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677 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 Contemporânea Contemporary Journal 2(3): 46-68, 2022 ISSN: 2447-0961 Artigo USO DOS ANTAGONISTAS DOS RECEPTORES DE BRADICININA NA DOENÇA DE ALZHEIMER USE OF BRADYKININ RECEPTOR ANTAGONISTS IN ALZHEIMER'S DISEASE DOI: 10.56083/RCV2N3-032 Recebimento do original: 02/04/2022 Aceitação para publicação: 02/05/2022 Divane Hannah Nóbrega de Melo Acadêmica Instituição: UNIFIP Endereço: Rua Atilano Moura, 270, Maternidade, Patos-PB E-mail: divanemelo@med.fiponline.edu.br Francisco Orlando Rafael Freitas Mestre Instituição: UNIFIP Endereço: Rua Horácio Nóbrega, s/n, Belo Horizonte , Patos-PB E-mail: franciscofreiras@fiponline.edu.br RESUMO: Objetivo: Identificar quais os benefícios do uso dos antagonistas dos receptores de bradicinina na doença de Alzheimer. Métodos: realizou-se uma revisão integrativa da literatura, utilizando-se da questão de pesquisa: “Quais os benefícios do uso dos antagonistas dos receptores de bradicinina na doença de Alzheimer?” a partir dos descritores “Bradykinin Receptor Antagonists” AND “Alzheimer Disease” nas bases de dados Medical Publisher (PubMed) e Science Direct, obtendo-se uma amostra final de 12 artigos. Resultados: os principais efeitos relacionados com o uso dos antagonistas dos receptores de bradicinina na doença de Alzheimer foram regulação da liberação microglial de fatores pró-inflamatórios, atuação do peptídeo β- amiloide na liberação de cininas e ativação de seus receptores, regulando o processo de inflamação no cérebro e influenciando as funções da micróglia, regulação na neuroinflamação e neurodegeneração, atuação dos receptores 678 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 B1 e B2 na depuração de placas (Aβ) e relação dos receptores B2 atuando na memória, neurodegeneração e deposição do peptídeo Aβ. Considerações finais: os antagonistas dos receptores B1 e B2 da bradicinina desempenham um papel fundamental na regulação do processo de inflamação neuronal existente na doença de Alzheimer. PALAVRAS-CHAVE: Antagonistas dos Receptores de Bradicinina, Doença de Alzheimer, Bradicinina. ABSTRACT: Objective: To identify the benefits of using bradykinin receptor antagonists in Alzheimer's disease. Methods: an integrative literature review was carried out, using the research question: "What are the benefits of using bradykinin receptor antagonists in Alzheimer's disease?" from the descriptors “Bradykinin Receptor Antagonists” AND “Alzheimer Disease” in the Medical Publisher (PubMed) and Science Direct databases, obtaining a final sample of 12 articles. Results: the main effects related to the use of bradykinin receptor antagonists in Alzheimer's disease were regulation of microglial release of pro-inflammatory factors, action of β-amyloid peptide in the release of kinins and activation of its receptors, regulating the process of inflammation in the brain and influencing microglial functions, regulation of neuroinflammation and neurodegeneration, role of B1 and B2 receptors in plaque clearance (Aβ) and relationship of B2 receptors acting on memory, neurodegeneration and deposition of Aβ peptide. Final considerations: antagonists of bradykinin B1 and B2 receptors play a fundamental role in regulating the neuronal inflammation process that exists in Alzheimer's disease. KEYWORDS: Bradykinin Receptor Antagonists, Alzheimer Disease, Bradykinin. 1. Introdução A doença de Alzheimer (DA) é um distúrbio multifatorial com causa idiopática e envolvendo a influência de fatores genéticos e ambientais. Os principais fatores de risco para sua ocorrência são idade avançada, predisposição genética e traumatismo craniano. As transformações 679 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 intracelulares no sistema nervoso central (SNC) acarretam um estado emocional prejudicado, com perda de sinapses e morte neuronal, agravando o declínio cognitivo progressivamente com neurodegeneração. Em condições inflamatórias, as células gliais, como astrócitos e a micróglia, estão anormalmente ativadas, o que configura um estado de neurodegeneração que pode progredir com a doença de Alzheimer (MAKITANI et al., 2017; CÂMARA, 2019). Os principais achados neuropatológicos da doença consistem na deposição de placas de proteína beta-amiloide (peptídeo beta-amiloide, Aβ), acúmulo de emaranhados neurofibrilares hiperfosforilados, formados principalmente por proteínas tau hiperfosforiladas, inflamação mediada pela micróglia, desregulação da sinalização de neurotransmissores, atrofia cerebral e alterações neuronais. A taxa de incidência de DA aumenta quase exponencialmente com o aumento da idade, até os 85 anos de idade. O acúmulo do peptídeo beta-amiloide pode aumentar os níveis de bradicinina e predispor o organismo a um estado de inflamação que, quando persistente, pode desencadear lesões neuronais (VIERO; PILLAT, 2019). Os astrócitos são as células mais abundantes do sistema nervoso central e desempenham papéis importantes na manutenção dos neurônios por meio da liberação de fatores neurotróficos, a manutenção de gradiente de íons, como potássio extracelular e na composição da barreira hematoencefálica. Entretanto, sob condições patológicas, os astrócitos são ativados de forma anormal e podem ser deletérios para os neurônios adjacentes através da liberação de várias citocinas inflamatórias (MAKITANI et al., 2017). Nessa perspectiva, a bradicinina, um mediador inflamatório, é produzida no início do estágio de inflamação e induz a manifestação de vários processos inflamatórios no cérebro. Particularmente nos astrócitos, a bradicinina induz uma variedade de respostas, como um aumento transitório da concentração de cálcio intracelular e de espécies reativas de oxigênio, a 680 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 expressão da matriz de metaloprotease-9 (MMP-9) e da ciclooxigenase-2 (COX-2), liberação de interleucina-6 (IL-6) e de glutamato. Assim, é especulado que a inflamação cerebral induzida pela bradicinina nos astrócitos desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da doença de Alzheimer (MAKITANI et al., 2017; CHEN et al., 2019). Alterações nas funções dos neurotransmissores clássicos, neuropeptídeos e fatores de crescimento como acetilcolina (ACh), somatostatina e fator neurotrófico derivado do cérebro são agravantes na DA. Pacientes com DA geralmente apresentam baixos níveis de ACh no cérebro, o que é associado a danos cognitivos. Além disso, perturbações da função sináptica e da atividade de redes neurais são associadas a níveis elevados da proteína beta-amiloide e sua acumulação pode eventualmente levar à morte neural, com consequente inflamação e neurodegeneração correlacionadas com o declínio cognitivo (ASRAF et al., 2017; MUGISHO et al., 2019). O sistema de cininas é estimulado pelo peptídeo patológico beta- amiloide (Aβ) em pacientes com DA. Os efeitos desse sistema são mediados principalmente pela bradicinina (BK) e seu receptor B2 de cininas (B2R) e compreendem a ação direta na permeabilização da barreira hematoencefálica (BHE) e na inflamação, mediando também estímulos álgicos e vasodilatadores. Os efeitos biológicos da bradicinina são produzidos pela ativação de dois receptores transmembrana acoplados a proteínas G (G e Gq), os receptores B1 e B2 (B1R e B2R) (MUGISHO et al., 2019; VIERO; PILLAT, 2019; PETRELLA et al., 2020). A maior parte da atividade da bradicinina é mediada pelo receptor B2R e, por outro lado, o receptor B1R possui distribuição limitada em diversos tecidos sob condições fisiológicas.No entanto, o mesmo se expressa de forma acentuada sob condições patológicas, tais como inflamação crônica, infecção e lesões agudas (MUGISHO et al., 2019; VIERO; PILLAT, 2019; PETRELLA et al., 2020). 681 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 O sistema calicreína-quinina é considerado um importante mediador fisiopatológico da disfunção cerebrovascular, neuroinflamação e da patologia da proteína β-amilóide (Aβ) na doença de Alzheimer. A bradicinina liberada pelo sistema calicreína-quinina é um mediador pró-inflamatório com uma série de ações fisiológicas na periferia e com efeito de neuroinflamação. Em estudos anteriormente publicados, a administração crônica de antagonistas dos receptores de bradicinina B1 e B2 mostrou melhorar a hipoperfusão cerebral relacionada à amiloidose e a reatividade vascular, aliviando assim os sintomas de pacientes com a doença de Alzheimer (JI et al., 2019; ZHANG et al., 2020). Processos de inflamação crônica no cérebro agravam a patologia da doença de Alzheimer e os receptores da bradicinina B1 desempenham um papel regulador na inflamação do cérebro e na deposição da proteína beta- amilóide. Assim, os receptores da bradicinina B1 podem envolver micróglia/macrófagos, afetando a progressão da doença. Antagonistas do receptor de bradicinina B2 fornecem proteção significativa para perda sináptica e para o comprometimento cognitivo induzido por Aβ em ensaios clínicos realizados com camundongos, reduzindo a ativação da micróglia e dos níveis de proteína pró-inflamatória (ASRAF et al., 2017; ZHANG et al., 2020). Ainda, os níveis de bradicinina estão aumentados em pacientes com a doença de Alzheimer, existindo maior susceptibilidade de haver comprometimento do fluxo sanguíneo cerebral e da permeabilidade vascular, indicando que a redução dos níveis de bradicinina pode aliviar os sintomas da doença de Alzheimer. Em ensaio clínico realizado com camundongos, o aumento da expressão de receptores B1R em astrócitos reativos ao redor das placas de Aβ no hipocampo e a capacidade do antagonismo de B1R para reduzir a amiloidose e déficits cerebrovasculares e de memória, servem como evidência para o papel prejudicial de B1R no processo neuroinflamatório na 682 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 doença de Alzheimer (MUGISHO et al., 2019; PETRELLA et al., 2020; ZHANG et al., 2020). Somando-se a esse fato, as proteínas beta-amiloide (Aβ) e tau atuam como padrões moleculares capazes de induzir vias de sinalização inflamatórias e resultam na produção e liberação de mediadores inflamatórios, na ativação de micróglias em fenótipo M1, astrócitos reativos, na crescente produção de citocinas, quimiocinas e espécies reativas de oxigênio. Essa ativação persistente dessas células do sistema imune inato, quando prolongada, contribui para uma resposta inflamatória crônica que culmina em processos neurotóxicos (neuroinflamação) com posterior aumento do processo de neurodegeneração (HENEKA et al., 2015; SOCHOCKA; DINIZ; LESZEK, 2017). Levando em consideração as informações apresentadas, o presente estudo objetivou, a partir de uma revisão integrativa da literatura, identificar quais os benefícios do uso dos antagonistas dos receptores de bradicinina na doença de Alzheimer. Para tanto, utilizou como estratégia a formulação da seguinte questão de pesquisa: “Quais os benefícios do uso dos antagonistas dos receptores de bradicinina na doença de Alzheimer?”. A partir disso, investigaram-se as principais informações relacionadas com o tema. Justifica-se a escolha do mesmo devido ao grande impacto neuropsicossocial que a doença de Alzheimer provoca na população e a necessidade de se conhecer mais sobre seu mecanismo fisiopatológico e medidas terapêuticas para seu tratamento. 2. Metodologia A revisão integrativa da literatura é um dos métodos de pesquisa que toma como base a prática baseada em evidências, com caráter qualitativo, permitindo a incorporação das principais evidências existentes na literatura para auxiliar a prática clínica, fundamentando-se em conhecimento científico, 683 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 o que pode fornecer uma compreensão mais abrangente de um determinado assunto analisado (SOUSA et al., 2017). Esse método necessita da formulação de um problema, a pesquisa realizada para busca de literatura, avaliação crítica de um conjunto de dados juntamente com sua análise e posterior apresentação dos resultados. Assim, esse tipo de estudo possibilita reunir e sintetizar os principais resultados de pesquisas realizadas sobre determinado tema ou questão de pesquisa, de forma sistemática, detalhada e ordenada, contribuindo para a construção e fortalecimento do conhecimento sobre o tema que se investiga (SOUSA et al., 2017). Segundo Sousa et al. (2017), a primeira etapa a ser seguida para a construção de uma revisão integrativa é a identificação do tema, seleção da hipótese e questão de pesquisa, que é considerada a etapa norteadora na condução de uma revisão integrativa. Aqui, delimitou-se como questão de pesquisa o seguinte questionamento: “Quais os benefícios do uso dos antagonistas dos receptores de bradicinina na doença de Alzheimer?”, tendo- se como hipótese que o bloqueio dos receptores de bradicinina possa ser um alvo de tratamento promissor para a desaceleração do processo neurodegenerativo. A segunda fase consiste na seleção de critérios de inclusão e de exclusão, importante para incluir os estudos mais relevantes existentes na literatura sobre o tema que se deseja pesquisar. Realizou-se uma busca na Medical Publisher (PUBMED) e no Science Direct com os seguintes descritores em saúde (DECs): (Bradykinin Receptor Antagonists) AND (Alzheimer Disease) relacionados entre si por meio do operador booleano “AND”. Os critérios de inclusão foram artigos em texto completo disponível, artigos dos últimos 5 anos, artigos diretamente relacionados com a questão de pesquisa, antagonistas dos receptores de bradicinina e doença de Alzheimer e critérios de exclusão foram outras doenças neurodegenerativas. Tais passos podem ser observados no fluxograma 1. 684 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 Fluxograma 1: Etapas seguidas para seleção dos estudos que compõem a amostra final do presente estudo: O terceiro passo equivale à seleção das informações a serem extraídas dos estudos selecionados (categorização dos estudos). Para realizar a categorização dos estudos, as informações foram filtradas, interpretadas, extraídas e dividas em principais relações entre os antagonistas dos receptores de bradicinina e a doença de Alzheimer, bem como o mecanismo fisiopatológico da doença e como os receptores de bradicinina influenciam no curso desse distúrbio, conforme pode ser observado nos quadros 2 e 3. No quarto estágio, foi feita a avaliação dos estudos escolhidos para compor a revisão, que foram classificados conforme autor e ano de 685 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 publicação, título do artigo, revista de publicação, base de dados de origem e país de publicação. Esses dados estão apresentados no quadro 1. A quinta fase é a interpretação dos resultados, momento no qual as informações encontradas relacionadas com as principais relações entre os antagonistas dos receptores de bradicinina e a doença de Alzheimer, bem como o mecanismo fisiopatológico da bradicinina e o desenvolvimento da doença de Alzheimer foram identificadas, interpretadas e extraídas para responder à questão de pesquisa desse estudo.A última etapa é a apresentação da revisão (síntese do conhecimento). Aqui, objetivou-se reunir e sintetizar as principais informações e evidências existentes na literatura relacionadas com o tema em questão. Por fim, realizou-se a construção da argumentação para detalhar as informações encontradas e defender a questão de pesquisa. 3. Resultados Conforme pode ser observado no quadro 1, um total de cinco (N=5, 41,6%) estudos foram selecionados na Medical Publisher (PubMed) e de sete (N=7, 58,3%) estudos foram selecionados na Science Direct. Do total de artigos selecionados para compor esse estudo, dois países tiveram mais estudos publicados, sendo quatro (N=4, 33,33%) tendo sido realizados no Brasil e três (N=3, 25%) em Israel. Dez estudos (N=10, 83,33%) foram de pesquisa experimental e dois (N=2, 16,67%) foram de revisão. 686 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 Quadro 1: Caracterização dos artigos selecionados conforme autores e ano de publicação, título, tipo de estudo, base de dados de publicação e país de origem. Autores (ano) Título do artigo Tipo de estudo Base de dados de publicação País de origem Asraf et al. (2016) Differential effect of intranasally administrated kinin B1 and B2 receptor antagonists in Alzheimer’s disease mice Artigo de pesquisa PUBMED Israel Asraf et al. (2017) Involvement of the Bradykinin B1 receptor in microglial activation in vitro and in vivo studies Artigo de pesquisa PUBMED Israel Lacoste et al. (2013) Cognitive and cerebrovascular improvements following kinin B1 receptor blockade in Alzheimer’s disease mice Artigo de pesquisa PUBMED Canadá Passos et al. (2013) The Bradykinin B1 Receptor Regulates Aβ Deposition and Neuroinflammation in Tg-SwDI Mice Artigo de pesquisa PUBMED Estados Unidos da América Nunes et al. (2020) Kinin B2 Receptor Activation Prevents the Evolution of Alzheimer’s Disease Pathological Characteristics in a Transgenic Mouse Model Artigo de pesquisa PUBMED Brasil Bicca et al. (2015) B2 receptor blockage prevents Aβ-induced cognitive impairment by neuroinflammation inhibition Artigo de pesquisa Science Direct Brasil Makitani et al. (2017) Inhibitory effect of donepezil on bradykinin-induced increase in the intracellular calcium concentration in cultured cortical astrocytes Artigo de pesquisa Science Direct Japão Bem- Shmuel; Danon; Fleisher- Berkovich, (2013) Bradykinin decreases nitric oxide release from microglia via inhibition of cyclic adenosine monophosphate signaling Artigo de pesquisa Science Direct Israel Bitencourt et al. (2017) Blockade of hippocampal bradykinin B1 receptors improves spatial learning and memory deficits in middle- aged rats Artigo de pesquisa Science Direct Brasil Caetano et al. (2015) Kinin B2 receptor can play a neuroprotective role in Alzheimer's disease Artigo de pesquisa Science Direct Brasil 687 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 Guevara- Lora (2012) Kinin-mediated inflammation in neurodegenerative disorders Artigo de revisão Science Direct Polônia Ji et al. (2017) Neuroprotection of bradykinin/bradykinin B2 receptor system in cerebral ischemia Artigo de revisão Science Direct China De acordo com as informações presentes no quadro 2, pode-se afirmar que os principais efeitos relacionados com o uso dos antagonistas dos receptores de bradicinina na doença de Alzheimer foram regulação da liberação microglial de fatores pró-inflamatórios, atuação do peptídeo β- amiloide na liberação de cininas e ativação de seus receptores, regulando o processo de inflamação no cérebro e influenciando as funções da micróglia, regulação na neuroinflamação e neurodegeneração, atuação dos receptores B1 e B2 na depuração de placas (Aβ) e relação dos receptores B2 atuando na memória, neurodegeneração e deposição do peptídeo Aβ. Quadro 2: principais achados relacionados com os benefícios do uso dos antagonistas dos receptores de bradicinina na doença de Alzheimer. Autores (ano) Principais resultados relacionados com os benefícios do uso dos antagonistas dos receptores de bradicinina na doença de Alzheimer. Asraf et al. (2016) O sistema cinina é ativado durante a inflamação do cérebro e o agonista do receptor de bradicinina B1 pode reduzir a ativação microglial in vitro. Os antagonistas do receptor de bradicinina B1 ou B2 atuam impedindo a liberação microglial de fatores pró-inflamatórios. Asraf et al. (2017) O peptídeo β-amiloide β (Aβ) aumenta a secreção de cininas e ativa os receptores de bradicinina que podem, por sua vez, estimular a produção de Aβ. As cininas, podem regular o processo de inflamação do cérebro e afetar as funções da micróglia. Lacoste et al. (2013) O receptor B1 de quinina (B1R) possui papel na patogenia de doenças neurodegenerativas, regulando a neuroinflamação induzida por peptídeo beta-amiloide (Aβ). Passos et al. (2013) A deposição de peptídeos β-amiloide (Aβ) na vasculatura cerebral, uma condição conhecida como angiopatia amiloide cerebral, é cada vez mais reconhecida como um componente importante que leva a hemorragia intracerebral, neuroinflamação e comprometimento cognitivo na doença de Alzheimer (DA) e distúrbios relacionados. A ativação do receptor B1 de bradicinina possui um papel importante na depuração das placas de Aβ. 688 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 Nunes et al. (2020) Os receptores B2 da cinina (BKB2R) podem modificar o curso e as características da doença de Alzheimer, particularmente comprometimento da memória, neurodegeneração e deposição do peptídeo Aβ. Bicca et al. (2015) O bloqueio do receptor B2 previne o comprometimento cognitivo induzido pela inibição da neuroinflamação. Makitani et al. (2017) A donepezila exerce efeito inibitório no aumento das concentrações de cálcio intracelular induzido pela bradicinina via receptores de acetilcolina e nicotínicos e via fosfatidilinositol-3 quinase-Akt (PI3K-Akt), e também inibiu o aumento do nível de espécies reativas de oxigênio em astrócitos corticais. Ben- Shmuel; Danon; Fleisher- Berkovich. (2013) A bradicinina pode diminuir a liberação de óxido nítrico pela micróglia através da inibição da sinalização da adenosina-monofostato cíclica (cAMP). Bitencourt et al. (2017) Direcionar os receptores de bradicinina é uma estratégia promissora para neutralizar o comprometimento cognitivo relacionado com o envelhecimento e a doença de Alzheimer. Expressão e ativação inadequados do receptor B1 no hipocampo exercem um papel crítico em déficits na aprendizagem espacial e na memória em ratos de meia-idade. Portanto, antagonistas de B1R seletivos, especialmente antagonistas não peptídicos ativos por via oral, podem representar drogas de interesse potencial para neutralizar o declínio cognitivo relacionado à idade. Caetano et al. (2015) Infusão crônica do peptídeo Aβ leva ao comprometimento da memória e aumento das densidades de ambos os receptores de cinina em áreas de processamento da memória. O aumento da densidade de receptores B2 está relacionado com conservação da memória, sugerindo um papel neuroprotetor para o B2R. Guevara- Lora (2012) As cininas participam ativamente do processo de inflamação em distúrbios neurodegenerativos. A ativação de células nervosas, particularmente micróglia, em resposta a lesão, trauma ou infecção inicia uma série de reações na vizinhança neuronal que podem levar à morte celular após a ação prolongadade substâncias inflamatórias. Ji et al. (2017) O receptor de bradicinina B2 (B2R) ativado por seu ligante endógeno bradicinina participa de vários processos fisiológicos, incluindo neurogênese, diferenciação neuronal e controle da inflamação e pressão arterial. Além desses efeitos, foi demonstrado que o B2R protege os neurônios da isquemia/lesão de reperfusão. Consoante às informações apresentadas no quadro 3, pode-se observar que os efeitos no sistema nervoso central da bradicinina foram divididos e agrupados relacionados ao principal mecanismo de ação, que foram os receptores B1 e B2 da bradicinina, antagonismo dos receptores B1 e B2, ativação exacerbada da micróglia, acúmulo de placas de peptídeo β- amiloide e dos receptores da bradicinina no geral. 689 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 Quadro 3: categorização dos principais efeitos observados dos receptores de bradicinina relacionados com a doença de Alzheimer. Receptores B1 e B2 da bradicinina Autores Efeitos no sistema nervoso central dos receptores da bradicinina Receptores B2 da bradicinina Asraf et al. (2016) Nunes et al. (2020) Bicca et al. (2015) Caetano et al. (2015) Ji et al. (2017) Neurogênese, diferenciação neuronal e controle da inflamação e pressão arterial. Proteção dos neurónios da lesão por isquemia/reperfusão. Aumento da densidade de receptores B2 está relacionado com conservação da memória. Podem alterar a memória, a neurodegeneração e a deposição do peptídeo Aβ. Antagonismo de B2 Bicca et al. (2015) Previne o comprometimento cognitivo induzido pela inibição da neuroinflamação. Ativação exacerbada da micróglia Guevara-Lora (2012) Reações neuronais que podem levar à morte celular após a ação prolongada de substâncias inflamatórias. Acúmulo de placas de peptídeo β- amiloide Asraf et al. (2017) Lacoste et al. (2013) Passos et al. (2013) Nunes et al. (2020) Caetano et al. (2015) Comprometimento da memória e aumento das densidades de ambos os receptores de cinina em áreas de processamento da memória. Aumenta a secreção de quinina e ativa os receptores de bradicinina. Receptores B1 da bradicinina Asraf et al. (2016) Lacoste et al. (2013) Passos et al. (2013) Bitencourt et al. (2017) Expressão e ativação inadequados do receptor B1 no hipocampo exercem um papel crítico em déficits na aprendizagem espacial e na memória. Regula a neuroinflamação induzida por peptídeo beta-amiloide (Aβ). Antagonistas dos receptores B1 e B2 da bradicinina Lacoste et al. (2013) Passos et al. (2013) Bicca et al. (2015) Bitencourt et al. (2017) Atuam impedindo a liberação microglial de fatores pró-inflamatórios. Receptores da bradicinina Makitani et al. (2017) Ben-Shmuel; Danon; Fleisher- Berkovich, (2013) Bitencourt et al. (2017) Regulam o processo de inflamação do cérebro e afetam as funções da micróglia. 4. Discussão A doença de Alzheimer (DA) é uma doença neurodegenerativa complexa e progressiva caracterizada pelo declínio e perda das funções 690 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 cognitivas, sendo a mais comum das demências. As principais características histopatológicas da DA são a presença de placas amiloides, compostas por agregados do peptídeo beta-amiloide (Aβ) e emaranhados neurofibrilares (ENFs) formados principalmente por proteínas tau hiperfosforiladas. Em meio a vários fatores que estão envolvidos na patogênese e progressão da DA, a neuroinflamação é um processo inerente à patogênese da doença de Alzheimer (DA) (ASRAF et al., 2016; ASRAF et al., 2017). A deposição de peptídeos β-amiloide (Aβ) na vasculatura cerebral, uma condição conhecida como angiopatia amiloide cerebral, é cada vez mais reconhecida como um componente importante que leva a hemorragia intracerebral, neuroinflamação e comprometimento cognitivo na doença de Alzheimer (DA) e distúrbios relacionados. Superprodução, processamento alterado ou falha de eliminação por absorção celular e degradação ou alteração no transporte através da barreira hematoencefálica estão relacionados com o acúmulo de Aβ na forma de placas no parênquima cerebral e nas paredes dos vasos cerebrais, caracterizando a angiopatia amiloide cerebral (PASSOS et al., 2013; MAKITANI et al., 2017). O acúmulo de placas amiloides, um evento precoce na doença de Alzheimer, ocorre junto com o início da disfunção da vascularização cerebral, induzindo interrupções na regulação normal do fluxo sanguíneo cerebral. Hipoperfusão do córtex parietal inferior direito, córtex frontal médio direito e cingulado posterior estão associados à demência. A hipoperfusão pode levar à hipóxia, que está associada com hiperfosforilação da proteína Tau e aumento da morte neuronal (BICCA et al., 2015; MAKITANI et al., 2017; NUNES et al., 2020). Os astrócitos são as células mais abundantes do sistema nervoso central e desempenham funções importantes na manutenção da atividade dos neurônios através da liberação de fatores neurotróficos, da manutenção de gradiente de íons, como potássio extracelular e da construção da barreira hematoencefálica. No entanto, em condições patológicas, os astrócitos 691 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 podem ser ativados de forma anormal e podem provocar alterações deletérias aos neurônios adjacentes através da liberação de várias citocinas inflamatórias. Portanto, a inibição da ativação de astrócitos é considerada uma estratégia terapêutica para várias doenças do SNC envolvendo inflamação (GUEVARA-LORA, 2012; MAKITANI et al., 2017). O conceito de resposta microglial é baseado nos estados de ativação de receptores M1/ M2 dos macrófagos, respectivamente. Dois estados básicos são conhecidos para micróglia, dependendo da natureza do estímulo. No estado de ativação M1, também conhecido como o estado ativado classicamente e modelado in vitro por estimulação de lipopolissacarídeo (LPS) ocorre a secreção pela micróglia de citocinas pró-inflamatórias, como interleucina-1β (IL-1β), fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), com um alto potencial para fagocitose, aumentando também a concentração de óxido nítrico. Essas células conseguem fazer a depuração das placas de peptídeo beta-amiloide (βA) no cérebro (ASRAF et al., 2016; ASRAF et al., 2017; NUNES et al., 2020). Micróglia são os fagócitos residentes do cérebro. Essas células usam seus processos para escanear o cérebro em busca de patógenos e detritos. Micróglia também mantém a plasticidade do cérebro e remodela as sinapses nervosas. Na doença de Alzheimer (DA), essas células ligam peptídeo β- amiloides solúveis (Aβ) e fibrilas e tornam-se ativadas. A micróglia ativada então começa a englobar as fibrilas de Aβ por fagocitose. Uma fagocitose ineficiente de Aβ foi identificada como uma das principais vias patogênicas para o desenvolvimento da DA (GUEVARA-LORA, 2012; PASSOS et al., 2013; ASRAF et al., 2017). Acredita-se que a micróglia exista em uma variedade de estados fenotípicos durante o processo de inflamação crônica na DA. Após a ligação às placas de Aβ, a micróglia libera moléculas pró-inflamatórias, como a interleucina-1β (IL-1β), fator de necrose tumoral-alfa (TNF-α) e IL-12, bem como espécies reativas de oxigênio, como óxido nítrico (NO). Por sua vez, 692 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 condições pró-inflamatórias promovem dano neuronal mediado por Aβ e diminuem a fagocitose desses oligômeros e sua degradação pela micróglia (GUEVARA-LORA, 2012; ASRAF et al., 2016; ASRAF et al., 2017; NUNES et al., 2020). O sistema de cininasé estimulado pelo peptídeo patológico Aβ em pacientes com DA. Os efeitos desse sistema são mediados principalmente pela bradicinina (BK) e seu receptor B2 de cininas (B2R) e compreendem a ação direta na permeabilização da barreira hematoencefálica (BHE) e na inflamação. Um aspecto principal da resposta imune do cérebro à inflamação é o recrutamento e ativação da micróglia e macrófagos infiltrantes. Micróglia são células semelhantes a macrófagos. A bradicinina é um importante mediador inflamatório potente fora do sistema nervoso central. Na doença de Alzheimer, a liberação de BK e expressão de seu receptor em tecidos cerebrais são regulados positivamente relativamente no início do curso da doença (BEN-SHMUEL; DANON; FLEISHER-BERKOVICH, 2013; ASRAF et al., 2016; BITENCOURT et al., 2017). Neuropeptídeos, como as cininas, podem regular o processo de inflamação do cérebro e afetar as funções da micróglia tanto in vitro quanto in vivo. Assim, a liberação desses fatores pode determinar se a micróglia irá assumir uma função neuroprotetora ou não. As cininas, em particular a bradicinina (BK), são mediadores pró-inflamatórios na periferia. Em locais periféricos, a BK pode eliciar todos os principais sinais de inflamação, ou seja, dor, hiperperfusão e aumento da permeabilidade vascular. Os componentes do sistema das cininas estão presentes no sistema nervoso central (LACOSTE et al., 2013; PASSOS et al., 2013; NUNES et al., 2020). De fato, altos níveis de BK são encontrados após trauma cerebral e isquemia. Além disso, estudos demonstraram que Aβ regula positivamente os receptores de bradicinina e a liberação de quinina, seguido por síntese de Aβ induzida por BK. As cininas possuem um efeito duplo na produção de prostaglandina (PG), um mediador pró-inflamatório, nas células da glia, 693 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 micróglia e astrócitos. A ativação dos receptores B2 aumenta a síntese de PG, enquanto os agonistas de B1R inibiram a síntese desses mediadores pró- inflamatórios. Enquanto isso, os receptores B1 são subsequentemente regulados positivamente e estão envolvidos na atenuação da inflamação glial (ASRAF et al., 2017; BITENCOURT et al., 2017). Uma quantidade considerável de evidências indica o papel crucial do sistema calicreína-cinina na perda de memória associada ao envelhecimento e doenças neurodegenerativas. As cininas são uma família de peptídeos biologicamente ativos gerados nos locais de dano ao tecido em resposta a trauma ou infecção, ou durante a maioria dos processos inflamatórios. O papel das cininas foi descrito em vários sistemas, e seus principais efeitos farmacológicos incluem contração e relaxamento do músculo liso, vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular, recrutamento de células e sensibilização de fibras nociceptivas (LACOSTE et al., 2013; BITENCOURT et al., 2017). Os efeitos clássicos da bradicinina estão relacionados com o sistema cardiovascular, com a resposta predominante sendo vasodilatação. Os efeitos farmacológicos da bradicinina incluem aumento da permeabilidade vascular, recrutamento de células e sensibilização de fibras nociceptivas. A ampla distribuição dos componentes calicreína-cinina no cérebro indica que as cininas como a bradicinina são geradas no cérebro (NUNES et al., 2020). Na doença de Alzheimer (DA), essas citocinas pró-inflamatórias não conseguem fazer a depuração adequada das placas de peptídeo beta- amiloide (Aβ), tendo em vista que as mesmas aumentam de concentração, além da capacidade de clearence pela micróglia. O estado de ativação M2 está relacionado com reparação tecidual, diminuindo a inflamação. Em estudos clínicos realizados com camundongos, observou-se que o peptídeo Aβ foi capaz de ativar a liberação de quininas e de estimular receptores de bradicinina em cérebro de ratos submetidos a modelo experimental de DA. A bradicinina é um peptídeo endógeno produzido pelo sistema calicreína- 694 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 cinina e exerce suas ações por meio de dois tipos de receptores, B1 e B2, ambos acoplados à proteína G (LACOSTE et al., 2013; ASRAF et al., 2016; ASRAF et al., 2017). O aumento da produção de moléculas inflamatórias como TNF-α e o óxido nítrico pela ativação microglial estão associados com a resposta do quadro agudo de injúrias neuronais e ambas essas moléculas têm sido diretamente associadas à morte neuronal e sistema destruição de tecido do sistema nervoso central. A bradicinina é frequentemente considerada um mediador inflamatório no sistema nervoso central. Foi demonstrado que o sistema calicreína-cinina é rapidamente ativado após lesão cerebral e que a bradicinina está envolvida na perda neuronal sob essas condições patológicas (NUNES et al., 2020). Astrócitos reativos abundantes e micróglia ativada estão fortemente associados com os depósitos fibrilares microvasculares de Aβ, juntamente com níveis aumentados de mediadores pró-inflamatórios. Resultados de estudos clínicos mostram que as citocinas pró-inflamatórias, fator de necrose tumoral-α (TNF- α) e a interleucina 1β (IL-1β) podem induzir a regulação positiva do receptor B1 de bradicinina tanto in vivo quanto in vitro. Além disso, o acúmulo de células gliais ativadas induzidas por regulação positiva de B1R contribuem para uma redução na deposição de Aβ no cérebro por meio de um mecanismo de depuração mediado por fagocitose (LACOSTE et al., 2013). Observou-se que o antagonismo do receptor de bradicinina B1 exerce efeito prejudicial sobre a regulação da inflamação do sistema nervoso central em ensaios clínicos com camundongos. Em um modelo experimental autoimune de camundongos com encefalomielite de esclerose múltipla, evidenciou-se que o bloqueio do receptor usando R-715 resultou em início precoce e gravidade significativamente maior da doença. A administração desse antagonista resultou no aumento da deposição de peptídeo beta- amiloide (Aβ) no tecido cerebral. A expressão inadequada dos receptores B1 695 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 de bradicinina possuem um papel central em várias doenças crônicas envolvendo dor e inflamação (LACOSTE et al., 2013; NUNES et al., 2020). Além disso, o bloqueio farmacológico ou deleção genética do receptor B1 pode anular os déficits cognitivos em longo prazo provocado por neurodegeneração. O bloqueio do receptor B1 foi demonstrado conseguir proteger camundongos de lesão cerebral focal, controlando a permeabilidade da barreira hematoencefálica. Um fato interessante a ser ressaltado, ambos os bloqueios dos receptores B1 ou B2 melhoraram o comprometimento cognitivo em modelos de camundongos com doença de Alzheimer. Enquanto isso, o bloqueio do receptor B2 impede o comprometimento cognitivo causado por Aβ por meio da inibição da inflamação do cérebro (LACOSTE et al., 2013; ASRAF et al., 2017). Os receptores B2 da bradicinina possuem capacidade de modificar as características da doença de Alzheimer relacionadas com comprometimento da memória, neurodegeneração e deposição de placas β-amiloides (Aβ). O tratamento com o agonista de B2R pode preservar a memória de camundongos transgênicos e causar diminuição da deposição de placa amiloide. Em relação à composição celular, o tratamento com agonista de B2R pode diminuir a morte celular, neuroinflamação e os níveis da proteína S100B, um marcador de ativação dos astrócitos, e aumento da liberação de BDNF, uma neurotrofina neuronal (NUNES et al., 2020). A ativação dos receptores B2 da bradicinina contribui para a neuroinflamação induzida pelo peptídeo β-amiloide (Aβ) enquanto que o bloqueio de B2R evita a perda sináptica induzida por Aβ e déficitsde memória. Em ensaio clínico com camundongos, realizou-se a aplicação de proteína Aβ40 e observou-se um aumento da expressão de B2R no hipocampo e no córtex cerebral desses animais, regiões envolvidas com a memória. O antagonismo de B2R inibe as proteíno-quinases ativadas por mitógenos (MAPKs) induzidas por Aβ e a ativação de fatores de transcrição (BICCA et al., 2015). 696 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 O peptídeo β-amiloide é considerado o principal fator no comprometimento cognitivo da doença de Alzheimer, e a neurodegeneração causada por ele está associada à neuroinflamação. A neuroinflamação induzida por Aβ está ligada à ativação da micróglia, um evento desencadeado para restaurar a homeostase cerebral, mas que se torna prejudicial quando superativado, ou quando há desequilíbrio nos fatores responsáveis pela sua regulação. A neuroinflamação é mantida por mecanismos intracelulares dependentes da ativação de proteínas quinases ativadas por mitogênio (MAPKs) e seus fatores de transcrição, principalmente NF-kB. O peptídeo Aβ pode ativar a liberação de cininas e induzir a expressão do receptor de cininas em várias áreas do cérebro (BEN-SHMUEL; DANON; FLEISHER-BERKOVICH, 2013; BICCA et al., 2015). Essa via de sinalização ativada leva à superativação e/ou regulação positiva de moléculas pró-inflamatórias, como a ciclooxigenase-2 (COX-2), isoformas de óxido nítrico induzível e neuronal (iNOS e nNOS), citocinas pró- inflamatórias (IL1- e TNF-) e bradicinina, ambos responsáveis por consolidar o processo de neuroinflamação que pode culminar em degeneração neuronal (BICCA et al., 2015; MAKITANI et al., 2017). A bradicinina pode diminuir os índices de liberação de óxido nítrico induzido por lipopolissacarídeo e da produção do fator de necrose tumoral-α (TNF-α) em células microgliais, um efeito provavelmente mediado pela inibição da atividade do fator nuclear-kB (NF-kB). Além disso, o agonista seletivo para B1R pode diminuir a produção de prostaglandina E2 (PGE2) em astrócitos de cultura primária, que é acompanhada por uma diminuição na expressão da ciclooxigenase (COX-2) induzida por LPS (BEN-SHMUEL; DANON; FLEISHER-BERKOVICH, 2013). Aumentos nos níveis intracelulares de cAMP podem suprimir funções imunológicas, incluindo fagocitose e geração de mediadores inflamatórios. Na micróglia, o cAMP frequentemente está na base das ações anti- inflamatórias de muitas substâncias inflamatórias. Essa substância pode 697 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 suprimir a síntese de TNF-α e aumentar a expressão da citocina anti- inflamatória IL-10 (BEN-SHMUEL; DANON; FLEISHER-BERKOVICH, 2013). Em ensaio clínico realizados com camundongos tratados com antagonista do receptor B1, o bloqueio do receptor B1 inibiu a neuroinflamação, conforme evidenciado pela diminuição do acúmulo de micróglia ativada e astrócitos reativos, diminuição da ativação de NF-kB e níveis reduzidos de citocinas e quimiocinas. Juntos, os resultados indicam que a ativação B1R desempenha um papel importante na limitação do acúmulo de Aβ no cérebro, provavelmente por meio da regulação do acúmulo de células gliais ativadas e liberação de mediadores pró-inflamatórios (LACOSTE et al., 2013). Um aspecto importante da inflamação do cérebro é o recrutamento e ativação da micróglia, um processo denominado microgliose. Quinina e bradicinina (BK), em particular, são os principais mediadores pró- inflamatórios na periferia, embora todos os fatores que compreendem o sistema quinina também se encontrem no cérebro (ASRAF et al., 2017). Além disso, foi demonstrado que o peptídeo β- amiloide (Aβ) aumenta a secreção de quinina e ativa os receptores BK que podem, por sua vez, estimular a produção de Aβ. Recentemente, tem sido demonstrado que a administração intracerebral de peptídeo Aβ40 em roedores resulta na regulação positiva da expressão de B1R no cérebro em regiões relacionadas ao comportamento cognitivo, e que o bloqueio de B1R melhora déficits cognitivos induzidos por Aβ, sugerindo o envolvimento do sistema bradicinina-quinina na doença de Alzheimer (LACOSTE et al., 2013; ASRAF et al., 2017). Em ensaio clínico realizado com camundongos, observou-se que o uso intranasal de R-715 (um antagonista do receptor B1) provocou um aumento acentuado do óxido nítrico (NO) induzido por lipopolissacarídeo e da liberação do fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), bem como expressão induzível de óxido nítrico sintase em células da micróglia desses roedores e 698 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 um aumento da carga amiloide e acumulação de micróglia/macrófago no córtex. Tais efeitos não foram observados com o HOE 140 (um antagonista do receptor B2). A indução de TNF-α microglial ativado e liberação de NO é de particular relevância, uma vez que essas citocinas pró-inflamatórias estão ambas associadas à perda neuronal (ASRAF et al., 2017). Em um ensaio clínico, aplicou-se um antagonista do receptor B1 em camundongos durante 10 semanas e observou-se uma melhora no aprendizado, na memória e nos níveis de proteína normalizados do gene relacionado à memória Egr-1 no giro denteado do hipocampo. O antagonismo do receptor B1 mostrou melhorar o fluxo sanguíneo cerebral, dilatações endotélio-dependentes e níveis proteicos cerebrovasculares normalizados do óxido nítrico sintase endotelial e do receptor B2. Ainda, observou-se diminuição da ativação da micróglia, na formação de placas Aβ, de amiloidose, e aumento dos níveis da proteína-1 relacionada ao receptor de lipoproteína transportadora de efluxo cerebral de Aβ em microvasos cerebrais (LACOSTE et al., 2013). A deposição de Aβ no cérebro de camundongos está associada a uma regulação positiva significativa do B1R. O antagonismo farmacológico do receptor aumenta acentuadamente a deposição de Aβ no cérebro, e este evento é acompanhado por uma diminuição da ativação de células gliais e uma redução nos níveis de moléculas pró-inflamatórias, sugerindo um papel importante para do B1R na regulação das respostas Aβ e da neuroinflamação (LACOSTE et al., 2013). Em ensaio clínico realizado com camundongos, observou-se que após o tratamento com o agonista B2R, os animais tiveram sua memória preservada em comparação com o grupo de controle. O agonismo de B2R foi capaz de proteger as células da degeneração, diminuindo a quantidade de placas amiloides e os níveis de citocinas pró-inflamatórias e induziram aumento nos níveis de BDNF, uma neurotrofina importante que regula vários aspectos do desenvolvimento e função neuronal, como a ativação das vias 699 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 de sobrevivência celular e neuroplasticidade, melhorando ainda o fluxo sanguíneo cerebral. Os resultados obtidos mostram que a bradicinina, por meio de seu BKB2R, tem um papel neuroprotetor em animais transgênicos com doença de Alzheimer (NUNES et al., 2020). Bloquear o receptor B2 de bradicinina com o antagonista seletivo HOE 140 inibe consistentemente a ativação microglial induzida por peptídeo Aβ no hipocampo de camundongos, reduzindo assim a resposta inflamatória, o comprometimento sináptico e déficits cognitivos em camundongos. Esses resultados sugerem que a ativação de B2R é um evento importante na neuroinflamação induzida por Aβ e parece ser crucial para a toxicidade neuronal, um evento notável nas fases iniciais da doença de Alzheimer (BICCA et al., 2015; CAETANO et al., 2015). Especificamente no sistema nervoso central, foi sugerido que os receptores B1 da bradicinina exercem um papel crítico em condições relacionadas à inflamação, incluindoencefalomielite autoimune e doença de Alzheimer (DA). Por exemplo, observou-se um aumento sustentado na expressão de B1R no hipocampo e no córtex pré-frontal após infusão de peptídeo beta-amiloide (Aβ) em roedores. Curiosamente, a inativação genética ou farmacológica do B1R melhora os déficits cognitivos observados em modelos de camundongos com a doença de Alzheimer. Além disso, uma única injeção de bradicinina promove distúrbios de aprendizagem e memória e também hiperfosforilação de proteína tau no hipocampo de camundongos (BITENCOURT et al., 2017). A regulação positiva e ativação de receptores B1 no hipocampo é um evento fundamental no declínio cognitivo observado em ratos de meia-idade. A administração intra-hipocampal de antagonista B1R seletivo (DALBK), mas não do antagonista seletivo de B2R (Hoe 140), reverteu o aprendizado espacial e déficits de memória em ratos de meia-idade (BITENCOURT et al., 2017). 700 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 O comprometimento da memória relacionado com a idade pode ser uma consequência da neuroinflamação no cérebro. O sistema calicreína- cinina está de fato envolvido no processo inflamatório e também exerce um papel crítico na aprendizagem e na memória. A este respeito, um estudo recente demonstrou que o antagonismo dos receptores B1, mas não de B2R, bloqueou o comprometimento da memória de curto prazo induzido pela administração de bradicinina. Além disso, a ativação de B1R levou a uma deficiência na consolidação de memória de curto e de longo prazo em ratos (BITENCOURT et al., 2017). A deleção genética de B1R ou seu bloqueio farmacológico atenuou déficits cognitivos induzidos por Aβ em camundongos. Da mesma forma, a deleção genética de B1R mostrou déficits cognitivos atenuados em modelo experimental de camundongos com encefalomielite autoimune. A ativação de B1R do hipocampo exerce um papel crítico no aprendizado espacial e nos processos de comprometimento da memória em camundongos de meia- idade (BITENCOURT et al., 2017). A inibição farmacológica e genética de B2R reduziu o aprendizado espacial e déficits de memória observados em camundongos tratados com Aβ. Da mesma forma, o antagonista de B2R (Hoe 140) inibiu a neuroinflamação induzida por Aβ, perda sináptica e prejuízo cognitivo em ratos. Em contrapartida a isso, Caetano et al. (2015) sugeriram um papel neuroprotetor para B2R. Observou-se um aumento da deposição de placa amiloide em camundongos injetados com Aβ sem B2R quando comparado com camundongos do tipo selvagem. Nesse mesmo estudo, sugeriu-se que a preservação da memória observada em camundongos injetados com Aβ sem B1R pode ser devido a uma elevada densidade de B2R. Camundongos sem quantidade suficiente de receptores B2 apresentaram déficits de retenção de memória durante o processo de envelhecimento quando comparados com animais do tipo selvagem, implicando também um efeito 701 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 neuroprotetor para os receptores B2 (CAETANO et al., 2015; BITENCOURT et al., 2017). A ausência de receptores B2 diminuiu a densidade neuronal em camundongos, corroborando a hipótese de que o receptor B2 pode desempenhar um papel protetor no sistema nervoso central na doença de Alzheimer, e sua ausência enfraquece a conexão neuronal, levando à interrupção na memória (CAETANO et al., 2015; JI et al., 2017). Normalmente, o B2R é constitutivamente expresso em uma ampla variedade de tecidos, enquanto B1R é indutível e superexpresso em condições inflamatórias e de lesão celular. B1R e B2R pertencem ao receptor acoplado à família da proteína G, mas o B2R medeia a maioria das funções fisiológicas das cininas. Após a ativação, os dois receptores desencadeiam muitos processos fisiológicos e patológicos, incluindo a regulação da pressão sanguínea, invasão de células imunes, contração ou relaxamento de células do músculo liso, liberação de cloreto, aumento da permeabilidade vascular e proliferação celular (JI et al., 2017). Os receptores B2 da bradicinina protegem contra isquemia cerebral por meio de múltiplos mecanismos moleculares, incluindo anti-apoptose, anti- oxidação, anti-inflamação, antiexcitotoxicidade, regulação da autofagia e promoção da neurogênese e angiogênese. Adicionalmente, observou-se em ensaios clínicos que a bradicinina protege contra lesões induzidas por hipóxia/reperfusão em neurônios corticais e contra a neurotoxicidade induzida pelo glutamato de roedores (JI et al., 2017). Ao inibir o estresse oxidativo e a apoptose, entrega sistêmica ou local de bradicinina protege contra lesão de isquemia/reperfusão (I/R) miocárdica de camundongos via receptores B2. Além da proteção na lesão miocárdica I/R, o B2R também foi considerado neuroprotetor em insultos isquêmicos cerebrais e aumentam a migração de células gliais por meio da ativação de B2R. Além disso, a superexpressão do gene calicreína induz a diminuição de lesão isquêmica em camundongos e em roedores com epilepsia via B2R. No 702 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 sistema nervoso central, a bradicinina regula a função sináptica e promove a neurogênese e a neuroproteção contra neurotoxicidade mediada por acidose in vitro (JI et al., 2017). 5. Considerações finais De acordo com as informações apresentadas acima, pode-se afirmar que os antagonistas dos receptores B1 e B2 da bradicinina desempenham um papel fundamental na regulação do processo de inflamação neuronal existente na doença de Alzheimer. O sistema calicreína-cinina exerce ação direta na permeabilização da barreira hematoencefálica (BHE) e na inflamação, podendo assim influenciar a progressão dessa doença. A deposição de peptídeos β-amiloide (Aβ) na vasculatura cerebral é um componente importante que leva a hemorragia intracerebral, neuroinflamação e comprometimento cognitivo na doença de Alzheimer (DA). A ativação dos receptores B2 aumenta a síntese de prostaglandina, enquanto os agonistas de B1R inibiram a síntese desses mediadores pró- inflamatórios. Enquanto isso, os receptores B1 são subsequentemente regulados positivamente e estão envolvidos na atenuação da inflamação glial. O antagonismo de B1R pode anular a amiloidose, déficits cerebrovasculares e de memória na doença de Alzheimer, desempenhando um papel neuroprotetor. Os receptores B2 da bradicinina possuem capacidade de modificar as características da doença de Alzheimer relacionadas com comprometimento da memória, neurodegeneração e deposição de placas β-amiloides (Aβ). A ativação dos receptores B2 da bradicinina contribui para a neuroinflamação induzida pelo peptídeo Aβ enquanto que o bloqueio de B2R evita a perda sináptica induzida por Aβ e déficits de memória. 703 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 Ainda assim, o papel da bradicinina na modulação da inflamação cerebral e na doença de Alzheimer ainda não é completamente compreendida. Com isso, é necessário entender melhor quais as relações entre os receptores B1 e B2 de bradicinina na regulação da secreção de fatores pró-inflamatórios pela micróglia. Dessa forma, sugere-se que estudos futuros sejam feitos abordando essa relação, no intuito de entender melhor como os receptores B1 e B2 da bradicinina atuam na doença de Alzheimer. 704 Contemporânea –Revista de Ética e Filosofia Política, v. 2, n. 3, mai./jun. 2022. ISSN 2447-0961 Referências ASRAF, K. et al. Differential effect of intranasally administrated kinin B1 and B2 receptor antagonists in Alzheimer's disease mice. Biologicalchemistry, v. 397, n. 4, p. 345–351, 2016. https://doi.org/10.1515/hsz-2015-0219 ASRAF, K. et al. Involvement of the Bradykinin B1 Receptor in Microglial Activation: In Vitro and In Vivo Studies. Frontiers in endocrinology, v. 8, n. 82, 2017. https://doi.org/10.3389/fendo.2017.00082 BEN-SHMUEL, S.; DANON, A.; FLEISHER-BERKOVICH, S. 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