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ENTRAM NO ESTREITO PÉRSICO, ONDE DURA Da confusa Babel inda a memória. Ali co’o Tigre o Eufrates se mistura, Que as fontes onde nascem têm por glór...

ENTRAM NO ESTREITO PÉRSICO, ONDE DURA Da confusa Babel inda a memória. Ali co’o Tigre o Eufrates se mistura, Que as fontes onde nascem têm por glória. Dali vão em demanda da água pura, Que causa inda será de larga história, Do Indo, pelas ondas do Oceano, Onde não se atreveu passar Trajano. Entram no estreito pérsico (1), onde ainda dura a memória da confusa Babel (2); ali [no pérsico] mistura-se o Tigre com o Eufrates, que têm por glória as fontes onde nascem (3). Dali vão, pelas águas do Oceano, em demanda da água pura do Indo (4) – que ainda será causa de larga história (5); vão pelas ondas do Oceano, onde Trajano (6) se não atreveu a passar. parou; foi isso na antiga cidade de Babilônia, de que apenas há hoje vestígios; quando no golfo Pérsico esteve um dos mensageiros de D. João II; havia memória dessa torre no estreito de Ormuz. (3) “Tigre e Eufrates”: ambos estes rios deságuam no golfo Pérsico, formando uma só corrente, pouco antes de nele entrarem; nascem ambos na Turquia, mas, segundo a lenda, as nascentes (as fontes) destes rios eram no Paraíso terrestre – do que os habitantes alardearam glória. (4) “Dali”, etc; do estreito de Ormuz, o mensageiro Pero da Covilhã foi à foz do rio Indo – cuja água era considerada pelos habitantes a mais pura; e dirigiu-se para Calecut. (5) “Que ainda será causa…”; Vasco da Gama diz estas palavras em modo de profecia vaticinando os feitos heróicos dos portugueses, que seriam objeto de extensa história. (6) Imperador romano (98–117) que venceu os partos (Pérsia); disse o poeta (I, 3) que havia de cantar ações de portugueses mais heróicas do que as de Ulisses, etc., e de Trajano; aqui mostra que Trajano chegou à Pérsia, mas não se atreveu a ir mais adiante – não chegou ao Indo. Note-se que no texto dá-se esta viagem pelos dois mensageiros de D. João II, mas à India foi somente Pero da Covilhã, tendo-se, em Adem, separado de Paiva, que foi morrer no Cairo. No verso 4, o poeta coloca o paraíso terreal na Armênia, onde nascem o Tigre e o Eufrates – os quais, segundo a Bíblia, têm as suas nascentes (= fontes) no Éden; esta mesma opinião é seguida em III, 72; mas em IV, 70 e 74, e em VII, 1, a existência do paraíso é colocada nos montes em que nascem o Indo e o Ganges. VIRAM GENTES INCÓGNITAS E ESTRANHAS Da Índia, da Carmânia e Gedrosia, Vendo vários costumes, várias manhas, Que cada região produz e cria. Mas de vias tão ásperas, tamanhas, Tornar-se facilmente não podia: Lá morreram enfim e lá ficaram; Que à desejada pátria não tornaram. Os mensageiros de D. João II viram as incógnitas (1) e estranhas (2) gentes da Índia, da Carmânia (3) e Gedrosia (4), vendo vários costumes, várias manhas (5), que cada região produz e cria. Mas não se podia [não era possível] tornar [regressar] facilmente de vias tamanhas (6), tão ásperas (7). Enfim lá morreram e lá ficaram, que [pois] não tornaram à desejada pátria. (1) Desconhecidas. (2) Que causavam admiração, estranheza, por serem de costumes não usados na Europa, nunca vistos nela. (3) Antiga província da Pérsia. (4) Província meridional da Ásia Menor. (5) Habilidades, artes, artefatos industriosos. (6) “Vias tamanhas”, tão longos caminhos, de tanta distância. (7) Escabrosas, muito arriscadas, penosas de suportar – ora por mar, ora por terra; tendo de atravessar povos de línguas desconhecidas, de índoles diversas, etc. Afonso de Paiva morreu no Cairo; Pero da Covilhã, depois de visitar Cananor, Calecut e Goa, voltou ao Mar Vermelho, esteve no Cairo, e foi morrer na Abissínia. PARECE QUE GUARDAVA O CLARO CÉU A Manuel e seus merecimentos Esta empresa tão árdua, que o moveu A subidos e ilustres movimentos (Manuel, que a Joane sucedeu No reino e nos altivos pensamentos): Logo como tomou do reino cargo, Tomou mais a conquista do mar largo. Parece que o claro Céu (1) guardava (2) a Manuel (3), e aos seus merecimentos, esta tão árdua empresa (4), que o moveu (5) a subidos (6) e ilustres movimentos (7): Manuel – que sucedeu a João II no reino e nos altivos (8) pensamentos – logo como [logo que] tomou cargo do reino, tomou mais [também] o cargo da conquista do largo mar (9). (1) Fig., o onisciente Deus. (2) Reservava. (3) D. Manuel I (1485–1521). (4) A empresa da descoberta do caminho da Índia. (5) Incitou. (6) Sublimes. (7) Nobres ações. (8) Briosos. (9) Em 1496 subiu ao trono D. Manuel, e no ano seguinte foi a expedição de Vasco da Gama, que está navegando por mares desconhecidos de outrem, “conquistando esses mares”; o que pode significar: visando a conquista das terras banhadas pelo Oceano Índico. O QUAL, COMO DO NOBRE PENSAMENTO Daquela obrigação, que lhe ficara De seus antepassados (cujo intento Foi sempre acrescentar a terra cara), Não deixasse de ser um só momento Conquistado: no tempo, que a luz clara Foge, e as estrelas nítidas que saem, A repouso convidam quando caem; ESTANDO JÁ DEITADO NO ÁUREO LEITO, Onde imaginações mais certas são, Revolvendo, contino no conceito De seu ofício e sangue a obrigação, Os olhos lhe ocupou o sono aceito, Sem lhe desocupar o coração; Porque, tanto que lasso se adormece, Morfeu em várias formas lhe aparece. Como (1) o qual (2) [como ele, D. Manuel] não deixasse de ser, nem um só momento, conquistado (3) do nobre pensamento daquela obrigação que lhe ficara (4) dos seus antepassados, cujo intento fora sempre acrescentar a cara terra portuguesa (5); estando Manuel já no áureo (6) leito no tempo em que a luz clara do dia foge, e em que as estrelas, que saem (7) nítidas, convidam o homem ao repouso quando caem (8); estando no leito – onde são mais certas as imaginações (9) – e revolvendo de contínuo no conceito [espírito] (10) a obrigação do seu ofício de rei, e a do seu sangue (11); o sono, por ele aceito (12), ocupou-lhe os olhos, sem lhe desocupar o coração, porque, tanto que (13) lasso (14), se adormeceu (15), apareceu-lhe Morfeu (16) em várias formas. (1) As duas estâncias formam um só período gramatical; eis o resumo: sendo ele (D. Manuel) assaltado a todo o momento pelo pensamento de aumentar o território português, e estando por isso acordado toda a noite a cogitar…, por fim, de madrugada, adormeceu e sonhou (o sonho vem contado na estância 69 e seguintes). (2) “Como” = porque; “qual” = ele (Manuel, citado nos versos 2 e 5 da estância precedente); note-se o hipérbato: no texto “o qual, como”; vê-se, nos versos seguintes, que o rei estivera toda a noite acordado, porque tivera sempre o pensamento ocupado nas suas obrigações de rei, imaginando como havia de engrandecer o país, até que de madrugada adormeceu. (3) Dominado (do = pelo). (4) Herdara. (5) A amada pátria. (6) Vasco da Gama, na sua narrativa, engrandece a riqueza de Portugal, dizendo que é de ouro o leito do rei. (7) As estrelas saem (= surgem) nítidas (= brilhantes, bem visíveis). (8) As estrelas no seu movimento aparente, quando chega a madrugada, caem no hor

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Os Lusíadas - Edição Didática
503 pág.

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