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FLC-0452 – Literatura Latina: Épica – 2024 Diurno Turma 2024102 – Prof. João Angelo Oliva Neto Horário: 6ª feira das 8:00h às 9:40h – Sala 109 1/3 Aula 1 – 1º de março A questão do epos: a épica heroica como possibilidade do epos Fócio, Biblioteca 319a.8–21 = Crestomatia 13–36, códice 239 (Tradução de João Angelo Oliva Neto) Καὶ ὅτι τὸ ἔπος πρῶτον μὲν ἐφεῦρε Φημονόη ἡ Ἀπόλλωνος προφῆτις, ἑξαμέτροις χρησμοῖς χρησαμένη· καὶ ἐπειδὴ τοῖς χρησμοῖς τὰ πράγματα εἵπετο καὶ σύμφωνα ἦν, ἔπος τὸ ἐκ τῶν μέτρων κληθῆναι. Οἱ δέ φασιν ὅτι διὰ τὴν κατασκευὴν καὶ τὴν ἄγαν ὑπεροχὴν τὴν ἐν τοῖς ἑξαμέτροις θεωρουμένην τὸ κοινὸν ὄνομα παντὸς τοῦ λόγου τὸ ἑξάμετρον ἰδιώσατο καὶ ἐκλήθη ἔπος καθάπερ καὶ Ὅμηρος τὸν ποιητὴν καὶ ὁ Δημοσθένης τὸν ῥήτορα ᾠκειώσατο, ἐπεὶ καὶ τὰ τρίμετρα ἔπη προσηγόρευον. Γεγόνασι δὲ τοῦ ἔπους ποιηταὶ κράτιστοι μὲν Ὅμηρος, Ἡσίοδος, Πείσανδρος, Πανύασις, Ἀντίμαχος. Διέρχεται δὲ τούτων, ὡς οἷόν τε, καὶ γένος καὶ πατρίδας καί τινας ἐπὶ μέρους πράξεις. E que a epopeia foi descoberta por Femônoe, profetisa de Apolo, que proferia oráculos em hexâmetros; como os acontecimentos “seguiam” [εἵπετο = “seguir”] seus oráculos, e se harmonizavam com eles, o que se compunha nesse metro foi chamado epopéia [epos, ἔπος ]. Dizem outros que por causa da boa ordenação e da grande superioridade observada nos hexâmetros, o hexâmetro se apropriou da designação comum de qualquer palavra, [isto é, épos] e foi chamado épos = epopéia [“a palavra”, por excelência], exatamente como Homero foi chamado “o poeta”, e Demóstenes, “o orador”, pois também se chamavam épos os trímetros [iâmbicos]. Os melhores poetas épicos são Homero, Hesíodo, Pisandro1, Paníase2, Antímaco3. Proclo estuda cada um deles, indicando na medida do possível, família, pátria e alguns feitos particulares. Quintiliano, Instituições Oratórias 10, 1, 51-57 (Tradução de João Angelo Oliva Neto) Verum hic omnis sine dubio et in omni genere eloquentiae procul a se reliquit, epicos tamen praecipue, uidelicet quia durissima in materia simili comparatio est. Raro adsurgit Hesiodus magnaque pars eius in nominibus est occupata, tamen utiles circa praecepta sententiae, leuitasque uerborum et compositionis probabilis, daturque ei palma in illo medio genere dicendi. Contra in Antimacho uis et grauitas et minime uulgare eloquendi genus habet laudem. Sed quamuis ei secundas fere grammaticorum consensus deferat, et adfectibus et iucunditate et dispositione et omnino arte deficitur, ut plane manifesto appareat quanto sit aliud proximum esse, aliud secundum. Panyasin, ex utroque mixtum, putant in eloquendo neutrius aequare uirtutes, alterum tamen ab eo materia, alterum disponendi ratione superari. Apollonius in ordinem a grammaticis datum non uenit, quia Aristarchus atque Aristophanes, poetarum iudices, neminem sui temporis in numerum redegerunt, non tamen contemnendum edidit opus aequali quadam mediocritate. Arati materia motu caret, ut in qua nulla uarietas, nullus adfectus, nulla persona, nulla cuiusquam sit oratio; sufficit tamen operi cui se parem credidit. Admirabilis in suo genere Theocritus, sed musa illa rustica et pastoralis non forum modo uerum ipsam etiam urbem reformidat. Audire uideor undique congerentis nomina plurimorum poetarum. Quid? Herculis acta non bene Pisandros? Quid? Nicandrum frustra secuti Macer atque Vergilius? Mas [Homero] sem dúvida superou, em todo gênero de eloquência, a quantos o sucederam, sobretudo os épicos, principalmente porque a comparação é claríssima em matéria semelhante. Hesíodo raramente se ergue, e a maior parte dele é ocupada por nomes; são, porém, úteis as sentenças acerca dos conselhos, é de aprovar a leveza das palavras e se lhe dá a palma no gênero médio de discurso. Por outro lado, em Antímaco merecem louvor a força, a gravidade e o gênero de discurso nada vulgar. Mas por mais que quase todos os gramáticos lhe confiram o segundo lugar, é deficiente nos afetos, na graça, na disposição e na arte como um todo, como fica evidente por estar próximo a outro e dele ser segundo. Paníase consideram que é um misto dos dois anteriores, é incapaz de igualar-lhes as virtudes no discurso, mas que supera Hesíodo pela matéria, e Antímaco pela disposição. Apolônio não é arrolado pelos gramáticos, porque Aristarco e Aristófanes, juízes de poetas, não incluíram nenhum contemporâneo. Sua obra, porém, não deve ser desprezada, pela regularidade com que ocupa o gênero médio. A matéria de Arato carece de movimento, pois que não há nela nenhuma variedade, nenhum afeto, nenhuma personagem, nenhum discurso de quem quer que seja. Dá conta, contudo, da espécie a que se acreditava capaz. Admirável em sua espécie é Teócrito, mas aquela musa rústica e pastoral tem medo não só do fórum, como também da própria cidade. Acho que ouço meus leitores sugerir nomes de muitos poetas. O quê? Pisandro não contou bem os feitos de Hércules? Macro e Virgílio imitaram Nicandro em vão? 1 Pisandro de Rodes (séc. VII-VI a.C), autor de uma Heracléia. 2 Paníase de Halicarnasso (séc. V a.C.), autor de uma Heracléia. 3 Antímaco de Cólofon (circa 405 a.C.) autor de uma Tebaida. FLC-0452 – Literatura Latina: Épica – 2024 Diurno Turma 2024102 – Prof. João Angelo Oliva Neto Horário: 6ª feira das 8:00h às 9:40h – Sala 109 2/3 Quintiliano, Instituições Oratórias 10, 1, 10, 85-93: Idem nobis per Romanos quoque auctores ordo ducendus est. Itaque ut apud illos Homerus, sic apud nos Vergilius auspicatissimum dederit exordium, omnium eius generis poetarum Graecorum nostrorumque haud dubie proximus. Vtar enim uerbis isdem quae ex Afro Domitio iuuenis excepi, Passo agora aos romanos e devo seguir a mesma ordem. Tal como Homero para os gregos, assim também Virgílio proveu-nos do mais auspicioso exórdio dos poetas de todo gênero. Sem dúvida, dentre os poetas gregos e dentre os nossos ele é o que mais se aproxima de Homero. Usarei as qui mihi interroganti quem Homero crederet maxime accedere 'secundus' inquit 'est Vergilius, propior tamen primo quam tertio'. Et hercule ut illi naturae caelesti atque inmortali cesserimus, ita curae et diligentiae uel ideo in hoc plus est, quod ei fuit magis laborandum, et quantum eminentibus uincimur, fortasse aequalitate pensamus. Ceteri omnes longe sequentur. Nam Macer et Lucretius legendi quidem, sed non ut phrasin, id est corpus eloquentiae, faciant, elegantes in sua quisque materia, sed alter humilis, alter difficilis. Atacinus Varro in iis per quae nomen est adsecutus interpres operis alieni, non spernendus quidem, uerum ad augendam facultatem dicendi parum locuples. Ennium sicut sacros uetustate lucos adoremus, in quibus grandia et antiqua robora iam non tantam habent speciem quantam religionem. Propiores alii atque ad hoc de quo loquimur magis utiles. Lasciuus quidem in herois quoque Ouidius et nimium amator ingenii sui, laudandus tamen partibus. Cornelius autem Seuerus, etiam si est uersificator quam poeta melior, si tamen (ut est dictum) ad exemplar primi libri bellum Siculum perscripsisset, uindicaret sibi iure secundum locum. Serranum consummari mors inmatura non passa est, puerilia tamen eius opera et maximam indolem ostendunt et admirabilem praecipue in aetate illa recti generis uoluntatem. Multum in Valerio Flacco nuper amisimus. Vehemens et poeticum ingenium Salei Bassi fuit, nec ipsum senectute maturuit. Rabirius ac Pedo non indigni cognitione, si uacet. Lucanus ardens et concitatus et sententiis clarissimus et, ut dicam quod sentio, magis oratoribus quam poetis imitandus. Hos nominamus quia Germanicum Augustum ab institutis studiis deflexit cura terrarum, parumque dis uisum est esse eum maximum poetarum. Passo agora aos romanos e devo seguir a mesma ordem. Tal como Homero para os gregos, assim também Virgílio proveu-nos do mais auspicioso exórdio dos poetas de todo gênero. Sem dúvida, dentre os poetas gregos e dentre os nossos ele é o que mais se aproximade Homero. Usarei mesmas palavras que, ainda jovem ouvi de Domício Afro, que à pergunta que fiz sobre quem ele achava que mais se aproximava de Homero, respondeu- me: "Virgílio vem em segundo, porém mais próximo do primeiro que do terceiro". E ainda que reconheçamos a natureza imortal e celeste de Homero, há em Virgílio mais cuidado e exatidão, principalmente pelo fato de que lhe era preciso elaborar mais. Talvez compensemos em regularidade o quanto somos superados nas passagens notáveis. Macro e Lucrécio são de fato dignos de ler, mas não pelo fraseado que forjam, isto é, o corpo da eloqüência: são elegantes, cada um em sua matéria, um humilde, outro difícil. Varrão Atacino4 naquelas obras com que obteve renome como tradutor da obra alheia não é mesmo de desprezar, mas é dotado de poucos recursos para desenvolver as possibilidades do discurso. Ênio10 devemos cultuar como aos bosques que pela antiguidade são sagrados, nos quais a beleza dos imensos carvalhos não é tão grande quanto a religiosa veneração que nos despertam. Há outros mais próximos e, para aquilo de que falo, mais úteis. Ovídio é lascivo até mesmo nos versos heroicos e muito amante do próprio engenho; é louvável, porém, em certas partes. Todavia Cornélio Severo5, ainda que seja melhor versificador que poeta, ainda que, como se diz, tenha escrito A guerra da Sicília a exemplo de seu primeiro livro, reivindicaria para si o segundo lugar. A morte prematura não permitiu a Serrano6 consumar-se como poeta, mas suas obras de juventude revelam o maior engenho e vontade de praticar o gênero correto, admirável na sua idade. Perdemos muito junto com Valério Flaco7. O engenho de Saleio Basso8 foi poético e veemente mas não atingiu a maturidade porque o poeta não chegou à velhice. Rabírio e Pedão não são indignos de conhecer se houver tempo. Lucano é ardente, arrebatado, claríssimo pelas sentenças e, para ser franco, deve ser imitado mais pelos oradores que pelos poetas. Nomeei só estes, porque o governo do mundo desviou Germânico Augusto das atividades poéticas e porque não aprouve aos deuses que fosse o maior poeta. 4 Varrão Atacino (82-37 a..C.), tradutor das Argonáuticas, de Apolônio de Rodes, e autor de poemas épicos 10 Quinto Ênio (239-169?), entre outras obras autor dos Anais, epopéia hexamétrica de matéria histórica. 5 Cornélio Severo, amigo e contemporâneo de Ovídio. A guerra da Sícilia foi contra Pompeu e seu poema talvez integrasse uma obra maior sobre as guerras civis. Sêneca nas Suasórias preservou fragmento de seu poema. 6 Serrano, poeta desconhecido. 7 Caio Valério Flaco (morto por volta de 95 d.C), autor de umas Argonáuticas, que deixou incompletas. 8 Saleio Basso: protegido de Vespasiano, elogiado por Tácito no Diálogo dos Oradores; nada restou de sua obra. FLC-0452 – Literatura Latina: Épica – 2024 Diurno Turma 2024102 – Prof. João Angelo Oliva Neto Horário: 6ª feira das 8:00h às 9:40h – Sala 109 3/3 Suda (ou Suidas), s.v. Θεόκριτος (theta.166.5 ) (Tradução de João Angelo Oliva Neto) Θεόκριτος, Πραξαγόρου καὶ Φιλίννης, οἱ δὲ Σιμμίχου· Συρακούσιος, theta.166.5 οἱ δέ φασι Κῷον· μετῴκησε δὲ ἐν Συρακούσαις. οὗτος ἔγραψε τὰ καλούμενα Βουκολικὰ ἔπη Δωρίδι διαλέκτῳ. τινὲς δὲ ἀναφέρουσιν εἰς αὐτὸν καὶ ταῦτα· Προιτίδας, Ἐλπίδας, Ὕμνους, Ἡρωΐνας, Ἐπι- κήδεια μέλη, ἐλεγείας καὶ ἰάμβους, ἐπιγράμματα. ἰστέον δὲ ὅτι τρεῖς γεγόνασι Βουκολικῶν ἐπῶν ποιηταί, Θεόκριτος οὑτοσί, Μόσχος Σικελιώtheta.166.10της καὶ Βίων ὁ Σμυρναῖος, ἔκ τινος χωριδίου καλουμένου Φλώσσης. Teócrito, era de Quios, retor, aluno de Metrodoro, o isocrático. [...] Há outro Teócrito, filho de Praxágoras e Filine, ou de Simico, segundo alguns. Era de Siracusa, outros dizem que nasceu em Cós, mas mudou-se para Siracusa. Escreveu os chamados epos bucólicos em dialeto dórico. Alguns atribuem-lhe também as seguintes obras: As Prétides, As Esperanças, Hinos, As Heroínas, epicédios líricos, elegias, iambos, epigramas. É preciso saber também que houve três poetas de epos bucólicos, este Teócrito, Mosco da Sicília e Bíon de Esmirna, de uma aldeia chamada Flosse. Homero: o epos por excelência Ilíada (tradução de Frederico Lourenço) Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida (mortífera!, que tantas dores trouxe aos Aqueus e tantas almas valentes de heróis lançou no Hades, ficando seus corpos como presa para cães e aves de rapina, enquanto se cumpria a vontade de Zeus), desde o momento em que primeiro se desentenderam o Atrida, soberano dos homens, e o divino Aquiles. Odisseia (tradução de Frederico Lourenço) Fala-me, Musa, do homem versátil que tanto vagueou, depois que de Troia destruiu a cidadela sagrada. De muitos homens viu as cidades e a mente conheceu; e foram muitas no mar as dores que sofreu em seu coração 5 para salvar a vida e o regresso dos companheiros. Mas nem os companheiros salvou, embora o quisesse. Pereceram devido às suas próprias loucuras, tolos, que o gado de Hiperíon, o Sol, comeram; e este lhes negou o dia do regresso. Destas coisas, a partir de um ponto qualquer, ó deusa, filha de Zeus, fala-nos também a nós. O primeiro epos não guerreiro: Hesíodo Teogonia (Tradução de Jaa Torrano) Pelas Musas heliconíades comecemos a cantar. Elas têm grande e divino o monte Hélicon, em volta da fonte violácea com pés suaves dançam e do altar do bem forte filho de Crono. Banharam a tenra pele no Permesso ou na fonte do Cavalo ou no Olmio divino e irrompendo com os pés fizeram coros belos ardentes no ápice do Hélicon. Daí precipitando-se ocultas por muita névoa vão em renques noturnos lançando belíssima voz, hineando Zeus porta-égide, a soberana Hera de Argos calçada de áureas sandálias, Atena de olhos glaucos virgem de Zeus porta-égide, o luminoso Apoio, Ártemis verte-flechas, Posídon que sustém e treme a terra, Têmis veneranda, Afrodite de olhos ágeis, Hebe de áurea coroa, a bela Dione, Aurora, o grande Sol, a Lua brilhante, Leto, Jápeto, de curvo pensar, Terra, o grande Oceano, a Noite negra e o sagrado ser dos outros imortais sempre vivos. Elas um dia a Hesíodo ensinaram belo canto quando pastoreava ovelhas ao pé do Hélicon divino. Esta palavra primeiro disseram-me as Deusas Musas olimpíades, virgens de Zeus porta-égide: “Pastores agrestes, vis infâmias e ventres só, sabemos muitas mentiras dizer símeis aos fatos e sabemos, se queremos, dar a ouvir revelações”. Assim falaram as virgens do grande Zeus verídicas, por cetro deram-me um ramo, a um loureiro viçoso colhendo-o admirável, e inspiraram-me um canto divino para que eu glorie o futuro e o passado, impeliram-me a hinear o ser dos venturosos sempre vivos e a elas primeiro e por último sempre cantar. Trabalhos e Dias (Tradução de Alessandro Rolim de Moura) Musas da Piéria, que dais glória com canções, vinde; em hinos cantai Zeus, vosso pai. Através dele os homens mortais ficam igualmente sem fama e famosos; deles se fala ou se silencia por meio de Zeus grande. Ele facilmente fortalece, facilmente os fortes esmaga; facilmente diminui o ilustre e exalta o obscuro, endireita o torto e o arrogante enfraquece, Zeus altitonante que habita excelsos palácios. Escuta, Zeus, vendo e ouvindo, e com justiça endireita as sentenças! Quanto a mim, gostaria de dizer a Perses verdades.