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Inserir Título Aqui Inserir Título Aqui O Ensino de Geometria e Medidas Relações Espaciais Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Me. Priscila Bernardo Martins Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin Nesta unidade, trabalharemos os seguintes tópicos: • Introdução; • O “Tamanho do Espaço”; • Os Estudos de Piaget; • Discussões Didáticas e Curriculares; • As Habilidades Relativas ao Espaço na BNCC. Fonte: Getty Im ages Objetivos • Abordar os conceitos de localização e movimentação no espaço, destacando o “tama- nho” do espaço (Micro, Meso e Macro); • Mostrar o vocabulário espacial adequado e as competências que esse tema envolve, como a comunicação, a interpretação e a representação espacial, além de discussões sobre pontos de referência. Caro Aluno(a)! Normalmente, com a correria do dia a dia, não nos organizamos e deixamos para o úl- timo momento o acesso ao estudo, o que implicará o não aprofundamento no material trabalhado ou, ainda, a perda dos prazos para o lançamento das atividades solicitadas. Assim, organize seus estudos de maneira que entrem na sua rotina. Por exemplo, você poderá escolher um dia ao longo da semana ou um determinado horário todos ou alguns dias e determinar como o seu “momento do estudo”. No material de cada Unidade, há videoaulas e leituras indicadas, assim como sugestões de materiais complementares, elementos didáticos que ampliarão sua interpretação e auxiliarão o pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois estes ajudarão a verificar o quanto você absorveu do conteúdo, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Bons Estudos! Relações Espaciais UNIDADE Relações Espaciais Contextualização Em algum momento de sua vida, você já deve ter vivido uma situação em que não sabia se locomover para algum endereço desconhecido, não é mesmo?! Imagine que o GPS do seu carro esteja quebrado e o celular sem bateria para acesso a um site de busca do endereço. E agora?! De repente, você teve a ideia de parar em um Posto de Gasolina próximo ao Metrô, que era o ponto de referência do endereço, e o frentista consultado disse: “– Você está pertinho. Siga em frente, vire a segunda travessa à esquerda e ande 3 quarteirões que você chegará a seu destino”. Você seguiu as orientações do frentista... e não achou o local que procurava... E agora?! Depois de muito pensar, voltou ao Posto e consultou outro frentista. Observe a orien- tação dada: “ – Siga em frente, vire a segunda travessa à sua direita e ande 3 quarteirões que você chegará a seu destino”. Então, seguiu as novas orientações e chegou corretamente ao seu destino. Agora, reflita sobre a situação proposta e aponte o que de errado havia com o pri- meiro frentista consultado. Conforme já relatado, o estudo da Unidade 1 ampliará seus conhecimentos sobre o Espaço, suas relações e o uso de referenciais pertinentes e de vocabulário adequado. 6 7 Introdução Na situação proposta na Contextualização, você deve ter percebido que houve um engano do primeiro frentista ao indicar para virar à esquerda, não foi?! Perceba que esse frentista, além de não indicar corretamente o sentido a ser percorri- do, não apresentou referencial para que o motorista pudesse se localizar de acordo com a informação. Ele disse: vire a segunda travessa à sua direita, ou seja, indicou o sentido e o refe- rencial em relação ao corpo do motorista (direita do motorista). Curi (2013) destaca que esse tema (relações espaciais) é relativamente novo nos cur- rículos de Matemática, vez que surgiu com os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (1997), e é focalizado também na Base Nacional Comum Curricular-BNCC (2017). Para essa autora, esse tema está relacionado ao uso social. A autora considera que esse tema permite desenvolver três competências geométri- cas essenciais, de natureza distintas, e que nem sempre são percebidas pelo professor no ensino desse tema. A primeira refere-se à comunicação com o uso de vocabulário próprio e compreensí- vel não só pelos estudantes, mas, principalmente, no ambiente social. Muitas palavras empregadas em situações vivenciadas no espaço são de uso social e comuns na vida da criança. Mas, é preciso perceber se há compreensão do significado dessas palavras e se as crianças as usam adequadamente nas situações que vivenciam. De acordo com Saiz (2006) a imitação de comportamentos e os intercâmbios orais sobre as localizações dos objetos, os deslocamentos, as atividades e seus efeitos são fonte de conhecimento para a criança, têm origem em atividades cotidianas e são trans- mitidos por meio da linguagem, principalmente, na denominação e na localização dos objetos e dos lugares. Assim, para se localizar no espaço, é preciso conhecer e empregar um vocabulário que permita distinguir e interpretar informações espaciais. A segunda competência destacada por Curi (2013) envolve a visualização, a leitura e a interpretação do espaço, que é importantíssima para a compreensão do espaço e de seus elementos. Gutiérrez (1996) destaca a visualização como um tipo de raciocínio/pensamento ba- seado no uso de elementos visuais ou espaciais, tanto mentais, quanto físicos. A terceira envolve as construções de representações do espaço, e difere da anterior, que permite apenas a interpretação do espaço. É muito diferente compreender o espaço já representado e que representar o espaço. Segundo Gutiérrez (1996), a representação é entendida como um importante instru- mento para expressar conhecimentos e ideias do espaço. Ajuda a criar ou transformar imagens mentais e a produzir o raciocínio visual. Essa representação pode ser gráfica, quando se usa um desenho em uma folha de papel, ou por meio de linguagem e gestos. 7 UNIDADE Relações Espaciais Para Curi (2013), essas três competências são imbricadas, mas, quando separadas, ajudam o professor na exploração do vocabulário, na compreensão do espaço e na construção de representações espaciais. Você já tinha pensado sobre a importância do tema relações espaciais e o que ele represen- ta em termos de conhecimentos geométricos? Para compreender, descrever e representar o espaço, o aluno precisa saber localizar- -se e se movimentar nele, dimensionar sua ocupação, ter percepção sobre a forma e o tamanho do espaço e a relação disso com o uso que se faz dele. Por esse motivo, é importante estabelecer pontos de referência em seu entorno e se situar no espaço, dando e recebendo instruções adequadas, compreendendo e utilizando vocabulário apropriado (esquerda, direita, acima, abaixo, ao lado, na frente, atrás, perto) para descrever a posição e a movimentação, possibilitando a construção de itinerários. Nesta unidade, essas competências serão exploradas, pois, como as crianças têm hi- póteses sobre a escrita numérica, também têm hipóteses sobre a construção do espaço. Para o avanço das crianças nas relações espaciais é importante que o professor tenha subsídios teóricos que possibilitem analisar as representações construídas pelas crianças e intervir para seu avanço. Você já tinha refletido sobre isso? O “Tamanho do Espaço” Como já foi dito, o ensino das representações espaciais envolve “o tamanho do espaço”. Galvez (1985) estabelece três tipos de espaço, cada qual com um “tamanho” diferente: micro espaço, meso espaço e macro espaço. Ele denomina micro espaço quando o aluno consegue contemplar a totalidade do espaço de uma só vez, como o espaço de uma folha de caderno, da tela do computador, da mesa de trabalho, da folha de sulfite etc. Meso espaço, para o autor, é como uma porção do espaço físico que, para ser visto em sua totalidade, exige pequenos deslocamentos ou mais de um ponto de vista, como, por exemplo, a sala de aula, a quadra da Escola, a cozinha etc. e chama de macro espa- ço aquele que é impossível observartotalmente, mesmo com pequenos deslocamentos ou pontos de vista, como o bairro, a cidade, o quarteirão da Igreja etc. Trabalhar com diferentes “tamanhos” de espaço implica utilizar diversos modelos conceituais que orientem as ações do sujeito. Nesse sentido, para resolver problemas em diferentes “tamanhos” do espaço é ne- cessário utilizar procedimentos diferentes e diversas maneiras de relacionar os objetos presentes na parte do espaço utilizada. 8 9 Antes de continuar a leitura, você já parou para pensar sobre as hipóteses que as crianças constroem sobre as relações espaciais? Como pensam e concebem o espaço? Frente a essa questão, passamos a apresentar teóricos que poderão apoiar os profes- sores na abordagem com as relações espaciais. Os Estudos de Piaget Jean Piaget, em seus estudos, destaca que o desenvolvimento da noção espacial se realiza em fases sequenciadas, e que as crianças vão passando por essas fases por meio da experimentação ativa do espaço em que estão inseridas. O autor denomina a primeira relação geométrica de espaço vivenciada pela criança como uma relação topológica, e explica que isso acontece quando a criança tem o seu próprio corpo como referência. O pesquisador revela que é com essa relação que a criança adquire o conceito de direita e esquerda. Piaget afirma que as primeiras relações construídas pela criança dizem respei- to às características dos objetos em si mesmos e que utilizam seu próprio corpo como referência. A relação de vizinhança é a mais simples, envolve a proximidade entre os elementos de um determinado campo de observação, ou seja, o espaço e os elementos que o cons- tituem são observados da mesma maneira. A relação de separação se revela quando as representações dos elementos do espaço são feitas de forma distinta. Em sala de aula, a exploração das relações topológicas é pertinente a partir do micro espaço, ou seja, a sala de aula, e ampliar para outros ambientes educativos, depois ir para o meso espaço, a fim de discutir e analisar o entorno da escola, e para o macro espaço, no caso, o bairro, pois, de modo geral, esses espaços são vivenciados pelos alunos. Para isso, é relevante levar em consideração três noções importantes: lateralidade, anterioridade e profundidade: • A lateralidade refere-se à noção de direita e esquerda, que o indivíduo deve desen- volver para se orientar; • A anterioridade equivale à noção de ordem e sucessão de objetos no espaço, por meio de um dado ponto de vista, como a sequência de pontos de referência num determinado itinerário; • A profundidade condiz com a noção de posição, a saber: em cima, no alto, sobre, abaixo de e debaixo de, entre outras. 9 UNIDADE Relações Espaciais A outra fase destacada por ele é a do espaço projetivo, em que as crianças coor- denam os objetos em relação uns aos outros (não mais em relação ao seu próprio corpo) e que levam em conta todos os pontos de vista. Como se sabe, a criança usa seu próprio corpo como referencial para descrever a posição de objetos ou das pessoas próximas a ela, referindo-se à sua própria orien- tação, ou seja, quando ela pensa em esquerda, ela pensa à sua esquerda, e não à esquerda do objeto. Quando a criança abandona esse sistema de referência centrado no seu próprio corpo e em sua própria ação, passa a incorporar outros referenciais e descreve a loca- lização de um objeto em relação a outro, por exemplo: a bola está à esquerda do escor- regador (SAIZ, 2006). Por último, Piaget indica o que denomina relação métrica ou euclidiana, em que a criança começa a diferenciar tamanhos de objetos ou do espaço. As relações métricas ou euclidianas são simultâneas às relações projetivas e se apoiam nelas. São observadas quando a criança representa uma maquete numa folha de papel sob diferentes pontos de vista, considerando os deslocamentos, as medidas e as proje- ções, e coordenam a colocação dos objetos entre si. Para Piaget, as fases do desenvolvimento da noção espacial são sequenciadas. Ele destaca as relações topológicas, projetivas e euclidianas como essenciais para o de- senvolvimento da noção espacial. Os Estudos de Luquet e suas Consequências Um dos autores que discute desenhos de crianças é bastante antigo, mas muito im- portante: Georges Henri Luquet (1927). Ele parte de um pressuposto fundamental: o desenho traçado por uma criança no papel é a reprodução do modelo interno que ela possui do objeto desenhado. Para o au- tor, o modelo interno não é uma cópia do objeto em pensamento, mas uma construção mental do sujeito em relação ao objeto (LUQUET, 1927). Ele relaciona o desenho das crianças do ponto de vista de seu desenvolvimento cognitivo. Luquet (1927) define alguns estágios do desenvolvimento gráfico. O estudo desses estágios pode ajudar o professor a analisar as representações espaciais construídas pelas crianças. São eles: Realismo Fortuito, Realismo Falhado ou Incapacidade Sintética, Realismo Intelectual e Realismo Visual. 10 11 O que Luquet entende por Realismo? O autor refere-se a realismo como a qualidade do desenho ser “semelhante” a um objeto, ou seja, refere-se à compreensão das características gerais do objeto. Luquet (1927) afirma que a criança faz uma observação atenta da realidade para de- pois reconhecer e corrigir as imperfeições que julga que seu desenho tem. As crianças representam os objetos como observam, ou seja, tudo o que as impres- siona e que muitas vezes um adulto não notou do objeto. O autor destaca que o realismo dos desenhos das crianças pode ser encontrado nos contornos e na aparência do objeto, com todos os pormenores. A seguir apresentamos cada estágio proposto por Luquet. Realismo Fortuito Este estágio tem como característica principal o desenho involuntário. A criança per- cebe a representação de objetos em desenhos de outras pessoas. Também percebe que é capaz de traçar linhas, mas não tem ainda a consciência de que essas linhas podem representar objetos. Luquet afirma que é nessa fase que a criança faz um traçado com intenção de representar um objeto qualquer. Isso não significa que seu desenho representa o objeto pensado. Muitas vezes, nessa fase, a criança desenha uma maçã quadrada, mesmo pintando-a de vermelho, mas esse desenho é voluntário, pois ela quer representar a maçã. Segundo Luquet “a passagem da produção de imagens involuntárias para a execução de imagens premeditadas faz-se por intermédio de desenhos em parte involuntários, em parte voluntários” (1927, p. 141). A criança vai continuar a rabiscar e a encontrar ocasionalmente similaridades entre a maçã que desenhou e a maçã que conhece. Outras vezes, a criança tem a intenção de desenhar uma casa, por exemplo e, ao final do desenho, acha que desenhou um barco. Ela faz o traçado da casa e relaciona esse traçado ao barco, interpretando seu desenho como o desenho do barco. O Realismo Fortuito, primeira fase do desenho infantil, é caracterizado por Luquet como a produção de um traçado pela criança com alguma semelhança a um objeto que tinha a intenção de desenhar, mesmo que acidentalmente. A habilidade gráfica vai me- lhorando a partir de várias tentativas de desenho e ela começa a relacionar seu desenho ao objeto que tinha a intenção de desenhar. 11 UNIDADE Relações Espaciais Segundo Luquet, para a criança obter êxito em seu desenho, ela observa “todos os elementos do traçado propriamente dito: intenção, execução e interpretação corres- pondente à intenção”. Aos poucos, o desenho involuntário característico do Realismo Fortuito é substituído pelo desenho voluntário característico do Realismo Falhado. O Realismo Fortuito é encontrado em crianças com pouca idade, até uns 6 anos mais ou menos. Realismo Falhado Luquet (1927) afirma que é nesse estágio que as crianças dão ao desenho os detalhes que são importantes para elas naquele momento. Segundo o autor, as crianças somente estão preocupadas em representar cada um dos objetos de forma diferente,não inte- grando os objetos que compõem o espaço em sua totalidade. Luquet (1927) considera que a criança gostaria que seu desenho fosse realista, mas nesse estágio não chega a sê-lo, pois ela encontra alguns obstáculos. Segundo ao autor, o primeiro é de ordem física, pois a criança ainda não consegue limitar seus movimentos gráficos. Outro obstáculo se refere à atenção. Para o autor, a falta de atenção leva a criança a reproduzir um número restrito de elementos e de detalhes do objeto representado. Isso não significa que a criança ignore a existência de detalhes que não representa, porque são tão visíveis como os outros que ela desenha. Algumas vezes, segundo o autor, ela indica os elementos que não desenha, enunciando-os verbalmente no momento em que desenha (LUQUET, 1927, p. 148). O autor considera que a criança inicia um desenho com a intenção de representar to- dos os detalhes que vê ou conhece, mas, por conta da atenção e, às vezes, da dificuldade do desenho, sua intenção desaparece rapidamente. A criança não consegue pensar no que é preciso representar e nos movimentos gráficos necessários para a representação. Uma característica fundamental do estágio do Realismo Falhado é denominada por Luquet de Incapacidade Sintética, como uma “imperfeição do desenho” nas proporções, nas relações entre os elementos ou na falta de orientação (LUQUET, 1927, p. 150). A criança não chega a sintetizar em um conjunto coerente os diferentes detalhes do objeto que desenha, pois tem a preocupação exclusiva de representar o objeto em si (LUQUET, 1927, p. 223). No geral, os desenhos das crianças nesse estágio mostram falta de proporcionalidade entre pés e cabeça de um animal ou entre o homem e um cavalo, dependendo da im- portância que a criança dá ao objeto que vai desenhar. Uma das causas da falta de proporcionalidade pode ser o uso inadequado do espaço disponível para o desenho. Luquet afirma que a incapacidade sintética evolui quando a criança desenvolve mais sua atenção. Considera que o progresso é lento e podem ocorrer períodos de estagnação ou mesmo regressão. 12 13 Realismo Intelectual Para Luquet (1927), quando a criança supera a incapacidade sintética, seu desenho se localiza no estágio do Realismo Intelectual em que ela representa ao mesmo tempo os detalhes do objeto desenhado. Ele considera esse estágio o apogeu do desenho da criança: “O realismo intelectual traz ao desenho contradições flagrantes com a experiência (...) Eles escapam à criança porque ela tem a sua atenção totalmente monopolizada pela execução do desenho, du- rante e depois da execução” (LUQUET, 1927, p. 188). O autor considera que, nesse estágio, a criança faz seu desenho incorporando o conhecimento que possui do objeto, pelo que vê e pelo que sabe sobre ele. Ela faz o desenho com todos os elementos reais do objeto, inclusive os invisíveis, usa todos os detalhes para sua satisfação. Segundo Luquet, a criança utiliza diferentes processos em seus desenhos, cria para representar o que deseja como descontinuidade, rebatimento, transparência e planifica- ção. Com relação à transparência, quando a criança representa uma sala de aula, ela desenha também os móveis que estão dentro, o lustre, o ventilador, a lousa etc. eviden- ciando elementos visíveis e não visíveis. Na planificação, a representação do objeto surge como uma planta baixa, ou seja, uma “foto por cima”. Segundo o autor, no processo do rebatimento a criança desenha mostrando os dois lados do mesmo objeto, ou seja, rebate o objeto, como se estivesse rebatido e unido por um eixo. Para Luquet (1927), o processo da descontinuidade consiste em destacar os detalhes do desenho que, no objeto real, confundem-se e se ocultam. O objeto é representado por sua projeção como se fosse visto em linha reta. Todos esses processos podem ser usados separadamente ou não pelas crianças, isto é, ela pode planificar uma sala como se estivesse vendo de cima, e usar o processo de transparência desenhando a mesa de jantar e as cadeiras e a mudança de ponto de vista para indicar a passagem para a cozinha, que não pode ser vista de cima, utilizando um único ponto de vista. Para Luquet (1927), após a criança ter passado pela fase do Realismo Intelectual, ela evolui para a fase do Realismo Visual. Realismo Visual Luquet comenta que, no Realismo Visual, a criança exclui os diferentes processos do desenho da fase do realismo intelectual, a transparência dá lugar à opacidade, o rebati- mento e a mudança de ponto de vista são substituídos pela perspectiva que os equivale no Realismo Visual e a perspectiva modifica o aspecto que apresenta a linha de um objeto ou de um detalhe visto de frente. 13 UNIDADE Relações Espaciais Nesse estágio, a criança representa no seu desenho todos os elementos que consti- tuem o objeto representado, mistura pontos de vista para que sua representação seja compreendida e para que ela tenha certeza disso. Às vezes, utiliza legendas para indicar os objetos representados nos desenhos. Luquet (1927) afirma que: A fase do realismo visual não se fixa de imediato, podendo o realismo intelectual reaparecer nos desenhos das crianças, e ainda, num mes- mo desenho, certas partes são conformes ao realismo intelectual e em outras partes são conformes ao realismo visual. (LUQUET, 1927, p. 191) Luquet (1927) distingue Realismo Intelectual e Realismo Visual, denominando Rea- lismo Visual a representação visual e Realismo Intelectual a representação dos objetos pelo conhecimento. Para o autor, a criança utiliza esses dois processos para representar graficamente um objeto. O autor ressalta que as diferenças individuais das crianças apontam para especifi- cidades em cada estágio, que as idades das crianças não interferem diretamente nos estágios em que elas se encontram, mas que um trabalho que permita oportunidades de interações da criança com o objeto de conhecimento permite a evolução para um estágio superior. Se quiser saber mais sobre o trabalho com Relações Espaciais nos anos iniciais do Ensino Fundamental, leia o texto intitulado Relações Espaciais, do documento Orientações Didáti- cas do Currículo de Cidade, disponível em: http://bit.ly/2LdYmLa Discussões Didáticas e Curriculares Na BNCC (2017), o tema relações espaciais está organizado na unidade temá- tica Geometria. Assim, o documento aponta para a necessidade de se situar no espaço, deslocar-se nele, dando e recebendo instruções, usando e compreendendo terminologia adequada para esse tema como esquerda, direita, distância, deslocamento, acima, abaixo, ao lado, na frente, atrás, perto, para descrever a posição e a construção de itinerários. O documento aponta, ainda, para a realização de atividades exploratórias do espaço, com deslocamentos, observações de movimentos de outras pessoas e utiliza- ção de vocabulário próprio. Retrata, também, a precisão de se trabalhar com repre- sentações do espaço, produzindo-as e as interpretando-as, com malhas e diagramas, guias e mapas. 14 15 Notadamente, documentos curriculares atuais esclarecem que essa capacidade de se deslocar mentalmente e de perceber o espaço de variados pontos de vista são condições substanciais à coordenação espacial e, nesse processo, está a fonte das noções de dire- ção, sentido, distância, ângulo, entre outras, vitais à construção do que denominamos pensamento geométrico. Ademais, esses documentos retratam a relevância do trabalho oral nos três primeiros anos do Ensino Fundamental, para que se possa dar e receber orientações de localiza- ção, entendendo e utilizando termos como: esquerda, direita, giro, distância, desloca- mento, acima, abaixo, ao lado, na frente, atrás, perto. Também destacam a construção de itinerários, a partir de instruções realizadas, co- mumente dando pontos de referência. Nos quartos e quintos anos, os documentos reve- lam a necessidade da utilização de malhas, diagramas, tabelas e mapas. Adiante trataremos das habilidades referentesao espaço na BNCC (2017). As Habilidades Relativas ao Espaço na BNCC As habilidades descritas na BNCC (2017) com relação a esse tema exploram três competências: a visualização, a leitura e a interpretação do espaço, que vão se amplian- do ano a ano, desde o primeiro ano do Ensino Fundamental. Que tal conhecer essas habilidades?! No quadro a seguir, apresentamos as Habilidades e os Objetos de Conhecimento do tema relações espaciais, por ano de escolaridade, previstas para serem desenvolvidas de acordo com a BNCC (2017). Uma análise dessas habilidades permite verificar o aprofundamento e a ampliação do conhecimento das crianças em relação ao tema. Tabela 1 – Habilidades da temática Relações espaciais por ano de escolaridade Ano Objetos de Conhecimento Habilidades 1º Localização de objetos e de pessoas no espaço, utilizando diversos pontos de referência e vocabu- lário apropriado Descrever a localização de pessoas e de objetos no espaço em relação à sua pró- pria posição, utilizando termos como à direita, à esquerda, em frente, atrás. (Descrever a localização de pessoas e de objetos no espaço segundo um dado ponto de referência, compreendendo que, para a utilização de termos que se referem à posição, como direita, esquerda, em cima, em baixo, é necessário explicitar-se o referencial). 2º Localização e movimentação de pessoas e objetos no es- paço, segundo pontos de re- ferência, e indicação de mu- danças de direção e sentido Identificar e registrar, em linguagem verbal ou não verbal, a localização e os deslocamentos de pessoas e de objetos no espaço, considerando mais de um ponto de referência, e indicar as mudanças de direção e de sentido. Esboço de roteiros e de plantas simples Esboçar roteiros a serem seguidos ou plantas de ambientes familiares, assi- nalando entradas, saídas e alguns pontos de referência. 15 UNIDADE Relações Espaciais Ano Objetos de Conhecimento Habilidades 3º Localização e movimen- tação: representação de objetos e pontos de referência Descrever e representar, por meio de esboços de trajetos ou utilizando croquis e maquetes, a movimentação de pessoas ou de objetos no espaço, incluindo mudanças de direção e sentido, com base em diferentes pontos de referência. 4º Localização e movimentação: pontos de referência, direção e sentido. Paralelismo e perpendicularismo. Descrever deslocamentos e localização de pessoas e de objetos no espaço, por meio de malhas quadriculadas e representações como desenhos, mapas, planta baixa e croquis, empregando termos como direita e esquerda, mudanças de dire- ção e sentido, intersecção, transversais, paralelas e perpendiculares. 5º Plano cartesiano: coorde- nadas cartesianas (1º quadrante) e represen- tação de deslocamentos no plano cartesiano. Utilizar e compreender diferentes representações para a localização de objetos no plano, como mapas, células em planilhas eletrônicas e coordenadas geo- gráficas, a fim de desenvolver as primeiras noções de coordenadas cartesianas. Interpretar, descrever e representar a localização ou a movimentação de ob- jetos no plano cartesiano (1º quadrante), utilizando coordenadas cartesianas, indicando mudanças de direção e de sentido e giros. Fonte: elaborado pelas autoras a partir da BNCC, 2017, p.279-97 Agora que você já conhece as habilidades, passamos a apresentar algumas atividades propostas por uma professora do 3º ano, usando a habilidade: EF03MA12-Descrever e representar, por meio de esboços de trajetos ou utilizando croquis e maquetes, a movi- mentação de pessoas ou de objetos no espaço, incluindo mudanças de direção e sentido, com base em diferentes pontos de referência. Você nos acompanha?! Mas antes reflita sobre as três competências apresentadas (comunicar, interpretar e repre- sentar o espaço) nas habilidades indicadas no BNCC (2017). Alguns Exemplos de Atividades Realizadas por Alunos da Rede Municipal de São Paulo A atividade adiante foi aplicada por uma professora (Solange de Fátima Mariano) de uma Escola da Rede Municipal de São Paulo, no ano de 2014, durante o desen- volvimento de sua Dissertação de Mestrado. A idade das crianças participantes da pesquisa era entre 8 e 9 anos. Os protocolos evidenciam que crianças da mesma idade não desenham e nem representam igualmen- te os objetos e o espaço, corroborando pesquisas de Luquet e Piaget sobre diferenças individuais de representação das crianças de uma mesma idade. Atividade – Eu me sento aqui A atividade denominada “Eu me sento aqui” faz referência à sala de aula das crianças. A professora solicitou que desenhassem a sala de aula, indicando o local em que se sentavam e ainda destacassem os amigos que estavam sentados à direita e à esquerda de 16 17 cada criança. O propósito da atividade é levar as crianças à demonstração de conceitos obtidos acerca da lateralidade presentes nas relações topológicas. Adiante, ilustramos alguns dos protocolos que exemplificam o Realismo Falhado. Figura 1 – Sobressai o que julga importante, noção de lateralidade Fonte: Solange de Fátima Soares Mariano, 2015, p. 109 Figura 2 – Evidência do percurso e adição de elementos do espaço Fonte: Solange de Fátima Soares Mariano, 2015, p. 109 Figura 3 – Exagero de proporcionalidade, noção de lateralidade Fonte: Solange de Fátima Soares Mariano, 2015, p. 109 Observa-se, nesses Protocolos, o estágio do Realismo Falhado. Na figura 1, a criança se preocupa em desenhar sua localização e dos colegas. Na figura 3, a criança busca 17 UNIDADE Relações Espaciais desenhar os elementos contidos no espaço da sala de aula e desenha a lousa e carteiras, no entanto, predominantemente estão desenhados seus amigos. Nos protocolos, é possível perceber a noção de lateralidade, retratando quem está à sua direita e à sua esquerda (Figuras 1 e 3). As Figuras 4 e 5 mostram a evolução das crianças com processo de rebatimento de elementos da sala (Figura 4) e o princípio de uma representação espacial mais geomé- trica (Figura 5). Figura 4 – Exagero de proporcionalidade, noção de lateralidade Fonte: Solange de Fátima Soares Mariano, 2015, p. 112 Figura 5 – Processo de rebatimento dos elementos da sala Fonte: Solange de Fátima Soares Mariano, 2015, p. 112 Na Figura 4, observa-se o rebatimento no desenho da porta, um dos aspectos do realismo intelectual. Você percebeu, a partir dos protocolos de Mariano (2015), que a criança desenha a porta em uma posição horizontal da linha do chão?! Em relação à representação do espaço, são prevalecentes especificidades do espaço topológico, porém algumas crianças iniciam a representação do espaço numa projeção de um mapa, como na Figura 5. Nos protocolos apresentados você consegue identificar uma evolução nos estágios descri- tos por Luquet (1927)? 18 19 Em atividades realizadas por crianças, é possível perceber o estágio de desenvolvimento de seus desenhos, se o professor conhecer uma teoria que lhe dê suporte para fazer esse tipo de análise. Da mesma forma que as crianças constroem hipóteses sobre as escritas numéricas, sobre os procedimentos de resolução de problemas e de cálculos, elas também constroem hipóteses sobre o espaço em que vivem. A compreensão dessas hipóteses, ao desenvolverem atividades referentes ao espaço e suas relações, a discussão e a socialização de seus procedimentos permitem avanços nas apren- dizagens das crianças e nas práticas do professor. Os estudos teóricos permitem ao professor maior segurança ao desenvolver seus trabalhos. Faça uma análise sobre a abordagem que esse texto permite fazer sobre a construção de relações espaciais pelas crianças. Podemos concluir que o avanço das crianças nas aquisições das relações espaciais se cons- trói gradativamente. Como os autores Luquet e Piaget convencionam que a construção de conhecimentos sobre o espaço é resultante da atividade direta da criança sobre o objeto estudado, saber analisar os desenhos das crianças pode auxiliar o professor a realizar atividades quefaçam as crian- ças avançarem em suas representações. Os estudos de Luquet (1927) a respeito das fases de desenvolvimento do desenho da criança até hoje são de grande valia para entender como as crianças vão se aprimorando em suas representações. Segundo ele, a criança reproduz em seu desenho tudo que faz parte de sua experiência, tudo que se oferece à sua percepção, mesmo o interesse por um tipo de objeto é decorrente de sua experiência com esse objeto. Para se aprofundar mais sobre o assunto, leia o artigo de Vece e Curi (2016) denominado Representação gráfica do espaço de alunos do 1º e do 5º ano do Ensino Fundamental: por que, o que e como analisar? O texto destaca a importância de o professor conhecer teorias e pesquisas que lhe emba- sem as práticas, pois esses estudos proporcionam o conhecimento didático do conteúdo a ser ensinado, uma das vertentes importantíssimas do conhecimento do professor. Disponí- vel em: http://bit.ly/2LnD0vd. São raros os estudos e referências sobre o conteúdo Espaço, com o enfoque matemá- tico. Pensando sobre isso, sugerimos a leitura do livro Relações Espaciais: práticas edu- cativas de professores que ensinam Matemática, que apresenta os resultados das pes- quisas realizadas no âmbito de um projeto de pesquisa e traz contribuições concernentes ao conhecimento curricular, didático e do conteúdo matemático em questão – o espaço. 19 UNIDADE Relações Espaciais Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Relações Espaciais, Localização e Movimentação: um estudo sobre práticas e descobertas de professoras polivalentes sobre atividades realizadas com seus alunos PIRES, C. M. C. Relações espaciais, localização e movimentação: um estudo sobre práticas e descobertas de professoras polivalentes sobre atividades realizadas com seus alunos. In: ENCONTRO DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 2000, Macaé, RJ. Anais [...] Macaé, RJ, 2000. Espaço e Forma: a Construção de Noções Geométricas pelas Crianças das Quatro Séries Iniciais do Ensino Fundamental PIRES, C. M. C; CURI, E.; CAMPOS, T. M. M. Espaço e forma: a construção de noções geométricas pelas crianças das quatro séries iniciais do ensino fundamental. São Paulo: PROEM, 2000. Leitura O Ensino das Relações Espaciais nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: a importância da contextualização http://bit.ly/2Lg0Ngp Representação Gráfica do Espaço de Alunos do 1º e do 5º ano do Ensino Fundamental: por que, o que e como analisar? http://bit.ly/2LnD0vd 20 21 Referências BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: educação é a base: terceira versão. Brasília: MEC, 2017. __________. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacio- nais: matemática. Brasília/DF: 1997. v. 3, 42p. CLEMENTS, D. H.; SARAMA, J. Young children’s ideas about geometric shapes. 2000. CURI, E. O currículo prescrito e avaliado pelo SAEB no que se refere ao tema relações espaciais: algumas reflexões. In: CURI, E.; VECE, J. P. (org.). Relações espaciais: prá- ticas educativas de professores que ensinam Matemática. São Paulo: Terracota, 2013. p. 21-45. GALVEZ, G. A geometria, a psicogênese das noções espaciais e o ensino da geometria na escola primária. In: PARRA, C.; SAIZ, I. (org.). Didática da Matemática: reflexões psicopedagógicas. Porto Alegre: ARTMED, 1996. GUTIÉRREZ, A. Visualization in 3-Dimensional Geometry: In Search of a Framework. University of Valence. Spain: 1996. LUQUET, G. H. Le dessin enfantin. Paris: Libraire Félix Alcan, 1927. __________. O desenho infantil. Porto: Do Minho, 1969. MARIANO, S. F. S. Aprendizagens de crianças de terceiro ano do ensino fun- damental no que se refere à construção do espaço, suas relações e representa- ções. 2015. 137f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática) – Uni- versidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2015. PIAGET, P. Seis estudos de psicologia. Tradução de Maria Alice Magalhães D’Amorim e Paulo Sérgio Lima Silva. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. PIAGET, J.; INHELDER, B. A imagem mental na criança. Porto: Livraria Civilização, 1977. __________. A psicologia da criança. São Paulo: Difel, 1985. __________. L’image mentale chez l’enfant. Paris: P.U.F, 1966. __________.La représentation de l’espace chez l’enfant. Paris: P.U.F., 1972. (A representação do espaço na criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.) __________. A representação do espaço na criança. Porto Alegre: Artmed, 1993. SAIZ, I. E. A direita...de quem? Localização espacial na educação infantil e séries ini- ciais. In: PANIZZA, M. Ensinar matemática na educação infantil e séries iniciais: análise e propostas. Porto Alegre: Artmed, 2006. p. 143-66. 21