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FARMACOGNOSIA APLICADA FARMACOGNOSIA APLICADA Farm acognosia Aplicada Lívia Maria de Lima SantosLívia Maria de Lima Santos GRUPO SER EDUCACIONAL gente criando o futuro O uso das plantas medicinais como fonte de cura para as mais diversas enfermidades tem origem nos primórdios das civilizações. Na atualidade, a Farmacognosia é um ramo da Farmacologia que sistematizou o conhecimento sobre as plantas e tem como foco principal estudar desde os aspectos do cultivo, as descrições anátomo-morfológicas e, principalmente, os princípios ativos naturais e o uso terapêutico. Para se tornar um far- macognosta é imprescindível desenvolver uma visão holística da planta e do seu uso. Partindo de tal pressuposto, o pro� ssional poderá desempenhar suas atividades com excelência sendo um legítimo representante dessa área de conhecimento. Capa_SER_FARMA_FARMAP.indd 1,3 27/08/20 16:08 © Ser Educacional 2020 Rua Treze de Maio, nº 254, Santo Amaro Recife-PE – CEP 50100-160 *Todos os gráficos, tabelas e esquemas são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência. Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei n.º 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. Imagens de ícones/capa: © Shutterstock Presidente do Conselho de Administração Diretor-presidente Diretoria Executiva de Ensino Diretoria Executiva de Serviços Corporativos Diretoria de Ensino a Distância Autoria Projeto Gráfico e Capa Janguiê Diniz Jânyo Diniz Adriano Azevedo Joaldo Diniz Enzo Moreira Lívia Maria de Lima Santos DP Content DADOS DO FORNECEDOR Análise de Qualidade, Edição de Texto, Design Instrucional, Edição de Arte, Diagramação, Design Gráfico e Revisão. SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 2 27/08/2020 16:01:58 Boxes ASSISTA Indicação de filmes, vídeos ou similares que trazem informações comple- mentares ou aprofundadas sobre o conteúdo estudado. CITANDO Dados essenciais e pertinentes sobre a vida de uma determinada pessoa relevante para o estudo do conteúdo abordado. CONTEXTUALIZANDO Dados que retratam onde e quando aconteceu determinado fato; demonstra-se a situação histórica do assunto. CURIOSIDADE Informação que revela algo desconhecido e interessante sobre o assunto tratado. DICA Um detalhe específico da informação, um breve conselho, um alerta, uma informação privilegiada sobre o conteúdo trabalhado. EXEMPLIFICANDO Informação que retrata de forma objetiva determinado assunto. EXPLICANDO Explicação, elucidação sobre uma palavra ou expressão específica da área de conhecimento trabalhada. SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 3 27/08/2020 16:01:58 Unidade 1 - Introdução ao estudo da Farmacognosia: conhecimento sobre a matéria-prima Objetivos da unidade ........................................................................................................... 12 Farmacoetnologia................................................................................................................. 13 Etapas do conhecimento farmacoetnológico ............................................................. 13 Retorno do conhecimento tradicional ........................................................................ 15 Farmacoergásia ................................................................................................................... 16 Metabolismo vegetal: primário e secundário ............................................................. 18 Colheita e pós-colheita ................................................................................................... 21 Micropropagação, cultura de células e transformação genética ......................... 22 Farmacobotânica ................................................................................................................. 23 Subdivisão da Farmacobotânica .................................................................................. 25 Conceitos farmacognósticos ......................................................................................... 25 Citologia vegetal .................................................................................................................. 26 Constituição da parede celular vegetal ....................................................................... 27 Histologia vegetal ............................................................................................................... 28 Tipos de tecidos vegetais ............................................................................................... 28 Raiz, caule e folha ........................................................................................................... 32 Flor, fruto e semente ....................................................................................................... 36 Nomenclatura botânica e preservação do material vegetal ................................... 38 Classificação botânica .................................................................................................. 39 Monografias farmacognósticas ........................................................................................ 40 Plantas medicinais flebotônicas .................................................................................. 41 Sintetizando ........................................................................................................................... 43 Referências bibliográficas ................................................................................................. 44 Sumário SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 4 27/08/2020 16:01:58 Sumário Unidade 2 - Curares e quinas: um passeio pela história Objetivos da unidade ........................................................................................................... 48 Curares: alcaloides ............................................................................................................. 49 Farmacoetnologia dos curares ..................................................................................... 53 Botânica ........................................................................................................................... 56 Farmacologia: mecanismo de ação e toxicologia dos curares ............................... 59 Quinas: farmacoetnologia das quinas .............................................................................. 63 Botânica ........................................................................................................................... 66 Epidemiologia da malária: mecanismo de ação e toxicologia das quinas ............ 68 Covid-19: o uso da cloroquina, hidroxicloroquina e protótipos de fármacos ....... 71 Sintetizando ........................................................................................................................... 74 Referências bibliográficas ................................................................................................. 76 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 5 27/08/2020 16:01:58 Sumário Unidade 3 - Plantas medicinais e suas aplicações Objetivos da unidade ........................................................................................................... 82 Plantas hepatoprotetoras ................................................................................................... 93 Ipeca e efedra ...................................................................................................................... 91 Jaborandi .............................................................................................................................. 94 Atividade farmacológica e biológica .......................................................................... 96 Plantas da família solanaceae .........................................................................................97 Atividade farmacológica e biológica dos alcaloides tropânicos ............................ 99 Drogas vegetais clássicas: alcaloides tropânicos .................................................. 101 Noz-vômica ......................................................................................................................... 103 Princípio ativo e atividade biológica ......................................................................... 103 Sintetizando ......................................................................................................................... 105 Referências bibliográficas ............................................................................................... 106 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 6 27/08/2020 16:01:58 Sumário Unidade 4 - Prospecção de produtos naturais Objetivos da unidade ......................................................................................................... 110 Plantas que agem no sistema nervoso central ............................................................ 111 Produtos naturais de origem animal, mineral e microbiana utilizados em farmácia...............................................................................................................................118 Fitoterapia e fitoterápicos ................................................................................................ 124 Desenvolvimento tecnológico de fitoterápicos ........................................................ 127 Metodologias de análises e produção e controle de qualidade ......................... 128 Formas farmacêuticas ................................................................................................. 130 Operações de transformação .................................................................................... 132 Sintetizando ......................................................................................................................... 133 Referências bibliográficas ............................................................................................... 134 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 7 27/08/2020 16:01:58 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 8 27/08/2020 16:01:58 O uso das plantas medicinais como fonte de cura para as mais diversas enfermidades tem origem nos primórdios das civilizações. Na atualidade, a Farmacognosia é um ramo da Farmacologia que sistematizou o conhecimen- to sobre as plantas e tem como foco principal estudar desde os aspectos do cultivo, as descrições anátomo-morfológicas e, principalmente, os princípios ativos naturais e o uso terapêutico. Para se tornar um farmacognosta é impres- cindível desenvolver uma visão holística da planta e do seu uso. Partindo de tal pressuposto, o profi ssional poderá desempenhar suas atividades com excelên- cia sendo um legítimo representante dessa área de conhecimento. Bons estudos! FARMACOGNOSIA APLICADA 9 Apresentação SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 9 27/08/2020 16:01:58 Dedico essa obra à curiosidade, à ciência e, principalmente, à natureza que nos possibilita a existência. A professora Lívia Maria de Lima Santos é doutora em Ciências (Plantas Medicinais, Aromáticas e Condimen- tares) pela Universidade Federal de Lavras (2018), possui Mestrado em Bio- logia Vegetal pela Universidade Federal de Pernambuco (2014). Formada em Bacharelado/Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (2011). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2462594377000843 FARMACOGNOSIA APLICADA 10 A autora SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 10 27/08/2020 16:02:05 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA FARMACOGNOSIA: CONHECIMENTO SOBRE A MATÉRIA- -PRIMA 1 UNIDADE SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 11 27/08/2020 16:02:32 Objetivos da unidade Tópicos de estudo Especificar o conceito de farmacoetnologia, seu caráter multidisciplinar e interdisciplinar, bem como listar as etapas de um estudo farmacoetnológico; Discorrer sobre as vantagens de um estudo farmacoetnologicamente guiado para fins de identificação de bioativos; Descrever a importância da domesticação das plantas medicinais e as condições adequadas para o estabelecimento do cultivo; Citar os principais fatores que afetam a produção dos metabólitos pelas plantas; Definir metabolismo, diferenciando o metabolismo primário do secundário; Esquematizar as rotas biossintéticas do metabolismo secundário e citar os principais metabólitos secundários; Descrever os procedimentos de colheita, manipulação e armazenamento, listando as técnicas biotecnológicas de cultivo de plantas medicinais; Definir farmacobotânica, determinar os termos específicos e esquematizar suas frentes de atuação; Sistematizar os conhecimentos sobre nomenclatura, identificação e classificação botânica; Listar algumas plantas com atividades flebotônicas. Farmacoetnologia Etapas do conhecimento farma- coetnológico Retorno do conhecimento tradi- cional Farmacoergásia Metabolismo vegetal: primário e secundário Colheita e pós-colheita Micropropagação, cultura de células e transformação genética Farmacobotânica Subdivisão da Farmacobotânica Conceitos farmacognósticos Citologia vegetal Constituição da parede celular vegetal Histologia vegetal Tipos de tecidos vegetais Raiz, caule e folha Flor, fruto e semente Nomenclatura botânica e preser- vação do material vegetal Classificação botânica Monografias farmacognósticas Plantas medicinais flebotônicas FARMACOGNOSIA APLICADA 12 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 12 27/08/2020 16:02:32 Farmacoetnologia A farmacoetnologia pode ser defi nida como o uso científi co de agentes biolo- gicamente ativos e tradicionalmente empregados ou observados pelo homem. Existem duas abordagens principais na etnobiologia e, consequentemente, na farmacoetnobiologia, que são: conhecimento, que leva em consideração o modo como as culturas percebem e se relacionam com o mundo biológico; e o valor, que trata da conversão do saber popular em produto, segundo o livro Farmacobotânica: aspectos teóricos e aplicação, de Monteiro e Brandelli (2017). Mais especifi camente, a farmacoetnologia pode ser denominada como um ramo da etnobiologia que trata de práticas médicas, especialmente remédios (plantas, animais, fungos e minerais), utilizados em sistemas tradicionais de medicina (ELISABETSKY, 2003). CONTEXTUALIZANDO Após o processo de industrialização e o aumento do uso de medica- mentos sintéticos em larga escala, atualmente 90% das classes far- macológicas incluem pelo menos um protótipo de compostos naturais. Desse total, 70% possuem o mesmo uso nas comunidades tradicionais de onde foram prospectadas. Etapas do conhecimento farmacoetnológico A farmacoetnologia é uma disciplina multidisciplinar e interdisciplinar, ou seja, necessita da contribuição de profi ssionais de diversas áreas do conheci- mento. O estudo deve ser estruturado em diversas etapas, conforme a des- crição feita por Simões e colaboradores (2001): • Coleta e análise de dados; • Identifi cação do material e depósito de um exemplar em herbário; • Conforme a identifi cação da espécie, pesquisar em bancos de dados bi- bliográfi cos as principais classes químicas que ocorrem, principalmente de plantas medicinais. As bases recomendadas para a pesquisa são Che- mical Abstracts, Napralert, entre outras; • Análises químicas preliminares para identifi cação das principais classes químicas, como alcaloides, fenóis e terpenos; FARMACOGNOSIA APLICADA 13 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 13 27/08/2020 16:02:32 • Estudos farmacológicos iniciais utilizando extratos brutos em modelos e confrontando com a utilização tradicional; • Fracionamento dos extratos por meio de técnicas apropriadas, como CLAE (cromatografi a líquida de alta performance), CG-MS (cromatografi a gasosa acoplada ao espectrômetro de massas), reações específi cas por métodos colorimétricos etc.; • Estudofarmacológico abrangendo a toxicologia pré-clínica utilizando fra- ções ou compostos isolados; • Identifi car a estrutura da molécula que apresentou atividade biológica (ressonância magnética nuclear de ¹H e ¹³C, espectroscopia UV-Visível, dentre outras metodologias). Ao direcionar o estudo farmacológico utilizando a farmacoetnologia, o prin- cipal objetivo é identifi car, em meio à grande quantidade de produtos naturais diluídos em um extrato vegetal, por exemplo, os compostos bioativos respon- sáveis pela cura da doença. Quando considerado o valor econômico, pesquisas orientadas sob a ótica do conhecimento popular possuem mais chances de su- cesso na identifi cação de produtos naturais com ação biológica se comparadas às buscas aleatórias, por exemplo. Apesar dos dados serem pouco notifi cados pela indústria farmacêutica, na Tabela 1 podemos constatar essa afi rmação com base nos resultados liberados pelos laboratórios Shaman Pharmaceuticals, que têm como eixo de identifi cação dos seus produtos a farmacoetnologia. SHAMAN PHARMACEUTICALS Área Número de plantas testadas Número de compostos isolados % de compostos ativos Vírus sincicial respiratório 97 8 8,2 Infl uenza 123 2 1,6 Citomegalovírus 231 5 2,2 Vírus sincicial Vírus sincicial respiratório Vírus sincicial respiratório Vírus sincicial respiratório Vírus sincicial respiratório Infl uenzaInfl uenzaInfl uenza CitomegalovírusCitomegalovírusCitomegalovírus 97 CitomegalovírusCitomegalovírus 123123 231 2 5 8,2 1,6 2,22,2 TABELA 1. COMPARAÇÃO ENTRE AS INDÚSTRIAS SHAMAN PHARMACEUTICALS COM AS DEMAIS INDÚSTRIAS FARMACÊUTICAS FARMACOGNOSIA APLICADA 14 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 14 27/08/2020 16:02:35 Retorno do conhecimento tradicional O Brasil possui uma das maiores biodiversidades do mundo, distribuídas em cinco biomas: Amazônia, Mata Atlântica, Pantanal, Cerrado, Caatinga, Pampa. A forma viva em toda sua diversidade torna-se cada vez mais ameaçada, seja por causas naturais (desertifi ca- ção, glaciações, atividades vulcânicas etc.) ou antrópicas (destruição de hábitats, introdução de espécies exóticas, tráfi co da vida, poluição do ambiente etc.). Além das perdas materiais, existe também a perda imaterial do conhecimento das comunidades tradicionais, que muitas vezes deixam seu lugar de origem devido à degradação da natureza, acabando por perder o co- nhecimento acumulado por anos. Outro ponto bastante importante quanto aos conhecimentos tradicionais é o retorno dos resultados das pesquisas, que devem ser das mais variadas maneiras, seja na forma de cartilhas, dossiês ou de reconhecimento pelo desenvolvimento do conhecimento. Lembrando que o recurso natural possui valor econômico-estratégi- co incalculável em várias atividades, entretanto, sua maior potencialidade reside no que se refere ao desenvolvimento de novos medicamentos. Avalia-se que 40% de todos os medicamentos são de origem natural, sendo 25% oriundos de plantas, 13% de microrganismos e 3% de animais (CALIXTO, 2003; RABBANI, 2016). Devido à imensa importância do conhecimento tradicional, faz-se neces- sária a criação de instrumentos legais mais rígidos, tanto no âmbito nacional quanto no internacional, para a proteção dos conhecimentos e tradições das comunidades locais e indígenas, uma vez que o respeito ao meio ambiente, bem como ao estilo de vida das comunidades são essenciais para o desenvol- vimento sustentável e a manutenção da biodiversidade. INDÚSTRIAS EM GERAL Área Número de plantas testadas Número de compostos isolados % de compostos ativos Herpes simples 15.000 2 0,013Herpes simplesHerpes simplesHerpes simplesHerpes simplesHerpes simples 15.00015.00015.000 0,0130,013 Fonte: SIMÕES et al., 2001, p. 99. FARMACOGNOSIA APLICADA 15 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 15 27/08/2020 16:02:38 Farmacoergásia Cultivo de plantas medicinais Ademais da preservação das plantas brasileiras e seus usos tradicionais, é preciso considerar o valor das plantas medicinais não puramente como um re- curso terapêutico, mas também como fonte econômica. Logo, é de fundamental importância determinar técnicas de manejo e cultivo com o objetivo de conver- tê-las em produto de valor comercial capaz de gerar renda e riqueza para o país, para os produtores e para os desenvolvedores do conhecimento. Sob a perspectiva de uso, grande contingente da população mundial faz uso de plantas medicinais e suas formulações. Em consequência, ocorre o aumento da exploração das plantas medicinais da fl ora nativa, principalmente por meio do extrativismo, colocando em risco as populações naturais, seja pelo forte pro- cesso exploratório ou até mesmo pelo desconhecimento do ciclo reprodutivo das espécies. Conforme a Food and Agriculture Organization (FAO), o desenvolvimento de tecnologias pertinentes para uma agricultura sustentável, por intermédio do uso de recursos genéticos e de processos de transformação, seria o caminho para possibilitar a domesticação e o cultivo como formas razoáveis para adquirir a matéria-prima para a indústria farmacêutica, ou até para uso em sistemas de saúde públicos; desta maneira, a pressão sobre as fl orestas nativas seria reduzi- da. Vale salientar que a maioria das plantas cultivadas no Brasil é exótica, domes- ticada em seu ambiente natural. Podemos listar o alecrim, a melissa, o funcho, a camomila, o tomilho, entre outros exemplos. Para estabelecer um processo de domesticação baseado no cultivo, é neces- sário conhecer as exigências da espécie com foco na obtenção da biomassa e dos metabólitos secundários, como o tipo de solo adequado, necessidade luminosa e hídrica, formas de propagação, tratamento pré-germinativo das sementes e, quando necessário, fenologia e qual parte da planta possui o princípio ativo. De maneira geral, as etapas necessárias para o cultivo e processamento de uma planta medicinal são: escolha da espécie, preparo da área para o cultivo, colheita, secagem e benefi ciamento. Os locais planos ou pouco inclinados são os mais adequados para o culti- vo, pois minimizam os problemas com a erosão do solo e facilitam a utilização FARMACOGNOSIA APLICADA 16 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 16 27/08/2020 16:02:38 do maquinário. O local deve ser isolado de fontes contaminantes, como fossas, esgotos, trânsito ou qualquer outro fator que possa alterar a qualidade do ma- terial. Deve-se levar em consideração a propagação e o espaçamento adequado para cada planta. Antes de efetuar o plantio, deve-se realizar uma análise do solo, visando a definir a necessidade de correção e fertilização, proporcionando as condições ideais para o desenvolvimento da planta. Por se tratar de cultivo de plantas medicinais, recomenda-se a utilização de adubação orgânica, cujos be- nefícios são relevantes na composição físico-química, nas melhorias na estrutu- ra do solo, na aeração, na drenagem e na retenção de água (SIMÕES et al., 2001). Algumas substâncias ativas são produzidas mediante situação de estresse, por exemplo, a espécie macela (Achyrocline satureioides (Lam.) DC.) produz óleos essenciais somente quando cultivadas em solos ácidos. Logo, o cultivo deve ser orientado pelas exigências da planta. Quanto ao modo do plantio direto, os mais utilizados são os canteiros, sulcos ou covas, conforme o hábito da planta, como no caso do funcho (Foeniculum vulgare L.), que é plantado em covas devido ao seu porte de quase um metro. Em se tratando do controle de pragas, não é recomendado o uso de herbicidas ou inseticidas sintéticos, correndo o risco de contaminar o material vegetal. Algumas práticas podem ser adotadas, como a retirada manual das plantas invasoras, ou até mesmo utilizar extratos vegetais, como neem ou fumo, a depender da praga. Desde os tempos remotos, é sabido que para realizar a coleta das plantas medicinais é preciso saber qual a época em que a planta produz maior quanti- dade do princípioativo em seus tecidos. Essa variação pode ser circadiana, dia e noite, a exemplo do guaco-cheiroso (Mikania laevigata), que deve ser coleta- do pela tarde, devido à concentração da cumarina. Dentro do mesmo indivíduo podem ocorrer variações nas concentrações do composto, que podem ser in- traplanta (concentrações diferentes entre as folhas da base da copa e do ápice) ou intraespecífica (entre plantas da mesma espécie). A despeito da composição genética de cada espécie, a expressão do metabólito secundário e a concentra- ção está intimamente relacionada aos fatores edafoclimáticos: estações do ano, ritmo do dia e da noite, temperatura, disponibilidade hídrica, radiação ultravioleta, nutrientes, altitude, poluição atmosférica, indução por estímulos mecânicos ou ataque de patógenos (Figura 1). FARMACOGNOSIA APLICADA 17 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 17 27/08/2020 16:02:38 Sazonalidade Altitude Índice pluviométrico Temperatura Água Micronutrientes Macronutrientes Ritmo circadiano Radiação UV Composição atmosférica CO2 SO2 NO2 O3 Herbivoria e ataque de patógenas Idade Teor de metabólitos secundários Figura 1: Principais fatores que podem infl uenciar o acúmulo de metabólitos secundários em planta. Fonte: GOBBO- -NETO; LOPES, 2007, p. 380. (Adaptado). Metabolismo vegetal: primário e secundário Metabolismo é considerado o conjunto de transformações bioquímicas que ocorrem em um sistema. O processo é direcionado de acordo com a presença de enzimas especifi cas que determinam as rotas metabólicas e os seus produtos ime- diatos. Os compostos degradados ou sintetizados são chamados de metabólitos. As reações podem ser defi nidas como anabólicas, catabólicas ou de biotransfor- mação. As fi nalidades dessas reações são obtenção de energia (ATP), aquisição de poder redutor (NDPH) e biossíntese de moléculas essenciais à vida. O metabolismo primário inclui a síntese das macromoléculas considera- das essenciais para a manutenção da vida – seja vegetal ou animal –, como carboidratos, lipídeos, proteínas e os ácidos nucleicos. A distribuição dessas moléculas é universal, e elas compõem o metabolismo primário dos seres vivos (LEHNINGER; NELSON; COX, 2014). Em se tratando do metabolismo secundário, Taiz e Zeiger (2013) explicam que ele está presente em vegetais, microrganismos e alguns animais, e observa-se a FARMACOGNOSIA APLICADA 18 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 18 27/08/2020 16:02:47 existência de um arsenal metabólico capaz de sintetizar moléculas com atividade biológica que conferem adaptabilidade ao ambiente. Geralmente essas moléculas são específicas de cada grupo taxonômico, tornando-se um fator de diferenciação. Todo esse aparato metabólico é chamado de metabolismo secundário. As moléculas oriundas do metabolismo secundário são consideradas de distri- buição restrita, apresentam diversidade estrutural, possuem baixo peso molecu- lar, são sintetizadas em baixas concentrações e conferem alguma vantagem adap- tativa aos seres que as possuem. As rotas do metabolismo secundário geralmente são ativadas em períodos específicos do desenvolvimento vegetal ou sob alguma situação de restrição (deficiência nutricional da planta, por exemplo). A maioria dos metabólitos secundários vem da glicose, intermediada pelas ro- tas do ácido chiquímico e do acetato (Diagrama 1). Essas rotam são precursoras de diversos metabólitos secundários, como: • Ácido chiquímico: alcaloides, taninos hidrolisáveis, lignanas, ligninas e cuma- rinas; • Acetato: antraquinonas, flavonoides, taninos condensados, alcaloides, terpe- nos e esteroides, ácidos graxos e acetogeninas. DIAGRAMA 1. METABOLISMO SECUNDÁRIO GLICOSE Polissacarídeos Heterosídeos Ácido chiquímico Acetil-CoA Condensação Triptofano Fenilalanina/ tirosina Taninos hidrolisáveis Ciclo do ácido cítrico Alcaloides indólicos e quinolínicos Protoalcaloides alcaloides isoquinolínicos e benzilisoquinolínicos Alcaloides pirrolidínicos, tropânicos, pirrolizidínicos, piperidínicos e quinolizidínicos Antraquinonas flavonoides taninos condensados Via do mevalonato Terpenoides e esteróis Ácidos graxos acetogeninas Isoprenoides Ornitina lisina Ácido gálico Ácido cinâmico Lignanas e ligninas cumarinas Fenilpropanoides Fonte: SIMÕES et al., 2001, p. 341. (Adaptado). FARMACOGNOSIA APLICADA 19 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 19 27/08/2020 16:02:47 Didaticamente, os metabólitos são divididos em três gru- pos conforme a origem, de acordo com Simões e colabo- radores (2001): • Terpenos: originados do ácido mevalônico, no citoplas- ma, ou piruvato e 3-fosfoglicerato, no cloroplasto; • Compostos fenólicos: provenientes do ácido chiquímico e ácido mevalônico; • Alcaloides: derivados dos aminoácidos aromáticos (triptofano e tirosina), aminoácidos alifáticos (lisina e ornitina). Terpenos compõem o grupo mais numeroso entre os metabólitos. São cons- tituídos por unidades de cinco carbonos chamados de isopreno (C5). Conforme o número de unidades formadoras, é classificado em: monoterpenos (C10), um exemplo é o limoneno, encontrado na hortelã-pimenta; sesquiterpenos (C15), e o zingibereno é um exemplo dessa classe e é encontrado no gengibre; por fim, os diterpenos (C20) entram na constituição da resina de copaíba. É bastante variado quanto à função desempenhada nos vegetais, como atrair polinizadores, redu- zir os ataques de patógenos e herbívoros, precursores hormonais, entre outras ações. Vale salientar que devido ao baixo peso molecular, os monoterpenos são os principais constituintes dos óleos essenciais. Nos vegetais, geralmente são ar- mazenados em tricomas glandulares (no parênquima, por exemplo) e distribuídos por todas as partes da planta (folhas, flores, cascas e frutos). Os triterpenos são precursores dos esteroides (constituem os esteroides e progesterona) e as sapo- ninas (propriedade de saponificar) (FELIPE; BICAS, 2017). Compostos fenólicos são formados por pelo menos um anel aromático, onde ao menos um hidrogênio é substituído pelo grupo hidroxila. Existem diversas subclas- ses de fenólicos, a saber: ácidos fenólicos (ácido gálico), ácido hidroxinâmico e ácidos hidrobenzoicos; flavonoides (flavonóis), flavonas, isoflavonas, flavanonas e antocia- ninas; estilbenos (resveratrol, encontrado na uva) e taninos hidrolisáveis (galotani- nos e elagitaninos). São inúmeras as atividades associadas aos compostos fenólicos, dentre elas antioxidantes (evita o envelhecimento precoce), antiplaquetária, vasodi- latadora e antimicrobiana. Os fenólicos são utilizados na indústria para adicionar cor (cascas de cereja e uva) e sabor (baunilha e canela) aos alimentos. Os alcaloides são compostos orgânicos cíclicos que possuem um átomo de nitrogênio inserido no anel principal com característica básica, e são reconhe- FARMACOGNOSIA APLICADA 20 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 20 27/08/2020 16:02:47 cidos pela atividade sobre o sistema nervoso central (nicotina, morfi na e cocaí- na). Além do SNC, é utilizado para curar a malária (quinina), câncer (vincristina e vimblastina), diurética e antiasmática (teofi lina), Alzheimer (galantamina), entre tantas outras. No entanto, para manter a qualidade das plantas medicinais e garantir a presença do metabólito de interesse, os procedimentos adotados no manejo são fundamentais. Colheita e pós-colheita Após a descrição dos principais grupos de metabólitos secundários, um dos passos fundamentais para a atividade terapêutica dos princípios ativos contidos nas plantas medicinais é a colheita e pós-colheita. Para efetuar a colheita do material botânico, deve-se utilizar um instrumento afi ado que propicie uma cicatrização rápida da planta, evitando, assim, a contaminação por microrganismos. Em se tratando do acondicionamento, deve ser feito em local limpo, e o tecido vegetal não deve ser esmagado ou fi car sobre incidên- cia direta da radiação solar, pois isso acelerao processo de degradação dos princípios ativos (PACHÊCO et al., 2013). Quanto ao local de secagem, deve ser ventilado, limpo, protegido de sujidades, de invasão de insetos e da luz. Plantas de espécies diferentes devem ser secas separadamente para evitar a mistura de materiais voláteis ou até mesmo de espécies diferentes, principal- mente após a secagem, quando algumas partes vegetais se tornam parecidas, como folhas secas e parcialmente quebradiças. O período de armazenamen- to deve ser o menor possível, pois ocorrem perdas qualitativas e quantitati- vas das plantas. No Quadro 1 estão descritas algumas especifi cações quanto à colheita e a secagem de espécies amplamente utilizadas no Brasil. Nome da planta Partes utilizadas Colheita Secagem e temperatura máxima (°C)Início Época Horário Calêndula Floração plena 3º mês Floração plena Tarde À sombra ou seca- dor, 35 ºC. Camomila Capítulos fl orais 5º mês Floração plena Manhã À sombra ou seca- dor, 35 ºC. CalêndulaCalêndulaCalêndula CamomilaCamomila Floração Camomila Floração plena Floração plena Capítulos Capítulos fl orais Capítulos fl orais 3º mês3º mês 5º mês5º mês Floração Floração plena Floração plena Floração Floração plena Floração plena TardeTarde Manhã À sombra ou seca- Manhã À sombra ou seca-À sombra ou seca- dor, 35 ºC. À sombra ou seca- À sombra ou seca- dor, 35 ºC. À sombra ou seca- À sombra ou seca- dor, 35 ºC. À sombra ou seca- dor, 35 ºC. À sombra ou seca- dor, 35 ºC. À sombra ou seca- dor, 35 ºC. À sombra ou seca- dor, 35 ºC. À sombra ou seca- dor, 35 ºC. QUADRO 1. ORIENTAÇÃO DE COLETA E SECAGEM DE PLANTAS MEDICINAIS FARMACOGNOSIA APLICADA 21 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 21 27/08/2020 16:02:50 Capim- -limão Folhas 6º mês 1º corte: dez. 2º corte: abr./maio Manhã À sombra ou seca- dor, 35 ºC Guaco Folhas 8º mês Floração Tarde Secador à 35 ºC. Pata de vaca Ramos com folha 3º ano Verão Tarde À sombra ou seca- dor, 35 ºC. Capim-Capim- -limão-limão Guaco Folhas Guaco Pata de Folhas Pata de vaca Folhas Pata de vaca FolhasFolhas 6º mês Ramos com folha 6º mês Ramos com folha 8º mês com folha 1º corte: 8º mês 1º corte: dez. 8º mês 3º ano 1º corte: dez. 2º corte: abr./maio 3º ano 2º corte: abr./maio 3º ano abr./maio FloraçãoFloração Manhã Floração Verão Manhã Verão À sombra ou seca- Tarde À sombra ou seca- Tarde À sombra ou seca- dor, 35 ºC Tarde À sombra ou seca- dor, 35 ºC Secador à 35 ºC. Tarde À sombra ou seca- dor, 35 ºC Secador à 35 ºC. À sombra ou seca- Secador à 35 ºC. À sombra ou seca- Secador à 35 ºC. À sombra ou seca- Secador à 35 ºC. À sombra ou seca- dor, 35 ºC. Secador à 35 ºC. À sombra ou seca- dor, 35 ºC. À sombra ou seca- dor, 35 ºC. Fonte: Simões et al., 2001, p. 55. Quando o cultivo convencional é inviável, o uso de técnicas biotecnológicas se constitui em ferramenta bastante útil para a reprodução de exemplares com propriedades desejáveis, tais como resistência a pragas e a outras condições de estresse, além de alta produtividade e elevado rendimento. A seleção de linhagens, variedades ou quimiotipos altamente produtivos tem sido o método geralmente usado para obtenção de plantas com elevada concentração de me- tabólitos secundários. Essa estratégia tem sido bem sucedida, principalmente no Brasil, devido à grande quantidade de espécies selvagens com grande varia- bilidade genética. Lembrando que na expressão do potencial genético da plan- ta, tipo de tecido da planta, fatores ambientais e período de colheita podem infl uenciar drasticamente o conteúdo do metabólito alvo. É sabido, desde o século passado, que algumas plantas se desenvolvem em meio a substâncias nutritivas mediante adição de alguns sais, regulação de pH, luminosidade e trocas gasosas. A partir do marco estabelecido para o cultivo da planta na ausência do solo, abre-se um leque de possibilidades para o cultivo e estabelecimento de protocolos. Micropropagação, cultura de células e transformação genética A técnica que consiste na regeneração de plântulas in vitro através de cultura de brotos, frequentemente utilizada para obter clones que mantenham todas as características da planta-mãe, possibilita a preservação de genótipos com características homogêneas e desejáveis. Em se tratando da cultura de tecidos, elas possuem uma variedade de características de crescimento e de produção de metabólitos secun- FARMACOGNOSIA APLICADA 22 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 22 27/08/2020 16:02:52 dários. Logo, um fator importante a ser considerado é a efi ciência na prolife- ração celular e produção de compostos bioativos (MORAIS et al., 2012). Segundo Cardoso, Oliveira e Cardoso (2019), a aplicação da tecnologia de transformação genética em plantas medicinais já é uma realidade. As primei- ras etapas nessa direção incluem a purifi cação e a caracterização de enzimas- -chave das vias biossintéticas, o isolamento de clones e a síntese de genes que regulam a síntese dos metabólitos secundários. A manipulação, bioquí- mica ou genética, do metabolismo de plantas pode ser realizada no sentido de produzir quantidades signifi cativas dos metabólitos de alto valor farma- cêutico. No entanto, a resposta do metabolismo à transformação genética de enzimas pode ser imprevisível devido à plasticidade existente no metabo- lismo vegetal. Logo, torna-se difícil afi rmar o sucesso da estratégia adotada. Farmacobotânica Defi nição Botânica é o ramo da biologia que estuda os vegetais, e o desenvolvimen- to da disciplina iniciou-se com o uso das plantas medicinais. Os homens primitivos empregavam as plantas com fi ns terapêuticos de maneira empírica, ou seja, observando dos animais que ingeriam o vegetal, e conforme se man- tinham vivos, poderiam consumi-las. Esses conhecimentos eram passados verbalmente de geração em geração. So- bre o registro do uso das plantas medicinais, Monteiro e Brandelli (2017, p. 356) descrevem a seguinte linha do tempo: Os primeiros registros escritos (cuneiformes) são da antiga Mesopo- tâmia 2.600 a.C., que descreviam o uso do óleo de cedro (Cedro sp.), alcaçuz (Glycyrrhiza somniferum) e da mirra (Commiphora sp.) para di- versas enfermidades. Outra obra que registra o uso de plantas como remédios é a Pen T’são, “a grande obra fi toterápica” de Shen Nong, FARMACOGNOSIA APLICADA 23 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 23 27/08/2020 16:02:55 CURIOSIDADE Cláudio Galeno, médico e filósofo que viveu na Roma Antiga, estimulou oficiais romanos a fiscalizarem remédios para verificar se continham o que era declarado, dando início à vigilância sanitária. CURIOSIDADE Em solo brasileiro, alemães, ainda no século XVII fizeram anotações do uso de várias plantas medicinais pelos indígenas, bem como os holande- ses que habitaram o nordeste brasileiro. Lineu, em suas expedições, já anotava os usos que os povos tradicionais faziam das plantas medicinais (MONTEIRO; BRANDELLI, 2017). Na Grécia antiga, Hipócrates (460-377 a.C.), o pai da medicina, foi o respon- sável por unir cerca de 70 livros na obra intitulada Corpus Hippocraticum, apon- tando as doenças e a planta/tratamento adequados. Em se tratando do ofício de botânico, Teofrasto (372-287 a.C.) foi o único da Antiguidade, sendo considerado o “pai da botânica”, e foi responsável por descrever as plantas mais comuns do seu meio. Os estudos de Teofrasto foram ultrapassados somente pelo sueco Carl von Linné (1707-1778). Lineu foi o fundador do sistema natural de classificação e criador do sistema binomial de nomenclatura, até hoje utilizado. No final do século XX, a botânica era considerada um ramo da medicina (SILVA, 2019). Farmacobotânica é um campo da farmacologia que estuda as caracterís- ticas das plantas medicinais. Tendo em vista os principais aspectos (internos e externos) das plantas medicinais, foca-se no uso terapêutico e toxicológico (MONTEIRO; BRANDELLI,2017). Ou seja, a farmacobotânica se encarrega de identificar as espécies de interesse, auxilia no reconhecimento de possíveis fal- sificações e padroniza o processo de cultivo e colheita, utilizando instrumentos como a organografia, citologia, histologia e anatomia. considerado o fundador da medicina chinesa. Também é atribuído a Shen Nong a determinação de droga vegetal. No Antigo Egito (1.500 a.C.), o uso das plantas medicinais foi registrado no papiro de Eber, que discorre sobre algumas doenças e alguns produtos naturais para o tratamento. FARMACOGNOSIA APLICADA 24 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 24 27/08/2020 16:02:55 Subdivisão da farmacobotânica A farmacobotânica possui algumas frentes de atuação, descritas no Diagrama 2. DIAGRAMA 2. ESQUEMA DA SUBDIVISÃO DA FARMACOBOTÂNICA Farmacomorfologia/farmacoanatomia (identifi cação e detecção de pureza da droga vegetal) Farmacoquímica (avaliação, identifi cação, isolamento e elucidação estrutural) Toxicologia (plantas tóxicas) Fitoterápicos Farmacoergásia (seleção, cultura, colheita, preparação e conservação) Farmacobotânica Fonte: SOUZA, 2014. (Adaptado). Conceitos farmacognósticos Para o bom entendimento da farmacobotânica faz-se necessário se apropriar de alguns conceitos: • Plantas medicinais: espécies vegetais utilizadas com fi ns terapêuticos; • Remédios: todos os meios utilizados para prevenir, melhorar ou curar uma doença; • Droga vegetal: planta medicinal (ou partes dela) que apresenta as subs- tâncias ou classe de compostos ativos responsáveis pela ação terapêutica após os procedimentos de coleta, estabilização e secagem, podendo ser apresentada na forma íntegra, rasurada, triturada ou pulverizada; • Princípio ativo: substância cuja ação farmacológica é conhecida e responsável, totalmente ou em partes, pelos efeitos terapêuticos do medicamento; • Derivados de drogas vegetais: produtos de extração da matéria-prima vegetal ou planta fresca, ou da droga vegetal, podendo existir sob a forma FARMACOGNOSIA APLICADA 25 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 25 27/08/2020 16:02:55 de extrato, alcoolatura, óleo fi xo ou volátil, ceras exsudatos, sucos, entre outras formulações; • Produtos naturais: compostos ou matéria-prima vegetal que possui fi na- lidade terapêutica; • Extratos: formulações de consistência líquida, semissólida ou sólida oriunda de material vegetal; • Medicamentos: produto farmacêutico elaborado com fi ns profi láticos, curativos, paliativos ou diagnósticos; • Medicamentos fi toterápicos: Medicamentos oriundos de matérias-pri- mas vegetais, cuja efi ciência e segurança são validadas por meio de levan- tamentos farmacoetnológicos, comprovações técnico-científi cas e testes clínicos. Não são consideradas medicamentos fi toterápicos as formulações que contenham substâncias isoladas (por exemplo, xarope de guaco fortifi - cado com cumarina); • Fitoterapia: terapêutica caracterizada pelo uso de plantas medicinais nos mais diversos moldes farmacêuticos, sem adição de substâncias isoladas; • Farmacógeno: parte do vegetal que contém o princípio ativo sem processamento. No contexto do uso das plantas medicinais é de fundamental importância co- nhecer cada parte constituinte do corpo vegetal (externamente e internamente), uma vez que os principais ativos que conferem função terapêutica são produzidos, transportados e armazenados ao longo do corpo vegetal. Citologia vegetal Estrutura da célula vegetal As células são as unidades estruturais e funcionais da vida. A célula ve- getal é eucarionte, ou seja, possui seus cromossomos encerrados em uma membrana nuclear, separando-os das demais organelas da célula, e o DNA está fortemente associado a proteínas histonas. Assim, se diferem das procariotas, que apresentam o material genético dis- perso na matriz coloidal da célula. Raven, Evert e Eichhorn (2007) explicam que a célula vegetal é constituída, basicamente, por uma parede celular FARMACOGNOSIA APLICADA 26 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 26 27/08/2020 16:02:55 que se deposita externamente à membrana plasmática, exclusiva da célula vege- tal, com relativa rigidez; e um protoplasto (o conteúdo dentro da célula: citoplas- ma e núcleo). O citoplasma abriga as diferentes organelas: mitocôndrias, retículo endoplasmático, aparelho de Golgi, ribossomos, fi lamentos e microtúbulos, va- cúolo e cloroplastos (exclusivos da célula vegetal). O fl uido onde estão imersas as organelas é chamado de citosol. A superfície externa do citoplasma é delimitada por uma simples membra- na, denominada membrana plasmática. A principal função do citosol é mediar o transporte para dentro e para fora do protoplasma. O núcleo possui a impor- tante função de armazenar o material genético e passar para as células-fi lhas no processo de divisão celular; ele é envolto por uma membrana chamada envoltó- rio nuclear. O vacúolo é outra estrutura típica da célula vegetal, sendo circunscrito por uma membrana chamada tonoplasto. Ele normalmente ocupa quase a totalida- de do volume celular, chegando a ser o seu maior compartimento. Quanto à sua constituição, é formado por água, substâncias inorgânicas – basicamente íons – e compostos orgânicos. Os plastídios, ou plastos, junto à parede celular e aos vacúolos, são compo- nentes característicos das células vegetais. Os plastídios apresentam um envol- tório constituído por duas membranas lipoproteicas, contendo uma matriz de- nominada estroma, onde se observa um grupamento de membranas chamadas de tilacoides e que abriga a clorofi la. Constituição da parede celular vegetal A parede celular das plantas medicinais é uma estrutura que deve ser compreendida, visto que para qualquer composto ativo ser liberado da célula vegetal é necessário que ela seja rompida. A obra Anatomia vegetal, de Appe- zzato-da-Glória e Carmello-Guerreiro (2006) explica que a parede celular é resistente devido a sua composição e estrutura, formada por microfi brilas de celulose imersas em uma matriz contendo polissacarídeos não celulósicos: hemiceluloses e pectinas. A microfi brila de celulose é uma estrutura fi lamentosa onde as moléculas são unidas por ligações de hidrogênio. As microfi brilas são arranjadas de uma manei- FARMACOGNOSIA APLICADA 27 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 27 27/08/2020 16:02:55 ra que expressa a capacidade de refl etir a luz com índices de refração para dife- rentes direções, lembrando que a principal função da parede celular é delimitar o protoplasto, evitando a ruptura da membrana plasmática devido à entrada de água na célula. Sabe-se também que a parede celular possui enzimas relaciona- das a diversos processos metabólicos e à defesa contra ataques de patógenos. A parede celular é, desse modo, parte dinâmica da célula vegetal e passa por modifi cações durante o crescimento e desenvolvimento da célula. Histologia vegetal Defi nição e a origem dos tecidos A partir da união de células de origem comum, igualmente diferenciadas para desempenhar uma função fi siológica, formam-se os tecidos vegetais. Os tecidos vegetais são divididos em: meristema (crescimento), parênquima, colênquima e esclerênquima (sustentação e preenchimento), fl oema e xilema (condução de seiva bruta e elaborada) e epiderme e periderme (revestimento). Observe a de- monstração do meristema apical no Diagrama 3: DIAGRAMA 3. DEMONSTRAÇÃO DO MERISTEMA APICAL, A ORIGEM DOS MERISTEMAS PRIMÁRIOS E SEUS RESPECTIVOS TECIDOS DO CORPO PRIMÁRIO Meristema apical Meristema primários Tecidos primários Epiderme Parênquima, colênquima e esclerênquima Xilema e fl oema Protoderme Meristema fundamental Procâmbio Fonte: RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2007, p. 529. (Adaptado). Tipos de tecidos vegetais O tecido mais externo dos órgãos vegetais é a epiderme. Em algumas estruturas como caule e raiz, geralmente de árvores, arvoretas e arbus- tos, a epiderme é substituída pela periderme quando apresentam o cresci- mentosecundário. A origem do tecido de revestimento são os meristemas apicais, denominados como protoderme. A principal função atribuída à FARMACOGNOSIA APLICADA 28 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 28 27/08/2020 16:02:55 epiderme é proteger contra choques mecânicos, ataques de pató- genos e diminuição da perda de água. Atua também como anteparo contra a radiação solar devido à deposição de compostos como a cutina e as ceras, que podem re- fletir os raios solares. Algumas ceras possuem subs- tâncias ativas (presença de triterpenos – ecologia química de insetos) e, quanto ao uso humano, as ceras entram em formulações da indústria de fitocosméticos, como batons (RAMOS; FONSECA FILHO, 2017). A epiderme é constituída por células vivas de composição bastante diversa, como taninos, mucilagens, cristais e pigmentos, a exemplo das antocianinas, que são encontradas em pétalas e folhas coloridas. Os cloroplastos ocupam tecidos epidérmicos dispostos na parte aérea das plantas com o objetivo de captar a luz solar e efetuar a fotossíntese. Os estômatos também estão dispostos na super- fície da epiderme; essas estruturas são responsáveis pela troca gasosa entre o tecido interno e a atmosfera. Os tricomas são considerados apêndices da epiderme, diversos quanto à es- trutura, sendo classificados como tectores (pequenos pelos na superfície das folhas e flores, geralmente) e glandulares. A disposição dos tricomas pode auxi- liar na identificação botânica, por exemplo, espécies das famílias Solanaceae e Euphorbiaceae são facilmente reconhecidas pelos tipos de tricomas. Os tricomas glandulares são importantes no estudo da farmacobotânica, pois estão envolvidos na eliminação de vários compostos de importância para os seres humanos, como óleos e resinas. A estrutura dos tricomas glandulares apresenta uma cabeça secretora com um orifício, que pode liberar as subs- tâncias, e uma estrutura basal. A liberação das secreções pode ocorrer pela abertura ou pelo rompimento da cutícula que recobre a cabeça. Este último processo pode ocorrer uma ou mais vezes se houver regeneração da cutícula, propiciando nova acumulação (APPEZZATO-DA-GLÓRIA; CARMELLO-GUERREI- RO, 2006). Espécies do gênero Citrus, como a laranja e limão, possuem tricomas glandulares em que, ao ocorrer a espremedura, a cabeça rompe e o líquido é liberado. Outro exemplo são as plantas carnívoras que possuem tricomas secretores de mucilagem, ricos em enzimas responsáveis pela digestão dos in- setos capturados (FRANCO; ALBIERO, 2018). FARMACOGNOSIA APLICADA 29 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 29 27/08/2020 16:02:55 O parênquima e a epiderme pos- suem elevada importância no estudo da farmacobotânica, pois são respon- sáveis pela síntese e armazenamento das moléculas bioativas. O tecido pa- renquimático é formado por células vivas com paredes finas. Está presen- te em todo o corpo da planta, desde a folha até a raiz, desempenhando diversas funções, como fotossíntese, reserva (substâncias nutritivas e bioativas), transporte, secreção e excreção. Algumas células parenquimatosas possuem conteúdos bastante específicos , e então passam a ser denominadas idioblásticas. Elas podem conter mucilagens (cactáceas), óleos (Lauraceae), entre outras substâncias. Usualmente, o parênquima é dividido em três tipos: preenchimento ou fun- damental, clorofiliano e de reserva. O parênquima de preenchimento pode ser observado em todas as partes do vegetal desde a raiz até a folha. A principal fun- ção do parênquima clorofiliano é a fotossíntese, logo, possui grande quantidade de cloroplastos (captam a energia luminosa e convertem em glicose). A disposição das células no parênquima clorofiliano deve propiciar a captação da radiação solar e as trocas gasosas. Quanto à localização, ocupam o mesofilo (aglomerado de cé- lulas entre as duas epidermes da folha) (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2007). Parênquima de reserva tem como função armazenar metabólitos primários, substâncias essenciais para a manutenção da vida da planta (carboidratos, lipí- deos e proteínas), conforme evidenciados em espécies como a batata inglesa (amido) e a soja (proteína), a depender da adaptação vivenciada pela espécie que permitiu o desenvolvimento de estruturas capazes de possibilitar a sobrevi- vência. Em plantas aquáticas, como a vitória-régia (Victoria amazonica), o parên- quima armazena ar, permitindo que ela fique na superfície da água. Em plantas adaptadas aos ambientes secos ou desérticos, o parênquima pode armazenar água, evitando o ressecamento dos seus tecidos internos. Conforme a composi- ção, o parênquima de reserva pode ser utilizado pelos seres humanos, a exem- plo das raízes (aipim), rizomas (açafrão-da-terra), folhas (alface), frutos (maçãs) e sementes (feijão, arroz, castanhas etc.). FARMACOGNOSIA APLICADA 30 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 30 27/08/2020 16:03:04 As células que compõem o colênquima sustentam os órgãos jovens em ple- no crescimento, são compostos por células vivas, assim como o parênquima, e estão presentes nas folhas e caules, por exemplo. Já o esclerênquima sustenta as partes do vegetal que já cessaram o crescimento e está distribuído em todas as partes do vegetal. As células que compõem o esclerênquima são fibras e es- clereides. Por exemplo, na planta chamada cânhamo-de-manila existe grande quantidade de fibras, que são utilizadas na fabricação de cordas e papel, entre outros produtos. Segundo Souza e Lorenzi (2013), o xilema e o floema são responsáveis pela condução de água/solutos e substâncias elaboradas (açúcares, lipídeos, aminoá- cidos, hormônios, RNA, entre outros) consecutivamente, ao longo do corpo da planta. O xilema pode atuar também no armazenamento de alguns nutrientes e conferir resistência mecânica ao corpo da planta por conta da presença de escle- rênquima. O xilema e o floema podem ser divididos em primário e secundário, conforme o estágio de desenvolvimento da planta; o primário está presente em plantas jovens e o secundário em plantas maduras. O xilema secundário, bem como o floema secundário, participa do crescimento lateral do corpo da planta devido à deposição de novas células a partir da atividade de um meristema cha- mado periciclo, formando os conhecidos “anéis de crescimento”. O xilema secundário constitui o lenho, também chamado de madeira, im- portante fonte de matéria-prima para a economia brasileira. Vale salientar que o lenho possui algumas estruturas secretoras importantes para a farmacobotâ- nica, como observado nas cascas internas retiradas do lenho da canela indiana (Cinnamomum zeylanicum). Quanto ao floema secundário, é muito comum a presença de células secreto- ras, como idioblastos presentes na laranjinha do mato (Styrax camporum), respon- sável pela síntese da resina de benjoim. O material é liberado somente quando a casca da árvore é atingida por instrumentos cortantes. As comunidades tradicio- nais fazem o uso sob a forma de tintura. É empregado como antisséptico tópico, expectorante por via oral e para moléstias respiratórias como inalante. O látex é a fase liquida do citoplasma das células que constituem todo o corpo da seringueira, no entanto a extração por parte dos humanos está concentrada nas cascas que recobrem o tronco devido à maior concentração dos laticíferos. A retirada ocorre basicamente do floema secundário do tronco, além dos ramos e das raízes. FARMACOGNOSIA APLICADA 31 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 31 27/08/2020 16:03:04 Os idioblastos (origem no parênquima) e algumas células epiteliais distribuí- das ao longo de toda a planta podem secretar substâncias fenólicas. A liberação desses compostos é evidenciada em espécies do gênero Eucalyptus sp. A distri- buição dos fenólicos ao longo da planta está associada à interação planta-ani- mal, protegendo a planta de ataques de herbívoros e crescimento de fungos. Em se tratando dos óleos essenciais, podematuar na atração dos polinizadores para as fl ores ou em algumas espécies podem inibir a atuação de insetos, impe- dindo a herbivoria (MARTINS et al., 2013). Os meristemas apicais (raiz e caule) são formados por células em plena divisão celular, responsáveis pelo crescimento primário da planta no sentido longitudinal. Raiz, caule e folha Em Biologia vegetal (2007), Raven, Evert e Eichhorn ex- planam que a primeira estrutura a emergir da semente é a raiz, possibilitando a plântula fi xar-se no solo e ab- sorver água. Além disso, a raiz desempenha a função de condução (seiva bruta e elaborada) e armazenamento. As substâncias produzidas via fotossíntese nas folhas são conduzidas via fl oema e armazenadas na raiz. Algumas raízes também sintetizam metabólitos secundários, como a nicotina, que são translocados para a folha. A raiz inicial da planta é chamada de primária, em plantas dicotiledôneas (plantas originadas de sementes que possuem dois cotilédones, ou seja, duas folhas no embrião, por exemplo, o feijão); essas raízes crescem para baixo e geralmente são chamadas de pivotante (raiz primaria extremamente desen- volvida e suas ramifi cações). Em plantas monocotiledôneas, o sistema radicu- lar é denominado fascicular ou adventício, ou seja, o crescimento é horizontal (por exemplo, em capim). O ápice da raiz é envolvido pela coifa, um conjunto de células de origem parenquimática que produz mucilagem, cujo objetivo é amortecer o atrito da raiz com o solo no momento do crescimento, evitando danifi car o meristema apical. Quanto à estrutura interna, a raiz primária é formada por três tecidos, epi- derme (revestimento), córtex (preenchimento) e os tecidos vasculares (con- dutores). Nas plantas jovens, a epiderme forma os pelos radiculares que ab- FARMACOGNOSIA APLICADA 32 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 32 27/08/2020 16:03:04 sorvem água, podendo aumentar em quilômetros a superfície de absorção; essas estruturas são temporais e são substituídas com facilidade. O córtex ocupa a maior parte do corpo primário das raízes e, quanto à disposição, são bastante espaçadas umas das outras para propiciar uma aeração adequa- da aos tecidos internos. Em raízes que apresentam crescimento secundário, o córtex pode ser eliminado. Quando isso não ocorre, sofrem a deposição de uma substância chamada de suberina e são posteriormente lignificadas, ou seja, morrem (SILVA et al., 2017). O cilindro vascular é formado pelos tecidos condutores, onde o xilema pri- mário ocupa a porção central e maciça, e o floema está inserido de maneira intercalar com o xilema. Com o crescimento secundário da raiz mediante divi- são das células do xilema e floema, a planta cresce lateralmente e os tecidos primários são suplantados. Em raízes lenhosas, as células da epiderme são substituídas pela periderme. Algumas regiões da periderme permitem as tro- cas gasosas entre as raízes e a atmosfera. Essas estruturas são chamadas de lenticelas, áreas esponjosas que permitem a passagem do ar. Quanto ao hábito, existem alguns tipos de raízes, como as laterais, que se originam do caule, muito comuns em monocotiledôneas. Já a raiz aérea e de aeração são consideradas adventícias por produzirem raízes acima do solo, onde algumas raízes desse tipo atuam como escora (suporte), por exemplo, o milho; entretanto, também possuem a função de absorção de água e nu- trientes. A Rhizophora mangle apresentam raízes escoras, bem como o Ficus benghalensis. Outro tipo de raiz escora é a encontrada na hera (Hedera helix), que propicia a fixação em superfícies escandentes. Podemos citar também as raízes tuberosas, que apresentam adaptações para o armazenamento. Essas raízes possuem o parênquima de reserva bem desenvolvido e podemos citar como exemplo a batata-doce, que armazena grande quantidade de amido. Já as raízes aquáticas se desenvolvem dentro da água, como a vitória-régia (COSTA; MOREIRA; BOVE, 2017). FARMACOGNOSIA APLICADA 33 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 33 27/08/2020 16:03:12 O sistema caulinar é constituído pelo caule e suas folhas, sendo a parte que fica fora do solo, formado após a raiz. As duas funções do caule é condução e sustentação da parte superior da planta. As folhas são colocadas acima do cau- le, possibilitando maior captação da luminosidade para o processo fotossintéti- co. No sentido de cima para baixo, as substâncias produzidas pelas folhas são transportadas pelo floema ao longo do caule, enquanto no sentido base-topo, o xilema transporta água e sais minerais da raiz para as folhas. O caule possui os meristemas caulinares distribuídos ao longo da sua extensão, onde se dá a origem das folhas. Quanto aos tipos de caule, Silva e Araújo (2020) descrevem: • Estolão: é um tipo de caule que cresce paralelo ao solo. Devido à presença de gemas (meristemas), emite raiz em vários pontos. Pode ser encontrado em morangos e em plantas trepadeiras; • Estipe: não possuem galhos e apresentam concentração de folhas na parte superior da planta. Os coqueiros e palmeiras apresentam esse tipo de caule; • Tronco: possui uma parte aérea ereta apresentando galhos e pode ser observado na maioria das árvores de médio e grande porte. São os mais comuns; • Haste: são flexíveis, possuem a cor verde e ramificada. Podemos observar esse tipo de caule na couve, uma hortaliça bastante popular; • Colmo: são retos, aéreos, apresentam segmentos com gemas laterais bem proeminentes. A cana-de-açúcar é um exemplo, assim como o bambu; • Rizoma: cresce horizontalmente ao solo e é subterrâneo, podendo apre- sentar partes aéreas. O gengibre, o açafrão da terra e a raiz-vermelha são exemplos de rizomas; • Cladódio: são semelhantes a folhas, de cor verde, e alguns são achatados, como a palma (Opuntia ficus-indica), sendo que geralmente são da família Cactaceae. Em algumas espécies, as folhas são modificadas em espinhos, por processos adaptativos; • Bulbo: são subterrâneos e a estrutura é modificada para acumular nu- trientes. Podemos observar esse tipo de caule na cebola e no alho; • Gavinha: o caule é modificado por adaptação para uma estrutura preênsil muito comum em plantas trepadeiras. O chuchu e a uva apresentam essas adaptações em seu caule. FARMACOGNOSIA APLICADA 34 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 34 27/08/2020 16:03:12 As folhas surgem a partir das gemas localizadas no cau- le. A disposição adotada pela folha ao longo do caule é denominada filotaxia, esse arranjo é utilizado como ca- rácter taxonômico, ou seja, pode auxiliar na identificação da planta. A filotaxia mais comum é a espiralada (uma fo- lha em cada nó), conhecida também como helicoidal. Já as gramíneas apresentam a filotaxia dística, em que as folhas estão arranjadas em duas fileiras opostas. Em algumas plantas, as folhas são formadas aos pares em cada nó e a filotaxia é chamada oposta. Existem inúmeros arranjos, entretanto o mecanismo que determinada essa característica ainda é alvo de estudos. A folha é responsável pela fotossíntese, respiração e transpiração na planta. Vale salientar que a fotossíntese é um dos processos mais importantes que ocorrem na folha. Em plantas clorofiladas (possuem pigmento verde) expostas à luz do sol, a seiva bruta é retirada do solo (água e sais minerais) e o CO2 do ar, convertendo-os em seiva elaborada (carboidratos), além de eliminar o O2 para a atmosfera. São bastante diversas quanto à forma. As folhas, de maneira geral, apre- sentam uma parte expandida chamada de limbo, ou lâmina, uma haste inse- rida no limbo chamada de pecíolo e a bainha. Algumas folhas não possuem pecíolos e são chamadas de sésseis. O limbo pode ser diferente conforme a espécie, sendo classificado em simples ou composto. Nas folhas simples, o limbo não é dividido, enquanto nas folhas compostos é dividido em folíolos, e cada qual possui seu pecíolo (que passa a ser chamado de peciólulo). As folhas compostas podemser divididas em dois grupos: folhas compostas pi- nadas e palmadas. A diferença na estrutura das folhas está relacionada ao hábitat, principal- mente à disponibilidade hídrica, sendo classificadas em mesófitas (vegetais de ambientes nem seco nem úmido, de condições intermediarias), hidrófitas (ne- cessitam de grande quantidade de água, algumas são aquáticas) e as xerófitas (plantas que são adaptadas a condições de seca). A Mikania glomerata, conhe- cida como guaco-cheiroso, foi incluída na “Lista de medicamentos fitoterápicos de registro simplificado”, publicada pela ANVISA em 2008, devido ao seu poten- cial broncodilatador. A cumarina é o metabólito que confere atividade biológica ao guaco, sendo considerado o composto ativo. A substância está presente em FARMACOGNOSIA APLICADA 35 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 35 27/08/2020 16:03:12 suas folhas, que podem ser descritas como uma folhagem densa e perene. As folhas são pecioladas, cordiforme-deltoides, oval-lanceoladas, tri ou pentaner- vadas e agudas no ápice (CZELUSNIAK et al., 2012). Flor, fruto e semente A fl or é a parte vegetal de carácter reprodutivo (surgem a partir de folhas modifi cadas), podendo ser atrativa, conduzindo os polinizadores para sua co- rola (conjunto de pétalas, geralmente colorida e que liberam odores), que em troca de alimento (néctar, secreções ou até partes fl orais) distribui seu pólen sobre as demais fl ores, propiciando assim a disseminação dos genes. Nos vegetais, a parte masculina é chamada de androceu e é formada pelos estames (fi lete e antera); já a parte feminina é chamada de gineceu, constituída pelo pistilo (parte superior que recebe o pólen) e ovário (local de desenvol- vimento do embrião). O desenvolvimento do ovário se dá a partir de folhas modifi cadas chamadas de carpelos, que ao longo do processo de maturação se unem formando a estrutura. As fl ores podem ser hermafroditas ou monoi- cas, ou seja, podem apresentar o gineceu e o androceu. A maioria das fl ores são hermafroditas, entretanto, apresentam maturação das partes reproduti- vas em momentos distintos, evitando o autocruzamento e consequentemente pouca variabilidade genética. As fl ores podem apresentar todas as partes e serem chamadas de comple- tas, ou podem ser incompletas, na ausência de algum componente. As fl ores podem ser únicas ou organizadas em conjunto, formando estruturas chamadas de infl orescência. Uma maneira de distinguir as famílias botânicas é a partir da distribuição das fl ores na infl orescência, como os capítulos nas Asteraceae (margaridas, girassóis), nas Araceae (antúrios e copos de leite), nas Verbena- ceae (lantana ou cambará) etc. Existem diversas espécies que possuem seus princípios ativos localizados em fl ores, como camomila, calêndula, guaco-chei- roso, couve-fl or, entre outras (HACHMANN et al., 2019). Fruto é a parte da planta que protege as sementes e os embriões nelas con- tido. Para fi ns didáticos, as plantas que possuem sementes são divididas em dois grupos, as gimnospermas (sementes que não são envoltas pelo fruto, ou sementes “nuas”) e as angiospermas (sementes que são produzidas no ovário FARMACOGNOSIA APLICADA 36 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 36 27/08/2020 16:03:13 das flores, que desenvolve o fruto). A constituição básica de um fruto é o ovário e a semente, sendo que a parede do ovário pode desenvolver três camadas distintas para proteger a semente e atrair os dispersores: o epicarpo, a parte externa do fruto; o mesocarpo, a porção mais desenvolvida e de aspecto car- noso e geralmente comestível; e o endocarpo, uma membrana dura, que pode ser observada nas maçãs e peras. Quanto ao número, os frutos podem ser simples (desenvolvem-se a partir de um único ovário, como o abacate), agregados (originam-se de um mesmo ovário com pistilos separados, como o morango) e múltiplos (são desenvolvi- dos de várias flores em uma inflorescência, como o abacaxi). Entretanto, os fru- tos simples são os mais diversos, sendo divididos em bagas (tomates), drupas (cerejas, pêssegos e ameixas) e pomos (maçãs e peras) (HADAD; JAFARPOUR; ASKARI-KHORASGANI, 2016). Alguns frutos secam e abrem para dispersar as sementes pelo mecanismo da explosão (frutos secos), ou caem no solo e após a parte carnosa ser degra- dada a semente germina. Podem ser dispersas também pelo vento, por exem- plo, em plantas que possuem estruturas aladas, como o dente-de-leão. Os ani- mais (pássaros e mamíferos) também são agentes dispersores extremamente eficientes, uma vez que frutos como morangos e uvas são consumidos, e as sementes são eliminadas pelas fezes. Outro mecanismo bastante interessante é por intermédio da água, como observado no salgueiro (Salix humboldtiana) e no coco (Cocos nucifera), em que os frutos liberados são levados pela água e germinam ao encontrarem solo. Semente é o óvulo maduro e fecundado, em angiospermas. As partes cons- tituintes da semente são (MONTEIRO; BRANDELLI, 2017): • Embrião: primórdio do eixo hipocótilo-radícula, denominado radícula (pri- meira parte a emergir da semente) e gêmula (parte aérea que dará origem às folhas); • Envoltório: membrana protetora que envolve o embrião e está aderida ao pericarpo; • Endosperma: tecido nutritivo do embrião responsável por fornecer energia até que a plântula esteja apta a realizar fotossíntese. O uso medicinal das sementes também é bastante difundido, podendo ser entrelaçado com o uso alimentar para compor uma FARMACOGNOSIA APLICADA 37 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 37 27/08/2020 16:03:13 alimentação funcional. Podemos citar como exemplo as sementes de abóbora, abacate, amaranto, aveia, erva-doce, mamão, linhaça e melancia. Nomenclatura botânica e preservação do material vegetal Dentre a enorme diversidade de seres vivos que habitam o globo terrestre, cerca de 300.000 estão incluídos no reino Plantae. Diante desse contingente, existe uma enorme difi culdade em distinguir os espécimes. Logo, alguns pro- cedimentos facilitam a identifi cação (defi nir a espécie com base em outro es- pécime amparado em comparações) e classifi cação (colocar ou agrupar um es- pécime em uma categoria específi ca). O principal objetivo ao se identifi car uma espécie é colocá-la no mapa para as possibilidades de estudos vindouros. Para tanto, são necessárias algumas etapas fundamentais, descritas por Simões e colaboradores (2001): • Coleta: para fi ns de identifi cação, escolhem-se vários ramos (30 cm) com folhas maduras e jovens (partes vegetativas), e com fl ores e frutos (parte reprodutiva). Sem a presença da fl or, torna-se muito difícil a identifi cação do espécime; • Herborização: ramos com as fl ores são estendidos sobre jornais cobertos por cartolinas e levados para secar em estufa. Plantas pequenas (arbustos ou ervas) podem ser retiradas completas do solo. O nome que se dá à planta herborizada é exsicata. É necessário que as partes do vegetal estejam bem estendidas para evitar rasuras ou dobras. Lembrando que após a secagem do material (em estufa), a planta deve ser costurada na cartolina e receber uma etiqueta para ser depositada no herbário. Cada espécie possui um tempo de secagem e, quanto mais água, mais demorado o processo de herborização; • Registro de dados: à direita e na porção inferior da pasta é anexada a etiqueta de coleta, a qual deve conter as informações referentes à planta, como: nome científi co, família botânica, nome popular (quando possuir), local e data da coleta, nome do coletor e o número de coletas realizadas. Quando o objetivo da coleta é farmacoetnológico, todos os dados referen- tes ao uso da espécie devem ser registrados; • Identifi cação da espécie: a identifi cação pode ocorrer com a planta fres- ca recém-retirada da árvore ou com a exsicata pronta. As partes reprodu- tivas devem estar presentes, principalmente em vegetais oriundos das fl o- FARMACOGNOSIA APLICADA 38 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd38 27/08/2020 16:03:13 restas Atlântica e Amazônica devido à grande diversidade. Em situação de herbário, pode facilitar a identifi cação porque é possível realizar consultas ao acervo e efetuar comparações entre os espécimes. Outro auxílio impor- tante para identifi cação é a leitura de monografi as e teses que tenham es- tudado a família. Classificação botânica Para realizar o processo de identifi cação, é necessário entender o termo tá- xon, que abrange uma unidade taxonômica, seja ela família, gênero ou espécie. Entretanto, vale salientar que esse ordenamento hierárquico é realizado por sis- tematas que levam em conta os caracteres morfológicos externos e internos, os componentes químicos presentes em cada táxon, entre outras características. O conceito de espécie em plantas é bastante abrangente, sendo considerado o grupo de populações que possuem semelhanças relativamente grandes entre si, diferindo de outros grupos (OLIVEIRA; MEZZONO; MORAES, 2018). Cada unidade taxonômica possui seu sufi xo específi co que possibilita enten- der onde o grupo está incluído dentro do sistema. Observe o Quadro 2, com base na classifi cação de Cronquist (1988). Categoria taxonômica Sufi xo Batata inglesa Milho Divisão Phyta Magnoliophyta Magnoliophyta Classe Opsida Magnoliopsida Liliopsida Ordem Ales Solanales Cyperales Família Aceae Solanaceae Poaceae Gênero - Solanum Zea Espécie - Solanum tuberosum L. Zea mays L. DivisãoDivisãoDivisão ClasseClasseClasse OrdemOrdemOrdem FamíliaFamília Phyta Família Phyta Gênero Opsida Gênero Opsida Espécie Ales Espécie Magnoliophyta Ales Magnoliophyta Aceae Magnoliophyta Magnoliopsida Aceae Magnoliophyta Magnoliopsida Magnoliophyta MagnoliopsidaMagnoliopsida Solanales Magnoliopsida Solanales Magnoliophyta Solanales Solanaceae Magnoliophyta Solanaceae Magnoliophyta Solanaceae Solanum Magnoliophyta Liliopsida Solanaceae Solanum Solanum tuberosum Magnoliophyta Liliopsida Solanum Solanum tuberosum Liliopsida Cyperales Solanum tuberosum Cyperales Solanum tuberosum Cyperales Poaceae Solanum tuberosum Poaceae L. Poaceae Zea Zea mays Zea mays Zea mays L. QUADRO 2. CLASSIFICAÇÃO DAS ESPÉCIES SOLANUM TUBEROSUM L. E ZEA MAYS L. Fonte: SIMÕES et al., 2001, p. 156. (Adaptado). FARMACOGNOSIA APLICADA 39 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 39 27/08/2020 16:03:15 A espécie é a entidade base nos sistemas de classifi ca- ção. Cada espécie possui um nome específi co, formado por um binômio. O primeiro nome corresponde ao gêne- ro e o segundo ao epíteto específi co, todos escritos em la- tim. O nome da espécie deve vir acompanhado pelo nome do autor abreviado, ou seja, do nome da pessoa que realizou a primeira identifi cação. O binômio dever ser destacado, podendo ser apresenta- do em itálico ou grifado (ROMERO; ENOKIBARA, 2018). Cada espécie possui características exclusivas (morfológicas internas e ex- ternas, histológicas etc.) e, quando diversas características são comuns a várias espécies, elas devem ser agrupadas em um gênero específi co. Entretanto, como decidir quais características são relevantes para circunscrever uma espécie? Para auxiliar nesse processo, utilizamos as chamadas chaves taxonômicas, que listam as características de cada grupo. Assim, por exclusão é encontrada a espécie. Monografias farmacognósticas Histórico das monografi as Após o aumento da elaboração de fi toterápicos, principalmente pelos laborató- rios farmacêuticos, foi indispensável o estabelecimento, pelos respectivos órgãos re- guladores dos governos, de regras e padrões para os produtos em países europeus. As monografi as sobre plantas medicinais remontam aos anos 80, cujo principal obje- tivo era estruturar os conhecimentos obtidos sobre as plantas medicinais. Em países como a Alemanha, que faz amplo uso de plantas medicinais, dos elaborados imedia- tos (tinturas, alcoolaturas e chás) e fi toterápicos, desde 1901 iniciou um processo de regulamentação, com o destaque para a Comissão E – Fitoterápicos e substâncias provenientes de plantas. Atualmente, 700 drogas vegetais são comercializadas na Alemanha, e cerca de 70% dos médicos prescrevem seu uso. Além da Alemanha, ou- tros países do continente europeu fazem uso das drogas vegetais e dos fi toterápicos, sendo que até 1991 eram 1400 plantas. Após os estudos realizados pelos alemães, os americanos traduziram as monografi as dos alemães para o inglês e adicionaram outras monografi as (VEIGA JUNIOR; MELLO, 2008). A Organização Mundial da Saúde – OMS agrupou uma série de estudos sobre plantas medicinais que são compartilha- dos entre os países-membros a fi m de facilitar o fl uxo de informações. FARMACOGNOSIA APLICADA 40 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 40 27/08/2020 16:03:15 Os estudos no Brasil sobre as plantas medicinais são bastante volumosos, en- tretanto, são pouco sistematizados, uma vez que o direcionamento dos órgãos competentes é difuso, tornando as monografi as pouca concisas e com ausência de informações. Ainda assim, as que compõem a Farmacopeia Brasileira, publicação da Anvisa (2019), são acabadas quanto às normas exigidas e passam por atualizações constantes. Em 2017, por exemplo, a Farmacopeia contava com 813 monografi as. Plantas medicinais flebotônicas As drogas vegetais e seus compostos bioativos são utilizados no tratamento de doenças e distúrbios venosos e lin- fáticos, resguardando ou tratando as condições gerais do tônus da parede venosa e da circulação local, diminuindo a hiperpermeabilidade capilar, a viscosi- dade sanguínea e a pressão parcial de oxigênio, o que leva a um retorno veno- linfático. As plantas com ações fl ebotôni- cas possuem mecanismo de ação pouco elucidado, uma vez que os extratos são misturas complexas de substâncias. En- tretanto, quando se trata dos compostos isolados, os conhecimentos estão mais estruturados, a exemplo da rutina, fl avonoide utilizado em formas farmacêuticas tipo gel, capaz de melhorar o tônus das veias, que melhora a circulação local. Esse efeito é atribuído à inibição da hialuronidase, difi cultando o retorno venoso (MURI; SPOSITO; METSAVAHT, 2010). As plantas medicinais associadas ao tratamento de distúrbios no sistema circula- tório possuem informações completas sobre suas indicações, formas farmacêuticas e contraindicações, conforme consta no Quadro 3. Algumas dessas plantas estão incluídas em várias monografi as ao redor do mundo, como a Vitis vinifera (monogra- fi as europeias), o Aesculus hippocastanum, o Ginkgo biloba (monografi as brasileiras incluídas na Farmacopéia), o Rosmarinus offi cinalis (monografi a não inclusa na Farma- copeia brasileira como fl ebotômica), entre outras plantas. FARMACOGNOSIA APLICADA 41 SER_FARMA_FARMAP_UNID1.indd 41 27/08/2020 16:03:23 QUADRO 3. ALGUMAS PLANTAS FLEBOTÔMICAS ENCONTRADAS EM MONOGRAFIAS Fonte: ANVISA, 2019. (Adaptado). Aesculus hippocastanum (castanha-da-Índia) Ginkgo biloba L. (ginkgo) Rosmarinum offi cinalis L. (alecrim) Vitis vinifera (uva) Indicações Insufi ciência venosa e fragilidade capilar. Vertigem associada a distúrbios circulatórios, principalmente periféricos, como câimbras. Estimular a circulação local. Insufi ciên- cia venosa, sensação de peso nas pernas e câimbras. Parte vegetal utilizada Semente Folhas Folhas e fl o- res, secas e frescas Folhas e Fruto Princípio ativo Escina (glicosídeo triter- pênico). Flavonoides gli- cosilados e lacto- nas terpênicas. Formas farmacêuticas e posologia Gel (1 a 2%) e cápsulas (16 a 20%). Cápsulas e com- primidos revesti- dos com extrato seco das folhas contendo 22 a 27% de fl avonoi- des glicosilados e 5 a 7% de lacto- nas terpênicas. Infusão: 2 g da fl or ou folha em 150 ml de água cataplasma; 2 colheres de ar- gila em 20 mL de infusão. Tintura a 20%. Cápsulas 150 mg (polife- nóis); Chás: 5 a 10 g em 250 mL de água.