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Ensino Religioso no Brasil Lucy da Silva Pina Neta REVISÃO Msc. Rafael José Oliveira Ofemann PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Msc. Flávio Santos UNICAP DIGITAL Rua do Príncipe, 526 - Bloco C - Salas 303 a 305 Boa Vista - Recife-PE - Cep: 50050-900 Telefone +55 81 2119.4335 1ª Edição Copyright © 2023 de Universidade Católica de Pernambuco Copyright © 2023 de UNICAP DIGITAL Sumário Unidade 1 4 Objetivos da Unidade 5 1. Questões teóricas metodológicas 6 2. Fontes bibliográficas e outras alternativas de pesquisa 17 Síntese da Unidade 23 Referências 24 Unidade 2 26 Objetivos da unidade 27 1. Um pouco da nossa História: “E o Brasil dormiu um Império e acordou uma República” 28 2. De uma República Velha a um Estado Novo: a Era Vargas 33 3. Os princípios éticos, humanistas, democráticos e estéticos por trás da BNCC: uma história para refletir 41 Síntese da Unidade 46 Referências 47 Unidade 3 48 Objetivos da unidade 49 1. Conceitos básicos para entendermos o Estado Moderno, o Estado Laico e o Estado Brasileiro 50 1.1 Sobre o Estado Moderno 51 1.2 O Estado Brasileiro 52 1.3 As Constituições do Brasil de 1932 a 1988 56 Síntese da unidade 68 Referências 69 Unidade 4 70 Objetivos da unidade 71 1. A implementação do componente Ensino Religioso em alguns Estados e Municípios: os casos dos Estados de Pernambuco e da Paraíba 73 1.1 A regulamentação do Ensino Religioso 73 2. Experiências de inserção do componente Ensino religioso no cotidiano escolar: os casos dos Estados de Pernambuco e da Paraíba 81 Síntese da Unidade 86 Referências 86 Unidade 1 A componente curricular Ensino Religioso no contexto da educação do Brasil Olá! Seja bem-vindo(a) à nossa jornada pela primeira unidade de Ensino Religioso no Brasil. O caminho que proponho aqui vai conduzir você por uma apresentação de termos que fazem parte do universo do Ensino Religioso. Não trago nada que você já não tenha ouvido falar, aponto, na verdade, para as possibilidades interpretativas desses termos, na tentativa de alargar a sua ideia inicial sobre eles. Veja, como professores, nosso objetivo deve ser sempre a opção da construção do diálogo. Em um segundo momento da unidade, você vai se deparar com uma boa gama de sites, sugestões de livros e de vídeos que podem ajudar a formar ou reformar suas ideias para as aulas e como se pode abordar o tema religião dentro da sala de aula. Traga cultura, política, geografia, traga história, traga vida. Se Deus em pessoa não pode vir até as suas aulas, mostre como os homens usam sua relação com Ele para nortear a maior parte das suas relações sociais, mesmo quando não percebem. Afinal, quem sendo cristão ou ateu não gosta de receber ovos de chocolate na Páscoa, da mesma forma que no Natal, o presépio minúsculo está cada vez mais perdendo espaço para as gigantescas árvores de Natal com seus bonequinhos e bolinhas de enfeites. Por fim, você vai encontrar uma pequena discussão sobre como o Ensino Religioso foi desenvolvido na escola. Não se preocupe, esse item é apenas um aperitivo, um petisco, vamos retomar o assunto com mais propriedade na unidade seguinte. O importante é que você tenha a consciência de que o ensino mudou, se transformou e continua a se reinventar. Nosso trabalho, como professores e como cientistas da religião, é garantir que nossa área do conhecimento seja cada vez mais autônoma, cada vez mais séria e respeitada. Mas ninguém pode fazer isso sem conhecer bem sua história. E é por isso que começamos essa jornada. Boa leitura! Objetivos da unidade • Apresentar o conjunto de conceitos que norteiam as unidades temáticas da atual Base Nacional Curricular Comum para o Ensino Religioso no Brasil. • Relacionar as Unidades Temáticas propostas da Base Nacional Curricular Comum para o Ensino Religioso com questões relacionadas à metodologia de ensino e pesquisa. • Indicar possibilidades de pesquisas e campos de estudos para enriquecer e trabalhar os conteúdos propostos nos itens anteriores dentro do espaço da escola, relacionando-as às teorias acerca dos estudos das religiões. 6 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil 1. Questões teóricas metodológicas Quando imaginamos as ações relacionadas ao ensino e a aprendizagem de uma disciplina no âmbito escolar, quase que imediatamente, pensamos em plano de aulas, livros didáticos, aulas, provas, professores. Poucos de nós, no entanto, se prestam a fazer um exercício mais profundo, pensar na razão pela qual determinados temas ou assuntos foram escolhidos para serem administrados em detrimento de outros. Pense bem! Ninguém ensina as tabuadas de multiplicar, somar e dividir para que os alunos saiam da sala de aula e, de forma descontextualizada, digam qual é o valor de oito vezes sete. Tão pouco se ensina, em língua portuguesa, a correta conjugação dos verbos para que os estudantes as decorem e saiam conjugando verbos enquanto esperam o ônibus. Não funciona assim! As disciplinas e os conteúdos precisam estar integrados ao mundo em que vivemos. Do contrário, sua compreensão torna-se cada vez mais difícil. Pensar o mundo, a partir da ótica das religiões ou das manifestações do sagrado, não é um exercício recente, ao contrário, analisar o mundo e suas culturas pelo espectro da religião é tão antigo quanto a própria história do homem. Então, o que trazemos de novo? Nosso esforço, como cientistas da religião deve se concentrar na perspectiva de que os conteúdos ministrados tem um valor intrínseco, não podem ser mensurados apenas por questões de provas e a partir de gabaritos com respostas certas e erradas. Por mais clichê que possa parecer, estamos diante de uma disciplina cujo conteúdo tem mais a oferecer como componente social do que qualquer outra. Nesse sentido, não cabe ao professor apontar uma religião certa e outra errada, assim como não é viável a ideia de uma disciplina catequética, sobretudo aquela que passa da catequese de uma para a catequese de várias religiões, numa perigosa mescla de informações folclóricas sobre elas. A Base Nacional Curricular Comum (BNCC), no item 4.5.1, dispõe sobre o Ensino Religioso, indicando, como em todas as demais disciplinas, o amplo conjunto de unidades temáticas que devem ser abordadas durante todo o Ensino Fundamental. Nosso trabalho, nesta seção, será oferecer a você um conjunto mínimo de ferramentas com as quais você possa dominar a linguagem que envolve o Ensino Religioso, sem a pretensão de formar um glossário ou um índice de palavras desconexas dos conteúdos propostos na BNCC. Dominar a linguagem nos permitirá, entre outras coisas, construir argumentações que nos sustentem e possibilitem aos alunos, primeiro reconhecer e enfrentar situações em que possam elaborar respostas a partir da compreensão dos fenômenos tais como as manifestações culturais de um povo ou parte dele, em um determinado tempo e espaço. O domínio dos termos. Pensar o Ensino Religioso é, antes de tudo, pensar em relações humanas. Estejam elas relacionadas a aspectos da nossa cultura ou da nossa biologia, ou seja, às nossas relações histórico-culturais e às relações que tecemos entre nós, por tanto, uma relação assentada no ser enquanto imanência. Mas, igualmente importante, têm 7 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil sido as relações que nós, ao longo dessa jornada, desenvolvemos com aquilo que nos escapa à compreensão, muitas vezes dita racional, ou seja, nossas relações com o subjetivo, o que ou aquilo que excede os limites do ordinário, com a transcendência. Eis os dois pilares que sustentaram nossas análises a respeito das questões teóricas e metodológicas que envolvem as discussões sobre o Ensino Religioso no Brasil. Mas, afinal, o que é religião? Recorremos aqui ao apanhado geral feito por Brendan Sweetman em seu livro Religião: conceitos-chave em filosofia (2013), que mescla em sua definição aspectos da filosofia, da teologia e da literatura. Consciente de que uma visão extremamenteabrangente pode acabar resultando numa definição vazia, Sweetman sugere que religião — ou o que ele chama de visão religiosa do mundo — pode ser definida a partir de um universo de termos que ele agrupa em torno de um sistema de crenças. Imanência e transcendência servem, outrossim, como espelhos que nos permitem nos ver algumas vezes como semelhantes, outras vezes como diferentes uns dos outros. O reconhecimento dessas diferenças nos introduz ao terceiro conceito fundamental, o de alteridade. Reconhecer que não somos todos iguais, nos permite reconhecer o “eu” e o “outro”, e, assim, irmos desfazendo a confusão que existe entre os conceitos: igual e semelhante. Existimos ora nos juntando, ora nos afastando, através de uma teia de referências subjetivas, a saber, nossas crenças, nossas convicções, saberes e representações. Nesse movimento de nos reconhecermos, vamos cerzindo nossas identidades. Esquema1. Elaborado pela autora. 8 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil A estrutura proposta na Base Nacional Curricular Comum brasileira para o Ensino Religioso toma esses conceitos que apresentamos, mas eles não devem estar desconectados das relações que nos envolvem com o mundo em que vivemos. Nas palavras do pastor anglicano e poeta inglês John Donne (1572-1631): Nenhum homem é uma ilha inteiramente isolada; todo homem é um pedaço de um continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntei: por que os sinos dobram; eles dobram por vós (DONNE, John. 2007, p.103-105) [grifos da autora]. A metáfora geográfica usada pelo poeta nos permite dar um passo adiante no que tange a compreensão do universo teórico e metodológico do nosso fazer científico que deve ser refletido no espaço escolar. A compreensão do campo epistemológico, ou seja, da formação do conhecimento, pode ter suas origens no senso comum, mas está mais próxima do saber científico. Essa diferença marca não só um esforço mental, mas um esforço no sentido de colocar o estudo das religiões ou dos fenômenos religiosos ou das manifestações do sagrado à margem do certo e do errado, do exame daquilo que é crível e do que não é, esse julgamento não cabe à ciência, cabe antes, àqueles que praticam ou professam. Se a pergunta de John Donnne fosse refeita, “por quem fazemos ciência?” a resposta seria, por nós! Um ponto central para o desenvolvimento do nosso trabalho é a compreensão mais ampla do que é ou como se caracterizam o que conhecemos como religiões ou os fenômenos religiosos. Há, todavia, um ponto ainda mais importante do que essa definição, que consiste em identificar se esses fenômenos estão em decadência ou estão apenas mudando, redirecionando suas devoções, como já ocorreu no passado. Se pusermos as religiões em perspectiva histórica, sem a pretensão da mera comparação ou ideia equivocada de evolução, veremos que a forma como os homens se relacionam com as diversas formas de transcendência foi politeísta depois monoteísta, nesta época ainda se cultuava, a ser(es) divino(s), nós estávamos na condição de criados à imagem e semelhança de Deus (Conforme está escrito no livro do Gênesis, capítulo um, versículos dos 26 ao 28.). Agora, talvez seja Deus quem tenha que se apressar em definir-se diferente de suas criaturas, posto que o panteão de adjetivos antes usados para deuses e seres superiores agora é, com certa facilidade, empregado a figuras públicas como jogadores de futebol, cantores, influenciadores digitais e políticos. 9 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil Um tópico fundamental no desenvolvimento desta primeira unidade temática está relacionado ao reconhecimento ou ato memorial das experiências religiosas, diretamente relacionadas ao “eu”, ao “outro”, ao “nós” e a “eles”, tenham sido elas vinculadas a símbolos religiosos e/ou a espaços e territórios religiosos. A primeira consideração significativa a ser feita é que essas experiências devem ser retratadas e/ ou traduzidas por crianças entre 7 e 9 anos de idade (Em consonância com o Parecer CNE/CEB nº 7, de 19 de abril de 2007.), ou seja, as que estão matriculadas nos 1º, 2º e no 3º anos do ensino fundamental. Respeitando essa prerrogativa cognitiva, como poderemos traduzir a ideia por detrás e através dessa experiência. A ideia de experiência religiosa é, por excelência, uma experiência humana relacionada a existência de um deus, uma deidade, um ser divino. Numa abordagem mais tradicional, considerada como um modelo padrão, pode ser traduzida, de grosso modo, como uma experiência profunda. Geralmente, essa experiência pode ter uma origem própria no indivíduo ou ela pode ser atingida por meio da experiência dos outros. Quando lemos, por exemplo, no Antigo Testamento, o Livro do Êxodo, capítulo 3, versículos 2 ao 5, temos a nosso alcance a experiência religiosa de Moisés com Deus, que se manifestou a ele como uma sarça ardente, à qual ele não se atreveu a olhar diretamente. O espaço onde essa sarça ardia era sagrado. “E Deus disse: ‘não se aproxime. Tire as sandálias dos pés, porque o lugar onde você está pisando é um lugar sagrado” (EX. 3, 5). A experiência de Moisés foi uma experiência profunda, assim como as que foram atribuídas a Noé e Abraão, se pensarmos no mundo judaico-cristão. Esse é o tipo de experiência que uma vez atingida influencia outras, de certo modo, experimentamos Deus através daquela sarça que, como Moisés, não pudemos ver diretamente. Figura 1.https://www.umsabadoqualquer.com/usq-antes-e-hoje/ 10 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil Sweetman (2013), aborda a experiência religiosa mais como uma questão de fé do que uma questão de razão. Esse argumento é inspirado numa epistemologia reformada que parte de uma (pré)disposição que temos de acreditar em Deus. Seja por uma crença de origem básica, tipificada como óbvia, comum, cotidiana, em suma, uma crença de senso comum, alimentada por percepções, observações e memórias. O argumento da predisposição à crença em Deus também contempla a possibilidade dessa crença ser do tipo inferida, ela é o produto resultante de uma crença básica. Em linhas genéricas, seria o mesmo que dizer, “não estive na presença Figura2. Fonte: https://institutopoimenica.com/2013/05/08/moiss-diante-da-sara-ardente-domenico-fetti/ 11 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil de Deus. Mas eu O sinto comigo!”, da mesma forma que eu não “vejo a dor”, mas eu sou capaz de senti-la. A consciência da experiência religiosa entre crianças de 6 a 8 anos pode não ser tão profunda, pode estar relacionada ainda a memórias de leituras que tenham ouvido ou mesmo a histórias de seus ancestrais (pais, avós, tios, primos), podem estar relacionadas também com símbolos religiosos, que tenham em casa ou que tenham tido acesso em viagens, eventos, no próprio ambiente escolar. Esses símbolos religiosos, geralmente, encontram-se em espaços religiosos que se tornaram espaços físicos “especializados” como igrejas, templos, casas de oração, terreiros, salas de meditações, ou podem ser espaços de memória, a oração na hora das refeições ou antes de dormir, os momentos de meditação, enfim. O objetivo por trás desses termos e conceitos que trouxemos é introduzir a ideia de que “não somos uma ilha”, como afirmou John Donne. O segundo eixo, proposto pela BNCC, centra-se em manifestações religiosas, e deve ser desenvolvido entre os estudantes do 1º ano até o 4º ano, ou seja, entre crianças de 6 e 9 anos. Este eixo se desdobra nas seguintes unidades temáticas: sentimentos, memórias e saberes; alimentos sagrados, práticas celebrativas e indumentárias; ritos religiosos e representações religiosas na arte. Vamos trabalhá-los sugerindo,conforme fizemos anteriormente, um conceito amplo do que seja uma manifestação religiosa, para o caso de você estar confuso sobre o alcance que ela pode ter. E como podemos pesquisar e enriquecer cientificamente crianças ainda que muito pequenas. Esse eixo será retomado com alunos do 7º ano, ou seja, com crianças de 12 anos, para estudar as temáticas relacionadas à mística, à espiritualidade e às lideranças religiosas. Vamos lá! Vou esquadrinhar uma ideia que não é minha, mas de Mircea Eliade (1992), sobre o conceito ou as ideias por detrás das manifestações religiosas, que o autor chama de hierofanias. Entender sobre elas nos permitirá no âmbito escolar, acolher de forma respeitosa e, quando necessário, ajudar os estudantes a compreender que o sagrado pode se manifestar de formas elementares ou complexas e que não existe, nestes casos, uma hierarquia, entre um mais sagrado e menos sagrado. Para aquele que crê existe apenas o que é sagrado e o que não é sagrado, portanto, profano. O profano significa, literalmente, aquilo que está fora do templo ou do lugar sagrado. Então, o esforço do homem religioso consiste em permanecer o maior tempo possível próximo ao universo que considera sagrado. Nossos esforços, na sala de aula, devem ser para perceber como os alunos manifestam-se em relação ao sagrado. Há ainda uma ideia de que o Ensino Religioso, embora esteja inserido num contexto mais amplo da educação construtivista, por exemplo, caracteriza-se muito mais como um ensino bancário, como se nós professores tivéssemos que dizer, mostrar e explicar aos alunos o que é sagrado e o que não é. Gostaria de retomar o conselho que dei anteriormente, não se trata de trocar da catequese de uma religião para uma catequese folclórica de várias religiões. 12 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil Veja que no esquema que apresentamos acima há uma informação que, particularmente, gostaria de enfatizar: a manifestação do sagrado é uma manifestação do sagrado em sua totalidade. Me permitam contar uma história para melhor ilustrar o que essa frase quer dizer. Trabalhei, por muitos anos, numa Igreja Católica. Para nós era muito comum manipular e limpar objetos e alfaias litúrgicas: velas, castiçais, a limpeza do altar, das imagens dos santos e do que ouvi pela primeira vez como “paninhos de missa”. Não havia na sacristia uma pia separada para que a limpeza dos objetos “sagrados” fosse feita, então, as alfaias/“paninhos de missas” eram recolhidas após cada celebração, colocadas numa vasilha plástica, com tampa, cuja etiqueta dizia: “para lavar”. Um dia, recebi de uma das senhoras o conjunto de alfaias lavados e passados. Porém, o corporal estava dobrado de forma errada. Como ele estava muito bem passado, marcando no linho a forma da dobradura errada, eu perguntei à senhora se era possível passar novamente aquele “paninho de missa”, pois ele estava dobrado errado. Expliquei que ele deveria estar dobrado três vezes, de forma que quando aberto, mostrasse, nove quadradinhos marcados. Expliquei ainda que ele representava na celebração o pano que originalmente envolveu o corpo de Jesus, afinal, tudo e todos os ritos que envolvem a missa tem um porquê, com sentido e significado para quem acredita. Não sem protesto o pedido para passar novamente a peça foi aceito. Mas, ao final da explicação, ouvi que eu estava sendo uma pessoa muito rigorosa como a norma, era, portanto, uma conservadora empedernida. Esquema 2. Elaborado pela autora, usando como base o posfácio da obra de Mircea Eliade. O sagrado e o profano. Edição de 1992. 13 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil Qual a lição que gostaria de explorar nessa história? Uma vez que se institui que alguma coisa é sagrada, porque o que é ou não sagrado é uma questão de determinação pessoal, ou, na maior parte das vezes, é uma determinação institucional. Essa coisa, ou objeto, ou lugar, enfim, sagrada, não é sagrada por um instante, uma vez dita sagrada ela torna-se o sagrado manifesto e o sagrado todo. No caso da história sobre o corporal, ele não é sagrado apenas quando o padre o coloca no altar, mas uma vez que ele o coloca, todo o processo depois em torno desse objeto deve seguir um ritual para que não haja uma profanação. Pode parecer, num primeiro momento, que o domínio dos termos que envolvem as unidades temáticas propostas nos levam a um emaranhado de ideias complexas e que muitas vezes nos parecem distantes do espaço escolar. Mas, são as capacidades de dominá-los e compreendê-los que vão alicerçar nossas bases para poder falar mais especificamente sobre pesquisas, em suas múltiplas possibilidades e apontar possíveis fontes para enriquecer nossas aulas. Um professor não deve ser uma enciclopédia, mas deve ter uma ampla visão do todo para ser capaz de acolher e tirar o melhor proveito das experiências narradas em sala de aula. Esse leque de possibilidades que as hierofanias trazem nos abrem as portas para a compreensão do que significa o terceiro eixo: crenças religiosas e filosofias de vida. Ele deve ser desenvolvido entre alunos do 4º ao 9º anos, ou seja, entre crianças de 10 e 15 anos. Esse grupo de estudantes tem muito mais capacidade de desenvolver um debate mais profundo. Por debate, não queremos dizer que uma das partes está certa e a outra está errada, queremos, na verdade, dizer que ao passar dos anos as crianças em idade escolar estão amadurecendo e experimentando o mundo ao seu redor, isso nos proporciona um material mais rico para desenvolver ideias mais complexas que envolvem o campo religioso. Observar, então, como alguns elementos que devem compor as unidades temáticas desse eixo mostram-se um rico e frutuoso material para análises, em diversos níveis e utilizando diversos métodos científicos de pesquisa. É nesta etapa dos percursos que temas como: as narrativas religiosas, os mitos nas tradições, os símbolos, os ritos, a ideia de divindades, os princípios éticos e os valores, assim como os direitos humanos, as convicções e crenças, a vida e a morte O nome oficial dos "paninhos de missa" são: corporal, é o pano que deve ser aberto sobre o altar, serve para limitar o espaço onde o padre deve fazer a consagração do corpo e do sangue de Jesus. O tecido usado para fazer as alfaias deve ser linho e cada um deles tem uma forma de dobradura diferente, este, por exemplo, deve ser dobrado de três formas, que devem formar nove quadrados, representa a Santíssima Trindade três vezes. As outras alfaias são: pala, sanguíneo e manustérgio. 14 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil e as relações entre religiões e esferas públicas e entre mídias e tecnologias vão aparecer. Retomo, mais uma vez, o conselho que abre o livro de Sweetman (2013): o autor nos pergunta se “nossa visão de mundo é razoável?”, ele enfatiza que muitas vezes os crentes religiosos tendem a “menosprezar” e até mesmo a ignorar essa questão. Nosso trabalho, repito, não consiste em julgar se as visões de mundo defendidas pelas religiões são razoáveis ou não, em particular, cada um de nós já fez esse julgamento ao escolher a fé que professa, se professa uma ou não. Mas esse cuidado deve ser redobrado em âmbito escolar, posto que o produto final de nossas aulas deve ser a formação de pessoas que sejam capazes de conviver com outras crenças respeitando as suas diferenças. Cada uma das religiões defende sua visão de mundo como aquela que está correta, não abrindo a possibilidade das outras também estarem. Então, o que fazer para contornar esse problema. Trazer a religião para dentro do mundo em que vivemos e não a apartar ou segregar para dentro dos limites dos templos e Igrejas. Mostrar que as religiões são manifestações culturais importantes e que mesmo que não queiramos elas estão presentes e muitas vezes guiam nossa forma de caminhar no mundo. Saindo da teoria e mergulhando na prática. Essa é primeira matéria on-line quesugerimos como exemplo do trabalho de construção da percepção de como o fenômeno religioso se manifesta na sociedade, inclusive deve ser lida como um fator modelador dela. A seguir, sugerimos algumas matérias, agora mais relacionadas ao momento histórico contemporâneo, à pandemia da COVID-19. Quando as discussões que envolviam o tema da religião estavam concentradas em trazer esse sagrado dos seus locais próprios, a saber, igrejas, templos, palácios, centros etc., para dentro da casa de crente, de cada fiel, enfim, de cada ser religioso no mundo. Esse é o tipo de abordagem que proporciona direcionar a aprendizagem para o seu fim, que deve ser a construção de diálogos como princípios mediadores e articuladores dos processos e observações, identificação, análise, apropriação e ressignificação de saberes. Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/saude/vida/noticia/2015/10/vemos-muita-religiao-relacionada-a- comida-diz-pesquisador-americano-4890647.html 15 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil Fizemos um grande apanhado de alguns dos termos mais complexos que circundam o universo do Ensino Religioso. Mas nem só de definições se constrói o mundo dos saberes. Terminamos a seção anterior com a sugestão de três matérias de jornais digitais que nos permitem criar causas e até condições para trabalhar a pesquisa, a partir do método científico, ou seja, abandonamos as “bordas” do conhecimento adquirido ou consolidado a partir do “senso comum” para mergulharmos em águas mais profundas, que nos permitem argumentar e oferecer, no ambiente escolar, diretrizes para o desenvolvimento de um lugar da superação da intolerância. O primeiro passo a dar nessa senda é reconhecer que o Ensino Religioso é sim um caminho possível para a integração econômico-social entre as comunidades. E que a Religião é um componente para entender e estudar a história do Brasil, mas, Essa matéria pode ser lida na íntegra em: https://istoe.com.br/a-fe-esta-no-ar/, acessado em 23 de mai. 2021 Fonte:https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2021/05/04/interna_internacional,1263156/procissao- religiosa-em-plena-pandemia-reune-milhares-no-paquistao.shtml 16 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil também, a história da arte, a história do homem no mundo e a forma como nós “entendemos” ou identificamos as manifestações religiosas. Qual então deve ser a metodologia aplicada para tão diversas linhas de pesquisa? As bases onde assentamos nossas métricas são a Compreensão, Ampliação e Síntese. Nosso objeto: o conhecimento religioso. A linguagem empregada em nossa pesquisa é simbólica e religiosa. Nossa ciência de referência é a Ciência da Religião que pode e deve ser complementada pelas demais ciências. Em ambiente escolar, cada aluno deve ser encorajado a, compreendendo a sua fé e a fé dos outros, permitir-se encontrar, se elas existirem, aquelas aberturas na sua fé que lhe permitam acolher e aproximar o outro como um ser inteiro/todo, encorajando dessa forma um diálogo, uma conversa. Mas, tenho que fazer um alerta: quem faz diálogo INTER-RELIGIOSO são os representantes das religiões, é um diálogo em nível institucional. Nosso trabalho é construir um diálogo intercultural. Nele tratamos as religiões e ou as expressões religiosas, como elaborações humanas, poéticas, sócio-históricas, que espelham as sociedades e suas estruturas. Não estamos dizendo que, como professor e cientista da religião, você precise não ter/pertencer/participar de uma religião, na verdade estamos sugerindo, ao contrário, que, partindo dela, você, assim como seus alunos, se permita conhecer, avaliar e desenvolver uma ponte de diálogo permanente com as demais expressões religiosas. Afinal, o ambiente escolar deve ser um solo fértil nesse sentido. Faço uso de um ditado árabe: “quem planta tâmaras, não as colhe" — as tamareiras levam em média de 80 a 100 anos para produzir frutos. Esperamos que as sementes de diálogos plantadas e regadas durante os anos iniciais do ensino fundamental não tardem tanto a frutificar, mas nosso trabalho é incessantemente semear. Vou sugerir a vocês algumas obras que podem ajudá-los a construir bases mais sólidas para o Ensino Religioso. Essas são algumas, não são as únicas. Começo pelo livro Compêndio do Ensino Religioso, organizado pelos professores Sérgio Rogério Azevedo Junqueira, Laude Erandi Brandenburg e Remí Klein, publicado em 2017, pela editora Vozes. Nessa obra, recomendo especialmente a parte II, “Ensino e Aprendizagem”, são treze artigos que trazem diversos aspectos desse processo de transmissão dos saberes no Ensino Religioso. Além dessa obra, outra complementar pode contribuir muito para amadurecer essa abordagem que hoje está em vigência para o Ensino Religioso, segundo a Base Nacional Curricular Comum. Se puder, não deixe de ler: O Ensino Religioso na BNCC: teoria e prática para o ensino fundamental, publicado em 2020 pela Editora Vozes, organizado pelos professores-pesquisadores Emerson Sena da Silveira e Sérgio Junqueira. 17 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil 2. Fontes bibliográficas e outras alternativas de pesquisa Vamos falar um pouco sobre a possibilidade de fontes bibliográficas e alternativas de pesquisa. Agora que já temos uma ideia do que o Ministério da Educação elenca como conteúdos básicos para o desenvolvimento do Ensino Religioso no Brasil, vamos dar um passo adiante. Vamos pensar sobre as bibliografias disponíveis que podem potencializar suas aulas. Considere que o Ensino Religioso, na realidade brasileira, está mergulhado na história regional e local, ou seja, ele se desenvolve e considera o contexto em que está inserido. Isso nos leva a considerar as peculiaridades de currículos de cada estado da federação. Além disso, em cada estado, em cada município, você vai perceber que algumas religiões ou práticas religiosas tiveram um papel mais preponderante, influenciando de forma indelével as demarcações territoriais, as construções, os hábitos sociais, como casamento, festas, modos de vestir, comer.... ou seja, a religião está em tudo. Então comece por aí, mostre essas marcas, ajude seus alunos a percebê-las, no próprio dia a dia. Traga a história, a arte, a geografia, os idiomas, a música, os textos sagrados, os textos da literatura etc., torne sua aula rica, sobretudo culturalmente. Gosto sempre de pular da teoria à prática, vou colocar aqui alguns sites, sugestões e muitas ideias, espero e desejo que elas sejam úteis. São ferramentas para ajudá-los, não são amarras. Recomendamos o uso de mapas históricos para mostrar a evolução urbana pela qual as cidades passaram, as considerando, por exemplo, como mola propulsora para as religiões. Quem anda pelos bairros das cidades vai perceber como muitos prédios históricos são prédios relacionados às religiões. Como a religião foi ao longo do tempo delimitando fronteiras, influenciando a arquitetura dos prédios, casas e das cidades. E hoje, como muitos desses prédios nos ajudam a contar a história desses mesmos lugares. Em uma pesquisa rápida no site do Laboratório de Topográfico de Pernambuco, pegue como exemplo um mapa de 1665 da cidade de Olinda. Percebam, os limites da cidade são todos demarcados por construções ligadas à religião. Podemos aproveitar esse dado histórico tanto para uma visita aos locais, como para um trabalho ainda mais profundo, sobrepondo um mapa sobre o outro para ir estudando a expansão do território e de como outras religiões foram sendo inseridas nesses mapas. Aqui temos um exemplo de estudo que envolve a um só tempo: história, geografia, cartografia, religião. É disso que eu estou falando! 18 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil Fonte: https://www.labtopope.com.br/cartografia-historica/. Fonte: http://files.labtopope.webnode.com/200000456-ad066adfb4/ Mapa_Olinda_com_Identifica%C3%A7%C3%A3o_1665_1.jpg 19 UNIVERSIDADE CATÓLICADE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil Para enriquecer e trazer elementos das artes plásticas recomendo o acesso ao acervo digital do Museu de Belas Artes, https://mnba.gov.br/portal/, cuja aba aberta na imagem abaixo procura mostrar as coleções disponíveis para visita digital. As lindas coleções do Museu de Belas Artes, assim como as páginas de outros museus que nós colocamos aqui, nos oferecem um material inestimável de consulta e enriquecimento. Imagine poder associar o estudo das manifestações religiosas com as artes, com as pinturas e esculturas. Perceber, por exemplo, como elementos religiosos foram sendo inseridos nas telas e o que eles representavam em cada época. Pode-se combinar esse trabalho com as disciplinas de artes, caso haja, mas também com língua portuguesa e literatura, que também estuda os chamados “movimentos artísticos”, isso é uma proposta de ensino integrado. Outra recomendação que queremos deixar aqui é o acesso ao site, https:// mundonegro.inf.br/. Aproveito o ensejo dessa indicação para falar um pouco sobre nossa tendência a nos apropriarmos do lugar de fala das religiões, ou seja, lemos um pouco e achamos que estamos “por dentro de todo o conteúdo”, não é assim. Para se preparar melhor, evite os comentadores das religiões, vá fundo. Saia do conhecimento das superfícies, escute quem professa as religiões, seus líderes, se permita conhecer de verdade, para promover um diálogo mais verdadeiro e rico. Traga sempre que possível fatos para a sala de aula. Não esperamos que nossos alunos tenham soluções para esses eventos. Na verdade, queremos estimular neles a confiança para falar, para exporem suas ideias e opiniões. Lembre-se, nosso trabalho não é a conversão das crianças, nosso trabalho é ainda mais difícil. Consiste em auxiliá-las a perceber o mundo como ele é, ou seja, cheio de pessoas semelhantes a nós, mas não iguais a nós. Semelhantes, no sentido de que têm os mesmos direitos e os mesmos deveres, mas que cada uma conserva traços que as tornam únicas. Isso nunca deve ser deixado de lado. https://mnba.gov.br/portal/ https://mundonegro.inf.br/ https://mundonegro.inf.br/ 20 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil Fonte: https://mundonegro.inf.br/ Fonte: https://museudeartereligiosaetradicional.acervos.museus.gov.br/acervo/ Fonte: https://www.museus.gov.br/acervos-online/ 21 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil Bom pessoal, colei aqui muitos sites que considero úteis para o trabalho de organização do material das aulas, consultei muitos deles para fazer essa apostila, por sinal. Lembre-se, nossa intenção é plantar sementes de diálogos, não é promover uma feira de conhecimentos superficiais. Promova o conhecimento sério e esclarecedor sobre as manifestações religiosas. Não permita que determinados preconceitos se perpetuem. O espaço para fomentar a mudança nas relações culturais têm na escola uma grande aposta. Métodos para trazer pesquisas para as salas de aula. Vou fazer um levantamento das três fases pelas quais passou a metodologia do Ensino Religioso no Brasil. Na primeira, ou seja, antes da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n.º 9394/96, especialmente o artigo 33, e modificada pela Lei n.º 9475/97, o Ensino Religioso esteve centrado no ensino dos dogmas, sacramentos e história da salvação. Suas origens remontam os programas paroquiais e o método consiste basicamente na transposição dos programas de catequese, sua eficácia era Fonte: https://www.museivaticani.va/content/museivaticani/en/collezioni/musei/tour-virtuali-elenco.html Fonte: http://www.museuafrobrasil.org.br/acervo-digital 22 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil testada com memorizações e recitações dos preceitos teológicos. O resultado esperado era o conhecimento preciso das verdades de fé, ou seja, dos conteúdos doutrinais. Como se pode observar nessas anotações, esse modelo foi desenvolvido pelas confissões religiosas, e tem como consequência ser o mais proselitista e menos aberto à tolerância religiosa. Na segunda fase, após a aprovação da LDB nº 9394/96 e de sua posterior modificação em 1997, o modelo de Ensino Religioso apresenta traços de elementos psicológicos, se o modelo anterior foi gestado nas sacristias e salões paroquiais, esse que estamos apresentando tem suas origens na Alemanha, Áustria, Bélgica e França. O ponto de mudança ganha contornos mais aparentes quando olhamos para a seleção de conteúdos, estratégias e subsídios: todos eles buscam entender a experiência religiosa do aluno. Outra diferença significativa é que nesse método a prática é menos voltada para a apreensão de conteúdos, a figura do estudante torna-se protagonista, a velha ideia do aluno vazio de conteúdo que precisa ser preenchido pelo saber do professor é deixada de lado. Assim, a mudança do modelo catequético e proselitista ganhava ainda mais força. Aqui, surge o papel do Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso, sua proposta parte da premissa de fundamentos epistemológicos e didáticos, com claros objetivos de consolidar a disciplina como uma área do conhecimento autônoma, ou seja, um ensino secularizado, uma disciplina com didática própria e conteúdos específicos. Um resultado prático dos esforços do Fórum foi a elaboração da primeira proposta de parâmetros curriculares para o Ensino Religioso, ainda em 1998. Essa seleção organizou-se em cinco eixos temáticos: cultura e tradições religiosas, escrituras sagradas e/ou tradições orais, teologias, ritos e ethos. Embora abra possibilidades para os conhecimentos sobre a diversidade religiosa e cultural, essa proposta ainda está muito amarrada aos princípios cristãos. A Ciência da Religião inaugura a terceira fase, apresentando-se como um modelo capaz de oferecer uma base teológica e metodológica. Uma disciplina autônoma para ser inserida no currículo escolar. O método proposto é o da indução, ou seja, o conhecimento vai sendo sugerido, construído, aborda-se a dimensão religiosa em diversos aspectos e manifestações. Os alunos são estimulados como pessoas cidadãs, sobretudo com relação à vida ética e social. Aquela ideia de que falávamos no começo da nossa apostila, o homem vive em sociedade e, numa plural, assim terá que se relacionar com pessoas que tem diferentes crenças e visões de mundo. A Ciência da Religião traz a possibilidade real de uma visão de ensino transreligiosa, construída com o auxílio de diversas ciências. Essa cosmovisão agrega concepções políticas e culturais e torna-se, com isso, uma ferramenta para entender as relações entre Igreja e Estado. 23 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil Síntese da Unidade Vou aqui retomar as ideias que nortearam nossa apostila e atar possíveis pontas soltas. A primeira coisa que nossa apostila quis apresentar a você foi um pequeno, mas significativo, conjunto de conceitos que norteiam as unidades temáticas propostas pela Base Nacional Curricular Comum do Ensino Religioso. Nosso trabalho, Se puder, assista aos seguintes vídeos: https://www.youtube.com/watch?v=g4gc-hXLwfU. Trata-se de um vídeo de formação produzido pela Associação Nacional de Educação Católica do Brasil – ANEC. Esse é o primeiro de um Ciclo de Formação sobre o Ensino Religioso à luz da BNCC. O vídeo foi transmitido em 14 de abril de 2021. E participaram das discussões os professores: Sérgio Junqueira e Emerson Sena. https://www.youtube.com/watch?v=g4gc-hXLwfU. Trata-se de um vídeo de formação produzido pela Associação Nacional de Educação Católica do Brasil – ANEC. Esse é o segundo de um Ciclo de Formação sobre o Ensino Religioso à luz da BNCC. O vídeo foi transmitido em 28 de abril de 2021. E participaram das discussões os professores: Sérgio Junqueira, Gilbraz Aragão e Volney Berkenbrock. https://www.youtube.com/watch?v=HVex7AaO-HA. Trata-se um dos programas do “Artigo 5º na TV”, vinculado na TV Justiça. Oprograma traz juristas para discutir sobre o Ensino da religião nas escolas, considerando a decisão do Supremo Tribunal Federal, em 2017, que facultou o ensino religioso nas escolas públicas. O programa foi transmitido em 25 de junho de 2019. https://www.youtube.com/watch?v=k3Uzywxp7NY. No programa Religare – Conhecimento e Religião. Sugerimos o programa ''O ensino religioso nas escolas públicas''. Ele está dividido em dois blocos, o segundo link colocarei no final da indicação. Nele, o professor Flávio Senra conversa com a professora de ensino religioso Fernanda Andrade, sobre o ensino religioso nos dias de hoje. O programa foi transmitido em 20 de novembro de 2019. O segundo bloco da entrevista pode ser acessado em: https://www.youtube.com/watch?v=98RJk8jEDPg. https://www.youtube.com/watch?v=g4gc-hXLwfU https://www.youtube.com/watch?v=g4gc-hXLwfU https://www.youtube.com/watch?v=HVex7AaO-HA https://www.youtube.com/watch?v=k3Uzywxp7NY https://www.youtube.com/watch?v=98RJk8jEDPg 24 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil conforme dissemos não é dar a você um dicionário de termos. Mas você precisa ter uma noção sobre os termos e esta deve ser, preferencialmente, mais ampla do que fé que cada um professa em âmbito particular. Lembre-se que a nossa visão de mundo é (ou deve ser) plausível apenas para nós. No ambiente escolar devemos ser mais como pontes do que como vias de mão única. Em seguida, trouxe uma lista de sites que acredito serem bons pontos de partidas para enriquecer suas pesquisas. Exploramos como ideia principal aqui a importância de ampliar o escopo da religião, cruzando a experiência da fé e a sua relação com a cultura, com a política, com a geografia e a história. Para se mostrar que “tudo tem história”, também é possível que a “religião esteja em toda parte”. Por isso, não devemos negligenciar essas possibilidades de abordagem do assunto. Por fim, eu trouxe um apanhado geral sobre os modelos de metodologia empregados no Ensino Religioso. No começo, a mera transposição da catequese paroquial para as salas de aula, depois, o esforço de deixar de lado as doutrinas, para ouvir as experiências das crianças em ambiente escolar. Essa mudança foi muito significativa, deixando de lado o ensino da doutrina pela doutrina, e encorajando o entendimento mais psicológico da experiência. De modo muito grosseiro, Deus continuava no céu, no alto de sua glória, mas, para fins de Ensino Religioso, tornava- se mais importante refletir sobre as relações que se estabeleciam para se conectar com Deus, seja ela como fosse, institucionalizada ou não. Então, qual a contribuição da Ciência da Religião? Nossa luta, minha e sua, é garantir que a relação entre Ensino Religioso e escola seja a mais respeitosa possível, nós já vimos como isso está acontecendo hoje. Precisamos compreender como ela chegou até aqui. Vejo você na próxima unidade. Bons estudos! Referências BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Edição Pastoral Tradução, introdução e notas: Ivo Storniolo. Euclides Martins Balancin. 91. ed. Brasília, DF: Editora Paulus, julho de 2013. DONNE, John. Meditações: extraídas a partir das “Devoções para Ocasiões Emergentes”. Edição Bilíngue. São Paulo: Landmark, 2007. ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992. Tradução: Rogério Fernandes. (Col. Tópicos) JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo; BRANDENBERG, Laude Erandi e Klein, Remí (Orgs.) Compêndio de Ensino Religioso. São Leopoldo; Sinodal; Petrópolis: Vozes, 2017. MATA, Sérgio da. História e Religião. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010. (História &. Reflexões, 13). SILVEIRA, Emerson Sena da. JUNQUEIRA, Sérgio (orgs). O Ensino Religioso na BNCC: teoria e prática para o ensino fundamental. Petrópolis: Vozes, 2020. 25 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil SWEETMAN, Brendan. Religião: conceitos-chave em filosofia. Porto Alegre: Penso, 2013. Laboratório Topográfico de Pernambuco. Disponível on-line via: https://www.labtopope.com.br/cartografia- historica/, acessado em 20 de mai. 2021. Religião e Pandemia. Disponível on-line via: https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2021/05/04/ interna_internacional,1263156/procissao-religiosa-em-plena-pandemia-reune-milhares-no-paquistao.shtml , acessado em 23 de mai. 2021. A fé está no Ar. Disponível on-line via: https://istoe.com.br/a-fe-esta-no-ar/ , acessado em 23 de mai. 2021. Museu Afro Brasil. Disponível on-line via: http://www.museuafrobrasil.org.br/acervo-digital, acessado em 23 de mai. 2021. Museu do Vaticano. Disponível on-line via: : https://www.museivaticani.va/content/museivaticani/en/collezioni/ musei/tour-virtuali-elenco.html, acessado em 23 de mai. 2021. IBRAM; Tour por museus on-line. Disponível on-line via: https://www.museus.gov.br/acervos-online/, acessado em 23 de mai. 2021. Museu de arte religiosa. Disponível on-line: https://museudeartereligiosaetradicional.acervos.museus.gov.br/ acervo/. Cultura africana. Disponível on-line via: https://mundonegro.inf.br/, acessado em 23 de mai. 2021. Museu Nacional de Belas Artes. Disponível on-line via: https://mnba.gov.br/portal/, acessado em 23 de mai. 2021. USQ – Antes e Hoje. Publicado em 01/01/2020 por Carlos Ruas.Disponível on-line via: https:// www.umsabadoqualquer.com/usq-antes-e-hoje/ , acessado em: 13 de mai. 2021. Moses before the Burning Bush (Moses vor dem brennenden Dornbusch), 1613-1614, Domenico Fetti (Italian Baroque Era Painter, ca.1589-1624), oil on canvas, 168 cm x 112 cm (66.1 x 44.1 in.), Kunsthistorisches Museum, Vienna, Austria. Disponível on-line via: https://institutopoimenica.com/2013/05/08/moiss-diante-da-sara- ardente-domenico-fetti/, acessado em: 15 de mai. 2021. Unidade 2 Períodos históricos: contextos e concepções Olá! Que alegria ter vocẽ de volta para a segunda unidade! Agora que já fizemos um bom apanhado de temas que atualmente estão dispostos na Base Nacional Curricular Comum (BNCC) para o Ensino religioso nas séries correspondentes ao Ensino Fundamental. Vamos nos dedicar a entender o contexto histórico, político e cultural — além das forças “religiosas” — que o moldaram desde a proclamação da República, em 1889, até a homologação da atual BNCC, em 2017. Dividimos os marcos temporais em três grandes cortes. O primeiro diz respeito à Proclamação da República, porque nesse momento o Estado separa-se da Igreja Católica e isso vai reverberar em muitos aspectos para além da mera questão jurídica. Então, vamos focar nossas atenções no contexto que culminou nessa separação, em seguida, no Decreto nº 119-A, de 1890. Depois, vamos analisar a década de 1930, mais precisamente os primeiros cinco anos dessa década. Estamos falando do primeiro governo de Getúlio Vargas, à frente da presidência da República, vamos apreciar especialmente o Artigo 153, da Constituição Federal de 16 de julho de 1934, para que na unidade seguinte, tendo entendido bem seu contexto histórico, possamos analisar como foi sua execução na prática do Ensino escolar. O último corte temporal que daremos em nossos estudos será com a homologação da BNCC, em 2017. Nosso objetivo será entender de forma clara quais forças atuaram na construção desse documento e como ele reflete nossa situação histórica atual. Definidos e aclarados esses marcos históricos, poderemos correr para o segundo item dessa unidade: entender os princípios ético-humanistas, democráticos e estéticos que foram aplicados na construção da Base Nacional Curricular Comum. Bons estudos! Objetivos da unidade • Colocar em perspectiva histórica três momentos-chaves da história do ensino religioso no Brasil: a Proclamação da República, o Governo de Getúlio Vargas, especialmente o Estado Novo, e a aprovação da BNCC, em 2017. • Trazer à discussão o conceito de operador social do sagrado como instrumento de construção para uma percepção histórica das relações entre Igrejas e Estado. • Oferecer dados históricosque permitam aos alunos compreender os mecanismos envolvidos por trás dos movimentos em torno do ensino religioso do Brasil, dentro do arco temporal previsto na unidade. 28 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil 1. Um pouco da nossa História: “E o Brasil dormiu um Império e acordou uma República” A história do Brasil, para alguns, pode parecer curta e até muito enfadonha, mas pode se mostrar muito rica e, inclusive, pouco estudada, uma vez que há muitos trabalhos e livros sobre os grandes temas da nossa história, porém, poucos, se interessam pelos detalhes de nossa história. Justamente, por essas partes pequenas do nosso mosaico histórico, como por exemplo: como estavam ou qual foi a participação das Igrejas protestantes em nossa Proclamação da República? Ou, ainda, quando e como se consolidou como força política a “bancada da fé” e quais as religiões que elas congregam? Se eu lhes perguntasse se conseguem perceber a influência de operadores sociais do sagrado na vida política de suas cidades, o que me responderiam? O fato é que para além dos templos, e mesmo com um estado laico, esses operadores, não deixam de segurar e guiar a caneta com a qual se escreve nossa história nacional. Antes de nós passarmos adiante, deixe eu explicar o que significa o termo operador social do sagrado. Primeiro, ele foi cunhado pelo Prof. Dr. Luiz Carlos Luz Marques e seu uso é amplo, porque permite o uso de um termo que não está “colado” a nenhuma manifestação religiosa como: padre, diácono, ministro, presbítero, monge, papa, pai de santo... a lista seria imensa. Os operadores, vamos assim dizer, conservam essa característica comum a todas essas “funções”, ou seja, essa capacidade de sendo um ser ordinário, ou seja, comum, “pecador”, criatura... ser investido de um poder/ uma força extraordinária que passa a manipular as coisas ditas sagradas. Mas, como se pode imaginar, esses operadores vivem e atuam no mundo social e lá também exercem um poder tal qual nas suas denominações religiosas. Eles nos influenciam de forma incisiva e clara. Podemos pensar nos tantos costumes religiosos que trazemos ao longo de nossas vidas, ou essa influência pode ser mais tênue e discreta, mas sem perder sua efetividade. Por isso, vamos mergulhar na história, para conhecer esses contextos e apontar onde podemos enriquecer essas compreensões com novas pesquisas, novos olhares, trazendo à tona novos personagens. A frase que escolhi para abrir esse primeiro item de nossa unidade é muito comum em livros de história, vou tratar de explicá-la bem, pois a considero uma peça-chave Se puder, não deixe de ler o artigo original: MARQUES, Luiz Carlos Luz. Operadores sociais do sagrado: direitos e deveres civis. Revista de Teologia e Ciências da Religião da UNICAP (Descontinuada), [S.l.], v. 2, n. 1, p. 217-226, dez. 2012. ISSN 2237- 907X. Disponível em: http://www.unicap.br/ojs/////index.php/theo/article/view/172/217 http://www.unicap.br/ojs/////index.php/theo/article/view/172/217 29 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil para entender o seu significado não só para nossa história nacional, como também, para a trajetória do ensino religioso. Para começar temos os seguintes dados históricos: o Brasil havia participado ativamente da Guerra do Paraguai (1864-1870), inclusive havia enviado muitas tropas que não estavam nem bem formadas e nem treinadas, porque a maioria de nossa população era escrava. Formamos parte da Tríplice Aliança, junto com Argentina e Uruguai, saímos vencedores. As altas fileiras de nossas forças militares estavam cada vez mais conscientes de que formavam um pilar significativo da sustentação do frágil governo do Imperador Pedro II, mas que esta força era preterida pelo governo. Também se tornava comum entre os militares o pensamento positivista, de Augusto Comte O pensamento positivista tem sua origem na França, nasceu como uma herança do Iluminismo. Essa corrente de pensamento filosófica valoriza a ciência, o materialismo, em suma, o mundo humano. O conhecimento científico era o único caminho para o conhecimento válido, desse modo a religião, as superstições e aquilo que escapa ao universo do cientificamente comprovado deve ser abandonado. Por isso, esse pensamento filosófico não era bem-visto pela Igreja Católica, a ideia de um positivismo religioso afastava as pessoas do domínio da Igreja. Entre os principais entusiastas, entre nossos militares, desse pensamento estava Benjamin Constant. Em resumo, essa foi a questão militar, ela causou forte impacto ao nosso Império. Dom Pedro II (1825-1891) aferrava-se ao poder morador, aquele que o colocava numa posição acima dos outros três poderes (legislativo, executivo e judiciário), o conceito havia sido elaborado por Benjamin Constant e apareceu pela primeira vez em nossa primeira Constituição, a de 1824, no Artigo 98. A ideia por detrás do conceito pretendia que o poder moderador fosse um exército para equilibrar os poderes. Mas, não foi assim. Outro problema interno que assombrava o imperador era a sucessão, sem filhos varões, o Império do Brasil seria passado à Princesa Isabel, casada então com o nobre francês Luís Filipe M. Fernando Gastão, o Conde d’Eu, que também havia servido junto com exército na Guerra do Paraguai. Entre os militares as coisas não estavam totalmente alinhadas com o Imperador, isto também pode se dizer das camadas sociais mais abastadas, insatisfeitas com as sucessivas leis abolicionistas, como a Lei Eusébio de Queirós, em 1850, que proibiu a entrada de africanos escravos no território nacional. A sanção dessa lei acarreta um sério problema de mão de obra para as lavouras cafeeiras em expansão no Brasil. Em 1871, preparada pelo Gabinete do Visconde de Rio Branco e por iniciativa do poder Moderador, a Lei do Ventre Livre tornava livre todos os filhos de escravos nascidos no império a partir daquela data. As crianças nascidas nessas condições deveriam ser criadas até os oito anos pelos proprietários de seus pais, atingindo essa idade poderia ser entregue ao Governo e em troca receberia uma indenização, ou poderia mantê- los consigo até os 21 anos, fazendo uso de seus serviços como “retribuição” pelos gastos que tivera com seu sustento. Por fim, a lei determinava a criação de Fundo de Emancipação dos Escravos, em tese o valor do fundo deveria ter sido usado para libertar anualmente um certo número de escravos da província. Ao escravo nada era garantido, nem pelo Estado nem pelo antigo proprietário. 30 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil Em 1885, a Lei Saraiva-Cotegipe, que passou para a história como a Lei dos Sexagenários, tornava liberto os escravos com mais de sessenta anos. Porém, à diferença da Lei do Ventre Livre, a Lei dos Sexagenários não previa nenhuma forma de indenização para o proprietário, prévia, ao contrário, um aumento do valor depositado no Fundo de Emancipação. Finalmente, em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel, que na ocasião substituía Dom Pedro II, assinou a Lei Áurea, em cujo artigo primeiro lê-se: “declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no Brazil”. Na ocasião da sanção estimou-se que a lei beneficiou certa de 750 mil negros cativos no Brasil. À exceção da última lei, as primeiras tinham como “proposta” uma gradual emancipação da mão de obra escrava no Brasil. Mas, em nenhum momento, essas leis previam para os escravos libertos meios de vida fora das senzalas. A abolição trouxe dificuldades para os setores da cafeicultura e as lavouras do Nordeste, que já estavam em crise. Para o Império, isto significou que os senhores de terras perderam sua influência política com o enfraquecimento financeiro que sofreram. Na mesma proporção que essa força foi se dissipando, uma nova começou a despontar, a dos fazendeiros do oeste paulista, cuja base da mão de obra era formada por imigrantes. Foram esses fazendeiros que sustentaram, como força político-econômica,a nossa República Velha. Não quero que vocês percam de vista nosso objetivo aqui, por isso agora lhes peço atenção para o último ponto que quero abordar nesse contexto histórico. A indisposição da Igreja Católica instalada no Brasil com o Imperador. Como uma extensão do Reino de Portugal, o Brasil, mesmo independente, manteve algumas instituições, entre elas o padroado régio. Mas, o que significava isso? O direito do padroado era uma espécie de selo católico dos reinos, sobretudo os Ibéricos. O selo, como tudo, tinha seu ônus e seu bônus. Se por um lado éramos um império católico, nosso chefe de estado respondia pelo poder temporal e era como um “padrinho” da Igreja, desse modo, cabia a Pedro II nomear párocos, cônegos e bispos, arrecadar dízimos, organizar as comunidades religiosas, as missões. Do ponto de vista econômico, todo o clero que atuava no Brasil deveria ser sustentado pelo Império. Outro aspecto do padroado era o beneplácito, “conceder, ou negar o Beneplacito aos Decretos dos Concilios, e Letras Apostólicas, e quaisquer outras Constituições Ecclesiasticas que se não opposer em á Constituição; e precedendo aprovação da Assembléia, se contiverem disposição geral”, conforme está no § 14 do art. 102 da Constituição de 1824. A rusga com a Igreja foi épica, ela começou em 1873 e se arrastou até 1875! Se precisássemos resumir em uma frase eu diria: “havia um choque de normas canônicas e seculares”. A primeira peça que devemos ter em mente nesse tabuleiro é a maçonaria, que esteve envolvida em muitos processos de independência dos países espanhóis na América do Sul. No Brasil, a maçonaria ganhou muita força a partir de 1822, quando, o à época Príncipe Regente do Brasil, Dom Pedro de Alcântara, foi iniciado nos Mistérios da Ordem. Em poucos meses, após seu ingresso na Ordem, Dom Pedro I foi aclamado Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil, em 31 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil substituição a José Bonifácio. Tal como o pai, Dom Pedro II também era maçom e, como ele, muitos dos nossos personagens chave desse momento histórico, como: os marechais Manuel Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, os ministros Benjamin Constant, Quintino Bocaiúva, Campos Sales, o almirante Eduardo Wandenkolk e muitos membros do clero brasileiro tinham participação ativa nas lojas maçônicas que se multiplicavam pelo Brasil. Até aquele momento, apesar dos inúmeros documentos papais anteriores, não se via uma incompatibilidade entre ser maçom e participar de atividades católicas. O problema surgiu quando o Papa Pio IX, o mais enfático perseguidor da maçonaria, passou a escrever sistematicamente Bulas e documentos papais em que condenava as sociedades secretas, apontando-as inclusive como um dos perigos da modernidade, entre elas estava a Maçonaria. Aqui vamos nos ater ao Syllabus da encíclica Quinta Cura, pois ela proibiu expressamente a ligação de católicos com a maçonaria. Valendo-se no beneplácito, Dom Pedro não acatou a decisão. Acontece que entre os Bispos atuantes no Brasil, naquela época, dois em especial, Dom Frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira, Bispo de Olinda, e Dom Antônio Macedo Costa, Bispo do Pará, se opuseram ao beneplácito régio, e orientaram os padres atuantes nessas dioceses a atuarem em conformidade com as medidas restritivas à presença de maçons em irmandades e associações religiosas. Por causa dessas decisões, esses bispos passaram para história como exemplos de Bispos ultramontanistas. Para que não restem dúvidas do que estamos falando, vou explicar o que essa expressão significou. O caso do Brasil em relação à Santa Sé foi bastante emblemático para o estudo dessa doutrina, o ultramontanismo, isso porque, em virtude do Padroado, as decisões do Concílio de Trento (1545-1563) tiveram pouca relevância para a Igreja no Brasil. Por outro lado, isso não quer dizer que todo o clero aceitava de forma pacífica essa decisão, muitos brigaram para que uma reforma fosse promovida dentro da Igreja. Em âmbito nacional, era preciso, segundo essa parte do clero, retirar os leigos de postos de comando das confrarias e irmandades, isso as tornam mais submissas à Igreja. Outro ponto muito importante foi o movimento para “purificação” das práticas religiosas dos católicos brasileiros, nosso catolicismo à brasileira era visto como supersticioso e pouco disciplinado. Era preciso, então, retomar a ideia há muito perdida de que: “Roma dita, causa finita” (Roma locuta est, causa finita est”, originalmente a expressão é latina), o Papa deveria ser restabelecido como autoridade central da Igreja católica. A resposta do Imperador Pedro II a essa insubordinação dos dois bispos resultou numa ação judicial em que ambos foram condenados a quatro anos de prisão com trabalhos forçados. Posteriormente, aos bispos foi concedida anistia, mas a condenação serviu para derrubar o último dos pés que sustentavam o trono do de Dom Pedro II. Boas biografias e diários dão à história um quê pessoal e, muitas vezes, nos ajudam a entender melhor o curso da história como um todo. Por isso, para entender melhor esses dois pontos que apresentamos agora, deixo aqui dois livros que podem enriquecer sua compreensão da importância desses personagens. Sobre o Imperador Pedro II, recomendo "As barbas do Imperador”, escrito pela historiadora Lilia Moritz 32 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil Schwarcz, publicado em primeira edição no ano de 1998, pela Editora Companhia das Letras. O livro pode ser adquirido em formato físico ou digital, por meio de e-book. Sobre a atuação do Conde d’Eu durante a Guerra do Paraguai, recomendamos a leitura de seu diário, intitulado: “O Diário do Conde d’Eu”, que foi organizado, traduzido e anotado pelo historiador Sérgio Goyena Soares, publicado na primeira edição pela Paz & Terra, em 2017. O livro físico pode ser achado em sebos, já a versão e-book está disponível para aquisição em vários portais da internet. De forma pacífica, sem a participação popular, o Brasil assistiu à nossa Proclamação da República, que a princípio foi chamada de República da Espada, mas que logo veio a tornar-se Velha. A pergunta agora é: será proclamada a República, o que mudou para nosso objeto central de análise? Na relação entre a Igreja e o Estado e, especialmente, para o ensino religioso? Vamos começar fazendo um levantamento do que até aquele momento histórico era de competência da Igreja. O nascer e o morrer eram de fato registrados pela Igreja, o documento de registro dos brasileiros era sua certidão de batismo e seus enterros eram feitos em terras da Igreja, alguns mais afortunados enterrados entre suas paredes, outros com menos prestígios em cemitérios no entorno dos templos. Desse modo era a Igreja quem tinha os registros de nascimento e morte. Uma vez que a criança nasceu e vingou, seu próximo passo para a vida social são os estudos. E quem possuía as escolas, tinha os prédios onde essas instituições foram instaladas? Pois sim, ela mesma, a Igreja Católica. Pensem comigo: a maior cidade do Brasil, São Paulo, em 1554, foi fundada ao redor do “Colégio São Paulo de Piratininga", construído e dirigido por padres jesuítas. Por fim, quem cuidava dos enfermos, das crianças enjeitadas? A Igreja com suas ordens religiosas, suas “Santas Casas” e “orfanatos”. Fonte: Proclamação da República, por Benedito Calixto. Óleo sobre tela. Prefeitura Municipal de São Paulo. (Pinacoteca). Obra de 1 janeiro de 1893. 33 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil Para proclamar-se um estado laico, ou seja, aquele que não professa uma religião ou credo como oficial, o Brasil teria que prover, por meios próprios, todos esses serviços. Porém, num primeiro momento, ele não tinha estrutura para isso. Por isso, sabe-se que por muitos anos, a estrutura da saúde e da educação do Brasil esteve sediada em prédios que pertenciam à Igreja. Isto era uma forma de manter certainfluência. Para a educação, apenas como exemplo do que estamos falando, nos concursos para professoras primárias do começo do século XX, oferecia-se às professoras, recém concursadas, um valor agregado ao salário, para que pudessem alugar casas com salas maiores e, assim, ministrar as aulas em casa, para pequenas turmas. Se por um lado faltava ao Estado brasileiro a estrutura, ela lhe sobrava à Igreja, porque, quando a República já estava instalada, o Governo promulgou o Decreto nº119-A. No artigo quinto, deste decreto, lê-se: “todas as igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalidade juridica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos pelas leis concernentes a propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada uma o domínio de seus haveres actuaes, bem como dos seus edifícios de culto” (BRASIL, 1890, Decreto nº 119-A). O que é propriedade de mão-morta? Trata-se de um regime jurídico ao qual se encontravam submetidos os bens culturais da Igreja (prédios, casas, obras de arte). Em resumo, funciona assim: a Igreja os possuía com algumas limitações. Tinha as “mãos livres” para adquirir tais bens, durante o Brasil Colônia e o Império, mas, possuía “mão morta” para aliená-los. Quando nos tornamos uma República esse regime caiu. Nós vamos retomar esse decreto na próxima unidade e estudá- lo com mais profundidade, mas quero que agora pensem nisso. Será que proclamada a República, o Brasil desatava-se das Igrejas ou, ao contrário, iria, ao longo de sua história, recorrer a elas para legitimar-se? Vamos ao segundo recorte de nossa História. 2. De uma República Velha a um Estado Novo: a Era Vargas Nossa jovem República já nasceu “velha”, passados os dois primeiros presidentes, os Marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, cujos governos estudamos como República da Espada, logo se viu que ao posto de presidente do Brasil se alternavam no poder as velhas oligarquias estaduais, oriundas da política dos governadores. Veja, você certamente já ouviu falar do que foi a política dos governadores, provavelmente, a conhece com outro nome, por isso vou resumi-la aqui em poucas palavras e quero que você faça o exercício de pensar se ela deixou de existir ou não? O acordo político em questão vigorou, oficialmente, durante os anos de 1889 e 1930, e consistia no apoio irrestrito do Governo Federal aos governos estaduais, em troca, os “coronéis” (muitos membros ativos desses governos estaduais) garantiam a eleição das bancadas favoráveis ao Governo Federal, desse modo não havia oposição. 34 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil Será que, embora estejamos no século XXI, com todo livre acesso à informação que temos, ainda não vivemos numa era de votos de cabrestos e currais eleitorais? Hoje, quando pensamos sobre a força que exercem aqueles que são operadores sociais do sagrado, para além dos domínios dos seus templos, podemos ver com clareza os alcances de suas ações no mundo das coisas sensíveis? Fonte: Charge1. “Voto de cabresto”. Disponível on-line via: http://historiaporimagem.blogspot.com/ 2012/02/voto-de-cabresto-o-coronel-o-eleitor-e.html. Fonte: Charge 2. “Igreja Curral”. Disponível on-line via: http://jpmt.com.br/especialista-em-direito-eleitoral- adverte-uso-de-lideres-religiosos-em-campanha-pode-gerar-cassacao/charge-23-7-igreja-curral/. 35 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil Na eleição para presidente de 1930, a antiga aliança que se alternava no poder, ora políticos mineiros, ora políticos paulistas, foi quebrada. Júlio Prestes, político paulista, ao suceder o também paulista Washington Luís, deu início a uma Revolução. uma junta militar sequer permitiu que Prestes tomasse posse, em seu lugar, o político gaúcho que havia perdido as eleições foi empossado, Getúlio Vargas. Foi a primeira ditadura de nossa história! Durante esses eventos o que fazia a Igreja Católica e, em certa medida, as demais Igrejas que haviam conquistado o direito de se instalar no Brasil depois que nos tornamos uma República? Bem, elas começaram a se instalar de forma sistemática por todo o país. Trago, aqui, alguns números relacionados a estratégia adotada pela Igreja Católica, mas, não quero que pensem que se trata de uma apostila sobre a Igreja e sua expansão. Quero que percebam a estratégia, quero que comecem a fazer perguntas incômodas, quero que vocês olhem além do conteúdo dessa do Guia de Estudo. Então, vamos aos dados! A Igreja católica não foi diretamente beneficiada com a Proclamação da República, além disso, via-se agora como mais uma entre as demais religiões, embora seja bem verdade que a maior parte dos brasileiros nessa época se declaram-se católicos. Mas a questão é, como fazer agora sem o apoio financeiro do Estado? Pois bem, a Igreja começou a olhar para dentro, elaborou um trabalho de reestruturação interna, isso lhe possibilitou uma reordenação geográfica e política com vistas a se aproximar, de forma gradual, do poder. Vamos traduzir isso de uma forma que se possa entender melhor: até 1890 existiam no Brasil cerca de 12 dioceses e nove das capitais eram sedes episcopais. Entre 1890 e 1930, ou seja, em apenas 40 anos, foram criadas 56 dioceses, 18 prelazias e três subprefeituras apostólicas. Aquela ideia, comum das épocas anteriores à República, de um padre que viajava quilômetros e quilômetros para celebrar missas de vez em quando, estava ficando cada vez mais distante. Trazendo o clero mais para perto das cidades, tornando sua presença mais constante, a Igreja “matava dois coelhos com uma cajadada só”, Fonte: Esquema1. Criado pela autora a partir de dados do livro: Padre Cícero: poder, fé e Guerra no Sertão. De autoria do historiador Lira Neto, publicado em 2009, pela Editora Companhia das Letras. 36 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil primeiro ela afastava os movimentos populares e a influência de líderes religiosos (como foi o caso de Antônio Conselheiro, em Canudos e, do Padre Cícero Romão Batista, no Juazeiro), tentando oferecer um catolicismo mais “puro”. Depois, esses sacerdotes atuando de forma mais efetiva e com presença garantida nessas localidades eram um caminho para o desenvolvimento de políticas assistencialistas encampadas pelos políticos com a as bênçãos da Igreja. Tenhamos em conta que desde os anos de 1920 circulavam no Brasil ideias fascistas – ideologia política ultranacionalista e autoritária – organizadas em pequenos núcleos. Em 1928, já estava instalado no Brasil um Partido Fascista. Entretanto, o movimento mais contundente nesse sentido foi a Ação Integralista Brasileira, fundada por Plínio Salgado, em 1932, o lema desse grupo era “Deus, Pátria e Família”, uma síntese dos princípios conservadores. Vamos analisar um caso: durante a campanha de Francisco de Menezes Pimentel, em 1934, para o Governo do Estado do Ceará, o candidato contou com o apoio da Liga Eleitoral Católica (LEC). A Liga consistiu num apoio firmado entre o então candidato e o Bispo da Diocese de Fortaleza, à época, Dom Manoel da Silva Gomes. O bispo escolhia entre os padres aqueles que deveriam ir de cidade em cidade para fazer campanha a favor de Francisco Meneses, apresentado como o candidato da Igreja, aquele que tinha o apoio e a benção. Meneses Pimentel foi eleito, como retribuição ao apoio dado pela igreja, ofereceu ao Bispo a Secretaria de Educação do Estado do Ceará, cujo ocupante foi o Padre Helder Pessoa Camara. Esse mesmo sacerdote já havia sido recrutado por seu bispo para integrar, anos antes, o grupo integralista que se formou no Ceará. E o que faziam as demais denominações religiosas que agora podiam instalar-se livremente no Brasil? O mesmo que a Igreja Católica. A República permitiu que as demais denominações saíssem dos chamados cultos domésticos para que pudessem se instalar livremente pelo país. Dessa forma, as comunidades organizadas puderam, inclusive, voltar-se para a educaçãodos filhos e de crianças menos abastadas. Era, de toda forma, uma maneira de tentar manter “o crescimento natural” do número de adeptos das religiões e, aos poucos, ir formando novos crentes. Fonte: Linha cronológica 1. Criado pela autora. 37 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil Vocês conseguem perceber os elementos que mostramos no caso concreto que apresentamos acima? Tanto dos católicos quanto dos protestantes? Conseguem perceber as estratégias? Pois bem, quero que pensem comigo: porque a pauta da educação sempre foi tão cara às Igrejas, para além daquilo que se considera o ensino da transmissão da doutrina, ou seja, aquilo que se aprende na catequese de cada uma das religiões? E hoje, que vivemos inseridos num mundo cada vez mais heterogêneo, conservando nossa identidade, como podemos pensar numa educação religiosa que nos permita ao mesmo tempo conservar a nossa fé e nos manter em conexão com o resto do mundo? Para conhecer melhor sobre a instalação de colégios protestantes no Recife, recomendo a leitura dos seguintes artigos: SILVA, Paulo Julião da. "Ensina o menino no caminho em que deve andar": embates sobre a educação entre católicos e protestantes em Pernambuco (1930-1945). Anais do XXVI Simpósio Nacional de História. São Paulo, julho de 2011 p. 1-11, ISBN 978-85-98711-08-9. Disponível em: http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/ 14/1300844125_ARQUIVO_artigodaanpuh.pdf. OLIVEIRA FILHO, S. W. de C. Disciplina eclesiástica e relações de poder na igreja presbiteriana de Fortaleza ao findar do século XIX. Sæculum – Revista de História, [S. l.], n. 32, p. 55, 2015. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/srh/article/view/27090. Achei essa página do jornal católico “O Legionário”. Ele foi criado em 1929, prestava-se ao serviço de comunicação não oficial da Igreja, com ênfase em suas ações e em seus eventos. Como jornal, era apresentado mais como uma folha paroquial, a princípio, vinculado à igreja de Santa Cecília, depois atingiu outros ambientes católicos do Brasil. Será que você agora consegue perceber nessa página do jornal aqueles elementos que apontamos quando falamos sobre a atuação e a função da Liga Eleitoral católica? http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300844125_ARQUIVO_artigodaanpuh.pdf https://periodicos.ufpb.br/index.php/srh/article/view/27090 38 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil Fonte: Anúncio da criação da Liga Eleitoral Católica no "Legionário" de 15 de janeiro de 1933. Disponível online via: https://www.pliniocorreadeoliveira.info/Minha_Vida_publica/MVP_05_A_LEC_e_a_Constituinte.htm 39 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil Não quero que percamos o fio da meada, logo, voltemos a Getúlio Vargas e seus poderes quase ilimitados. Ele depôs governadores, dissolveu assembleias legislativas e o Congresso, o que gerou muita indignação dos seus opositores. O presidente, imbuído de um espírito modernizador para a política nacional, criou novos ministérios como o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e o Ministério da Educação e Saúde. Conforme veremos mais adiante, esses dois ministérios tiveram muito a ver com nosso objeto de estudo, visto que houve, nessa época, uma reforma na educação, que procurava melhorar a qualidade da nossa mão de obra para o comércio e a indústria nacional, que dava seus primeiros passos. Gustavo Capanema foi nosso Ministro da Educação mais longevo. Ele levou a cabo mudanças que foram iniciadas por seu antecessor, Washington Pires, elas incluíam desde campanhas sanitárias até a criação da Universidade do Brasil. Havia, nessa época, um grande debate no âmbito da educação no Brasil, estavam em confronto os adeptos do Movimento Escola Novista de um lado e, o Movimento Católico do outro, ambos tentavam normatizar as práticas escolares com vistas a assegurar o controle doutrinário do sistema educacional. Para que você entenda o que estava em jogo nesse embate, vamos a uma explicação rápida! O movimento da Escola Nova foi encabeçado, no Brasil, por Rui Barbosa e teve como base o trabalho do pedagogo norte americano John Dewey. O conceito que norteou o movimento era de que a educação deveria ser entendida como uma necessidade social, logo deveria ter como objetivo o aperfeiçoamento pessoal. Seu principal documento foi o Manifesto dos Pioneiros da Educação. Em suma, esse movimento defendia uma educação pública e única, laica, gratuita e obrigatória. Por outro lado, o Movimento católico tinha como principal referência no Brasil, o intelectual católico Alceu Amoroso Lima e seu projeto para combater o avanço da Escola Nova era centrado numa escola dual, ou seja, que oferecia uma escola particular e outra religiosa. Não se cogitava uma escola laica, visto que isso seria assumir a descristianização da sociedade, o que inevitavelmente abriria caminho para perseguições religiosas, imoralidade e domínio do comunismo no Brasil. O ensino deveria estar, portanto, livre da tutela do Estado. Atentem para o fato de que o estava em jogo, entre muitas coisas, conforme mostramos, era também a questão do Ensino religioso nas escolas, se ele seria ou não disciplina regular do currículo, se seria ou não implementado em toda a extensão da educação, e a questão, ainda mais importante, se a Igreja seria a responsável pelo conteúdo e administração desse conteúdo. No âmbito ministerial, Gustavo Capanema estava também envolvido com outra temática importante no Ministério da Educação, a reforma educacional deveria prever uma mudança significativa nos rumos da educação no Brasil. Objetivamente, ela foi pensada da seguinte forma: para a educação para as massas seriam criados, em todo o país, cursos profissionalizantes, eles ficaram conhecidos como o SISTEMA S da educação, quando formalizados, na década de 1940, reuniam o Serviço Nacional do Comércio (SESC), o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial 40 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO Ensino Religioso no Brasil (SENAC), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Social da Industria (SESI). No esteio dessas mudanças, pensava-se que para as elites deveriam ser oferecidos cursos universitários. Daí o empenho para tirar do papel a Universidade do Brasil, ela deveria dar continuidade à universidade do Rio de Janeiro, criada na década de 1920. Quando finalmente foi criada, em 1937, a Universidade do Brasil reunia 15 escolas/ faculdades e 16 institutos, além do Museu Nacional (incendiado em 2018). A partir de 1965, houve outra reforma educacional e com ela a Universidade do Brasil tornou-se a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entretanto, enquanto o Estado se debatia para formalizar a Universidade, as Igrejas protestantes e católica davam os primeiros passos no campo universitário brasileiro. Vocês conseguem perceber que passamos do Império à República e da República à Ditadura do Estado Novo e a questão envolvendo a educação sempre teve seus embates em torno do ensino religioso, do controle do ensino, no que tange à moral e à ideia por trás da formação da nossa identidade nacional? Pensem comigo sobre os seguintes fatos: embora houvesse uma disputa entre os Movimentos Católico e da Escola Nova, havia, como se pode imaginar, pontos de convergência entre eles e, sobretudo, entre eles e os planos do Ministério da Educação. Para todos os envolvidos (movimentos e Ministério) a educação deveria ter um caráter cívico-educacional, nesse sentido, primar por medidas disciplinadoras e sanitárias (lembrem-se que essa era uma das medidas do Ministério no começo da gestão de Gustavo Capanema), no que tange às medidas sanitárias era imprescindível a fixação de novos hábitos – tenham em mente que, não fazia muito tempo, havia ocorrido no Brasil a Revolta da Vacina (1908). O produto do ser educado deveria ser alguém cuja vida fosse moral e cívica, disciplinava-se para isso seus corpos, corações