acabaram por influenciar uma à outra. Não é raro, no Japão, o uso alternado de várias religiões. É tanto que o país é chamado por muitos de laboratório religioso. Diferente de outras religiões, como o Cristia- nismo e o Islamismo, o Xintoísmo não tem um fundador. É tipicamente uma religião nacional. Não conta com nenhum credo ou código de ética expressamente formulado. A sua essência está na cerimônia e no ritual, que mantêm o contato com o divino. O Shinto, “o caminho dos deuses”, pode ser descrito como um modo ideal de comportamento. O seu sistema ético inclui os seguintes preceitos: lealdade ao imperador;:: gratidão; :: coragem diante da morte;:: o serviço aos outros está acima dos interesses próprios;:: verdade;:: polidez até mesmo com os inimigos;:: controle das manifestações de sentimentos e honra, que significa o ato de preferir a morte do :: que a desgraça. Os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial nos mostram um pouco desses conceitos quan- do os pilotos japoneses foram capazes de jogar seus próprios aviões para atingir o alvo e acabar com o inimigo. Principais ideias O mito da origem japonesa parece ser uma resposta animista primitiva à natureza. A multiplicida- de de deuses japoneses pode ser atribuída a condições civis primitivas, quando a nação era habitada por um grande número de clãs independentes, cada um com seus próprios deuses e práticas religiosas. 40 | As grandes religiões II As ideias confucionistas introduziram o culto aos ancestrais, segundo o qual, quando as pesso- as morrem, adquirem poderes sobrenaturais. Acredita-se que os mortos são instrumentos de ajuda e proteção aos vivos, razão que leva os vivos a honrá-los e reverenciá-los, tanto nos rituais fúnebres como nos santuários domésticos. As cerimônias religiosas ajudam a evitar acidentes, promovem a cooperação e o contato com os Kamis, e geram o contentamento e a paz para o indivíduo e a sociedade. As cerimônias são feitas tanto no próprio lar, como nas grandes festas anuais do templo – Morada dos Kamis. Quatro elementos estão sempre presentes nestas cerimônias: purificação;:: sacrifício;:: o:: ração; e refeição sagrada. :: Taoísmo É interessante observar que toda a filosofia chinesa está voltada para o social. Os problemas éti- cos, sociais e políticos estão no centro das discussões da maioria das religiões orientais. É basicamente a preocupação constante com o bem estar das pessoas. É a opção pelo ser e não pelo ter. Se as ideias de Confúcio são estimulantes para governantes sérios, o Taoísmo apresenta uma visão transcendente das preocupações com a vida. Apresenta uma visão diferente da vida. É uma cultura oposta ao que estamos acostumados a viver no ocidente. Aqui apresentaremos um resumo do Taoísmo. Serão recomendadas leituras complementares paraquem tiver interesse maior em conhecer melhor as ideias de Lao-tsé – o grande e velho mestre. O Velho Mestre A origem do Taoísmo é apresentada com o nome de um ho- mem chamado Lao-tsé. Supostamente nascido por volta de 604 a.C., as histórias sobre a vida deste homem são muito variadas. Alguns historiadores não têm nem certeza se ele realmente existiu. Algu- mas lendas são fantásticas, como aquela que diz “ter sido ele conce- bido por uma estrela cadente, permaneceu no ventre materno por 82 anos e já nasceu velho, sábio e com os cabelos brancos.” (SMITH, 1991, p. 193). Lao-tsé se traduz como “o velho”, “o velho amigo”, ou “o grande e velho mestre”. Era contemporâneo de Confúcio. Um historiador chi- nês relata que Confúcio ficou intrigado com o que ouvira a respeito de Lao-tsé e, certa vez, o visitou. Sua descrição sugere que aquele estranho homem o desconcertou, enchendo-o, porém, de respeito. Lao-tsé. W ik ip éd ia 41|As grandes religiões II Eu sei que um pássaro pode voar; sei que um peixe pode nadar, sei que os animais podem correr. Criaturas que correm podem ser apanhadas em redes; as que nadam, em armadilhas de vime; as que voam, atingidas por flechas. Mas o dragão está além do meu conhecimento; ele sobe ao céu nas nuvens e no vento. Hoje vi Lao-tsé, e ele é como o dragão. (CONFÚCIO) O Tao Te King Uma boa ideia do início do Taoísmo, como conta a tradição, é o que lemos no texto de Huston Smith, que assim coloca: A história tradicional conta que Lao-tsé, entristecido com o seu povo pela relutância em cultivar a bondade natural que ele pregava e buscando maior solidão para os seus últimos anos de vida, montou nas costas de um búfalo e galopou para o oeste, na direção do atual Tibete. No passo de Hankao, uma sentinela, percebendo o caráter incomum daquele viajante, tentou convencê-lo a retornar. Não obtendo êxito, pediu ao velho que, ao menos, deixasse um registro de suas crenças para a civilização que estava abandonada. Lao-tsé, concordando com o pedido, recolheu-se durante três dias e retornou com um magro volume de 5.000 caracteres intitulado Tao Te King, ou O Caminho e o seu Poder. O livro pode ser lido em meia hora ou durante toda a vida, e continua a ser, até os dias de hoje, o texto básico do pensamento Taoísta. Um livrinho de apenas 25 páginas e 81 capítulos. (SMITH, 1991, p. 194) É interessante fazer um paralelo entre Lao-tsé e Confúcio. O Velho Mestre não pregava, não orga- nizava, nem promovia. Escreveu algumas páginas a pedido, foi embora e não ficou para dar respostas. Confúcio teve que infernizar príncipes e barões tentando um cargo administrativo para pôr em prática as suas ideias. Alguns acreditam que o Tao Te King foi escrito por mais de uma pessoa e afirmam que o livro só alcançou a forma hoje conhecida na segunda metade do século III a.C. Não importa. O Taoísmo hoje está tão presente na cultura que é mais importante a essência das palavras deixadas no Tao Te King. O Tao e seus três significados No Taoísmo tudo gira em torno do Tao, que literalmente significa caminho. Este caminho pode ser entendido de três maneiras: o Tao é o caminho da realidade última. É demasiado vasto para que a realidade humana :: possa sondá-lo. De todas as coisas, o Tao certamente é o maior; o Tao é o caminho do universo, a norma, o ritmo, o poder propulsor de toda a natureza, o prin-:: cípio ordenador por trás de toda a vida; o Tao se refere ao caminho da vida humana, quando ela se harmoniza com o Tao do universo. :: O Tao Te King tem sido traduzido como O Caminho e seu Poder. O objetivo do Taoísmo Filosófico é alinhar a vida cotidiana da pessoa ao Tao. O caminho bási- co para fazê-lo é aperfeiçoar uma vida de wu wei. Wu wei significa pura eficácia e quietude criativa. O conceito mais tradicional significa não ação ou inação, mas devemos cuidar para não entender como atitude vazia, ócio. O Taoísmo, na concepção de muitos, implica passividade e não atividade. Para um sábio taoísta, a ação mais importante é a “não ação”. Enquanto Confúcio desejava educar o homem por meio do conhecimento, Lao-tsé preferia que as pessoas permanecessem ingênuas e simples, como crianças. Enquanto Confúcio ansiava por regras e sistemas fixos na política, Lao-tsé acreditava que o homem deveria interferir o mínimo possível no desdobramento natural dos fatos. Confúcio queria uma 42 | As grandes religiões II administração bem ordenada, mas Lao-tsé acreditava que qualquer administração é má. “Quanto mais leis e mandamentos existirem, mais bandidos e ladrões haverá”, diz o Tao Te King. O Estado ideal de Lao-tsé era a pequena comunidade (a aldeia ou a cidade pequena) que, segundo ele, já existia nos tempos antigos. Ali as pessoas viviam em paz e contentes, sem interesse em guerrear contra seus vizinhos, como fizeram mais tarde as províncias chinesas. O líder devia ser um filósofo, e sua única tarefa era que sua passividade e seu distanciamento servissem de exemplo para os outros. Praticar a caridade não tem sentido para um Taoísta. Mas ele tem uma boa vontade sem limites para com os outros, sejam eles bons ou maus. Alguns trechos do Tao Te King Para pensar um pouco, veja algumas das ideias de Lao-tsé ao escrever o Tao Te King. A pessoa precisa deixar o Tao fluir para dentro e para fora de si mesma, até toda a sua vida se tornar uma dança na qual não há febres nem desequilíbrios. Wu wei é a vida vivida acima da tensão: Encha a tigela até a borda E ela vai derramar Fique sempre afiando a faca E ela vai cegar Wu wei é a materialização da maleabilidade, da simplicidade, da liberdade – uma espécie de pura eficácia na qual não se desperdiçam movimentos em discussões ou exibições externas. A pessoa pode caminhar tão bem que nunca deixa pegadas Falar tão bem que a língua nunca comete deslizes, Calcular tão bem que não precisa de ábaco. (cap. 27) Uma eficácia dessa ordem obviamente exige uma capacidade extraordinária, o que é transmitido pela lenda taoísta do pescador: com um simples fio, ele conseguia puxar para a terra peixes enormes, porque o fio havia sido fabricado com tanta perfeição que não tinha um “ponto fraco”. A capacidade ta- oísta raramente é notada porque, vista de fora, wu wei – nunca forçando, nunca sob tensão – parece não exigir praticamente nenhum esforço. O segredo está na maneira pela qual ele busca os espaços vazios na vida e na natureza, e se move por meio deles. A água era o paralelo mais próximo ao Tao do mundo natural. Era também o protótipo do wu wei. Os chineses observavam a maneira pela qual a água se adapta ao ambiente e procura os lugares mais baixos. Por isso: O bem supremo é como a água, Que alimenta todas as coisas sem esforço. Ela se contenta com os lugares baixos, que as pessoas desdenham. Por isso, ela é como o Tao. (cap. 8) Mas a água, apesar de se acomodar, tem um poder que não é conhecido pelas coisas duras e que- bradiças. A água abre caminho além das fronteiras e por baixo dos muros divisórios. Seu fluxo suave acaba dissolvendo as rochas e levando embora as orgulhosas montanhas que pensamos eternas. 43|As grandes religiões II Nada no mundo É tão suave e maleável como a água No entanto, para dissolver o duro e inflexível Nada a suplanta. O suave supera o duro; O gentil supera o rígido. Todos sabem que isso é verdade, Mas poucos o põem em prática. A pessoa que incorpora estas virtudes, diz o Tao Te King, “trabalha sem trabalhar”. Ela age sem tensão, persuade sem argumentação, é eloquente sem floreios e alcança resultados sem violência, coerção ou pressão. Enquanto o agente mal seja percebido, sua influência é de fato decisiva. Quando o bom líder governa, O povo mal percebe que ele existe. O bom líder não fala, age. Quando ele termina o trabalho, O povo diz: “fomos nós que fizemos sozinhos”. (cap. 17) Uma última característica da água, que torna apropriada sua analogia com o wu wei, é a clareza que ela alcança ficando parada. “Água lodosa