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77 BIOQUÍMICA METABÓLICA Unidade III 7 METABOLISMO DE COMPOSTOS NITROGENADOS NÃO PROTEICOS 7.1 Ácidos nucleicos Em 1868, ao estudar o pus de feridas, o médico suíço Miescher isolou uma substância a que chamou de nucleína do núcleo das células. Mais tarde, demonstrou que tinha caráter ácido, por isso o nome ácido nucleico. Em 1951, Rosalind Franklin trabalhou com o material que veio do núcleo das células, o estudando por difração de raios X. Em 1953, os americanos James D. Watson e Francis Crick propuseram um modelo que explicava os resultados da difração de raios X, fato que os levou a ganhar Prêmio Nobel. Tanto o ácido desoxirribonucleico (DNA) e o ácido ribonucleico (RNA) são moléculas formadas por nucleotídeos (fosfato + pentoses + base nitrogenada púrica e pirimídica), presentes no núcleo dos eucariotos e dispersos no citoplasma dos procariotos (figura a seguir). São chamados de material genético das células e contêm informações de como devem ser as proteínas desse ser vivo, além de transmitir essa informação para sua prole. Nucleotídeo Nucleosídeo Pentose Fosfato Base nitrogenada Figura 51 – Representação gráfica de um nucleotídeo As diferenças principais entre eles residem nas bases nitrogenadas pirimídicas (no DNA teremos timina e no RNA uracila); o RNA é uma fita única e o DNA uma fita dupla; no DNA teremos a pentose desoxirribose e no RNA a ribose (figuras a seguir). 78 Unidade III Purinas Pirimidinas H H H H Adenina H C C C C C N N N 123 4 5 6 78 9 N N H H H H N Guanina H C C C C C N N N 123 4 5 6 78 9 N O H H H H O Timina H C C C C C H N 123 4 5 6 N O H O Citosina H H H C C C C H N 123 4 5 6 N N O H Uracila O H H N C C N H C C Figura 52 – Estrutura química das bases nitrogenadas púricas e pirimídicas encontradas no DNA e RNA OH H H OH OH OH P O Base Ribose 2’ O OCH2 OH H H OH OH H P O Base Desoxirribose 2’ O OCH2 A) B) Figura 53 – (A) esquema de um nucleotídeo do RNA; (B) esquema de um nucleotídeo do DNA Os nucleotídeos (base + pentose + fosfato) e nucleosídeos (base + pentose) têm denominações relativas à base nitrogenada que tiverem, como pode ser analisado no quadro a seguir: 79 BIOQUÍMICA METABÓLICA Quadro 4 – Bases nitrogenadas, nucleosídeo e nucleotídeo Base nitrogenada Nucleosídeo Nucleotídeo Adenina Adenosina AMP Guanina Guanosina GMP Timina Timidina TMP ou dTMP (somente no DNA) Citosina Citidina CMP Uracila Uridina UMP (somente no RNA) Existem nucleotídeos que têm outras funções além de serem parte do DNA e RNA como, por exemplo, ATP, GTP, UTP, relacionados com a doação de energia; NADH, NADPH e FADH2 como doadores e receptores de hidrogênio; e AMP cíclico (AMPc) relacionado com a sinalização celular. A seguir estudaremos a síntese do DNA e RNA, ou replicação, duplicação e transcrição (figura a seguir). DNA DNA RNA Transcrição Replicação Tradução Proteína Figura 54 – Esquema da replicação, transcrição e tradução 7.1.1 Síntese de nucleotídeos e bases nitrogenadas Os nucleotídeos podem ser produzidos de duas formas, pela via de novo e pela via de recuperação ou salvamento, isto é, as bases nitrogenadas e os nucleotídeos livres gerados pela degradação dos ácidos nucleicos serão reciclados. A síntese de purinas de novo ocorre com a junção de átomos dos aminoácidos aspartato, glicina e glutamina, gás carbônico e do N10-formil tetrahidrofolato (ácido fólico) e das pirimidinas aspartato, glutamina, NH3 e CO2, e os nucleotídeos com a ajuda de várias enzimas que ligam os componentes dos nucleotídeos. 7.1.2 Síntese de DNA (replicação ou duplicação) As fitas de DNA são complementares (bases púricas pareiam ou ligam-se com pontes de hidrogênio com bases pirimídicas) e antiparalelas (uma vai do extremo 3´para o 5´e a outra do 5´para o 3´). 80 Unidade III A síntese de DNA ocorre na fase S do ciclo celular, que é dividido em fases G1, S, G2, M. Ciclo celular Mitosis G0 M M S Síntese de DNA Interfase G2 G1 Figura 55 – Esquema do ciclo celular Os termos 3´ou 5´ se referem ao extremo da fita que está solto, sem estar ligado com outro nucleotídeo. Temos a desoxirribose (D) e nela está ligada um fosfato (P) na posição 5 da ribose (como o carboidrato e a base nitrogenada contêm carbonos, chamamos os carbonos da pentose com linha), então, a fita termina em P; e na outra fita temos a pentose sem nada ligado abaixo dela, somente a hidroxila (OH) no carbono 3, sendo assim chamada de 3´. P = fosfato D = açúcar A dupla hélice do DNA 34 A 10 A 3,4 A Um nucleotídeo DNA Figura 56 – Esquema da conformação da dupla fita de DNA 81 BIOQUÍMICA METABÓLICA A replicação do DNA é semiconservativa, o que significa que cada fita na dupla hélice atua como modelo para a síntese de uma nova fita complementar, não é igual. Então, o DNA terá uma fita velha ligada a uma fita nova (figura a seguir). As fitas novas são construídas com a ajuda de várias enzimas. Figura 57 – Esquema da replicação com a formação de duas moléculas filhas, cada uma com uma dupla hélice recém-formada contendo uma fita nova e uma velha Nesse processo teremos uma fita líder sendo feita de maneira simples e rápida (fita molde é 3´-5´ e a nascente é 5´-3´) pela enzima denominada DNA polimerase. A outra fita, chamada de fita tardia, tem a necessidade de usar mais de uma enzima porque a DNA polimerase precisa de extremo 3´ para se fixar e começar a síntese adicionando nucleotídeos à extremidade 3’ de uma fita existente de DNA, sendo que essa fita tem extremo 5´. A replicação do DNA requer outras enzimas além da DNA polimerase. Em procariontes, como E. coli, existem duas principais DNA polimerases (de DNA polimerase I, II, III, IV, V) e em eucariotos são chamadas de DNA polimerase α, ß, γ, δ. 82 Unidade III Observação As células precisam copiar seu DNA rapidamente e com poucos erros para não correr riscos de terem problemas, ou seja, mutações, como ocorre no câncer, por exemplo. Para isso, utilizam uma variedade de enzimas e proteínas que trabalham juntas para garantir que a replicação do DNA seja eficiente e precisa. O início da replicação numa fita tão grande ocorre em locais específicos no DNA, chamados de origens de replicação, os quais têm a sequência conhecida. Na E. coli, assim como a maioria das bactérias, há uma única origem de replicação em seu cromossomo. Nesse local, a enzima DNA helicase abre o DNA, formando uma forquilha de cada lado chamada de bolha de replicação. A enzima topoisomerase se coloca nesse local e diminui a torção provocada pela ação da helicase, tornando-a muito enrolada à medida que o DNA é aberto. Ela age fazendo cortes temporários na hélice para liberar tensão, depois os fecha para evitar danos permanentes. A enzima DNA polimerase necessita do extremo 3´, que não tem na fita atrasada. Esse problema é resolvido com a enzima primase, que faz um pequeno primer (iniciador) de RNA para a DNA polimerase trabalhar. Isso ocorre em vários pontos da fita aberta. A DNA polimerase se liga no extremo 3´ do primer de RNA e inicia a síntese de DNA complementar à fita velha, adicionando nucleotídeos. Os pequenos fragmentos de DNA são chamados de fragmentos de Okazaki, em homenagem ao cientista japonês que os descobriu. Os primers de RNA são removidos e substituídos por DNA por meio da atividade da DNA polimerase e as lacunas entre os fragmentos serão fechadas com a ajuda da DNA ligase, que coloca nucleotídeos fechando a fita. 4 3 1 2 3’ 3’ 5’ 5’ 6 Figura 58 – Esquema da replicação do DNA com as enzimas utilizadas 83 BIOQUÍMICA METABÓLICA A figura anterior mostra o seguinte esquema das enzimas na replicação do DNA em E. coli: • 1: helicase abre o DNA. • 2: topoisomerase relaxa os giros provocados pela helicase. • 3: primase sintetiza primers de RNA complementares à fita de DNA. • 4: DNA polimerase aumenta os primers adicionando nucleotídeos na extremidade 3´ para fazer a maior parte do novoDNA. • 5: primers de RNA são removidos e substituídos com DNA pela DNA polimerase. • 6: as lacunas entre fragmentos de DNA são fechadas pela DNA ligase. 7.1.3 Transcrição (síntese de RNA) Inicialmente, uma molécula de DNA abre-se no ponto onde está o gene a ser transcrito. Em uma sequência específica chamada de promotor, a RNA polimerase se liga e promove a abertura e a exposição das sequências de nucleotídeos que serão transcritos. Somente uma fita de DNA será usada para a síntese de RNA. O DNA é lido do sentido 3´ para o 5´ e o RNA é lido pelos ribossomos no sentido 5´ para o 3´. A RNA polimerase pareará os ribonucleotídeos complementares aos que estão na fita de DNA e os ligará entre si. Lembrete Os nucleotídeos encontrados no DNA (desoxirribonucleotídeos) são diferentes dos encontrados no RNA (ribonucleotídeos) pelo açúcar (RNA tem ribose e DNA tem desoxirribose) e a base nitrogenada que pareia com a adenina no RNA é a uracila (U) e no DNA a timina (T). Em seguida, encontraremos a sequência na fita de DNA, por exemplo, AATGCGCGAT; já a fita de RNA será UUACGCGCAA. A seguir descrevemos como é realizada a complementariedade: DNA > RNA Adenina (A) > Uracila (U) Timina (T) > Adenina (A) Guanina (G) > Citosina (C) Citosina (C) > Guanina (G) 84 Unidade III O RNA que estamos nos referindo é o RNA mensageiro (que contém a mensagem de quais aminoácidos deverá ter na proteína em questão). Conforme for surgindo a fita de RNA (cópia complementar do DNA), a região que já foi transcrita fecha-se imediatamente. A transcrição termina quando há uma sinalização de término, que pode ser a formação de uma alça no RNA ou a presença de uma proteína que se liga ao DNA e barra o processo. Observação Em eucariotos, o DNA permanece no interior do núcleo e o RNAm sai para ser traduzido. Aparentemente esse processo ocorre para salvaguardar o conteúdo do DNA, uma vez que se sair para o citoplasma poderia ser degradado. O RNAm deverá ser processado (splicing), isto é, devem ser retiradas algumas sequências que não têm sentido para a tradução (introns), deixando somente as que têm sentido (exon). No extremo 5´ é colocada uma sequência chamada CAP (nucleotídeo guanina, ou G, modificada, que protege o transcrito de ser clivado), que direciona o ribossomo para o início da leitura. No final do RNAm será colocada uma cauda de 100-200 nucleotídeos adenosinas (cauda de poli A), que torna o transcrito mais estável e ajuda a exportá-lo do núcleo para o citoplasma. Exon Intron Exon mRNA maduro Intron Exon Figura 59 – Esquema de um processamento de RNAm para obtenção de um RNA maduro No RNA teremos então sequências de nucleotídeos, que de três em três (trinca) nucleotídeos serão chamados de códon. Essa combinação definirá qual aminoácido deverá ser colocado na proteína. Observação O código genético foi desvendado pelos pesquisadores Nirenberg e Khorana, que verificaram qual aminoácido era recrutado para uma determinada sequência construída em laboratório. A primeira sequência foi UUUUUUUUUUUU..., que gerou fenilalanina-fenilalanina-fenilalanina-fenilalanina. Em seguida, foram fazendo todas as combinações, o que culminou em uma tabela com a primeira, segunda e terceira bases, formando um mosaico, o qual leva ao aminoácido. Imagina-se o seguinte caso: 1 códon tem 1 nucleotídeo = 4 combinações; 2 nucleotídeos (42) = 16 combinações. Temos então 20 aminoácidos usados 85 BIOQUÍMICA METABÓLICA nas proteínas, portanto, com 16 combinações faltariam 4 aminoácidos. Assim, 3 nucleotídeos (43) = 64 combinações. O processo seria, portanto, com 4 nucleotídeos 3 a 3, resultando em 64 combinações. Dessas, 3 não levavam a nenhum aminoácido e foram chamadas de código de terminação (stop codon: UGA, UAA, UAG), sendo o códon de iniciação sempre AUG (metionina, só que com um radical formil). Esse código é universal, UUU é fenilalanina para o ser humano e os animais e não há separação entre os códons, porém é degenerado, isto é, há mais de uma combinação para um mesmo aminoácido. A partir do DNA podem ser formados os outros tipos de RNA. Porém, nos concentraremos no RNA transportador (RNAt) e ribossômico (RNAr). Após se ligar a um determinado aminoácido, o RNAt parte em direção ao ribossomo e o transporta para ser usado na confecção da proteína. Nessa estrutura aparece uma trinca chamada de anticódon, que pareia com o códon do RNAm. O RNAr, constituído de duas subunidades, e chamado de ribossomo e é dessa organela que nasce a proteína. As subunidades chamadas de 30S e 50S, na E. coli, e 40S e 60S, em humanos, são compostas de fios de RNA enrolados em forma de uma esfera. 7.1.4 Transcrição reversa Em 1970, Temim e Baltimore descobriram que o dogma da biologia molecular, (DNA gerando RNA, que gera proteína) não estava totalmente correto. Os cientistas estudaram alguns vírus que continham RNA como material genético (retrovírus) e perceberam que partículas de DNA eram formadas a partir das de RNA viral, e se associavam ao genoma (DNA) do hospedeiro. A enzima responsável por este processo recebeu o nome de transcriptase reversa ou DNA polimerase RNA-dependente. Observação O descobrimento dessa enzima levou os cientistas a utilizá-la na biotecnologia, mais precisamente em uma tecnologia chamada de Polymerase Chain Reaction (PCR), para amplificar fragmentos de DNA a partir de moldes de DNA e de RNA (técnica chamada de RT-PCR). Como já se conhecem algumas proteínas de determinadas doenças, é possível procurar seus RNAs ou o fragmento de DNA viral integrado no DNA do hospedeiro. Se há uma proteína específica presente, é porque o gene dela está sendo expresso e originando mRNA para tal proteína (estudo da expressão dos genes). A transcriptase reversa é encontrada em retrovírus. Alguns exemplos são: coronavírus, causador de infecções respiratórias; Paramyxoviridae, causador do sarampo; Rhabdoviridae, causador da raiva; Filoviridae, causador de ebola etc. Um dos exemplos de retrovírus mais conhecidos é o HIV, causador da Aids. 86 Unidade III Os vírus só se reproduzem dentro de uma célula viva. No caso do HIV ele entra na célula chamada linfócito, seu material (RNA) se transforma em DNA dupla fita e se integra ao DNA com a ajuda de outra enzima do vírus, a integrase. As enzimas passam por essas sequências sem perceberem que não pertencem ao hospedeiro e são replicadas, transcritas e traduzidas pelas enzimas do hospedeiro. A outra enzima do vírus utilizada é a protease, que cliva a proteína viral inicial em menores para serem utilizadas por ele. Como esse vírus atinge os linfócitos, e quando se multiplica os destrói para que possam sair, o organismo fica com menos células de defesa e fica-se suscetível aos vírus ou bactérias, por isso é chamado de HIV, ou vírus da imunodeficiência humana. Existem vários medicamentos que atuam em cada etapa da proliferação do vírus HIV. Por exemplo: AZT; inibidor de transcriptase reversa semelhante ao nucleotídeo; Nevirapina; inibidores não nucleosídeos da transcriptase reversa; Saquinavir (inibidor de protease); inibidores da integrase (Dolutegravir) etc. 7.1.5 Degradação de DNA e RNA Esse processo pode ser produto de dois caminhos: da ingesta e dos ácidos nucleicos degradados quando as células morrem. As células vegetais e animais ingeridas têm ácidos nucleicos que sofrem digestão no intestino delgado pelas enzimas ribonuclease e deoxiribonuclease secretadas pelo suco pancreático. Essas enzimas hidrolisam os ácidos nucleicos em fragmentos menores (oligonucleotídeos), que serão hidrolisados por fosfodiesterases (vindas do pâncreas), liberando mononucleotídeos que são hidrolisados em nucleosídeos por nucleotidases e nucleosidades. Os nucleosídeos resultantes podem ser absorvidos pela mucosa intestinal, liberando fosfatos e pentoses, que serão reutilizados, e bases nitrogenadas livres, que serão metabolizadas. O catabolismo das bases nitrogenadas púricas e pirimídicas ocorre principalmente no fígado, gerando produtosfinais altamente hidrossolúveis, como: CO2, β-aminoisobutirato e β-alanina, principalmente NH3 (amônia). Observação A excreção de β-aminoisobutirato aumenta nas leucemias e após a exposição a raios X, devido a uma pronunciada destruição de células contidas em seu núcleo DNA. Podem ocorrer defeitos nas enzimas do catabolismo das bases pirimídicas e púricas. Entre os das bases pirimídicas, podemos citar a acidúria orótica, isto é, o acúmulo de ácido orótico, que causa manifestações clínicas de anemia megaloblástica, nefropatia e malformações cardíacas. Nos das bases pirimídicas podemos citar a gota úrica (hiperuricemia com crises de inflamação articular, litíase renal ou nefrolitíase e imunodeficiência. 87 BIOQUÍMICA METABÓLICA 7.1.6 Formação de ácido úrico A adenosina monofosfato (AMP) perde o fosfato e se transforma em adenosina cuja a inosina monofosfato (IMP) é desaminada e transformada em inosina, que é fosforilada e se transforma em hipoxantina, formando xantina com a ajuda da enzima marca-passo pela xantina oxidase. A xantina é oxidada em ácido úrico pela mesma enzima: xantina oxidase. A guanosina que veio da perda de fosfato do GMP se transforma em guanina e, em seguida, em xantina, que entra na via comum, se transformando em ácido úrico pela enzima xantina oxidase. O O O Ácido úrico HN N H N H H N AMP GMP Inosina monofosfato (IMP) Guanosina Inosina Guanina Hipoxantina Xantina Xantina Xantina Oxidase Oxidase Figura 60 – Esquema da síntese de ácido úrico O ácido úrico (C5H4N4O3) tem sua maior produção no fígado, isto é, a maior parte dessa substância é endógena, proveniente da degradação das bases púricas. Porém, uma dieta rica em purinas, alimentos ricos em núcleos celulares como carnes, vísceras (por exemplo, fígado), crustáceos (camarão), bebidas fermentadas (cerveja) é capaz de aumentar significativamente a quantidade de ácido úrico produzido pelo fígado e liberado na urina, além da ureia, principal excreta nitrogenada humano, proveniente da degradação das proteínas. Após ser formado, o ácido úrico vai para o sangue (a concentração de ácido úrico considerada normal fica entre 3,5 e 7,2 mg/dL), e caso esteja com valor maior que o de referência é constatado hiperuricemia. Aproximadamente 25% dos homens possuem níveis de ácido úrico acima de 7,0 mg/dl; já as mulheres, por conta do hormônio estrogênio, que aumenta a capacidade renal de excreção do ácido úrico, apresentam risco baixo de hiperuricemia, se comparadas aos homens. 88 Unidade III A concentração de ácido úrico no sangue representa o balanço entre a produção pelo fígado e intestinos e a liberação pelos rins, assim, em geral, a maioria dos pacientes com hiperuricemia apresenta uma dieta rica em purinas e/ou uma redução da capacidade renal de excretar o ácido úrico. O ácido úrico é um ácido fraco, sendo que a dissociação ocorre a pH = 5,8, então, como o pH da urina é ácido (5,5 e 7,0) forma-se urato + H+ na urina. Quando está acima desse limite de referência no sangue (hiperuricemia), há o risco de formação de cristais de urato de sódio e precipitação nas articulações, gerando inflamação e muita dor (gota úrica) ou cristalização nos rins (cálculo renal). Em temperaturas elevadas o ácido úrico é mais solúvel (por exemplo, no sangue, em que a temperatura média é de 37 °C,) e menos solúvel em temperaturas mais baixas (as articulações são sensivelmente mais frias que o sangue, apresentando uma temperatura média de 32 °C), podendo levar à artrite gotosa. Se os níveis de ácido úrico permanecerem elevados por muito tempo, ele pode começar a se depositar em locais mais quentes, como a pele e os rins. O medicamento alopurinol tem fórmula estrutural muito semelhante ao substrato da enzima xantina oxidase. Quando se ingere o medicamento alopurinol, como estará em maior quantidade que a hipoxantina, ele entra no sítio ativo da enzima marca-passo, diminuindo ou cessando a velocidade de catálise e a formação de ácido úrico. HA H C N C C N N H N HC OH C N N C C N N H CH HC OH C Figura 61 – Fórmula estrutural do alopurinol (A) e da hipoxantina (H) Observação Todo paciente com gota úrica tem ácido úrico elevado no sangue, porém o inverso não é verdadeiro. Algumas pessoas podem ter níveis elevados de ácido úrico, mas nunca desenvolveram gota úrica, podendo ter apenas descamação em mãos e pés. Lembrete Nos grandes primatas, principalmente em humanos, gorilas e chimpanzés, o ácido úrico é o produto final do catabolismo das purinas. Nos outros mamíferos, é metabolizado em alantoína no fígado (pela enzima uricase), que é solúvel e de fácil excreção. Durante os anos foram ocorrendo mutações que levaram alguns animais a metabolizarem o ácido úrico. 89 BIOQUÍMICA METABÓLICA 7.2 Grupo heme O citocromos, a hemoglobina e a mioglobina têm em comum o grupo heme. O grupo heme é um grupo prostético, isto é, a porção não peptídica de uma proteína. Algumas proteínas apresentam grupos químicos além da parte formada pela união entre aminoácidos, denominados grupos prostéticos, presentes em proteínas denominadas hemeproteínas. Uma das hemeproteínas mais conhecidas é a hemoglobina, que tem a função de transportar o oxigênio no sangue. Milhares de moléculas de hemoglobina estão presentes dentro das hemácias, as células mais abundantes do sangue. Além da hemoglobina, o grupo heme está presente na mioglobina, citocromos, catalases e peroxidases. A mioglobina é uma proteína de baixo peso molecular que está presente nos músculos e tem como função o armazenamento de oxigênio. Hemoglobina (proteína) Figura 62 – Molécula de hemoglobina formada por quatro cadeias globínicas e quatro grupos heme Figura 63 – Hemácias 90 Unidade III 7.2.1 Estrutura química Em relação à estrutura química, o grupo heme é constituído de um grande anel orgânico heterocíclico que contém um átomo de ferro (Fe+2) no centro. Os principais locais de produção do grupo heme são na medula óssea e no fígado. Na medula óssea ocorre o processo de produção das hemácias. As hemácias humanas não possuem núcleo, mas as células precursoras de hemácias, que ficam alojadas na medula óssea, possuem núcleo e, por isso, ocorre a síntese de hemoglobina. Esse processo é denominado eritropoese e ocorre quando as células precursoras de hemácias apresentam núcleo e sintetizam hemoglobina até a fase de reticulócitos, os quais não apresentam núcleo, mas apresentam RNA mensageiro. Nessa etapa, a célula produz a máxima quantidade de hemoglobina e, portanto, de grupo heme. Em seguida, os reticulócitos deixam a medula óssea e seguem para o sangue periférico, onde amadurecem e se transformam em hemácias em um período de 12 a 36 horas. Molécula de oxigênio CH CH2 H3C H3C Heme CH3 CH3 N N N N CH CH2 Fe O O CH2 CH2 COOH CH2 CH2 COOH Figura 64 – Esquema da parte não proteica da hemoglobina: grupo heme 7.2.2 Síntese do grupo heme A síntese do grupo heme ocorre a partir de um conjunto de reações catalisadas por várias enzimas diferentes. Cada reação é catalisada por uma enzima e o ferro é incorporado na última reação. A síntese do grupo heme é constituída por oito reações que ocorrem no citoplasma (a primeira e as três últimas reações) e na mitocôndria das células. A síntese do grupo heme depende da participação de oito enzimas: 91 BIOQUÍMICA METABÓLICA • ALA-sintetase. • ALA-deidratase. • Porfobilinogênio-deaminase. • Urobilinogênio-sintetase. • Uroporfirinogênio-descarboxilase. • Coproporfirinogênio-oxidase. • Protoporfirinogênio-oxidase. • Ferroquelatase. Inicialmente ocorre a condensação do aminoácido glicina com a molécula de succinil-CoA (intermediário do ciclo de Krebs) para a formação do ácido delta levulínico ou Δ ALA. Em seguida, ocorre a condensação de duas moléculas de ALA para a formação de um anel pirrólico. Depois disso, quatro anéis pirrólicos reagem e formam um anel tetrapirrólico. Na reação final, a protoporfirina combina-se com o ferro (Fe+2) paraformar o grupo heme. A produção do heme é regulada por um mecanismo de retroalimentação, isto é, a produção das enzimas, especialmente a da ALA-sintetase, pode aumentar sempre que houver aumento da produção de hemácias. A biossíntese do grupo heme tem início quando uma molécula de succinil-CoA, em conjunto com uma glicina, sob ação da enzima ALA sintase, dá origem ao ácido aminolevulínico (ALA). Duas moléculas de ácido aminolevulínico, no citosol, são condensadas pela enzima ALA desidratase, dando origem ao porfobilinogênio (PBG). Quatro moléculas de PBG são convertidas em hidroxometilbilano pela enzima PBG desaminase. O hidroximetilbilano pode ser convertido em uroporfirinogênio III, por meio da uroporfirinogênio sintase, ou em uroporfirinogênio I, por meio de uma via não enzimática. O uroporfirinogênio III é descarboxilado em coproporfirinogênio III por meio da uroporfirinogênio descarboxilase e o uroporfirinogênio I é, por sua vez, convertido ao coproporfirinogênio I, o qual não é intermediário para a biossíntese do heme. O coproporfirinogênio III, por meio da coproporfirinogênio oxidade, é transformado em protoporfirinogênio IX, o qual é convertido em protoporfirina IX pela protoporfirinogênio oxidase. Finalmente, o ferro é inserido na molécula de protoporfirina IX, por meio da ação da ferroquelatase, dando origem ao heme. 92 Unidade III HEME Mitocôndria Citoplasma Glicina + succinil-CoA 2 x ALA 4 X PORFOBILINOGÊNIO (PBG) HIDROXIMETILBILANO (HMB) Uroporfirinogênio III (URO III) Coproporfirinogênio III Protoporfirina IX Protoporfirinogênio IX Ácido aminolevulínico (ALA) ALA sintase ALA desidratase PBG desaminase Uroporfirinogênio III sintase Uroporfirinogênio descarboxilase Coproporfirinogênio oxidase Ferroquelatase Protoporfirinogênio oxidase Fe+2 Figura 65 – Reações da síntese do grupo heme 7.2.3 Porfirias Caso o indivíduo apresente mutação genética em uma dessas enzimas, haverá acúmulo de determinados intermediários da síntese do grupo heme na medula óssea ou no fígado. Um fato importante é que esses intermediários são potencialmente tóxicos e, consequentemente, o acúmulo desses na pele ou vísceras pode desencadear a sintomatologia das doenças denominadas porfirias. As principais porfirias podem ser classificadas de várias formas, de acordo com a deficiência da enzima específica, com os sintomas do paciente (aguda ou crônica) ou baseada no local de origem dos precursores em excesso (eritropoéticas ou hepáticas). As porfirias hepáticas agudas são caracterizadas por episódios neuroviscerais, sendo a porfiria aguda intermitente a forma mais comum. 93 BIOQUÍMICA METABÓLICA Glicina Succinil-CoA ALA PBG HIDROXIMETILBILANO UROPORFIRINOGÊNIO III COPROPORFIRINOGÊNIO IX PROTOPORFIRINOGÊNIO IX PROTOPORFIRINA HEME ALA sintetase ALA desidratase PBG desaminase Uroporfirinogênio sintase URO descarboxilase COPRO oxidase PROTO gene oxidase Ferroquelatase FERRO PORFIRIA DOMINANTE LIGADA AO X PORFIRIA POR DEFICIÊNCIA DE ALA DESIDRATASE PORFIRIA INTERMITENTE AGUDA PORFIRIA ERITROPOIÉTICA CONGÊNITA PORFIRIA HEPATOERITROPOIÉTICA PORFIRIA CUTÂNEA TARDA COPROPORFIRIA HEREDITÁRIA PORFIRIA VARIEGATA PROTOPORFIRINA ERITROPOIÉTICA DEFICIÊNCIA ENZIMÁTICA DOENÇA Figura 66 – Classificação das porfirias de acordo com a deficiência enzimática O quadro a seguir resume a classificação das porfirias em crônicas e agudas. Quadro 5 – Classificação das porfirias em crônicas e agudas Porfirias crônicas Porfirias eritropoiéticas Porfirias hepáticas crônicas Porfiria eritropoiética congênita Protoporfiria eritropoiética Porfiria cutânea tarda Porfiria hepatoeritropoiética Porfirias agudas Porfirias hepáticas agudas Porfiria por deficiência de ALA desidratase Porfiria aguda intermitente Coproporfiria hereditária Porfiria variegata Os pacientes portadores de porfiria aguda apresentam crises intermitentes de dores abdominais, sintomas mentais e neurológicos como depressão, convulsões entre outros, que podem levar ao suicídio. Essas crises ocorrem geralmente em virtude de medicamentos, álcool ou por estresse, infecções e jejum. Já os portadores de porfirias cutâneas apresentam erupções bolhosas na pele, vermelhidão ou inchaço após exposição solar. Nesses pacientes, certas porfirinas ficam depositadas na pele e após exposição à luz e ao oxigênio elas podem gerar uma forma carregada e instável de oxigênio capaz de danificar a pele. 94 Unidade III O diagnóstico das porfirias é feito a partir da dosagem das profirinas nas fezes e na urina e por testes de biologia molecular. A solubilidade na água desses intermediários determina sua forma de excreção: produtos solúveis em água são excretados na urina; produtos insolúveis em água são excretados nas fezes; e produtos com solubilidade intermediária são excretados tanto na urina quanto nas fezes. As porfirias são doenças de difícil diagnóstico e as crises se manifestam na presença de alguns fatores, tais como: medicamentos, jejum, tabagismo, álcool, substâncias ilícitas (maconha, ecstasy, anfetaminas e cocaína), infecções, estresse físico e emocional e ciclos menstruais. O tratamento apresenta quatro pilares principais: estudo da genética familiar, retirada ou controle dos fatores precipitantes, condutas gerais e uso de derivados do grupo heme. Por fim, vale ressaltar que em diversas doenças não relacionadas à mutação dos genes que regulam a síntese de enzimas pode ocorrer o aumento da quantidade de porfirinas na urina. Esse fenômeno é descrito como porfirinúria secundária e pode estar associado à exposição, por exemplo, ao chumbo. Saiba mais A escritora Isabel Allende relatou a experiência de sua filha Paula, que tinha porfiria, e ficou em coma durante um ano, e faleceu aos 20 anos de idade. Para saber mais sobre essa história, leia o livro: ALLENDE, I. Paula. São Paulo: Bestbolso, 2005. 7.2.4 Degradação do grupo heme O heme libera Fe2+, o qual passa a fazer parte do reservatório de ferro no organismo. Os anéis do grupo heme primeiramente são convertidos em biliverdina, por meio do sistema microssomal heme-oxigenase das células reticuloendoteliais, e depois são convertidos em bilirrubina pela biliverdina redutase. A bilirrubina é um pigmento amarelo e tóxico, principalmente para o sistema nervoso. Aproximadamente 85% da bilirrubina total são derivados do catabolismo da hemoglobina presente nas hemácias, as quais após 90 a 120 dias de atividade são degradadas e liberam o seu conteúdo de hemoglobina, sendo que a cadeia globínica é reaproveitada integralmente ou degradada em seus aminoácidos constituintes. O restante é obtido das outras proteínas que contêm o heme. Observação Ao observar um hematoma ele pode apresentar diferentes colorações que são resultantes dos intermediários da degradação do heme. 95 BIOQUÍMICA METABÓLICA A bilirrubina, por ser insolúvel em água e, consequentemente, insolúvel no plasma, é transportada para o fígado e ligada à albumina, denominada bilirrubina indireta ou não conjugada. A bilirrubina isolada que entra na célula hepática e é ligada ao ácido glicurônico é denominada bilirrubina direta ou bilirrubina conjugada. A bilirrubina direta é um componente normal da bile e é encaminhada para a vesícula biliar e depois para o duodeno. No intestino, a bilirrubina direta é hidrolisada para a forma não conjugada, que é reduzida pela flora bacteriana, transformando-se em urobilinogênio. A maior parte do urobilinogênio é transformada em estercobilina pelas bactérias intestinais. A estercobilina tem cor marrom e dá a coloração característica das fezes. Uma parte do urobilinogênio é reabsorvido a partir do intestino e entra no sistema porta-hepático. Uma porção desse urobilinogênio é captada pelo fígado e novamente secretada na bile. A parte restante é transportada para o rim, onde é convertida em urobilina e é excretada. A urobilina tem coloração amarela, dando a cor característica da urina. Eritrócitocitos senescentes (principalfonte de hemeproteínas) Biliverdina (pigmento verde) Bilirrubina absorção Bilirrubina (pigmento amarelo e tóxico) Urobilinogênio Estercobilina (marrom) Complexo bilirrubina-albumina Bilirrubina indireta ou bilirrubina não conjugada Diglicuronato de bilirrubina Bilirrubina direta ou conjugada Captada pelo fígado e liberada novamente na bile Urobilinogênio Urobilina (amarelo) Heme Heme oxigenase Biliverdina redutase Sangue Fígado Vesícula bilibar Rim Diglicuronato de bilirrubina Bilirrubina direta ou conjugada Bilirrubina + Ácido glicurônico Glicorunil-transferase Fígado Figura 67 – Esquema da degradação do heme 96 Unidade III Em condições anormais, pode ocorrer o acúmulo tanto de bilirrubina direta quanto de bilirrubina indireta. Esses compostos podem se depositar nos tecidos, dando-lhes o aspecto amarelado, condição conhecida como icterícia. Essa condição não é uma patologia, mas um sinal de uma série de patologias hepáticas e biliares. A quantidade da bilirrubina plasmática fornece um índice quantitativo da severidade da icterícia. A concentração de bilirrubina representa um equilíbrio entre sua produção e sua excreção. A icterícia pode ser dividida em três tipos: icterícia pré-hepática, icterícia hepática e icterícia pós-hepática. A icterícia pré-hepática tem como consequência o aumento de bilirrubina indireta. O fígado não consegue captar toda a bilirrubina indireta para fazer a conjugação com o ácido glicurônico. As principais causas de icterícia pré-hepática são: icterícia fisiológica do recém-nascido, devido à insuficiência na produção da enzima glicuronil-transferase, que catalisa a conjugação da bilirrubina; icterícia hemolítica, quando há a destruição excessiva das hemácias; síndrome de Crigler-Najjar, em que pode haver a ausência da enzima glicuronil-transferase, sendo fatal nos primeiros meses de vida; e síndrome de Gilbert, caracterizada pela redução da produção da enzima glicuronil-transferase. Na icterícia pré-hepática, também ocorre aumento do urobilinogênio fecal e urinário. Na icterícia hepática ocorre aumento da bilirrubina direta e indireta, diminuição do urobilinogênio fecal (fezes claras) e aumento do urinário (urina escura), com presença de bilirrubina na urina. As principais causas são as lesões hepáticas, como o câncer, a cirrose ou a hepatite. Na icterícia pós-hepática ocorre aumento de bilirrubina direta, diminuição do urobilinogênio fecal (fezes claras) e presença de bilirrubina na urina. A principal causa é a obstrução do ducto biliar, que impede a bilirrubina de ir para o intestino e, como consequência, ela reflui para o sangue. Nas doenças hepáticas agudas ou crônicas observa-se uma diminuição dos níveis séricos de proteínas, como da albumina e das proteínas de coagulação. 8 VITAMINAS E SAIS MINERAIS Vitaminas e sais minerais são micronutrientes, isto é, são necessários em quantidades reduzidas e devem ser obtidos por meio da alimentação. Embora as vitaminas e sais minerais estejam amplamente distribuídos nas frutas, verduras, hortaliças, ovos e carnes, infelizmente estudos apontam inúmeros casos de hipovitaminose em algumas regiões do Brasil. A deficiência de micronutrientes é um problema grave de saúde pública que afeta o bem-estar da população e representa um sério obstáculo para o desenvolvimento socioeconômico na maioria dos países em desenvolvimento. As principais causas de hipovitaminose estão associadas à deficiência alimentar e à má absorção dos nutrientes, por causas diversas. As vitaminas e os sais minerais recebem o nome de micronutrientes. São essenciais para o bom funcionamento do corpo e para a manutenção da saúde. Diferentemente dos macronutrientes (carboidratos, proteínas e gorduras), são necessários em quantidade reduzida, obtidos por meio da alimentação. O consumo alimentar é influenciado por fatores culturais, entre eles os hábitos alimentares, as preferências individuais e familiares, e por fatores socioeconômicos que influenciam a escolha e compra desses alimentos. 97 BIOQUÍMICA METABÓLICA 8.1 Vitaminas As vitaminas existem na natureza como tal ou sob a forma de precursores, que são ingeridos por meio dos alimentos. Diferentemente dos macronutrientes, as vitaminas não produzem energia, portanto, não geram calorias. Elas são importantes porque atuam como coenzimas, isto é, facilitam a ação das enzimas que transformam os substratos por meio das reações metabólicas. Lembrete As enzimas são constituídas por uma parte proteica chamada de apoenzima e outra parte não proteica, chamada de cofator. Quando o cofator é uma molécula orgânica, recebe a denominação de coenzima. Muitas vitaminas atuam como coenzimas. As necessidades diárias variam de acordo com a idade, gênero, estado fisiológico e atividade física do indivíduo. Em algumas situações, elas são aumentadas, por exemplo, na fase de crescimento, gestação, lactação ou na presença de doenças. Quanto à classificação, as vitaminas podem ser lipossolúveis ou hidrossolúveis. Essa informação é importante para entendermos a importância dos lipídios para a adequada absorção das vitaminas lipossolúveis, que são representadas pelas vitaminas A, D, E, e K. Já as hidrossolúveis necessitam de água, e esse grupo compreende as vitaminas do complexo B e a vitamina C. Vejamos a classificação das vitaminas a seguir. Vitamina C Hidrossolúveis Lipossolúveis: A D E K Complexo B: B1 (tiamina) B2 (riboflavina) B3 (niacina) B5 (ácido pantotênico) B6 (piridoxina, pirodoxal e piridoxamina) B7 (biotina) B9 (ácido fólico) B12 (cianocobalamina) Vitaminas Figura 68 – Esquema de classificação das vitaminas quanto à solubilidade 98 Unidade III 8.1.1 Vitamina A Em tecidos animais, a vitamina A é encontrada predominantemente sob a forma de retinol ou de seus ésteres, de retinal e, em menor quantidade, de ácido retinoico. O retinol é um álcool primário que apresenta um anel β-ionona com cadeia lateral insaturada e é encontrado em tecidos animais como éster retinila com ácidos graxos de cadeia longa. Já o retinal é o aldeído derivado da oxidação do retinol. O retinal e o retinol podem ser facilmente interconvertidos. O ácido retinoico é o ácido derivado da oxidação do retinal. Esse ácido não pode ser reduzido no organismo e, assim, não pode originar retinal ou retinol. Anel de β-ionona Cadeia poliênica Anel de β-ionona β-caroteno β-caroteno H3C CH3 H3C H3C CH3 CH3CH3CH3CH3 H3C H3C CH3CH3CH3 CH3 β-Caroteno H3C CH3 CH3 CH3 CH3 OH Retinol Figura 69 – Estrutura química e clivagem do β-caroteno O termo retinoide refere-se à classe de compostos com quatro unidades isoprenoides e inclui retinol e seus derivados químicos. A indústria de alimentos utiliza o acetato de retinil e o palmitato de retinil para a fortificação de alimentos. Os carotenoides contribuem significativamente para a atividade da vitamina A em alimentos tanto de origem vegetal como animal, por exemplo, o caso conhecido da cenoura, rica em vitamina A. Os carotenoides são geralmente tetraterpenoides de 40 átomos de carbono e apresentam-se na natureza com coloração amarela, laranja ou vermelha. São encontrados em vegetais e classificam-se em carotenos ou xantofilas. Os alimentos de origem vegetal contêm β-caroteno, que pode ser quebrado no intestino em duas moléculas de retinal (aldeído). Entre os carotenoides, o β-caroteno apresenta maior atividade pró-vitamínica A. Na maioria dos animais, a absorção da vitamina A varia de 70% a 90%, mas a eficiência na absorção de carotenoides adicionados à dieta é de 40% a 60%, dependendo do carotenoide. 99 BIOQUÍMICA METABÓLICA α-caroteno FucoxantinaHO O O OCOCH3 HO Violaxantina HO O CH3 CH3 CH3 CH3 H3CCH3 OH OH O ZeaxantinaHO OH Licopeno ξ-caroteno γ-caroteno Luteína HO OH Criptoxantina HO β-caroteno Figura 70 – Estrutura química de alguns carotenoides Na dieta estão presentes os ésteres de retinol que são hidrolisados na mucosa intestinal e originam retinol e ácidos graxoslivres. O retinol é novamente esterificado e transformado em ácidos graxos de cadeia longa na mucosa do intestino e secretado como componente dos quilomícrons que são transportados para o sistema linfático. 100 Unidade III β-caroteno Emulsão Micelas Lúmen intestinal Linfa Sangue Lipases pancreáticas e sais biliares Figura 71 – Digestão e absorção da vitamina A Os ésteres de retinol presentes nos quilomícrons remanescentes são captados pelo fígado e nele armazenados como ésteres de retinil. Quando as células precisam de retinol, esse é liberado do fígado e transportado para os tecidos extra-hepáticos pela proteína ligadora de retinol (PLR). O complexo PLR-retinol liga-se a receptores específicos na superfície das células dos tecidos periféricos, permitindo a entrada do retinol. A partir daí, ocorre a transcrição de genes que originarão proteínas importantes para o nosso organismo. A vitamina A desempenha papel imprescindível no ciclo visual, na diferenciação e manutenção celular epitelial, na promoção do crescimento, na atividade do sistema imunológico e na reprodução. Entretanto, merece especial atenção a participação na manutenção da integridade epitelial do globo ocular, pois a consequência das lesões oculares decorrentes de sua carência é a cegueira noturna, em virtude da dificuldade de visão em ambientes com pouca luminosidade. 101 BIOQUÍMICA METABÓLICA No processo da visão, a vitamina A é um importante componente dos pigmentos visuais das células cones e bastonetes. Os bastonetes da retina contêm um pigmento denominado rodopsina, que consiste em 11-cis-retinal ligado especificamente à proteína opsina. Quando a rodopsina é exposta à luz, ocorre uma série de reações denominadas isomerizações fotoquímicas, as quais resultam no desbotamento do pigmento visual e a liberação do trans-retinal e opsina. Esse processo origina um impulso nervoso, que é transmitido pelo nervo óptico para o encéfalo. A regeneração da rodopsina necessita da isomerização do trans-retinal, formando novamente o 11-cis-retinal. O trans-retinal, após ser liberado da rodopsina, é isomerizado e transformado em 11-cis-retinal, que se combina espontaneamente com a opsina, para formar a rodopsina, completando o ciclo. A deficiência prolongada de vitamina A leva à perda irreversível do número de células visuais. A deficiência grave leva à xeroftalmia, o ressecamento patológico da conjuntiva e da córnea. Se não for tratada, a xeroftalmia resulta em ulceração da córnea e, por fim, cegueira devido à formação de tecido de cicatrização opaco. A vitamina A, administrada como retinol ou ésteres de retinila, é utilizada para o tratamento de pacientes que têm deficiência dessa vitamina. Fígado, rim, manteiga e ovos são boas fontes de vitamina A. Os vegetais amarelos e verde-escuros e as frutas são boas fontes dietéticas de carotenos. Alimentos de origem vegetal contêm precursores de vitamina A, que são os retinoides, particularmente o β-caroteno, com atividade pró-vitamina A de 100%. Tabela 1 – Conteúdo de vitamina A em frutos brasileiros Alimento Vitamina A (ER/100g) Abacate 61,2 Caqui 250,0 Damasco seco 724,0 Manga 289,0 Polpa de acerola 720,0 Pupunha 1500,0 Suco de laranja com cenoura 1081,6 Pajurá 255,0 Piquiá 305,0 Tucumã 1450,0 Umari 1470,0 Adaptado de: Marinho e Castro (2002). Contudo, a ingestão excessiva desses alimentos pode gerar a hipervitaminose, provocando danos ao organismo. Entre os sintomas estão pele seca e pruriginosa, fígado aumentado (pode evoluir para cirrose) e no caso de gestantes pode provocar malformações congênitas no feto em desenvolvimento. 102 Unidade III 8.1.2 Vitamina D A vitamina D possui diversas formas químicas, entretanto, as principais são a vitamina D2 (ergocalciferol) e a vitamina D3 (colecalciferol). A vitamina D2 é obtida por meio de fontes vegetais da alimentação de suplementos orais. A vitamina D3 é obtida por meio da irradiação ultravioleta B (RUVB) presente na luz solar do prercursor do colesterol 7-dihidrocolesterol e pela ingestão de alimentos, tais como leite e derivados, cereais, soja, suplementos orais e óleos de peixe. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 19 A B H H H C D 10 11 12 13 14 15 20 21 22 23 24 25 26 27 17 16 18 (a) 5-α-colestano A B H H HO C D (b) 7-deidrocolesterol H HO (c) Colecalciferol-D3 H HO (d) Ergosterol-D2 H H OH HO (e) 25(OH)-Vitamina D3 H H OH HO OH (f) 1α, 25(OH)2-Vitamina D3 Figura 72 – Fórmulas esterioquímicas da vitamina D: (a) 5α-colestano, com a respectiva numeração dos carbonos e a denominação dos anéis do ciclo pentanoperidrofenantreno; (b) 7-deidrocolesterol; (c) colecalciferol (vitamina D3); (d) ergosterol (vitamina D2 ); (e) 25-hidroxivitamina D [25(OH)D ou calcidiol; (f) 1α,25-diidroxivitamina D [1α,25(OH)2D ou calcitriol. O 5-α-colestano é um dos esteroides utilizados como referência para numeração dos carbonos, segundo orientações da Iupac. As estruturas apresentadas para a 25(OH)D e 1α,25(OH)2D são aquelas derivadas do colecalciferol 103 BIOQUÍMICA METABÓLICA A vitamina D2 e a vitamina D3 não são biologicamente ativas, mas são convertidas in vivo na forma ativa da vitamina D, por uma série de reações de hidroxilação. A primeira reação ocorre no fígado e é formada a 25-hidroxicolecalciferol (25-OH-D3), que é a forma predominante da vitamina D no plasma e sua principal forma de armazenamento. Essa forma é posteriormente hidroxilada nos rins, resultando na formação de 1,25-diOH-D3 (vitamina D3 ou calcitriol). Sol Pele Fígado Rim 25(OH)D 1,25(OH)2D Alimentação Vitamina D2 Vitamina D3 UVB ProD3 ProD3 Vitamina D3 Figura 73 – Hidroxilação da vitamina D Apesar de não ser produzida por uma glândula endócrina, estudos recentes demonstraram que a vitamina D participa de inúmeras funções regulatórias vitais, isto é, regula a expressão de mais de mil genes e, por isso, é considerada um hormônio. Os valores séricos da vitamina D considerados satisfatórios vão de 20 a 100 ng/mL. Valores abaixo de 20 ng/mL resultam em hipovitaminose. Para se atingir valores adequados, é necessária a exposição solar com duração média de 15 minutos por dia no momento da emissão de RuvB. Entretanto, vários fatores influenciam os níveis séricos de vitamina D, tais como o uso de protetor solar ou não, pigmentação da pele, estado nutricional do indivíduo, entre outros. A forma biologicamente ativa da vitamina D está associada: à regulação do crescimento das células; à prevenção do diabetes; à prevenção da progressão do câncer a partir da redução da angiogênese; ao aumento da diferenciação celular e apoptose das células cancerígenas e redução da proliferação de células e metástases. 104 Unidade III Apesar de a forma ativa da vitamina D ser a 1,25OH2D3, ela não é utilizada para avaliar sua concentração sérica, pois sua meia-vida é de apenas 4 horas e sua concentração é mil vezes menor do que a de 25(OH)D. Além disso, em caso de hipovitaminose D, ocorre um aumento compensatório na secreção do paratormônio (PTH), o que estimula o rim a produzir mais a 1,25OH2D3. Desse modo, quando ocorre deficiência de vitamina D e queda dos níveis de 25(OH)D, as concentrações de 1,25OH2D3 se mantêm dentro dos níveis normais e, em alguns casos, até mesmo mais elevadas. Isso justifica a dosagem da forma 25(OH)D, que representa sua forma circulante em maior quantidade, com meia-vida de cerca de duas semanas. Tabela 2 – Fontes de vitamina D Alimento (100 g) Quantidade de vitamina D (VD) Salmão selvagem 600 a 1000 UI de VD3 Salmão de cativeiro 100 a 250 UI de VD2 ou VD3 Sardinha em lata 300 UI de VD3 Cavala em lata 250 UI de VD3 Atum em lata 230 UI de VD3 Cogumelo tipo shitake fresco 100 UI de VD2 Cogumelo tipo shitake ao sol 1600 UI de VD2 Gema de ovo 20 UI de VD3 Adaptado de: Holick (2007). A vitamina D é necessária para a mineralização óssea, receptores de vitamina D presentes nos osteoblastos controlam a síntese de proteínas como o colágeno, osteopontina,osteocalcina e osteonectina, que constituem a fração proteica do osso sobre a qual será depositada a matriz mineral. A vitamina D também participa da absorção e utilização do cálcio e fósforo pelo organismo. A deficiência de vitamina D é uma das principais causas de raquitismo e osteomalácia. O raquitismo é um distúrbio da mineralização da matriz óssea ainda em crescimento. Já a osteomalácia também é um defeito de mineralização óssea, entretanto, ocorre após o término do crescimento e, portanto, só atinge a porção corticoendosteal do osso. A hipovitaminose D também está associada a casos de osteoporose, que é a mais comum das doenças osteometabólicas, caracterizada pela diminuição de massa óssea, tornando o osso menos resistente e mais sujeito a fraturas. É importante ressaltar que os receptores de vitamina D estão presentes em muitas células do organismo e, assim, verifica-se a importância dessa vitamina para o bom funcionamento do sistema imunológico. A quantidade ideal de vitamina D necessária para o bom funcionamento do sistema imunológico não está completamente elucidada e é alvo de muitas controvérsias clínicas. 105 BIOQUÍMICA METABÓLICA Saiba mais Para saber mais sobre a importância da vitamina D nas doenças autoimunes, leia o artigo a seguir: MARQUES, C. D. L. et al. A importância dos níveis de vitamina D nas doenças autoimunes. Revista Brasileira de Reumatologia, v. 50, n. 1, 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbr/v50n1/v50n1a07.pdf. Acesso em: 12 jun. 2020. Os casos de hipervitaminose D geralmente ocorrem em situações de excesso de suplementação. Os suplementos de vitamina D podem ser facilmente adquiridos sem prescrição médica, em apresentações e dosagens variadas. Como a vitamina D é lipossolúvel e pode ser armazenada no organismo, não são raros casos de intoxicação. Não se sabe qual é o limite de ingestão diária de vitamina D necessário para causar toxicidade, entretanto, até 10.000 UI por dia foi considerado seguro em uma população saudável. Doses acima de 100.000 UI por semana ou meses podem causar perda de apetite, náuseas, sede e estupor. 8.1.3 Vitamina E Vitamina E é o termo genérico para dois grupos de compostos que apresentam atividade vitamínica semelhante: tocóis e tocotrienóis. Os tocóis apresentam uma cadeia lateral saturada contendo 16 átomos de carbono. Esse grupo inclui quatro dos oito compostos, sendo eles o α-tocoferol, β-tocoferol, γ-tocoferol e o δ-tocoferol. A diferença entre estas moléculas reside na quantidade de grupos metil que substituem o anel aromático do tocol. Já os tocotrieóis incluem: α-tocotrienol, β-tocotrienol, γ-tocotrienol e δ-tocotrienol. A diferença entre essas moléculas e as suas homólogas anteriores é que estas possuem uma cadeia lateral insaturada contendo 16 átomos de carbono. Todas essas moléculas homólogas possuem atividade biológica. HO HO O O R RR R α β γ δ 6 5 7 8 1 4 3 2 2 4’ 3’8’ 7’ 11’ R2 R2 R1 R1 Tocoferóis Tocotrienóis R1 R2 CH3 CH3 CH3 H H CH3 H H Figura 74 – Estrutura química dos tocoferóis e tocotrienóis Os tocoferóis estão na forma de óleo viscoso amarelo-pálido quando estão à temperatura ambiente. São muito solúveis em óleos e solventes orgânicos, são pouco sensíveis ao calor e à luz. Os tocoferóis são constituintes naturais de todas as membranas biológicas e contribuem para a estabilidade da membrana devido a sua atividade antioxidante. Os tocoferóis e os tocotrienóis de ocorrência natural também contribuem para a estabilidade de óleos vegetais. Dessa forma, os tocoferóis são os únicos entre as vitaminas que agem primariamente como antioxidantes, isto é, diferentemente das demais vitaminas eles não atuam como cofatores. Primariamente, essa vitamina protege os ácidos graxos insaturados da camada fosfolipídica da membrana celular e também protege a partícula LDL da oxidação. A LDL oxidada 106 Unidade III é um importante mediador de aterosclerose. A vitamina E também está associada com a melhora da resposta imune e estudos apontam que a associação dessa vitamina ao selênio mostrou-se benéfica. 8.1.4 Vitamina K A descoberta da vitamina K tem um aspecto curioso, em 1929 o bioquímico dinamarquês Henrik Dam observou presença de hemorragia em galinhas, como sinal característico de uma dieta livre de gorduras. Posteriormente, em 1935, Dam reportou que o sintoma era aliviado pela ingestão de uma substância solúvel em gordura, a qual denominou vitamina K ou vitamina da coagulação. A designação vitamina K deriva da primeira letra da palavra dinamarquesa koagulation. As formas da vitamina K são: filoquinona, dihidrofiloquinona, menaquinona e menadiona. O quadro a seguir resume as características das formas de vitamina K. Quadro 6 – Diferentes formas de vitamina K Vitamina K Fontes K1 (filoquinona) VegetaisÓleos vegetais e hortaliças K2 (menaquinona) Sintetizada por bactériasProdutos animais e alimentos fermentados K3 (menadiona) Composto sintético utilizado para terapia, a ser convertido em K2 no intestino A família das menaquinonas é composta por uma série de vitaminas designadas MK-n, em que o n indica o número de resíduos isoprenoides na cadeia lateral. A menadiona, (2-metil-1,4 naftoquinona), é um composto sintético normalmente utilizado como fonte da vitamina para a alimentação animal. A figura a seguir indica as estruturas químicas das formas biologicamente ativas da vitamina K. O 3 * Filoquinona O 6 * Menaquinona-7 O Menadiona O O [ ] * Número de resíduos isoprenoides das cadeias Figura 75 – Estruturas das formas biologicamente ativas da vitamina K O principal papel da vitamina K é sua participação na coagulação sanguínea, ela é necessária para a síntese hepática de protrombina e dos fatores de coagulação sanguínea II, VII, IX e X. Essas proteínas são sintetizadas como moléculas precursoras inativas. A formação dos fatores de coagulação requer carboxilação de resíduos de ácido glutâmico, que é dependente de vitamina K. 107 BIOQUÍMICA METABÓLICA Deve-se ter atenção quanto ao uso de varfarina (anticoagulante cumarínico) e o consumo de alimentos ricos em vitamina K. A varfarina é utilizada para tratar pacientes em risco por coagulação excessiva, como pacientes cirúrgicos e trombose. Atua como um antagonista da vitamina K, inibindo redutases envolvidas na síntese de hidroquinona a partir do epóxido, particularmente a epóxido-redutase. Assim, a ação da varfarina e da vitamina K são antagônicas. OH O CH3 CH3 * OH O O CH3 O R R O Pró-zimógeno inativo Vitamina KH2 (hidroquinona) Vitamina K quinona-redutase Vitamina K epóxido-redutase Inibição pelo varfarina Vitamina K CO2 O2 Pró-zimógeno carboxilado Vitamina K epóxido Figura 76 – Ação da varfarina na síntese dos fatores da cascata de coagulação As principais fontes de vitamina K são os vegetais e óleos, sendo esses os responsáveis pelo aumento da absorção da filoquinona. Boas fontes de vitamina K são: brócolis, couve-flor, agrião, rúcula, repolho, alface, espinafre, entre outros vegetais verdes. Os óleos vegetais, como o azeite, também contam com o nutriente, assim como as oleaginosas e o abacate. Tabela 3 – Faixa de concentração (µg de filoquinina por 100 g de alimento) 0,1 – 1,0 1 – 10 10 – 100 100 – 1000 Abacate (1,0) Maçã (6) Repolho roxo (19) Brócolis (179) Bananas (0,1) Farelo de trigo (10) Couve-flor (31) Repolho (339) Carne, bife (0,8) Manteiga (7) Ervilhas (34) Alface (129) Leite de vaca (0,6) Cenoura (6) Óleo de oliva (80) Óleo de canola (123) Arroz branco (0,1) Óleo de milho (3) Óleo de soja (173) Batata (0,5) Aveia (10) Espinafre (380) Iogurte (0,8) Gema de ovo (2) Agrião (315) Adaptada de: Dores, Paiva e Campana (2001). 108 Unidade III O quadro a seguir mostra um resumo das funções e fontes das vitaminas estudadas até aqui. Quadro 7 – Vitaminas lipossolúveis Vitaminas lipossolúveis Funções Fontes Vitamina A Mecanismo da visão Fígado, rins, ovos, laticínios, cenoura, espinafre e mamão Vitamina D Manutençãoóssea Fígado, gema de ovo, laticínios, gérmen de trigo Vitamina E Antioxidante Previne peroxidação lipídica das membranas celulares Azeites, fígado, abacate e vegetais de folhas verdes Vitamina K Previne sangramentos Síntese de fatores da cascata da coagulação Vegetais verdes folhosos 8.1.5 Complexo B O complexo B envolve um conjunto de vitaminas como: vitamina B1 (tiamina), B2 (riboflavina), B3 (niacina), B5 (ácido pantotênico), B6 (piridoxina), B7 (biotina), B9 (ácido fólico) e B12 (cianocobalamina). De um modo geral, as vitaminas do complexo B participam como cofatores de inúmeras reações bioquímicas do metabolismo de carboidratos, lipídeos e proteínas. 8.1.5.1 Vitamina B1 (tiamina) A forma ativa da tiamina é o pirofosfato de tiamina (TPP), formada pela transferência do grupo pirofosfato do ATP para a tiamina. Ele atua como coenzima na formação ou degradação de α-cetóis pela transcetolase e na descarboxilação oxidativa dos α-cetoácidos. Também atua como coenzima na descarboxilação-oxidação do piruvato, com sua conversão em acetil-CoA, e do α-cetoglutarato no ciclo de Krebs, formando succinil-CoA; e nas reações das transcetolases, na via das pentoses-fosfato. Desempenha papel importante na maioria das células, mas especialmente no tecido nervoso, na descarboxilação oxidativa do piruvato e do α-cetoglutarato. A TTP é importante na transmissão do impulso nervoso, a coenzima se localiza nas membranas periféricas dos neurônios e é necessária para a biossíntese de acetillcolina e nas reações de translocação de íons na estimulação nervosa. A deficiência de tiamina resulta em perda do apetite, constipação, enjoo, depressão, neuropatia periférica, irritabilidade e fadiga. Em casos de deficiência moderada, verifica-se confusão mental, ataxia (andar cambaleante e disfunção motora) e oftalmoplegia (perda da coordenação ocular). E na deficiência severa ocorre o beribéri em humanos caracterizada pelo edema no sistema neuromuscular, dor, atrofia e debilidade muscular, podendo levar a óbito. A tiamina está presente no fígado e em outras vísceras, no gérmen de trigo, em carnes magras, em feijões, em peixes, na gema de ovo e no amendoim. A absorção da vitamina B1 é diminuída com consumo de álcool. 109 BIOQUÍMICA METABÓLICA 8.1.5.2 Vitamina B2 (riboflavina) As duas formas biologicamente ativas são flavina mononucleotídeo (FMN) e flavina adenina dinucleotídeo (FAD), formadas pela transferência de um AMP do ATP para o FMN. O FMN e o FAD podem aceitar reversivelmente dois átomos de hidrogênio, formando FMNH2 ou FADH2. A deficiência de riboflavina provoca dermatite, glossite (língua lisa e púrpura) e queilose (fissuras nos cantos da boca). O FMN e o FAD provenientes dos alimentos são hidrolisados no intestino e liberam a riboflavina. Esta, por sua vez, é absorvida e transportada pela corrente sanguínea para os tecidos alvos em associação com a albumina. A riboflavina está presente em laticínios, fígado, rins, cereais, carnes magras, peixes, ovos, brócolis e folhas verdes. 8.1.5.3 Vitamina B3 (niacina) Também conhecida como ácido nicotínico. As formas biologicamente ativas da coenzima são nicotinamida-adenina-dinucleotídeo (NAD+) e nicotinamida-adenina-dinucleotídeo-fosfato (NADP+). A nicotinamida é derivada do ácido nicotínico, que contém uma amida substituindo um grupo carboxila, e também ocorre na alimentação. A nicotinamida é desaminada no organismo e equivale nutricionalmente ao ácido nicotínico. O NAD+ e o NADP+ são coenzimas que podem se transformar nas formas reduzidas NADH e NADPH, respectivamente, e originam muitos ATP quando reoxidadas na cadeia respiratória. A niacina está presente nos cereais, na levedura, no amendoim, no leite e em carnes, principalmente no fígado. A carência de niacina está associada à pelagra, cujos sintomas são dermatite, diarreia e demência. O não tratamento da pelagra pode levar ao óbito. 8.1.5.4 Vitamina B5 (ácido pantotênico) É um componente da coenzima A, a qual participa da transferência de grupos acila. A coenzima A contém um grupo tiol que transporta compostos acila como ésteres do tiol ativados. Essas estruturas apresentam-se na forma de succinil-CoA, acil-CoA e a acetil-CoA, do grupo de carboidratos, e na de lipídios, pois o ácido pantotênico é também um componente da sintetase dos ácidos graxos. A vitamina B5 é encontrada principalmente no fígado, no coração, no abacate, em cogumelos, no brócolis, na gema de ovo, em leveduras, em cereais integrais e em legumes. A deficiência dessa vitamina é rara e geralmente é associada à desnutrição grave. 8.1.5.5 Vitamina B6 É uma denominação que engloba a piridoxina, o piridoxal e a piridoxamina, todos derivados da piridina. A diferença entre essas estruturas reside na natureza do grupo funcional ligado ao anel. A piridoxina ocorre principalmente nas plantas, enquanto o piridoxal e a piridoxamina são de origem animal. As três formas de vitamina B6 podem ser precursoras da coenzima biologicamente ativa, o piridoxal-fosfato. A vitamina B6 atua como coenzima nas reações de transaminação e descarboxilação de aminoácidos, e também participa do metabolismo da glicose e dos lipídios. 110 Unidade III A piridoxina 5-fosfato (PLP) participa da síntese de neurotransmissores (GABA, serotonina, epinefrina, noraepinefrina e GABA). Além disso, a PLP também é necessária para a reação de conversão do triptofano em niacina (vitamina B3), que por sua vez é utilizada como coenzima pela enzima glicogênio fosforilase, importante para via de glicogenólise e gliconeogênese. A vitamina B6 ocorre nas carnes, na batata, no grão-de-bico, em cerais e na banana. Os casos graves de hipovitaminose B6 são as neuropatias e a anemia sideroblástica (deficiência na síntese de hemoglobina). 8.1.5.6 Vitamina B7 (biotina) É o grupo prostético de várias enzimas que participam em reações de carboxilação (atua como carregador do CO2 ativado). As mais importantes dessas enzimas são: piruvato carboxilase, que catalisa a conversão do piruvato em oxaloacetato e participa da gliconeogênese; e acetil-CoA carboxilase, que catalisa a conversão do acetil-CoA em malonil-CoA e participa da biossíntese de ácidos graxos. A deficiência de biotina é rara, pois está amplamente distribuída nos alimentos. Alimentos ricos em biotina incluem: amendoim, avelã, amêndoa, farelo de aveia, ovos e leite. As bactérias intestinais também produzem a biotina. 8.1.5.7 Vitamina B9 (ácido fólico) A deficiência de ácido fólico pode ser causada pelo aumento na demanda (por exemplo, durante a gestação e a lactação), absorção deficiente (causada por patologia do intestino delgado), alcoolismo ou tratamento com drogas, que são inibidoras da diidrofolato-redutase, como, por exemplo, o metotrexato. A principal consequência da deficiência de ácido fólico é a anemia megaloblástica, causada pela diminuição na síntese de bases nitrogenadas, o que leva a uma incapacidade da célula em produzir DNA, o que consequentemente impede as células de se dividirem. A deficiência de ácido fólico também pode causar defeitos do tubo neural ao nascimento, como espinha bífida e anencefalia. Portanto, é extremamente importante que as gestantes façam suplementação de ácido fólico na dieta. A Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde do Brasil recomendam a dose de 400µg (0,4 mg), diariamente, por pelo menos 30 dias antes da concepção até o primeiro trimestre de gestação, para prevenir os defeitos do tubo neural, e durante toda a gestação, para prevenção da anemia. Em casos de antecedentes de malformações congênitas, a gestante deve tomar a dose de 5 mg/dia a fim de reduzir o risco de recorrência de malformação. 8.1.5.8 Vitamina B12 (cianocobalamina) É sintetizada somente por micro-organismos. O termo vitamina B12 compreende uma família de substâncias que apresentam um anel tetrapirrólico que circunda um átomo central de cobalto, um grupo nucleotídico que consiste na base 5,6-dimetilbenzimidazol e numa ribose fosforiladaesterificada com 1-amino, 2-propanol. 111 BIOQUÍMICA METABÓLICA CH3 CH3 Co R H3C H3C H3C H3C H2N H2N H2N OH HO CH3 CH3 CH3 NH2 NH2 NH2 CH3 O O O O O O O O O O O CH3 N NP O N N NN Figura 77 – Estrutura da vitamina B12 Os animais podem obter a vitamina B12 a partir da microbiota ou pela ingestão de alimentos de origem animal. Essa vitamina não está presente nos vegetais. Os alimentos ricos em vitamina B12 são o fígado, leite e ovos. Tabela 4 – Fontes de vitamina B12 Alimentos Peso (g) Vitamina B12 (µg) Bife de fígado cozido 100 112 Mariscos no vapor 100 99 Ostras cozidas 100 27 Fígado de frango cozido 100 19 Coração cozido 100 14 Caranguejo cozido 100 9 Leite desnatado 245 0,93 Ovo cozido 50 0,49 Adaptada de: Hands (2000). A vitamina B12 é liberada pelas proteínas de origem animal e atravessa o estômago ligada ao fator intrínseco gástrico (FI), produzido pelas células parietais gástricas. Essa ligação também protege a vitamina B12 da ação das enzimas proteolíticas da luz intestinal. Posteriormente, a vitamina B12 se adere a receptores específicos das células epiteliais do íleo terminal, onde é absorvida e ligada a um transportador plasmático e lançada na circulação. Assim, é absorvida no íleo terminal e então ligada à transcobalamina (Tc II), adentra a circulação portal e é distribuída para as células que expressam receptores específicos, os quais 112 Unidade III internalizam a vitamina na forma de complexo Tc-vitamina B12. A presença de anticorpos bloqueadores de FI ou de anticorpos anticélulas parietais pode levar à anemia perniciosa. Dieta Para o íleo Célula da mucosa no íleo Estômago Proteína ligadora de B12 B12 B12 Fl B12 Fl B12 Fl B12 B1 2 Figura 78 – Transporte da vitamina B12 ao longo do sistema digestório A vitamina B12 participa da síntese da metionina e da isomerização da metilmalonil-CoA, que é produzida na degradação de alguns aminoácidos e de ácidos graxos com número ímpar de carbono. Na carência da vitamina B12, ácidos graxos anormais acumulam-se e são incorporados nas membranas celulares, incluindo as do sistema nervoso. Isso pode contribuir para algumas manifestações neurológicas da deficiência da vitamina B12. A principal consequência da hipovitaminose B12 é a anemia megaloblástica, que ocorre porque durante a eritropoiese (processo de produção de hemácias) as células se dividem rapidamente e necessitam de vitamina B12 para a síntese de nucleotídeos. Durante a formação das hemácias, as formas N5,N10-metileno e N10-formil do tetraidrofolato são necessárias para a síntese de nucleotídeos, utilizados na replicação do DNA. 113 BIOQUÍMICA METABÓLICA Ácido fólico Anel de purina Anel de purinaHCOOH N5, N10-formil H4folato N5, N10-metileno H4folato N5-metil H4folato dTMP Ser Gly N10-formil H4folato Metionina Homocisteína H2folato H4folato H4folato His Figura 79 – Interconversões metabólicas do ácido fólico e vitamina B12. A importante reação que depende de vitamina B12 e converte N5-metil tetra-hidrofloato (H4folato) de volta em H4folato é indicada por uma seta tracejada cinza. Legenda: Desoxitimidina 5´ monofosfato (dTMP); Serina (Ser); Glicina (Gly) Especial atenção deve ser dada aos indivíduos que tenham sofrido gastrectomia total ou parcial, os quais tornam-se deficientes ao fator intrínseco e não conseguem mais absorver a B12. A deficiência ocorre devido à retirada da mucosa gástrica que produz o fator intrínseco. Esse fator liga-se à B12 para que ocorra sua absorção no intestino. Essa falta de absorção pode gerar uma anemia carencial, podendo ser por deficiência de vitamina B12 (anemia megaloblástica). Por isso, é importante a suplementação dessa vitamina após a cirurgia bariátrica. Observação O vegetarianismo tem criado bastante adeptos no Brasil e é importante saber que há diferentes modalidades dentro dessa dieta. O veganismo é um estilo de vida, são pessoas que não consomem qualquer tipo de produto proveniente de origem animal ou que envolva animais em sua produção. O vegetarianismo é seguido por pessoas que excluem de sua dieta tudo de origem animal, como carne, leite ou ovos. Já os ovolactovegetarianos não comem nenhum tipo de carne, mas incluem ovos e leite em sua alimentação. Os ovos, leite e queijos são de origem animal e contêm B12. Assim, quem consome esses alimentos regularmente talvez não precise de suplementação. No entanto, os vegetarianos estritos (que não utilizam alimentos fortificados) e vegetarianos que consomem ovos e laticínios com pouca frequência talvez não obtenham a quantidade diária recomendada dessa vitamina. 114 Unidade III 8.1.6 Vitamina C (ácido ascórbico) Os seres humanos e outros primatas, bem como a cobaia, são os únicos mamíferos que não podem sintetizar vitamina C. Esse fato se deve à deficiência genética da enzima gulonolactona oxidase, o que impede a síntese do ácido L-ascórbico a partir da glicose. A forma ativa da vitamina C é o ácido ascórbico. A principal função do ascorbato é a de agente redutor em diversas reações diferentes. A figura a seguir mostra o potencial redutor da vitamina C. HO HO HO O O O HO HO HO O O O OH O O–O O O AscH– Ascorbato AscH .– Radical ascorbila DHA Ácido desidroascórbico – e–, – H+ – e– + e–, + H+ + e– .– Figura 80 – A oxidação do ácido ascórbico por um elétron (e-) forma o radical ascorbila que, ao ser oxidado novamente, gera ácido desidroascórbico. Os elétrons são recebidos por compostos oxidantes A vitamina C tem um papel essencial nas reações de hidroxilação da prolina para formar hidroxiprolina, necessária para a síntese de colágeno. A deficiência de ácido ascórbico resulta no escorbuto, doença caracterizada por sangramento gengival, dentes frouxos, fragilidade dos vasos sanguíneos, edemas nas articulações e anemia. Esses sintomas foram verificados na época das grandes navegações, quando a tripulação permanecia meses no mar. O médico escocês James Lind foi o primeiro a correlacionar a alta morbidade e mortalidade dos marinheiros ingleses com a deficiência da vitamina C. Outro papel importante da vitamina C é facilitar a absorção do ferro da dieta no intestino. Por isso é preciso consumir feijão acompanhado de suco de laranja, por exemplo, pois isso favorece a absorção do ferro dessa leguminosa. Tabela 5 – Teor de vitamina C nos alimentos Alimentos Vitamina C mg/100 g Acerola 1700 Caju 252 Couve 105 Goiaba 273 Quiuí 71 Laranja 48,3 Mamão papaia 61,4 Tangerina poncã 48,8 Adaptada de: Cozzolino (2016). 115 BIOQUÍMICA METABÓLICA O quadro a seguir resume as funções e fontes das vitaminas hidrossolúveis. Quadro 8 – Vitaminas hidrossolúveis Vitaminas hidrossolúveis Funções Fontes B1 (tiamina) Biossíntese da acetilcolina Participa no funcionamento do sistema nervoso Carnes, gema de ovo, leveduras, cereais integrais e frutas secas B2 (riboflavina) Respiração celular, integridade da pele, mucosas e sistema ocular Formas ativas: flavina mononucleotídeo (FMN) e flavina adenina dinucleotídeo (FAD) Carnes e laticínios, cereais, leveduras e vegetais verdes B3 (niacina) Agente redutor Formas ativas: nicotinamida-adenina-dinucleotídeo (NAD+) e nicotinamida-adenina-dinucleotídeo-fosfato (NADP+) Carnes, fígado e rins, laticínios, ovos, cereais integrais, levedura e legumes B5 (ácido pantotênico) Componente da coenzima A utilizado na síntese de ácidos graxos Fígado, coração, abacate, cogumelos, brócolis, gema de ovo, leveduras, cereais integrais e legumes B6 (piridoxina, piridoxal e piridoxamina) Reações de transaminação e descarboxilação de aminoácidos Síntese de neurotransmissores (GABA, serotonina, epinefrina, noraepinefrina e GABA) Conversão do triptofano em niacina (vitamina B3) Carnes, batata, grão-de-bico, cerais e banana B7 (biotina) Participa de reações de carboxilação (atua como carregador do CO2 ativado) Amendoim, avelã, amêndoa, farelo de aveia, ovo e leite B9 (ácido fólico) Divisão celular Formaçãodas hemácias Fechamento do tubo neural Carnes, fígado, verduras verde-escuras e cereais integrais B12 (cianocobalamina) Elaboração de células Síntese de hemoglobina Atua no sistema nervoso Carnes e laticínios, sendo sintetizada pelo organismo C (ácido ascórbico) Formação do colágeno Antioxidante Favorece a absorção do ferro Vegetais verdes e frutas cítricas Exemplo de aplicação Estudos mostram que algumas vitaminas podem ser utilizadas no tratamento da dor neuropática. Reflita sobre qual das vitaminas estudadas podem ser utilizadas em monoterapia ou combinadas a outros fármacos, como os anti-inflamatórios. 116 Unidade III 8.2 Sais minerais Os sais minerais são micronutrientes essenciais para as reações metabólicas e atuam como cofatores. Também participam da regulação dos impulsos nervosos, da atividade muscular e do equilíbrio ácido-base. Fazem parte desse grupo o cálcio, sódio, iodo, cálcio, fósforo, entre outros. Os minerais estão presentes nos alimentos de origem animal e vegetal e podem ser classificados de acordo com sua necessidade diária, como macrominerais e microminerais. Os macrominerais são aqueles cuja necessidade diária é maior que 100 mg. Suas principais funções estão associadas à estrutura e formação óssea, regulação dos fluidos corporais e secreções digestivas. Fazem parte desse grupo: cálcio, fósforo, magnésio, cloreto, sódio e potássio. Já os microminerais, ou elementos-traço, são aqueles cuja necessidade diária é menor que 100 mg por dia, como é o caso do ferro, zinco, selênio, cobre, iodo e manganês. Suas funções estão relacionadas às reações bioquímicas, ao sistema imunológico e à ação antioxidante. 8.2.1 Cálcio A maior parte do cálcio no corpo humano (99%) está sob a forma de fosfato de cálcio na matriz óssea dos ossos e dentes. O restante dele (1%) localiza-se no meio intra e extracelular. O cálcio participa da formação óssea, coagulação, transmissão nervosa e também contração muscular. A absorção desse mineral ocorre na borda em escova do enterócito, onde se liga à calbindina, de modo a manter o cálcio em solução, já que é pouco solúvel em meio aquoso. Esse processo é regulado pela vitamina D, que interage na membrana plasmática da borda em escova, abrindo canais de cálcio. A vitamina D também atua facilitando a absorção de cálcio nos rins, aumentando a calcificação e mineralização óssea. Quando o equilíbrio homeostático do cálcio é rompido, podem ocorrer quadros de hipercalcemia ou hipocalcemia. Esse equilíbrio é realizado pelo paratormônio (PTH) e pela vitamina 1,25(OH)2D. Quando os níveis de cálcio no plasma diminuem ocorre aumento da produção de PTH, que age em várias células, entre elas os osteoclastos, o que favorece a atividade dessas células que aumentam a reabsorção óssea e, consequentemente, ocorre elevação da calcemia. Além disso, o PTH favorece a expressão gênica de vitamina D que, na sua forma ativa, intensifica a absorção intestinal do cálcio, por aumentar a concentração das bombas de cálcio nas células intestinais. Assim, PTH e vitamina D estão relacionados na manutenção da calcemia. 117 BIOQUÍMICA METABÓLICA UVB Alimentos Vitamina D3 Vitamina D2 7-deidrocolesterol Fígado 25-Hidroxilase 1,25-Hidroxilase + + – + + Paratireoides Osso Intestino Absorção/Excreção túbulos renais de cálcio e fósforo Homeostase do cálcio e fósforo – 1,25(OH)D2PTH 25(OH)D Rim Pele Figura 81 – Fontes e metabolismo da vitamina D. UVB: ultravioleta B; vitamina D3: colecalciferol; vitamina D2: ergocalciferol; 25(OH)D: 25 hidroxivitamina D; 1,25(OH)2 D: 1,25 dihidroxivitamina D (calcitriol); PTH: hormônio paratireoidiano O cálcio está presente nos alimentos de origem animal e vegetal, no entanto, o cálcio de fontes vegetais sofre a ação de substâncias como o oxalato e o fitato, que reduzem sua absorção, sendo o cálcio de fontes animais mais prontamente disponível. A hipocalcemia está associada à osteoporose, fraturas e fraqueza muscular. Já o excesso de cálcio plasmático está associado à presença de cálculo renal e insuficiência renal. Suas principais fontes são: leites e derivados, cereais integrais, castanhas, soja e derivados e vegetais verde-escuros. 118 Unidade III 8.2.2 Fósforo Assim como o cálcio, o fósforo participa da estrutura de ossos e dentes. É essencial na composição das moléculas de DNA, RNA e ATP. A carência dele é rara, uma vez que está presente na maioria dos alimentos, mas em casos isolados pode causar fraturas e atrofia muscular. Os alimentos ricos em fósforo são: leites e derivados, cereais integrais, leguminosas e carnes. 8.2.3 Magnésio É o segundo cátion em maior concentração no organismo. Participa como cofator de várias reações, modula a função de canais iônicos e atua em associação ao ATP na ativação ou desativação de vias de transdução de sinal, por exemplo, na sinalização da insulina. Cerca de 60% do magnésio no organismo encontra-se nos tecidos mineralizados (ossos e dentes) e o restante distribuído no músculo esquelético e outros tecidos. Observa-se um crescente interesse na elucidação dos processos bioquímicos regulados pelo magnésio. A carência de magnésio acarreta fraqueza e hipertensão; já o excesso causa diarreia. Suas principais fontes são: leite e derivados, castanhas, vegetais verde-escuros, frutas cítricas e chocolate amargo. 8.2.4 Sódio, cloreto e potássio Esses três eletrólitos são componentes essenciais de fluidos corporais, como sangue e urina, e regulam a distribuição de água ao longo do organismo, além de desempenharem papel importante no equilíbrio ácido-básico. Considerando os fluídos corporais, o sódio (Na+) é o principal cátion extracelular, o potássio (K+) o principal cátion intracelular e o cloro (Cl-) o principal ânion extracelular. A bomba de Na-K ATPase das membranas celulares tem a propriedade de manter as concentrações de Na+ e K+ constantes. Essa bomba transporta de forma ativa o Na+ para o exterior das células e K+ para o interior. O sódio também é essencial para as contrações musculares e para a transmissão de impulsos nervosos. A regulação da concentração de sódio no organismo é controlada pela aldosterona, um hormônio secretado pelo córtex adrenal, que estimula a reabsorção de sódio nos túbulos renais ao mesmo tempo em que facilita e excreção de potássio. A carência de sódio provoca câimbras, desidratação, tonturas e hipotensão arterial; já seu excesso leva à pressão alta, ao ataque cardíaco e ao aumento da perda de cálcio. Suas principais fontes são: sal de cozinha, alimentos processados e carnes defumadas. A importância do potássio no equilíbrio ácido-básico deve-se à competição entre os íons potássio e prótons (H+). Na acidose para cada potássio retido, ocorre a eliminação de um hidrogênio, enquanto na alcalose ocorre o contrário, isto é, no caso de uma acidose, na tentativa de manter o pH do sangue, o potássio sai da célula com a entrada do próton, enquanto na alcalose o potássio entra na célula com a saída do próton. A carência de potássio reduz a atividade muscular, inclusive do miocárdio. Suas principais fontes são: frutas, verduras, leite e derivados. Além de participar do equilíbrio ácido-básico o cloro é importante na produção do ácido clorídrico. O cloreto das secreções gástricas é proveniente do cloreto do sangue, que é reabsorvido durante os últimos estágios da digestão no intestino. O cloreto está presente principalmente no sal de cozinha e nos alimentos processados. 119 BIOQUÍMICA METABÓLICA 8.2.5 Ferro O ferro tem a propriedade de aceitar e doar elétrons, função essa que o torna essencial em várias reações biológicas. Ele está presente na molécula heme e em diversas proteínas e é utilizado pelo organismo por meio da alimentação e da reciclagem de hemácias senescentes. O ferro da dieta é encontrado sob duas formas: heme e não heme. A aquisição da forma heme corresponde a 1/3 do total e é proveniente da degradação da hemoglobina e mioglobina presentes na carne vermelha. Os ovos