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Fernão Veloso, voltaram os batéis para as naus, e foram os navegantes refletindo na maldade daquela gente e na falta de notícias a respeito do cami...

Fernão Veloso, voltaram os batéis para as naus, e foram os navegantes refletindo na maldade daquela gente e na falta de notícias a respeito do caminho da Índia, que procuravam. (2) “Largamos o pano”; “fizemo-nos de vela”, segundo a linguagem náutica, isto é, continuamos a navegar. DISSE ENTÃO A VELOSO UM COMPANHEIRO, (Começando-se todos a sorrir): “Ó lá, Veloso amigo, aquele outeiro É melhor de descer, que de subir?” “Sim, é, responde o ousado aventureiro; Mas quando eu para cá vi tantos vir Daqueles cães, depressa um pouco vim, Por me lembrar que estáveis cá sem mim.” Disse então (1) a Veloso um companheiro – começando todos a sorrir-se: “Olá! Veloso amigo, aquele outeiro é melhor de descer que de subir (2)?” “É, sim! – respondeu o ousado aventureiro – mas, quando eu vi para cá virem tantos daqueles cães (3), vim um pouco depressa (4), por me lembrar que estáveis cá sem mim.” (1) Depois de estarem a bordo das naus, entraram os soldados a conversar sobre o perigo em que estivera Fernão Veloso, comecando um deles com os seus ditos a provocar o riso dos outros. (2) “Melhor de descer…”; não contendo novidade esse dito, havia nele engraçada ironia: Veloso subira o monte devagar, confiado em si; descera depressa, porque vinha fugindo. (3) Epíteto para deprimir aquela “bruta gente”. (4) “Vim depressa…”, resposta de ironia também engraçada: o aventureiro vinha a correr para acudir aos seus companheiros, não era para fugir dos pretos. Sobre o epíteto “aventureiro”, cf. V, 31 nota. CONTOU ENTÃO, QUE TANTO QUE PASSARAM Aquele monte, os negros de quem falo, Avante mais passar o não deixaram, Querendo, se não torna, ali matá-lo; E tornando-se, logo se emboscaram Por que, saindo nós para tomá-lo, Nos pudessem mandar ao reino escuro, Por nos roubarem mais a seu seguro. Contou então Veloso que os negros de quem falo (1) – tanto que [apenas] passaram aquele monte – não o deixaram passar mais avante (2), querendo matá-lo ali, se ele não tornasse [voltasse] para trás. E tornando ele [e como ele voltasse para trás], os pretos emboscaram-se logo, por que [para que], saindo nós [quando fôssemos buscá-lo] para tomá-lo, nos pudessem mandar ao escuro reino (3), por [para], mais a seu seguro, nos roubarem. (1) Vasco da Gama, falando com o rei de Melinde, refere-se aos pretos que tinham ido à praia, e que Veloso acompanhara (est. 30) para ver o “trato da terra” – quais eram os costumes daquela gente, como vivia ela, as suas culturas, as suas habitações, etc. (2) “Não o deixaram”: (histórico) os pretos, logo que passaram um outeiro que os encobria dos navegantes que estavam na praia, não querendo que Veloso lhes visse a povoação, ameaçaram matá-lo se ele não voltasse para trás; voltando ele, foram por outro lado pôr-se de emboscada para apreenderem e roubarem a gente dos barcos, quando esta fosse buscar Veloso. (3) O reino da morte; II, 112; III, 117 e passim; para com mais certeza nos matar. No verso 5, note-se o verbo “tornar” empregado sob forma pronominal (uso clássico, antiquado). PORÉM JÁ CINCO SÓIS ERAM PASSADOS Que dali nos partíramos, cortando Os mares nunca d’outrem navegados, Prosperamente os ventos assoprando Quando uma noite, estando descuidados Na cortadora proa vigiando, Uma nuvem, que os ares escurece, Sobre nossas cabeças aparece. Porém, eram já passados cinco sóis (1) desde que partíramos dali, cortando (2) os mares nunca de outrem (3) navegados, e sopravam os ventos (4) prosperamente (5), quando, uma noite, estando nós descuidados, vigiando (6) na cortadora (7) proa, aparece sobre as nossas cabeças uma nuvem que escurece os ares (8). (1) (Fig.) Cinco dias depois (de largarem a baía de Santa Helena), tinham visto o percurso do sol durante cinco dias. (2) Sulcando, percorrendo, etc. (3) Mares que nunca haviam sido navegados senão por gente portuguesa; I, 1, 27; V, 41 e passim; “outrem” = outra gente. (4) “Assoprando” no texto, desusado hoje na linguagem literária, mas conservado na linguagem popular. (5) Com felicidade; isto é, sendo muito favorável o vento norte (os navios iam para Sul). (6) “Descuidados, vigiando”: os marinheiros vigiavam na proa, mas sem que lhes aparecesse na frente nuvem, sombra de recife ou coisa que lhes inspirasse cuidados, ou receios de qualquer perigo. (7) A parte dianteira do navio, a proa do navio, comparada com um instrumento cortante. (8) Prelúdio da tempestade, que se descreve nas estâncias seguintes, ao passarem o Cabo da Boa Esperança; advirta-se que Vasco da Gama o passou com mar sereno, mas o poeta padeceu aí grande tormenta, e – por licença poética – finge que foi Vasco da Gama quem o presenciou, fantasiando a grande prosopopéia do gigante Adamastor, e que só acaba na est. 60. No verso 2, note-se o verbo “partir” sob forma pronominal (desusado). No verso 4: (“os ventos assoprando”) está empregado o particípio imperfeito – como usavam os antigos clássicos – em vez de modo finito, como é prática atual. TÃO TEMEROSA VINHA E CARREGADA, Que pôs nos corações um grande medo; Bramindo o negro mar de longe brada, Como se desse em vão nalgum rochedo. “Ó Potestade, disse, sublimada! Que ameaço divino, ou que segredo Este clima e este mar nos apresenta, Que mor cousa parece que tormenta?” Essa nuvem vinha tão temerosa (1) e carregada (2), que pôs um grande medo nos nossos corações; o negro (3) mar bradava de longe [a grande distância] bramindo (4), como se desse em vão (5) nalgum rochedo. “Ó sublimada Potestade! (6) – disse eu – que ameaço (7) divino ou que segredo nos apresenta este clima (8) e este mar, que parece mor (9) coisa do que tormenta?!” (1) Pavorosa, causando medo. (2) De cor escura. (3) O mar reflete a cor de escuras nuvens. (4) “Bradava bramindo” (cf. II, 100, “brados”; I, 35, 88; II, 40, “bramar”); o mar rugia com o estrondoso som das ondas nas penedias. (5) “Em vão”, etc; nas cavernas dos rochedos; o estrondo do mar é imenso quando entra pelas cavernas (o vazio, o vão das grandes rochas). (6) “Sublimada Potestade”, excelso poder de Deus. (7) Forma antiga de “ameaça”. (8) (Fig.) céu, abóbada celeste… (9) “Mor” = “maior”; o espetáculo do céu e do mar fazia recear maior perigo do que as maiores tempestades conhecidas. Era a sombra do promontório Tormentoso em que o poeta finge estar transformado Adamastor, um dos gigantes da fábula que pelejaram contra Júpiter. NÃO ACABAVA, QUANDO UMA FIGURA Se nos mostra no ar, robusta e válida, De disforme e grandíssima estatura, O rosto carregado, a barba esquálida, Os olhos encovados, e a postura Medonha e má, e a cor terrena e pálida, Cheios de terra e crespos os cabelos, A boca negra, os dentes amarelos. Não acabava eu de dizer estas palavras, quando no ar se nos mostra uma figura, robusta e válida (1), de disforme e grandíssima estatura; tinha o rosto carregado (2), a barba esquálida (3), os olhos encovados, a postura medonha e má (4), a cor terrena (5) e pálida, os cabelos cheios de terra e crespos, a boca negra e os dentes amarelos (6). (1) Começa aqui a descrição do horrendo monstro, e de menor para maior; orte); logo em seguida “dis

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Os Lusíadas - Edição Didática
503 pág.

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