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Jornal Crítica Espírita ANO II - 2016 Janeiro (#13) 01 - (Dora Incontri) O diálogo e o problema do ego - sobre o diálogo e o problema do ego, cuja abordagem representa bem nossa filosofia, de que o diálogo sincero, aberto, não-vio- lento e empático é a única forma de construir algo de modo sólido e efetivo. 02 - (Lizarbe Gomes) Magnetismo Crítico - demonstra como a capacidade de Kardec em dialogar, em perceber a pertinência da crítica e das contribuições alheias, permitiu-lhe dar ao espiritismo um lastro científico e filosófico muito mais robusto e interessante, o que não ocorreria se tivesse se fechado em seus próprios pensamentos. 03 - (Bernadete Faé) analise a novela "Além do Tempo" Fevereiro (#14) 01 - (Raphael Faé) Corrupção, ética e espiritismo - necessidade de romper com o pensa- mento que não enxerga solução para os problemas do passado (dialogo com Raymundo Faoro) 02 - (Adilson Mota) A VONTADE E O PODER DO MAGNETIZADOR* (Nov 2015) 03 - Opinião - Uma reportagem da Folha de São Paulo, intitulada Grávidas com zika fa- zem aborto sem confirmação de microcefalia*, de 31.01.2016, noticia o que qualquer um conectado com os temas sociais e espíritas já esperava: que a mera suspeita de possível má-forma- ção fetal, por causa do vírus zika, levaria futuras mamães a abortar. 04 - Entrevista - Alexandre Fontes da Fonseca (Física Quântica) Março (#15) 01 - (Felipe Sellin) A Mulher e o Espiritismo - interessante análise da relação entre espiri- tismo e mulher. 02 - (Raphael Faé) Opinião - sobre Geni e o Zepelin e a sociedade patriarcal 03 - (Raphael Faé) Violência contra a Mulher 04 - (Raphael Faé) Opinião sobre aborto 05 - Entrevista - Izaulina Maria Soares Abril (#16) 01 - (Carlos Friedrich Loeffler) As Duas Edições de “O Livro dos Espíritos” - traz aponta- mentos sobre as duas edições de “O Livro dos Espíritos” 02 - (Bernadete Faé) Opinião - convicções sobre a pertinência de Kardec 03 - (Cássio Drumond Magalhães, Salatiel Brasileiro, Felipe Sellin)Diferentes visões sobre o processo de impeachment da Presidente da República, Dilma Rousseff. 04 - (Associação Brasileira de Pedagogia Espírita) Espíritas em defesa da democracia Maio (#17) 01 - (Laísa Emanuele) CONSCIÊNCIA POLÍTICA COMO EXERCÍCIO DE ALTERIDADE - proposta espírita para um mundo melhor, construído por pessoas emancipadas. 02- (Raphael Faé) demonstra que o mantra “espiritismo e política não combinam” só vem do desconhecimento do sentido profundo da política e do espiritismo. 03 - (Raphael Faé) Ponto de Vista - que analisa o conceito de trabalho trazido pelos espí- ritos da codificação, como “toda ocupação útil”, com a compreensão ordinária de trabalho. 04 - (Raphael Faé) Sobre um grupo de leitura 05 - Entrevista - Lino Petelinkar Junho (#18) 01- (Raphael Faé) A Responsabilidade Espírita na Era da Informação 02 - (José Marcus Baptista) Que sentido tem a mídia para o espiritismo 03 - (Adilson Mota) REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA DO PASSE NAS CASAS ESPÍRI- TAS 04 - (Felipe Sellin) 9 CANAIS COM CONTEÚDO ESPÍRITA QUE VOCÊ PRECISA CO- NHECER! Junho (#19 - Especial Direitos Humanos e Espiritismo I) 01 - (Adriano Medeiros) Espiritismo, direitos humanos e o ‘E(e)spírito’ de Rousseau” - traça uma linha entre o mentor da revolução francesa e o espiritismo, e enfatiza a neces- sidade de o espiritismo protagonizar a promoção da dignidade da pessoa humana, reto- mando o paradigma do espírito como essencial para a compreensão do ser humano. 02 - (Mônica Paulino Lannes) DIREITOS HUMANOS E A CONSTRUÇÃO DE OUTRA SOCIABILIDADE – MUNDO DE REGENERAÇÃO - faz uma apresentação histórica e crí- tica dos direitos humanos e sua importância para que, concretamente, possa surgir uma sociabilidade regenerada, o que não acontecerá sem lutas e escolhas. 03 - (Ana Vargas) DIETA ESPECIAL: NECESSIDADE DA REFORMA ÍNTIMA PELO MAGNETIZADOR 04 - (Bernadete Faé) ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS Agosto (#20 - Especial Direitos Humanos e Espiritismo II) 01 - (Eduardo Ferreira Valério) DIREITOS HUMANOS NOS PRESÍDIOS: O QUE OS ES- PÍRITAS PODEM FAZER? - trata de uma temática que ainda deve vencer muitos precon- ceitos, especialmente no movimento espírita: a questão carcerária. 02 - (Marco Antônio Lucindo Bolelli Filho) OS EXTREMOS DOS DIREITOS HUMANOS: A JUSTIFICAÇÃO DA MISÉRIA E A SUA SUPERAÇÃO - nova abordagem sobre direitos humanos, mais que discurso e legislação, é algo a ser vivenciado, deve integrar a vida e, para isso, é necessário repensar o que é efetivamente importante para nós. 03 - (Bernadete Faé) ENVELHECIMENTO - trata de um grupo social muito vulnerável: os idosos. De modo objetivo, ela evidencia aspectos dessa fase da vida e propõe a necessi- dade de o movimento espírita se dedicar a este tema e de exigir o respeito aos direitos estabelecidos no Estatuto do Idoso. 04 - (Franklin Félix) Um olhar sobre o novo-velho movimento espírita: por um movimento mais diverso e menos heteronormativo Setembro (#21) 01- (JCE) “Opinião” conta com um texto sobre o impedimento de Dilma Rousseff 02 - (Raphael Faé Baptista) Brasil, Corações de Ferro, Pátria da Violência sobre a ima- gem messiânica que Humberto de Campos delineia em “Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho”. 03 - (Heleno José Vidal) UM PAÍS EM CONSTRUÇÃO - faz uma análise espírita e crítica sobre a independência do Brasil. 04 - (Bernadete Faé) aborda as próximas eleições municipais e a atenção que todo cida- dão consciente deve ter antes de votar. Outubro (#22) 01 - (Dora Incontri) KARDEC CODIFICADOR? 02 - (Adriano Medeiros) A DECADÊNCIA DA ARTE COMO ESPELHO DA DECADÊNCIA DA SOCIEDADE - reflexões e indagações sobre a relação entre arte e es- piritismo, e seus reflexos sociais. 03 - (Miguel Rios) PAGÃO, POLITEÍSTA E ESPÍRITA. GOSTEM OU NÃO! Ao falar sobre sua espiritualidade e sua relação com o espiritismo, o autor coloca no papel toda a pu- jança de seu mundo interior, de suas crenças e sua afetividade, assim como desmascara a face opressora da religiosidade cristã ocidental. 04 - ENTREVISTA - Alessandro Cesar Bigheto Novembro (#23) 01 - (Felipe Sellin) O Mito da Democracia Racial e o Espíritismo - faz interessante relação entre o mito da democracia racial e o discurso contido na obra “Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho”. 02 - (Ana Fiori, Cynthia Santos) A quem serve a miséria institucionalizada? 03 - (Sócrates Pereira Silva) As vozes de uma nova Era - conforme textos de Kardec e da espiritualidade superior, de uma geração de jovens, mas composta por espíritos já caleja- dos por muitas experiências reencarnatórias, que não mais aceitam os horizontes morais de um planeta de provas e expiações e clamam pelo novo. 04 - Entrevista - Mãe Valda de Piripama, yalorixá do Ilê Asé Sango Ayra Ibona (Candom- blé) Dezembro (#24) RECAP #13 Janeiro de 2016 1 O Diálogo e o Problema do Ego O Diálogo e o Problema do Ego #13 Janeiro de 2016 2 Editor Raphael Faé Baptista Editoração: Felipe Sellin Colaboram nessa Edição: Bernadete Faé Dora Incontri Lizarbe Gomes Raphael Faé Baptista Interaja conosco, sua opinião é muito importante para nós: criticaespirita@gmail.comQUADRINHOS #13 Janeiro de 2016 3 EDITORIAL O jor- nal Crítica Espírita completa um ano de vida, e não é possível expressar, com palavras, nossa felicidade com essa conquista. Há aproximadamente três anos, Felipe Sellin e eu vínhamos conversando e amadurecendo a ideia sobre como iniciar um movimento que pudesse colocar o espiritismo no centro dos debates da sociedade contemporânea. Mas não do modo como a maioria das mídias e imprensas espíritas normalmente o fazem, cujos discursos parecem aquém da verdadeira capacidade que o espiritismo tem de respon- der às graves questões de nosso tempo e, em alguns casos, assumindo uma feição conserva- dora e legitimadora de injustiças e de misérias morais e materiais. Dessas conversas, que expressavam a indigna- ção com este mundo e com o modo como o espiritismo era subaproveitado ou utilizado para manutenção do status quo, surgiu este jornal. Gestado na Associação Jurídico Espírita do ES, na tentativa de agregar esforços e onde encontramos ressonância para a proposta, o jornal, ao longo de 2015, transcendeu as im- portantes abordagens de cunho jurídico- espírita, e a tendência natural foi encontrar seu caminho próprio, abrindo-se para novas visões e abordagens. Desse modo, se o leitor encontra aqui alguns textos mais contundentes ou algumas visões diferentes das demais mídias espíritas, é por- que nossa proposta é realmente a de gerar o debate e a reflexão acerca da sociedade e do espiritismo, com responsabilidade e ética, tirando-o do marasmo, do dogmatismo e do "lugar-comum" onde foi encerrado pelo movi- mento espírita brasileiro ao longo das últimas décadas, obviamente com as devidas exceções. Por isso, em 2016 continuaremos com o olhar atento à nossa realidade absurda e sofrível e à nossa sociedade opressora, violenta e desi- gual, pois, enquanto for assim, enquanto ti- vermos a capacidade de fazer o melhor, mas fizermos o que há de mais deprimente e de- gradante, o espiritismo continuará sendo im- portante ferramenta para a superação das mazelas que nos afligem, e a crítica continuará sendo o meio mais eficaz para cumprir essa missão. Para este ano, teremos algumas mudanças, para melhor, mas que virão apenas a partir de Fevereiro e de Março. Esperamos que o leitor aprecie. Abrindo o ano, na matéria da capa, reproduzi- remos um artigo de Dora Incontri sobre o diálogo e o problema do ego, cuja abordagem representa bem nossa filosofia, de que o diálo- go sincero, aberto, não-violento e empático é a única forma de construir algo de modo sólido e efetivo. Na coluna Magnetismo Crítico, con- tamos com interessante texto de Lizarbe Go- mes, colaboradora do Jornal Vórtice, que de- monstra como a capacidade de Kardec em dialogar, em perceber a pertinência da crítica e das contribuições alheias, permitiu-lhe dar ao espiritismo um lastro científico e filosófico muito mais robusto e interessante, o que não ocorreria se tivesse se fechado em seus pró- prios pensamentos. Na coluna Crítica Mediú- nica, o leitor encontrará uma pertinente análi- se de Bernadete Faé, nossa nova colaboradora, sobre a novela "Além do Tempo", que se en- cerrou há alguns dias. Finalizando, desejamos aos leitores e parcei- ros um excelente 2016, um ano que, se depen- der de nós, não faltarão debates, críticas e reflexões, para que daí surja a esperança que precisamos para cumprir a missão de qual- quer espírito encarnado, com relação a si mes- mo e ao seu redor – evoluir. Boa leitura! Raphael Faé Baptista Caras Leitoras e Caros Leitores, #13 Janeiro de 2016 4 Entre os eixos temáticos que trabalhamos na Universidade Livre Pampédia, estão a Comunicação Não-violenta, o diálogo inter-religioso, a educação para a paz. Ora, em todos esses temas, aparece a questão central do diálogo. Trabalhamos com pluralismo, diversidade – que é o diálogo entre diferentes correntes de pen- samentos – e com interdisciplinaridade – que é o diálogo entre diversas áreas do conhecimento. Diálogo que é relação, troca. Diá- logo que é escuta, respeito. Diálo- go que é sobretudo valorização do outro, pensar que podemos apren- der com o outro. Ao mesmo tem- po, nos disponibilizarmos a ensi- nar, de forma clara, não impositi- va e afável. Quem dialoga, de fato, aprende e ensina, influencia e é influenciado. Podemos nos transformar, sem perder a identidade. Porque dialogar não significa impor nossas posições ou aceitar as posi- ções do outro. O diálogo é a aceitação do diferente, sem escândalo, sem desgosto, sem reprovação. Tudo isso, porém, esbarra num problema de fundo: o ego inchado. A vaidade, o orgulho, o empavonamento, a centralida- de em si, o desejo de poder sobre os ou- tros, o desprezo pelo próximo, o desinte- resse em aprender, o sentir-se dono de todas as verdades… essas atitudes, que estão arraigadas no psiquismo humano de forma visceral, impedem que haja um diálogo sincero, despojado, amoroso e enriquecedor entre as pessoas de diferen- tes crenças, de diferentes visões de mun- do, de diferentes áreas do saber. Quem fala demais, compulsiva- mente (e quantas pessoas há as- sim), não escuta, não aprende, não dialoga. Quem despreza os que não pensam igual não enxerga valor nenhum na visão de mundo do outro, não exer- cita a empatia, para compreender por que o outro pensa assim, não se coloca em pé de igualdade, não dialoga. MATÉRIA DE CAPA O diálogo e o problema do ego O diálogo e o problema do ego http://bloguniversidadelivrepampedia.com/2015/10/30/o-dialogo-e-o-problema-do-ego/# #13 Janeiro de 2016 5 Quem tem estruturas mentais muito rígi- das, dogmas muito fechados, e sente-se inseguro de colocá-los em cheque (como dizia Erich Fromm, o fanatismo é fruto da insegurança), tem medo do diálogo, nem finge dialogar, foge de qualquer confronto com suas posições. Quem ironiza demais, usa o ácido da des- construção permanente das posições dife- rentes da sua, demonstra profundo des- dém pelo outro, impedindo o diálogo. Aliás, a ironia congela qualquer conversa. Por tudo isso, em nosso ideário da Uni- versidade Livre Pampédia, está a ideia de “propiciar o encontro entre os seres hu- manos, mas também o cultivo de si”. Não é possível trabalhar o diálogo apenas ci- tando Sócrates e Paulo Freire, Gandhi e Rosemberg (o criador do conceito de Co- municação não violenta). É preciso olhar- se, conhecer-se, analisar-se e ver quais são as posturas nossas, que impedem o diálogo, que canais de empatia, ternura, compreensão, humildade e sabedoria teremos de abrir, para ir ao encontro do outro, de mãos estendidas e coração lim- po, de mente aberta e desejo genuíno de trocar. O diálogo não significa a adoção de um relativismo radical, de achar que tudo está bom, que nada seja reprovável.Mas um certo relativismo sim, é necessário: aquele saudável, que aceita o questionamento, embora não se recuse a alguma conclusão possível. Nem significa o diálogo uma extinção do espírito crítico, ferramenta indispensável para a melhoria da sociedade, para o de- bate das ideias e para a progresso do pen- samento. Mas justamente quando há diá- logo real, a crítica é exercida com cuidado e o melindre não entra em cena. Difícil tudo isso? Sim! Mas possível, ne- cessário e urgente! Dora Incontri é educadora, jornalista e escritora; autora de mais de 20 obras pu- blicadas. Mestre, doutora e pós-doutora em história e filosofia da educação pela USP. #13 Janeiro de 2016 6 O século XIX caracterizou-se pelo avanço científico (importantes descobertas em várias áreas do conhecimento, progressos nos transportes, comunicações, novas formas de lazer), pela diversidade do pen- samento filosófico e político, por profun- das transformações sociais e econômicas resultantes da Revolução Industrial e da consequente urbanização. Naquela época, Paris, a cidade-luz, era o centro para o qual convergiam a atenção e o interesse dos mais eminentes pesquisa- dores dos mais diferentes ramos do saber. Era lá que publicavam suas teses e, por conseguinte, ela era importante centro irradiador de cultura e de conhecimento. A efervescente Paris oitocentista era, por- tanto, sede de importantes publicações como livros, jornais e revistas, veículos de propaganda de diferentes correntes de pensamento. Certamente por essa razão que, na capital francesa, eram também editados o Jornal do Magnetismo (desde 1845) e a Revista Espírita (desde 1858). Ambos se propunham a ser tribunas atra- vés das quais os mais renomados pesqui- sadores mantinham contato, revelavam resultado de suas experiências, promovi- am debates em torno dos temas mais pal- pitantes da época. Nas páginas do Jornal do Magnetismo, por exemplo, podemos observar a impor- tante repercussão, todo o impacto do sur- gimento do Espiritismo e os acendrados debates que provocou entre os magnetiza- dores, que já vinham se dedicando com afinco e há vários anos, ao estudo do mag- netismo, suas características, aplicações e implicações. Obviamente muitos deles apoiavam e aceitavam as idéias trazidas pelo Espiritismo nascente, incentivando com gosto o seu estudo. Nota-se, porém, que outros tantos recebiam estas idéias com bastante reserva e até mesmo muita desconfiança. Os temas apresentados pelos espíritas que geravam mais contro- vérsias eram: a comprovação da existên- cia dos espíritos, a possibilidade de comu- nicação com eles; a verificação da autenti- cidade destas comunicações; o fato de muitos fenômenos nos quais se afirmava a ação de seres espirituais acontecerem na obscuridade; a interferência dos espíritos nos fenômenos de sonambulismo; a re- muneração dos médiuns; a definição quanto ao Espiritismo ser ou não uma nova religião. Como o Jornal do Magne- tismo foi publicado até 1861, seus colabo- radores acompanharam atentamente os primeiros passos da recente doutrina, com base no Livro dos Espíritos, lançado em 1857 e nos artigos publicados na Re- vista Espírita, bem como através dos inú- meros fenômenos ocorridos em diversos locais, relatados e enviados diretamente ao referido jornal. Tanta cautela é com- preensível, tendo em vista que os magne- tizadores vinham se dedicando a um tra- balho nem sempre bem aceito pela comu- nidade científica; pelo contrário, também, eram constantemente alvo de ataques, suspeitas e acusações como fraudes e charlatanismo. Ora, nada mais natural que eles, justamente por haverem experi- mentado a severidade do julgamento alheio, se preocupassem em alertar aos divulgadores da recém-nascida Doutrina Espírita, quanto à importância de se exa- minar cuidadosamente os acontecimentos envolvendo a participação de médiuns e a intervenção de espíritos. Neste sentido, o Barão Du Potet já enfatizava: ”os espiritu- alistas imaginam que o público aceitará toda a doutrina, sem exame e sem provas peremptórias! Eles se enganam! O espiri- Magnetismo Crítico SEMPRE EM BUSCA DA VERDADE SEMPRE EM BUSCA DA VERDADE #13 Janeiro de 2016 7 tualismo assim como o magnetismo deve dar provas e não deixar nenhuma dúvida à respeito dos espíritos e é justamente porque somos espiritualistas que adverti- mos os homens tão confiantes nos mé- diuns, que entre eles há os charlatães, os enganadores, pessoas que simulam admi- ravelmente os fenômenos extraordinários produzidos por agentes desconhecidos. O Espiritualismo, assim como o sonambu- lismo, não está isento disso; muitas pes- soas tem simulado este último estado e o simulam ainda.” (Jornal do Magnetismo, pág.465, 1859). É muito pertinente a pre- ocupação destes estudiosos interessados em bem compreender não só as relações com o mundo invisível mas principal- mente com a autenticidade do fenômeno e as conseqüências morais deste inter- câmbio. Conhecedores da natureza huma- na, já antecipavam o quanto os homens poderiam tirar bom ou mau proveito des- tas práticas, conforme suas conveniên- cias, questão, aliás, que continua a nos inquietar nos dias atuais. Sabiam também que, se bem conduzida, a nova revelação poderia contribuir e muito para a regene- ração da humanidade, colaborando deci- sivamente para sua evolução. Em um século marcado pelo racionalismo, era inadmissível, para eles, o retorno ao fana- tismo, ao obscurantismo, à fé cega. Por isso insistiam na importância do exame criterioso, de tudo submeter à razão. Nes- te sentido, é de supor que os alertas e as críticas dirigidas a Allan Kardec, longe de desestimulá-lo, contribuíram ainda mais para que ele examinasse cuidadosamente as manifestações dos espíritos, identifi- cando e mais ainda, ajudando a identifi- car os abusos e as fraudes, entraves cons- tantes no caminho da verdade. Certamen- te estas advertências foram levadas em consideração e podem ter influenciado na elaboração do “Livro dos Médiuns”, de 1862, obra sabidamente reconhecida pelo cunho de rigor e seriedade no exame da grande variedade das manifestações me- diúnicas e de suas nuances, até então bastante incompreendidas. Nesta obra, de capital importância, estão muitas respos- tas às dúvidas não só dos contemporâ- neos de Kardec mas também dos homens das gerações posteriores. Ali encontramos diretrizes seguras a respeito de como identificar os espíritos, as relações dos comunicantes com as qualidades morais do médium, as oscilações próprias das faculdades mediúnicas, bem como a vari- edade de gêneros de manifestações entre outras tantas questões importantes. Mais uma vez se fez presente o apelo ao estudo constante, ao trabalho sério e equilibrado, à prática da mediunidade com amor, ori- entações que tornam o Livro dos Médiuns indispensável a todos que desejam conhe- cer o fascinante universo da mediunida- de. Posteriormente, mais informações foram sendo trazidas pela Espiritualida- de, paulatinamente, eliminando outras tantas dúvidas e oferecendo mais segu- rançaà prática mediúnica num incessante trabalho em curso ainda nos nossos dias. De tudo isso se extrai os benefícios que o livre exame traz toda a vez que surge um pensamento filosófico. Talvez se Kardec não tivesse sido exigido da maneira como foi pelos acadêmicos da época, se não tivesse sido questionado da maneira co- mo foi, se todas as suas afirmações hou- vessem sido aceitas passivamente, sem discussão, seu trabalho certamente não teria alcançado a dimensão e a qualidade que alcançou e não teria se tornado refe- rência para bem se compreender as rela- ções que se estabelecem ente o mundo físico e o imaterial. Talvez por este moti- vo, por ter tido o bom senso de não rejei- tar as advertências que lhe eram feitas mas, pelo contrário, servir-se delas para fazer um bom trabalho, Kardec tenha escrito, na abertura do Evangelho Segun- do o Espiritismo a sábia afirmação: “Fé inabalável só o é a que pode encarar fren- te a frente a razão em todas as épocas da Humanidade”. Lizarbe Gomes é professora de hitória no Rio Grande do Sul e colabora com o Jornal Vórtice. #13 Janeiro de 2016 8 Opinião "Parece que, na base disso tudo, está a tensão entre liberdade e respeito, entre ser livre para agir e o dever de considerar meu pró- ximo. Por isso, 'sou Charlie Heb- do', porque entendo que a liber- dade, como a de expressão, é uma das maiores conquistas da humanidade [...] e a ironia é fun- damental para dessacralizar regras sociais absurdas e morali- dades ridículas. Porém, também 'não sou Charlie Hebdo', porque acredito que, pareado ao meu direito de me expressar, também devo respeitar o meu próximo, um ser humano tão imperfeito, limitado e per- fectível quanto eu, com sua visão de mundo, seu modo de interpretar a realidade e de se realizar existencialmente. Em ambos os casos, a violência é injustificável, seja a pra- ticada pelos e contra os cartunistas, e fico a pensar se não teríamos ganhado mais, enquanto civilização, se os cartu- nistas assassinados tivessem voltado todo o talento e ca- pacidade para denunciar a hipocrisia e o fundamentalis- mo de nossa sociedade liberal-capitalista e seu terrorismo diário, que produz um batalhão de miseráveis, de prisio- neiros do consumo e do trabalho alienado, os quais cultu- am diariamente o Deus-Dinheiro, ofertando em sacrifício as vidas próprias e alheias." Se numa sociedade caridosa tudo é de todos, se ninguém distribui rou- pas porque ninguém passa frio, se ninguém dá sopa porque não há fo- me, se a existência é um universo de possibilidades para a realização do ser, então o desafio é começar a se indignar com este mundo velho e esquizofrênico, enfrentar suas ques- tões de frente, e deixar de encobrir artificialmente suas dores e defeitos com práticas superficiais e falas ba- tidas. [...] No horizonte cristão, esse enfrentamento é contado na parábo- la do Samaritano. [...] O verdadeiro irmão, o modelo de pessoa caridosa, é aquele que descon- sidera apriorismos, preconceitos, leis e convenções sociais em prol da contingência e da concretude da vida. Para o Samaritano, a única verdade é que a dor, a fome, o anal- fabetismo, a ignorância e a marginalidade alheias são concretas e, portanto, suas também. Para ele, quem mor- reu afogado não foi Aylan, um menino sírio que fugia da guerra, mas seu irmão mais novo, seu filho e, num grau mais elevado, ele próprio. Enfim, o Samaritano sabe que o 'Médicos Sem Fronteiras' é uma instituição fantástica, mas também sabe que o desafio é construir uma socieda- de onde ela não seja mais necessária." Mais uma vez, os cartunistas do jornal Charlie Hebdo explicitaram toda a sua intolerância eurocêntrica contra o dife- rente, revelando o que há de mais mes- quinho e vil a permear as relações indivi- duais e sociais, e como estamos muito mais próximos do nazismo do que do reino de Deus. Na charge acima, de extremo mal gosto, afirma-se que se Aylan Kurdi, o menino sírio que morreu afogado numa praia da Turquia, tivesse sobrevivido, ele cresceria e viraria "apalpador de nádegas de mu- lheres na Alemanha", como referência aos fatos que ocorreram no réveillon da cida- de de Colônia, em que várias mulheres foram atacadas por suspeitos que, em sua maioria, são apontados como imigrantes do norte da África e do "mundo árabe". Com isso, os cartunistas disseram que Aylan viraria um criminoso, mais ou menos como muitos brasileiros se refe- rem às crianças pobres das favelas como "aprendizes de marginal" ou "sementes do mal". Afora toda a xenofobia euro- peia, que adora criar demônios para de- pois sair como herói por tê-los derrotado com o discurso cínico do desenvolvimen- to e dos direitos humanos, esta charge expressa parte da opinião pública euro- peia sobre os imigrantes, e mostra que pouco aprenderam com o século XX, onde os heróis europeus deram ao mun- do duas guerras mundiais, guerras regio- nais, regimes totalitários e ditatoriais, colonialismo, niilismo, esgotamento dos recursos naturais, dentre outras promis- sórias que as gerações futuras terão difi- culdade em pagar. Por isso, convido o leitor a reler as edi- ções de Fevereiro e de Setembro de 2015 do jornal Crítica Espírita, onde se tratou do ataque ao jornal francês e da morte de Aylan Kurdi. São abordagens de como o espiritismo permite uma leitura da socie- dade que rompa com a violência e a hipo- crisia nossa de cada dia. Num mundo que clama pelo diálogo sincero e acolhedor, como assevera a matéria da capa desta edição, parece que temos a oferecer ao mundo muito mais do que imaginamos. #13 Janeiro de 2016 9 Há um bom tempo acontece a veiculação, na mídia, de produções que abordam te- mas espiritualistas. Foram produções inicialmente tímidas, algumas até um pouco bizarras voltadas para o humorísti- co, objetivando exclusivamente divertir o telespectador com boas gargalhadas, evi- denciando significativo amadorismo, uma superficialidade e banalização no trato com as “coisas do além”. Mesmo apresentando enredos mais elabo- rados, histórias mais coerentes, essas produções ainda deixam a desejar, diante de uma análise mais aprimorada que se faz quando se tem o conhecimento do referido tema. Mas não há como ignorar a melhora no enredo dessas produções. A recente e bem sucedida produção abor- dando o tema espiritualista foi a telenove- la “Além do tempo”, de autoria de Eliza- beth Jhin, escritora mineira, nascida em 13 de janeiro de 1949. Elizabeth Jhin, que carrega o rótulo de “autora espírita da Rede Globo”, declarou em entrevista à Federação Espírita Brasi- leira, através da Rede Amigo Espírita, alguns aspectos que caracterizam suas produções, alguns descritos aqui: - “Sempre gostei de trabalhar com novelas com o tema 'espiritualidade'." - “Muitas coisas me motivam a trabalhar com este assunto, principalmente a minha curiosidade e meu encanto sobre ele.” Também declara, na entrevista, que “meus trabalhos não são focados em uma religião específica e que a grande mensa- gem de 'Além do tempo' é que colhemos o que plantamos, ou seja, a lei de causa e efeito e a reencarnação.” Entre outrasdeclarações, Elizabeth Jhin afirma “é buscar o perdão aonde magoou, o amor aonde odiou, fazer o bem para receber o bem de volta.” Quanto à excelente audiência que a nove- la alcançou, declara: “fico muito feliz de saber que a mensagem alcança tantas pessoas.” Ao assistir o último capítulo, muito bem montado por sinal, em uma das cenas, a mãe respondendo à inquietação da filha que se dizia “incapaz de ser feliz e de que- rer o bem para os outros”, a mãe respon- de: “filha, ame mais, odeie menos, o ódio volta para nós e o amor também.” Pode- mos perceber que a autora não desperdi- çou a oportunidade de levar uma boa mensagem. Certamente, caro leitor, esse não seria o modo mais eficaz de ser informado com segurança das tramas que norteiam a solidariedade das existências e o trato com a vida espiritual.. Não! O que gostarí- amos de observar é que, em se tratando de aprendizes num plano de expiações e provas, e ainda, que todos deverão ter acesso ao conhecimento desta realidade, porque não, através de um trabalho as- sim? O que gostaria de chamar a atenção, neste caso, é a possibilidade de “cairmos em tentação”, assumir atitudes radicais que não levaria a lugar nenhum, ou pior, faria com que alguém se desinteressasse pelo assunto e adiasse algo que poderia acon- tecer naquele momento. Muitos chegam ao espiritismo movidos por curiosidade que aquele enredo susci- tou. Certa vez, uma pessoa, ao relatar suas dúvidas em relação ao que tinha visto em uma novela com tema espiritualista, rece- beu de volta a seguinte resposta: “esquece isso, você já começou errado. Onde que novela ensina alguma coisa de bom para alguém?” Não seria esta uma atitude radical? Por que não aproveitar esse recurso? Preparar uma aula atraente, no caso de um grupo de estudos, destacando os pontos a serem pesquisados, estudados? A Mídia Espiritualizada? Crítica Mediúnica A Mídia Espiritualizada? #13 Janeiro de 2016 No caso da telenovela “Além do tempo” podemos destacar três pontos a serem explorados, mas que não diminuiu a bele- za e coerência da obra. Vamos aos pontos: 1º- o fato de os personagens reencarna- rem com os mesmos nomes da existência anterior. Pode acontecer? Pode, mas sem a obrigatoriedade de assim ser. No caso da novela, foi exclusivamente didático para facilitar o entendimento da transição entre uma existência e outra. 2º- a maioria dos casais se reencontraram como casais novamente. Não necessaria- mente isso acontece. Pode-se reencontrar como amigos, parentes, pode ser que não tenha mais a necessidade de se encontrar, dependendo do planejamento para a atual existência, cujo mecanismo a Doutrina Espírita traz esclarecido arcabouço teóri- co, principalmente e primeiramente nas obras que compõe a Codificação Espírita. 3º- no último capítulo, o personagem foi morto por quem ele matara na existência anterior. Mesmo trazido de forma diferen- ciada, agora com um disparo acidental, a ação de tirar a vida de alguém não deve ser repetida. Não retornamos para fazer a mesma coisa, mas para fazer melhor, para progredir, mas que nem sempre consegui- mos. E aí? O que vai acontecer depois? Não seria uma boa oportunidade para estudar sobre a justiça divina, brilhante- mente esclarecida na obra “O Céu e o In- ferno”? Finalizando, o convite é estarmos abertos para novas possibilidades e preparados para esclarecer, sem inibir, sem humilhar. É estudar os postulados espíritas com profundidade sem, no entanto, esquecer de burilar nossos sentimentos e ações. É prestar atenção no que se fala, como se fala e para quem se fala, quando chama- dos a discutir ou dialogar sobre determi- nada postura ou assunto. O convite é que o nosso olhar busque cada vez mais o mundo e as pessoas que nele habita, como seres capazes de produzir coisas boas em todos os lugares. Bernadete Faé é psicóloga e dirigente no movimento espírita. "Então, é possível que tenhamos raiva ou que tenhamos ódio, é possível, sem termos direito para isso. Porque o ódio que sentirmos ou a cólera que alimentemos recai sempre sobre nós, no sentido de doença, de abatimento, de aflição e só pode causar mal, já que deixamos, há muito tempo, a faixa da animalida- de para entrarmos na faixa da razão. Somos criaturas humanas e por isso devíamos sentir a verdadeira fraternidade de uns para com os outros, sem possibilidade de nos odiarmos, porque os irmãos verdadeiros nunca se enraivecem, uns com os outros". Chico Xavier (Mensagem Exibida em áudio original no final da novela) #14 Fevereiro de 2016 1 ANO II—#14 Vitória/ES Fevereiro de 2016 Corrupção, ética e espiritismo #14 Fevereiro de 2016 2 Editor Raphael Faé Baptista Editoração: Felipe Sellin Colaboram nessa Edição: Adilson Motta Felipe Sellin Raphael Faé Baptista Interaja conosco, sua opinião é muito importante para nós: criticaespirita@gmail.com QUADRINHOS #14 Fevereiro de 2016 3 EDITORIAL No último cam- peonato mundi- al de handebol, a seleção holandesa perdeu a final para a Noruega. Mas a equipe da Holan- da fez tanta festa em quadra, pois, apesar da derrota, conquistar o segundo lugar era um feito. Enquanto as equipes comemoravam, cada qual ao seu modo, os comentaristas bra- sileiros enfatizaram que, caso fosse a seleção brasileira derrotada na final, a maioria das pessoas iriam criticar, apontar defeitos, en- fim, iriam menosprezar os esforços realizados e a segunda posição. Isso é um pequeno exemplo para mostrar que os brasileiros estão acostumados a certa ma- nia de grandeza: maior país da América Lati- na e maior economia da região, maior floresta do planeta, maior rio, melhor no futebol, no vôlei, melhor nisso e naquilo. Até mesmo quando está ruim, há a certeza que não há pior. Nossa desigualdade, violência urbana, o latifúndio, etc. são constantemente vistos co- mo os piores do mundo, e a corrupção, em especial, é tomada como o maior de nossos problemas. Essa visão não é recente. Muitos intérpretes do Brasil buscaram encontrar as razões que levaram a existência da confusão entre o pa- trimônio publico e o privado na herança cul- tural do império português. Daí, a "Matéria de capa" deste mês dialoga com Raymundo Fao- ro, um dos mais importantes intelectuais des- sa tradição. Em mais uma contundente críticaà realidade social, o filósofo Raphael Faé Bap- tista mostra-nos a necessidade de romper com o pensamento que não enxerga solução para os problemas do passado. Ao mesmo tempo, apresenta a tarefa do espírita como de constante transformação dele próprio e do meio em que ele está inserido. Segundo o au- tor, há um papel ativo a ser realizado por nós perante uma série de desafios, como a corrup- ção ou mesmo nossa megalomania que impe- de de vermos a imbrincada teia evolutiva em que nós, brasileiros, estamos inseridos. Além disso, os desafios da existência num mundo de provas e expiações ganharam uma nova atenção nos últimos meses com o vírus Zika e sua possível relação com a má forma- ção cerebral do feto de grávidas infectadas. A comunidade médica prevê entre 6 e 15 mil crianças com microcefalia nascendo no brasil até o fim do ano de 2016 em decorrência do vírus. A Zika reacendeu o debate sobre con- trole de natalidade e sobre aborto, temas que devem ser aprofundados pelo movimento espírita, o que é feito na coluna "Opinião". A entrevista deste mês é reproduzida do site “Correio Fraterno”. Eles conversaram com o físico Alexandre Fontes da Fonseca, professor da UNESP, que mostra o abismo existente entre os conceitos e pesquisas da física e o espiritualismo. Ele critica as propostas apres- sadas de articulação e defende que faltam muitos anos para que sejam possíveis estudos experimentais com conceito espirita na fron- teira com a matéria. Portanto, o jornal deste mês traz importantes reflexões, que merecem toda a nossa atenção. Boa Leitura, Os Editores Caras Leitoras e Caros Leitores, #14 Fevereiro de 2016 4 Geralmente, não se parabeniza quem cum- pre seus deveres: pais que educam os fi- lhos, filhos que obedecem os pais, alunos que respeitam o professor, devolver o que pegou emprestado ou o que não é seu, etc. Porém, preocupados ficamos quando o que se deve fazer vira notícia ou é admira- do, pois, assim como marinheiros já não sentem mal-estar com a oscilação das ma- rés, acostumamo-nos com condutas noci- vas e perniciosas a ponto de nem mais nos incomodarmos com elas. Esse é o caso do povo brasileiro que, de tão acostumado com a omissão, o errado, a corrupção, o relativismo moral e o clien- telismo, adquiriu altos níveis de tolerância com a degradação moral que sempre este- ve presente nas relações sociais e políticas brasileiras, e que atualmente tem ocupado a "grande mídia", essa mesma que, por trás das câmeras, participa de conchavos e alianças políticas escusas para manter seus negócios bilionários e, daí, seleciona o que deve ser lido ou assistido nos notici- ários, na internet e nas telenovelas. Agora, o cenário econômico adverso favo- rece um clima geral de insatisfação, onde se percebe que há tributos de mais e quali- dade no serviço público de menos, que há privilégios demais e inclusão e oportuni- dades de menos e, principalmente, que há corrupção e impunidade demais e soluções de menos. Tudo isso é verdadeiro. O problema é que o debate em torno disso é muito limitado, e afeta até as mobilizações populares, que são individualizadas, ambíguas, sem clare- za de objetivos, e não tocam nas mudanças que devem ser enfrentadas: pedem a saída de governantes, como se o problema fosse a pessoa ou o partido político, e não todo o sistema político-eleitoral voltado para agraciar as oligarquias atuais; exigem cres- cimento econômico, evitando o debate sobre o capitalismo, que não resolve os problemas que cria; reclamam por uma saúde e uma educação de qualidade, es- quecendo do poderio da indústria farma- cêutica e que a educação deficiente é ne- cessária a uma sociedade estruturalmente desigual como a nossa; por fim, deman- dam o fim da corrupção, como se fosse uma doença que só atingisse determinadas pessoas, a ser resolvido num estalar de dedos, e não parte constitutiva da forma- ção sociopolítica brasileira. Óbvio que é necessário protestar, manifes- tar e exigir. Mas também precisamos rom- per com esse discurso raso e conhecer um pouco melhor as raízes político-culturais brasileiras, para, então, termos condições refletir sobre as contribuições éticas que o espiritismo lança sobre esse cenário socio- político viciado em que, por mais de cinco séculos, temos vivido e submetido os seres que reencarnam por essas bandas. Na obra Os donos do poder, o jurista e filósofo Raymundo Faoro explica a forma- ção do patronato político brasileiro, da reconquista portuguesa até Getúlio Var- gas. Segundo Faoro, a economia portugue- sa girava em torno do comércio, e não de atividades produtivas, como agricultura ou indústria. O objetivo de vida do português não era produzir por um longo período e construir uma riqueza sólida e sóbria. As- censão social significava enriquecer rapi- damente, da noite para o dia, bastando obter um empréstimo junto ao dono da nação – o rei –, buscar os produtos orien- tais e vendê-los com uma margem de lucro assustadora. Alcançado o sucesso, com- MATÉRIA DE CAPA Corrupção, ética e espiritismo #14 Fevereiro de 2016 5 prava-se um título nobiliárquico para viver como parasita do orçamento público. Falando em orçamento público, em Portu- gal o rei era o proprietário de praticamente todas as riquezas, não havendo diferença entre bens públicos e privados. Esse é o chamado "Estado patrimonial". Daí, as relações com o poder político não eram de confiança e de respeito, mas de submissão e servilismo, favorecendo mais os bajula- dores de plantão do que os merecedores de reconhecimento. Faoro ainda argumenta que a estrutura política portuguesa era estamental. O esta- mento é uma casta absoluta e impenetrá- vel, com seu regime jurídico próprio, for- mada por um grupo de dirigentes e servi- dores, juristas e burocratas, que assessora- vam o Rei e cuidavam dos negócios reais. O Brasil assume essa visão de ascensão social, de relação entre bem público e o privado e de funcionamento do Estado. Há uma crença de que a ascensão social é fru- to da ocasião, e não do trabalho duro, a ponto de profissões braçais serem social- mente menos consideradas: prefere-se ser um médico mediano e pobre a um marce- neiro reconhecido e rico. Na gestão da coisa pública e na base da estrutura políti- ca mandavam, e ainda mandam, o patri- monialismo e o estamento, na relação pro- míscua entre um Estado gigantesco e seus dirigentes, os quais sempre tiveram nas mãos a tutela da nação e do povo, dando os contornos jurídicos e administrativos exigidos pelos ventos políticos e econômi- cos. Então, para produzir um país como o Bra- sil, o primeiro ingrediente foi herdar a pesada estrutura de poder patrimonialista, do Rei como o grande empresário da na- ção, acompanhado da casta estamental para organizar os negócios do Estado. Não adicione os imperativos das relações con- tratuais, de direitos e deveres recíprocos, pois a relação não é entre iguais, mas entre autoridades e súditos. Não coloque nenhu- ma pitada de Revolução Francesa, pois a autoridade é explicada em si mesma, e não emfunção do interesse público, nem de enriquecimento através do trabalho duro, intelectual ou manual; unte a fôrma com a ideologia de ascensão social fundada nas facilidades do favor, da ocasião ou do su- borno, pois o trabalho é para ingleses, franceses, holandeses e, no nosso caso, escravos negros; mantenha essa mistura no fogo baixo da hipocrisia política e social e do analfabetismo por cinco séculos; ao final, adicione educação deficiente e falta de cultura pela leitura e pelo debate. Daí, ainda hoje permanece a humilhação das senzalas, nas favelas, que aparecem nas telenovelas como algo bom, cultural, e não como um lugar a ser dotado de infra- estrutura minimamente decente; perma- necem os navios negreiros, nos ônibus abarrotados rasgando os mares das grande cidades em viagens longas e cansativas, já que a senzala moderna não fica mais no quintal da Casa Grande; permanecem a exploração social, a desigualdade e a vio- lência, frutos do banditismo de uma aris- tocracia ociosa e de uma gangue política. Como resultado, milhares de leis não são cumpridas, pois uma coisa é o Brasil- Estado, imaginado pelos dirigentes, outra coisa é o Brasil-Nação, real, cotidiano. Por isso, há a sórdida cultura do "sabe com quem está falando?", pois a autoridade pública não está aí para servir, mas para ser servida. Por isso, setores do funciona- lismo são agraciados com mordomias re- pugnantes. Por isso, servidores públicos e particulares desviam verba pública, pois o dinheiro público não é um bem coletivo, mas para o mais esperto colocar no bolso. Por isso, membros dos poderes legislativo e executivo, de qualquer partido político, brincam de joguinhos de poder, observa- dos à distância por um judiciário omisso e fraco, onde o que importa é se utilizar da máquina pública e da imprensa para a garantir a permanência no poder, e não em discutir os grandes temas da nação. Nesse contexto, a sensação que cada um de nós nutre é de impotência e desânimo para fazer algo. Mas é aqui que nos enganamos, e esse engano reside em esperarmos muito das classes dirigentes, quando essa mesma classe, nas diversas civilizações e países, sempre esteve mais próxima da manuten- ção de uma determinada ordem de coisas do que da mudança para o melhor. No Brasil, o estamento de ontem, que legi- timou a escravidão do índio e do negro, que submeteu o povo à disciplina dos "coronéis" e seus jagunços, que comprou, estocou e queimou sacas de café para ga- rantir a economia cafeeira, que fez coro às ditaduras de Vargas e a militar, é o mesmo que hoje mantém este país num atraso social, econômico e moral absurdos, sem solução para problemas sociais relativa- mente simples, mas garantindo o paga- mento de juros para o mercado financeiro. #14 Fevereiro de 2016 6 O estamento de hoje, que conta obviamente com pessoas boas e bem-intencionadas, é a classe política e jurídica de um modo geral que, usando e abusando do dinheiro públi- co, está na "direção" desse País, ainda que o leme esteja voltado, há séculos, para o próprio umbigo. Mudam regimes, pessoas e partidos políticos, e a situação continua a mesma. Diante desse cenário sociopolítico decaden- te e esquizofrênico, parecendo mais um paciente em fase terminal, a pergunta fun- damental é: num contexto moral tão degra- dante, qual deve ser a ética do espírita? No que o espiritismo pode contribuir no debate sobre as melhores formas de convivência humana? Indo direto ao ponto: é a ética do enfrenta- mento e da luta pela transformação. Confor- me apontam os espíritos da codificação, um dos objetivos do espiritismo é reformar as instituições1, ou seja, elas estão erradas e precisam ser repensadas. Além disso, os objetivos da encarnação é fazer o espírito chegar à perfeição e de concorrer para a obra da criação(2), e o da reencarnação é permitir o melhoramento progressivo da humanidade(3). Portanto, o espiritismo traz ao debate é a necessidade ética de se opor às injustiças e incorreções da cultura e da moral de um tempo, ainda que isso seja agir como uma voz no deserto ou como um louco. Assim, reencarnar numa sociedade guerreira im- põe ao espírito a ética de promover a paz; se entre ladrões, a ética de viver honestamen- te; se num tempo de covardia, é para de- monstrar coragem para enfrentar as situa- ções; se num a época de vazio existencial, é para apresentar uma realidade mais profun- da e interessante; se num ambiente de cor- rupção e torpeza, é para viver a correção e a honradez. Essa ética espírita do enfrentamento e da transformação é anárquica e poderosa, e não depende de Estado, de lei ou de autori- dades constituídas. Mas demanda várias coisas. Vou elencar duas: Primeira, demanda a compreensão profun- da do amor - amar com generosidade e energia, para que a luta por direitos não se converta em espírito de guerra -, e da reen- carnação - em conceber a existência terrena em seu complexo temporal, de ver a história atual a partir do passado e do futuro, onde receberemos, de nós mesmos, aquilo que hoje estamos dando. Segunda, o exemplo pessoal é fundamental. Aqui, é de pouca validade gritar em redes sociais contra polí- ticos e empresários corruptos se você é tão corrupto, mentiroso, autoritário e antiético quanto eles. Assim, a descrença em nossa capacidade de transformar reside na ignorância da revolu- ção social que a mudança de baixo para cima é capaz de gerar, principalmente se fundamentada no amor ativo, na visão soci- al da reencarnação e no exemplo pessoal. Para ficar claro: a ética que o espírita quer para a sociedade deve estar nele, deve per- mear todas as suas relações com o mundo e as pessoas. E essa sociedade, uma vez reno- vada, agirá sobre outros indivíduos, como bem sintetiza Herculano Pires: "a renovação do homem implica a renovação social, mas desde que o homem renovado se empenhe na transfor- mação do meio que vive, sendo esta, aliás, a sua indeclinável obrigação" (PIRES, 1950). Já advertia Maquiavel que a Roma Antiga se manteve de pé quando a corrupção circula- va apenas entre os políticos, pois a popula- ção era sadia. Bastou a corrupção chegar ao povo para que, daquela civilização, restas- sem apenas escombros. Para nós, isso é um alerta. As sociedades mundiais, e a brasilei- ra, sobrevivem por causa de uma ética diá- ria que cada um de seus habitantes possui e exerce em seu cotidiano, e não há dúvidas em dizer que a maioria é boa, quer o melhor e que sua voz precisa ser ouvida. Em tempos em que a torpeza moral está tão generalizada, e em que admiramos quem nada mais faz que a obrigação, o exemplo romano é um aviso antes da derrocada final. A notícia boa é que a derrocada poderá ser das estruturas sociopolíticas injustas e ar- caicas e de quem lhes dá sustentação, para que, daí, surja o novo e o melhor, que virá daqueles que, na medida das possibilidades, quiserem e fizerem o novo e o melhor. Raphael Baptista Faé é Mestre em Filo- sofia, bacharel em direito e servidor públi- co. Referencias BAPTISTA, Raphael Faé. Estado e política à luz do espiritismo, p. 149-192. In Direitos contemporâneos e espiritismo. Sollidum editora, 2014. FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Ed. Globo, 2001. KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. FEB. PIRES, J. H. Prefácio de: MARIOTTI, Hum- berto. Dialética e Metapsíquica. Editora Édipo, 1950. #14Fevereiro de 2016 7 Magnetismo Crítico Sabe-se que papel capital desempenha a vontade em todos os fenômenos do mag- netismo. (...) A vontade é atributo essenci- al do Espírito, isto é, do ser pensante – Allan Kardec Quando Jesus caminhou sobre as águas seguindo em direção ao barco onde se en- contravam alguns dos seus discípulos, ele exercitava naquele momento o poder da sua fé. Essa fé se baseou em dois aspectos: querer e confiar. Um querer com firmeza não representando um desejo superficial, mas sim um movimento dinâmico que vem de dentro com força e convicção. Já a confiança seria a certeza da realização de algo, sem brechas para dúvidas. Isso pode ser resumido em uma palavra: vontade. A vontade é um dos principais mecanis- mos utilizados pelo magnetizador. Sendo atributo da alma, a vontade se desenvolve através da reflexão e do exercício diário. Percebe-se facilmente uma pessoa sem vontade. Nos atos do dia-a-dia geralmente é alguém que não consegue levar adiante aquilo a que se propõe. Se planeja realizar algo, os menores empecilhos que surjem no seu caminho são suficientes para detê- lo, devido à falta de confiança na capacida- de de atingi-lo. Muda constantemente de foco, por não conseguir fixar sua atenção em uma só coisa por muito tempo, graças à falta de perseverança e coragem, acaban- do por se cansar facilmente e deixando sempre os projetos inacabados. Não sus- tenta os seus planos por não ter um querer treinado para identificar os seus reais ob- jetivos. O magnetizador poderá desenvolver a sua vontade através do esforço, na realização das diversas atividades cotidianas, mesmo daquelas de pequeno porte, sendo de espe- cial valor as de caráter repetitivo e mas- sante, as quais exigem uma maior cota de perseverança e de concentração. Este exercício será de enorme valia no trabalho de magnetização ou de passes onde é exigido do aplicador uma certa dose de concentração, além do desenvolvi- mento da vontade no sentido de querer atingir a cura e acreditar na possibilidade da mesma. O poder do magnetizador está na razão direta da sua força de vontade, disse Allan Kardec (O Livro dos Médiuns). A vontade deve ser a impulsionadora das energias curativas. Muitos passistas ainda acham que para emitir os fluidos, basta estender as mãos e que assim se determina a fluidi- ficação, quando na verdade é a nossa men- te que dá o comando. Às vezes as energias fluem de forma auto- mática, entretanto, é preciso cuidado com esse automatismo, pois uma energia não controlada conscientemente pode gerar certas dificuldades tanto para o paciente quanto para o passista. O magnetizador deve assumir uma postura ativa fazendo uso da sua vontade para que a transmissão energética se dê de forma harmoniosa com relação ao momento adequado, ao direcio- namento e à quantidade de fluidos. Além disso, a vontade sincera de auxiliar o paciente, o querer profundo e a confiança na cura, apesar de não poder garanti-la, fazem parte da mente do bom magnetiza- dor. “Daí decorre que aquele que a um grande poder fluídico normal junta ardente fé, pode, só pela força da sua vontade dirigida para o bem, operar esses singulares fenô- menos de cura e outros, tidos antigamente por prodígios, mas que não passam de efeito de uma lei natural.” – Allan Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo. Adilson Mota é editor do Jornal Vórtice. Jornal Vórtice - julho/2008 A VONTADE E O PODER DO MAGNETIZADOR #14 Fevereiro de 2016 8 Opinião Uma reportagem da Folha de São Paulo, intitulada Grávidas com zika fazem aborto sem confirmação de microcefalia*, de 31.01.2016, noticia o que qualquer um co- nectado com os temas sociais e espíritas já esperava: que a mera suspeita de possível má-formação fetal, por causa do vírus zika, levaria futuras mamães a abortar. Essas mulheres não são as "pobres, iletra- das e irresponsáveis" do submundo social. Elas são, digamos, invejadas e admiradas: geralmente casadas, com curso superior, boa situação financeira e cuja gravidez foi planejada. Porém, talvez recebendo pela primeira vez um "não" da vida, tendo a natureza caprichosa negado o desejo legíti- mo a um filho lindo e saudável, do modo como entendemos a beleza e a saúde, elas (e seus maridos, e quem sabe até os vovós) tem pagado até 15 mil reais para abortar. E como a culpa sempre recai sobre a mulher, lembro que os papais, como de costume, também estão tirando o time de campo quando descobrem a doença**, deixando a mãe e o bebê sozinhos para enfrentar a situação. Há muito o que se falar sobre isso. Neste pequeno espaço, porém, focarei num ponto que sempre reitero quando tenho oportuni- dade: se temos a intenção de progredir, precisamos ir fundo nas questões humanas e sociais e, assim, reconhecer que estamos muito mais próximos do nazismo do que do Reino de Deus, e essa notícia revela como ainda é forte a ideia da raça perfeita, o des- prezo pelos fracos, a segregação do diferen- te e a construção de um mundo livre de toda "sujeira". Portanto, mais do que falar sobre o aborto, é cada vez mais urgente discutir algo real- mente profundo: a podridão humana, as mazelas morais e sociais, dentre outras questões delicadas sobre nós, pois se reco- nhecer doente ou ter coragem para colocar o dedo na ferida são indicativos de maturi- dade e condição para a transformação. Porém, esse tipo de discussão é rapidamen- te reprimido, visto como "antipático", "pessimista", que não vê os "avanços", que não fala de "esperança" e deixa as pessoas "para baixo". Sem disposição para falar a verdade, o resultado é que toda a complexi- dade da vida tem sido artificialmente es- condida: não existe o erro, não há o mal, e basta boa vontade para ver que tudo é bom e está bem. Tais falas querem apresentar um mundo simples e uma existência indo- lor, como os pais fazem com as crianças, e prova disso é o sucesso de venda de livros de autoajuda, que reduzem o universo a um "decálogo de comportamentos" que levarão ao sucesso ou à felicidade. Então, num belo dia, o indivíduo topa com um mundo naturalmente complexo, às ve- zes cruel, e com uma existência cheia de dilemas e escolhas, muitas difíceis e angus- tiantes. Pior, descobre que esse mundo complexo e essa existência angustiante sempre estiveram aí, mas foram escamotea- dos por fortes ideologias do sucesso materi- al, da prosperidade econômica e da ausên- cia de dor, que fazem do mundo um lugar onde os fracos – o miserável, o anencéfalo, o imigrante ilegal, o microcefálico, a mu- lher, o nordestino, o negro, etc. – não têm vez. Mas essa descoberta também é bela e gran- diosa, pois nada mais elevado que situar o ser em sua condição de espírito imortal, com suas plenas faculdades de escolher e que só cabe a ele a responsabilidade das escolhas. Isso é evoluir, tornar-se adulto e capaz de contestar um mundo medíocre e, assim, transformá-lo. No fundo, significa assumir a condição divina que cabe a cada um. Para isso, é necessário parar de se iludir e ser iludido, e essa notícia mostra como es- tamos lidando de modo raso com a vida, própria e alheia, e a natureza, humana e social. Nesse ponto, nossos avós eram mais avançados. Nãoacreditavam num mundo de fantasia e de receitas infalíveis, pois sa- biam que a vida era dura e a natureza im- positiva, e lidavam com isso de frente. Te- mos muito a aprender com eles. E, enquanto evitarmos esse debate profun- do sobre nós mesmos (afinal, deve-se falar sobre "esperança"), enquanto não houver maturidade para reconhecer o mal, próprio e alheio (afinal, "o mal não existe"), e uma firme disposição para enfrentar o que há de mais degradante (afinal, "tudo depende de como você vê as coisas"), a ideologia nazista estará rondando por aí, a morte e a segre- gação serão as opções mais fáceis, e o Reino de Deus continuará a ser uma ideia vaga e um sonho longínquo. Constatar isso é um grande otimismo, pois não vejo felicidade maior, numa cultura do diálogo, em perceber que estou em erro e que preciso modificar, enquanto os "otimistas" parecem se satisfazer em con- templar a flor que teve a proeza de desabro- char num imenso lamaçal. Mas, se a ideia é que esse lamaçal se transforme num imen- so jardim, com flores nascendo e desabro- chando com facilidade, aí, como dizia meu pai, isso já é papo de gente grande. fontes: *http://m.folha.uol.com.br/ cotidiano/2016/01/1735560-gravidas-com- zika-fazem-aborto-sem-confirmacao-de- microcefalia.shtml **http:// www.brasilpost.com.br/2016/02/04/ abandono-maes- microcefalia_n_9156704.html? ncid=fcbklnkbrhpmg00000004 #14 Fevereiro de 2016 9 Entrevista Alexandre Fontes da Fonseca Há pouco mais de um século, o físico Max Planck tentava compreender a energia irradiada pelo espectro da radiação tér- mica, calor que todos os corpos emitem, e chegou a algumas conclusões que ba- lançaram os princípios da física clássica. Nascia assim a física ou mecânica quânti- ca, trazendo novos conceitos, como a não localidade. Mas o que a física quântica tem a ver com espiritualidade? Neste mês reproduzimos aqui a entrevista que o doutor e professor de física no Departamento de Física da Faculdade de Ciências da UNESP, em Bauru, Alexandre Fontes da Fonseca, concedeu a Eliana Haddad do site Correio Fraterno*. Ele fala sobre o assunto e aler- ta para as conclusões apressadas e indevi- das ao se falar sobre o tema no meio espí- rita. O que é física quântica? Física quântica é o ramo da física que estuda e descreve o comportamento da matéria em escala microscópica (atômica e subatômica). Ela se baseia no fato de que trocas de energia entre sistemas atô- micos só podem ocorrer em múltiplos de um determinado valor que é, então, cha- mado de quantum, daí o adjetivo 'quântico'. A energia do sistema não pode ter qualquer valor, mas apenas valores associados a determinados 'estados físi- cos'. Podemos comparar esses 'estados físicos' a prateleiras de uma estante. Os livros só podem se situar em alturas da- das por cada prateleira, mas nunca entre uma prateleira e outra. A física quântica, é preciso enfatizar, é uma teoria da maté- ria, isto é, desenvolvida para descrever o comportamento de objetos materiais. O que a física quântica tem a ver com o espiritismo? Precisamos dela para compreendê-lo? Não tem nada a ver com o espiritismo. Ambas são teorias diferentes, desenvolvi- das para descrição de 'objetos' de estudo distintos. Enquanto a física quântica é uma teoria da matéria, o espiritismo é a ciência do espírito. Para apreender e compreender o espiri- tismo e seus pontos fundamentais, em nada precisamos da física quântica ou de outras teorias modernas da ciência. Percebe-se um alvoroçado interesse dos espíritas pela física quântica, muitas vezes para justificar a exis- tência do espírito. Isso está cor- reto? Apesar de a intenção ser boa, isso não está correto! Esse interesse decorre de algumas interpretações 'estranhas' da teoria quântica (isto é, que estão fora do senso-comum) que fazem pensar que os fenômenos espíritas (também considera- dos fora do senso-comum) devam ter relação direta com essas interpretações. Esse tipo de extrapolação ou relação su- perficial entre conceitos da física e do espiritismo não é uma prática científica! Como assim, interpretações estra- nhas? Pode dar um exemplo? Ao tentar entender o comportamento quântico das partículas em nível micros- cópico, surgem interpretações como: um objeto pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo; influência da consciência do observador nas medidas experimen- tais; uma partícula pode se comportar como uma onda e vice-versa; a existência de universos paralelos; ligação não local, etc. Essas interpretações são estranhas, pois decorrem da tentativa de se perceber o comportamento das partículas microscó- picas com as impressões que temos do mundo macroscópico, através dos nossos cinco sentidos. Essa é apenas uma das razões para evitar que se façam relações superficiais entre conceitos quânticos e conceitos espíritas. #14 Fevereiro de 2016 Mas que problemas acarretariam a aceitação desse tipo de relação en- tre física quântica e espiritismo? A invigilância e a falta de conhecimento sobre o que é ciência e de como ela pro- gride favorecem a abertura de brechas no movimento espírita para a assimilação de teorias e doutrinas pseudocientíficas que, por usarem conceitos da física quântica na sua descrição, encantam as pessoas fazendo-as achar que se trata de teorias e doutrinas científicas. Como Kardec, em A gênese, propõe que o espiritismo esteja sempre de acordo com a ciência, alguns companheiros espíritas um pouco apres- sados e sem entendimento profissional do assunto adotam e propagam algumas teorias e práticas místicas, só porque elas se consideram científicas por usarem con- ceitos da física. Esquecem-se de que o espiritismo orienta que "é melhor repelir dez verdades do que admitir uma só falsi- dade" (Erasto, item 230 de O livro dos médiuns). A vigilância, portanto, com relação a esse tipo de assunto deve ser mais que redobrada! E tem gente se apro- veitando da ignorância do público leigo para ganhar dinheiro com venda de livros, dvds, seminários, documentários, cursos, congressos, etc., todos utilizando-se o adjetivo "quântico" sem ter respaldo for- mal e rigoroso da física. O movimento espírita deve se precaver contra isso. Se estudarem a fundo o que é ciência, o que é física e, o mais importante, o que é o espi- ritismo, muitas dessas confusões vão dei- xar de existir. Você teria exemplos de teorias e práticas baseadas na física quântica que mesmo bem intencionadas ca- recem de bases científicas? Sim. Uma dessas teorias, que tem sido muito divulgada no movimento espírita, como demonstração científica de concei- tos como Deus, alma, reencarnação e me- diunidade, está contida na obra Física da alma, de Amit Goswami. Segundo ele, a alma após o desencarne permanece num estado permanente de sono, que perdura até a próxima encarnação. Para Goswami, o mundo espiritual não tem graça, por permanecerem os espíritos inconscien- tes. Nosso Lar e André Luiz não existem no mundo espiritual de Goswami. Vê-se que não precisa saberde física quântica para perceber o absurdo doutrinário de suas teorias! Outra teoria que tem atraído alguns com- panheiros espíritas é a chamada apome- tria. Ela surgiu como uma técnica de des- dobramento destinada a ajudar pessoas com problemas espirituais e de saúde. Suas obras básicas são apresentadas co- mo totalmente baseadas em conceitos e equações da física. Porém, a teoria usa de maneira equivocada os conceitos da física, faz extrapolações no campo da pesquisa de maneira inapropriada e define equa- ções sem nenhuma coerência interna ou com relação à física, não satisfazendo os rigores mínimos de desenvolvimento nes- sa área. Há também uma teoria baseada na física conhecida e respeitada no movimento espírita. O autor dedicou muitos anos à pesquisa de fenômenos espíritas e foi muito idealista, além de pessoa fraterna e inteligente deixando inúmeros amigos e seguidores. Trata-se da teoria corpuscular do espírito ou, mais recente, teoria do psi quântico, de Hernani G. Andrade. Herna- ni propôs uma teoria para a matéria psi similar à teoria quântica da matéria, pro- pondo que o espírito fosse composto por essa matéria. A ideia é interessante, po- rém a forma como as partículas da maté- ria psi foram propostas não seguiram metodologia e rigores que se empregam #14 Fevereiro de 2016 na pesquisa e desenvolvimento de novas teorias em física. A teoria de Hernani con- tém erros de física, além de extrapolar conceitos sem o devido rigor formal usado na física. Apesar de valer a leitura pelas informações e pela criatividade, o psi quântico não pode ser considerado uma teoria científica legítima. Para o espiritismo, temos na base de tudo Deus, espírito e matéria. Onde a física quântica se encaixa- ria? A física quântica nada mais é do que uma criação humana para tentar descrever alguns fenômenos naturais em escala microscópica. É uma tentativa de enten- der, utilizando-se uma sofisticada lingua- gem matemática, algumas leis naturais válidas para a matéria. Afinal, existe uma 'nova física' que possibilitaria outras vias de acesso ao conhecimento, além dos méto- dos da ciência atual? Que novidade é essa? Não existe 'nova física' que possibilite outra via de acesso ao conhecimento! "Para coisas novas precisamos de palavras novas", já dizia Kardec! Quando uma no- va via de acesso ao conhecimento surgir, será preciso dar um nome novo para dis- tingui-la das vias de acesso conhecidas. Precisará também ser testada e verificada como, de fato, uma "via de acesso ao co- nhecimento". Os defensores de uma nova física apenas estão pretendendo valorizar conceitos místicos, usando o status que a física tem na sociedade. Isso é uma forma moderna de enganar o público leigo que não conhece física e não sabe avaliar cien- tificamente a 'novidade'. É preciso tomar muito cuidado, lembrando que Kardec sempre apoiou a ciência formal e não mo- vimentos pseudocientíficos. Na sua visão, a física quântica vai identificar a existência do espírito, como inteligência, independente da matéria? Não! Não é a física quântica a origem da inteligência no espírito! O espírito se re- vela pelo conteúdo de suas mensagens! E foi assim que o espiritismo identificou e comprovou a existência da alma, sua so- brevivência e a possibilidade de comuni- cação com os encarnados. No máximo, a física um dia irá contribuir no entendi- mento de como ocorre a interação entre fluidos espirituais (perispírito, por exem- plo) e matéria (corpo físico). Devemos combater a tentação de obter mérito sem o devido aprofundamento no estudo. Espiritismo é uma doutrina ao mesmo tempo simples e robusta. Simples nos seus propósitos de regeneração da humanidade através da regeneração de cada um de nós; e robusta nas suas bases que não são somente científicas, mas tam- bém divinas. O espiritismo é a única dou- trina conhecida na humanidade que tem um duplo caráter de uma revelação: o caráter divino e o científico (Kardec, item 13 do cap. I deA gênese). Portanto, saiba- mos valorizar o espiritismo na forma co- mo foi revelado pelos bons espíritos, pois temos um compromisso de estudá-lo e compreendê-lo, para então poder ajudá-lo a se desenvolver dentro dos parâmetros de qualidade e seriedade que o tornarão conhecido e respeitado por todos. Alexandre Fontes da Fonseca é fun- dador do Jornal de Estudos Espíritas (JEE), publicação online dedicada com artigos de pesquisa espírita. *Texto publicado no jornal Correio Fraterno—edição 452 - julho- agosto/2013 https://sites.google.com/site/jeespiritas/ 1 ANO II—#15 Março de 2016 Vitória/ES A Mulher e o Espiritismo 2 Editor Raphael Faé Baptista Editoração: Felipe Sellin Colaboram nessa Edição: Bernadete Faé Felipe Sellin Laísa Emmanuelle Oliveira dos Santos Raphael Faé Baptista Tamiriz Lage Interaja conosco, sua opinião é muito importante para nós: criticaespirita@gmail.com QUADRINHOS ANO II—#15 Março de 2016 A Esquerda é o que há de pior na sociedade! André Marouço, apresentando para a TV Mundo Maior o que ele acre- dita ser a visão espírita sobre as manifestações de 13 de março de 2016. Contraditoriamente ele afirma a necessidade de não se deixar levar por paixões. NOTA 10 NOTA 0 Para todas as mulheres em sua batalha diária numa socie- dade patriarcal! Para os conflitos físicos entre manifestantes contra e a favor do governo nas ruas do Brasil. Rotular como coxi- nha ou petralha inviabiliza o debate e a busca por solu- ções de uma maneira conjunta. 3 EDITORIAL ANO II—#15 Março de 2016 Aproveitan- do o mês em que se comemora o Dia Internacional da Mu- lher, e todo o sentido de renovação e criação que a feminili- dade significa, apresentamos um jornal diferente, conforme prometido. A primeira novidade é a formação da equipe do Jornal Críti- ca Espírita, com novas e valorosas companheiras de ideal espírita (sim, são todas mulheres) que se apresentaram, e que certamente contribuirão para incrementar a qualidade do jornal. E o convite continua aberto aos interessados. A segunda é o lançamento do blog do Jornal, no endereço www.jornalcriticaespirita.com. Essa iniciativa se deu com dois objetivos. Primeiro, permitir o acesso ao conteúdo do jornal a partir de simples consulta em sites de busca. Segun- do, conforme o retorno dos leitores, os artigos e demais pro- duções são de alta qualidade, podendo ser utilizados como referência em debates, trabalhos acadêmicos ou profissio- nais, etc. Portanto, visite, navegue e divulgue o blog. A pági- na no Facebook continua a todo vapor, onde disponibiliza- mos todas as edições e mantemos o leitor atualizado sobre as novidades. Por isso, visite, curta e compartilhe a página do jornal. Afinal, se você gostou, outras pessoas também pode- rão gostar. Por