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A TERAPIA DE EXPOSIÇÃO E PREVENÇÃO DE RESPOSTA: HI STÓRICO, FUNDAMENTOS E TÉCNICAS (Capítulo 2 do livro “TOC” 2a Edição: Artmed, 2014). Aristides Volpato Cordioli OBJETIVOS Em relação à terapia de exposição e prevenção de resposta (EPR) utilizada no tratamento do TOC possibilitar o leitor conhecer : • Os seus antecedentes e os seus fundamentos ; • As teorias sobre a mudança terapêutica: habituação, extinção, processamento emocional e aprendizagem social; • As técnicas comportamentais mais utilizadas; • As evidências de eficácia no tratamento dos sintomas obsessivo- compulsivos. INTRODUÇÃO A terapia de exposição e prevenção de resposta (EPR) foi a primeira abordagem psicológica com efetividade comprovada no tratamento dos sintomas do TOC. Foi introduzida nos anos 60, em razão da insatisfação com os resultados da psicanálise e da psicoterapia de orientação psicanalítica, que além de não serem efetivos na eliminação dos sintomas OC eram tratamentos muito demorados. Contrariando a teoria psicodinâmica que considerava a “neurose obsessiva” o resultado de conflitos inconscientes o modelo comportamental propunha que a ansiedade, os medos e os rituais eram resultados de aprendizagens. Propunha ainda que as mesmas leis da aprendizagem que explicavam as mudanças do comportamento normal poderiam explicar a aquisição e a extinção de comportamentos considerados patológicos. Essa hipótese começou a ser explorada de modo mais sistemático no pós-guerra e se materializou em tentativas de criar em animais de laboratório, com base nas teorias da aprendizagem, as chamadas “neuroses experimentais” e ao mesmo tempo desenvolver métodos para removê-las. O objetivo era desenvolver, a partir desses modelos, técnicas para o tratamento de problemas semelhantes em seres humanos. Foram desenvolvidos com sucesso modelos para a aquisição de comportamentos evitativos em relação aos locais ou situações nos quais animais haviam, por exemplo, recebido choques elétricos, e em para elimina-los através da exposição gradual. Esses experimentos permitiram o desenvolvimento posterior de técnicas comportamentais como a dessensibilização sistemática, a exposição na imaginação e, sobretudo, a exposição in vivo utilizadas com sucesso em pacientes, inicialmente no tratamento de fobias e posteriormente no próprio TOC, no qual são comuns comportamentos evitativos ou evitações. O presente capítulo abordará os fundamentos da terapia de EPR. Iniciaremos descrevendo os experimentos de laboratório e com voluntários humanos que fundamentaram o uso da exposição e da prevenção de rituais no tratamento do TOC. Serão descritos os primeiros relatos de casos e ensaios clínicos que comprovaram a efetividade dessas técnicas bem como as técnicas comportamentais que continuam até hoje sendo os recursos psicoterápicos mais efetivos de que se dispõe para tratar os sintomas OC. Ao final, será feito um breve resumo das pesquisas que comprovaram a efetividade da terapia de EPR e da TCC e embasam seu uso clínico. FUNDAMENTOS DA TERAPIA DE EXPOSIÇÃO E PREVENÇÃO DE RESPOSTA (EPR) Os precursores da terapia de EPR e os experimentos com voluntários A terapia de EPR fundamenta-se nas experiências com animais de laboratório na aquisição de comportamentos fóbicos e nas técnicas desenvolvidas para sua eliminação, posteriormente testadas com sucesso em pacientes humanos. Baseia-se nos experimentos de Wolpe, que inicialmente tratou com sucesso animais que haviam adquirido artificialmente comportamentos fóbicos, e posteriormente pacientes com fobias. Baseia-se ainda em experimentos com voluntários que apresentavam TOC e em ensaios clínicos com pacientes. Wolpe (1915-1997) Joseph Wolpe, um médico sul-africano que posteriormente imigrou para os Estados Unidos, foi um dos representantes mais influentes do chamado behaviorismo radical, em razão de seu empenho em utilizar na clínica os princípios da aprendizagem. No pós-guerra, dedicou-se ao estudo das fobias inicialmente em animais e posteriormente em humanos. Com base nos princípios da aprendizagem e em especial no que denominou de princípio da inibição recíproca, segundo o qual a resposta de ansiedade poderia ser inibida por outra resposta incompatível (p.ex. a fome), submetia gatos a choques elétricos em gaiolas nos quais habitualmente eram alimentados. Nessas circunstancias desenvolviam medos e comportamentos evitativos (fobias) e evitavam entrar nas gaiolas, mesmo se ficassem 1 ou 2 dias sem se alimentar. Tal comportamento inibido não corria apenas em relação à gaiola na qual haviam recebido os choques, mas também em relação a outras gaiolas que a ela se assemelhassem. Observou, ainda, que se alimentasse os animais em ambientes ou gaiolas bastante diferentes daquelas onde haviam re- cebido os choques, levavam menos tempo para vencer o medo e acabavam entrando para apanhar a comida. De forma gradual alimentava os gatos em gaiolas cada vez mais semelhantes à gaiola onde inicialmente haviam recebido os choques elétricos e dessa forma conseguia remover completamente o medo e o comportamento evitativo. A fome acaba se sobrepondo ao medo dos choques elétricos, de acordo com sua teoria da inibição recíproca. Com base nessas experiências Wolpe desenvolveu a técnica que chamou de “dessensibilização sistemática” pela qual se tornou conhecido, da qual fazia parte a exposição gradual, inicialmente na imaginação e depois ao vivo, associada com um estímulo inibidor da ansiedade - o relaxamento muscular e a respiração controlada, com a qual passou a tratar com sucesso pacientes que apresentavam fobias (Wolpe, 1990, pg.43). Embora o princípio da inibição recíproca não mais se sustente na atualidade, estavam lançadas as bases para a principal contribuição da escola comportamental para o tratamento dos transtornos mentais – a exposição in vivo, utilizada posteriormente com sucesso por Meyer, Marks e outros no tratamento do TOC. Experimentos com voluntários: o desaparecimento espontâneo da ansiedade As experiências com voluntários que apresentavam TOC, realizadas na Inglaterra no início dos anos 70 e relatadas no capítulo 4 pgXX, haviam demonstrado que a ansiedade diminuía quase de imediato com a realização dos rituais. A partir do que foi observado nesses experimentos foi proposto que os rituais tinham uma relação funcional, de alívio, como as obsessões, e que essa seria a razão de sua existência e persistência no que se tornou conhecido como o modelo comportamental do TOC. Essas experiências foram replicadas para se observar se a ansiedade continuaria diminuindo com a repetição dos exercícios. Num estudo clássico e replicando estudos realizados anteriormente Röper e Rachman (1976) expuseram pacientes verificadores a situações que provocavam o impulso de verificar. Observaram que o impulso decaia espontaneamente depois de um período entre 15 e 180 minutos caso continuassem se abstendo de realizar as checagens. Foi observado ainda um declínio tanto na amplitude da resposta como na duração, a cada repetição dos exercícios. Fenômeno semelhante acontecia com a ansiedade após a exposição, em pacientes com medo de contaminação. Se fossem repetidos um número suficiente de vezes, tanto a aflição como a necessidade de executar os rituais desapareciam por completo, fenômeno que foi entendido como a ocorrência no âmbito dos fenômenos obsessivo- compulsivos como da queda natural e espontânea da da ansiedade, conhecido como mais comumente como habituação e passou a ser a base da terapia de exposição e prevenção da resposta (EPR) (Röper e Rachman, 1976; Rachman, de Silva 1976; Likierman, 1976; Likierman e Rachman, 1980). Inserir aqui a figura 1 em anexo O que é a habituação A habituação éa diminuição espontânea e progressiva das respostas a um estímulo não nocivo (som, ruído, cheiro, dor, aflição), quando se permanece em contato o tempo necessário, ou quando ele é repetidamente apresentado. É um fenômeno natural e responsável pelo fato de se tolerar e até deixar de sentir estímulos desagradáveis ou desconfortáveis como cheiros, fumaça, ruídos, músicas, mudanças de temperatura (p. ex. quando se no mar ou na piscina, mesmo num dia de calor). Pode ser observada em praticamente todos os animais: invertebrados: moscas, vermes, baratas, moluscos e no homem (Squire e Kandel, 2003). Imagina-se ainda que habituação seja o mecanismo pelo qual as pessoas perdem ao natural medos que são comuns nas mais variadas situações ao longo da vida: quando se aprende a nadar, a pular do trampolim, a andar de bicicleta, a subir em árvores, a dirigir um carro, ou a viajar para uma cidade desconhecida e, sobretudo, nas mais variadas situações de estresse. A moderna neuropsicologia associa o fenômeno da habituação com um tipo específico de memória – a memória implícita ou de procedimentos (procedural) responsável pela aquisição de habilidades como falar, dirigir automóveis, desenhar, escrever, tocar um instrumento. Ela é inconsciente e é distinta da memória declarativa, que nos permite lembrar de fatos, datas, nomes e relatá-los em palavras. Supõe-se que essa seja a memória relacionada à aquisição (aprendizagem) do medo, da ansiedade, do nojo e sua generalização para outras situações e ao seu desaparecimento através do fenômeno da habituação. A neuroquímica da habituação A neuroquímica envolvida no fenômeno da habituação foi mais tarde estudada por Eric Kandel junto com seu colega Larry Squire, no molusco marítimo Aplysia Californica, em experimentos que se tornaram clássicos para o estudo da aprendizagem e da memória de curto e longo prazo. O Aplysia Californica tem uma reação bastante típica diante de situações de perigo em potencial: sempre que alguma parte do seu organismo é tocada (sifão, manto, guelras) ele se recolhe para dentro da concha para se proteger. Kandel e Squire observaram que, tocando no sifão com um pincel, o Aplysia recolhia o manto e as guelras. Se os toques eram repetidos algumas vezes, a reação de defesa diminuía progressivamente até desaparecer, como se o molusco perdesse o medo. Os autores observaram, ainda, que a habituação era de curta duração: durava de 10 a 15 minutos após 10 toques, mas, se o molusco havia sido submetido durante 4 dias a 10 toques de cada vez, permanecia até três semanas sem esboçar a reação de proteção. A resposta de recolher o manto e as guelras desaparecia (era aprendida) por mais tempo). Os pesquisadores observaram que na memória ou aprendizagem de curta duração ocorria uma diminuição da quantidade de neurotransmissores liberados na fenda sináptica; na habituação de longa duração havia uma alteração mais permanente na conformação da sinapse: os neurônios sensoriais apresentam 35% menos terminais pré-sinápticos (Squire e Kandel, 2003; Bailey e Chen,1983). Terapia de EPR: bases clínicas Meyer Meyer foi o primeiro pesquisador de que se tem notícia que utilizou técnicas comportamentais no tratamento dos sintomas obsessivo-compulsivos. Desenvolveu seu método para tratar pacientes com TOC a partir da dessensibilização sistemática de Wolpe, em especial a exposição in vivo e, curiosamente, a partir de uma observação casual do comportamento de camundongos que haviam desenvolvido comportamentos evitativos em razão de choques elétricos. Meyer observara que se não houvesse uma intervenção mais ativa do experimentador, comportamentos evitativos condicionados de camundongos dificilmente se extinguiam espontaneamente e poderiam ser mantidos por longo tempo, e talvez jamais se extinguissem se nada fosse feito. Observou, no entanto que se os animais fossem forçados manualmente pelo experimentador a descer da plataforma de madeira onde se sentiam seguros e tocar na grade onde haviam recebido choques e que haviam passado a evitar, o medo e os comportamentos fóbicos desapareciam muito mais rapidamente. A partir dessas observações pensou em utilizar, no tratamento dos sintomas OC, técnicas semelhantes – a exposição ativa, estimulada pelo observador e a prevenção de rituais, a abstenção da realização de rituais compulsivos que protegiam o paciente de se expor aos seus medos, e consequentemente, impediam a sua extinção. Aplicou essas técnicas em duas pacientes cujos casos clínicos foram publicados em 1966 e que se tornaram os primeiros casos tratados com sucesso com técnicas comportamentais de EPR. Os dois primeiros pacientes tratados por Meyer com terapia de EPR A primeira paciente era uma mulher de 33 anos, casada, mãe de uma criança de 3 anos, com obsessões graves relacionadas a sujeira e contaminação, lavagens compulsivas, checagens, sintomas que acabavam sendo impostos ao marido e aos filhos. Fora tratada 3 vezes em internação hospitalar sem sucesso. Havia realizado terapia de dessensibilização com resultado passageiro e estava sendo cogitada a realização de leucotomia, uma neurocirurgia em moda na época para o tratamento de pacientes psiquiátricos graves. A segunda paciente tinha 47 anos e era atormentada por pensamentos blasfemos de ter relações sexuais com o Espírito Santo. Atividades como fechar gavetas, limpar objetos compridos, limpar o cachimbo, comer bananas, salsichas, desencadeavam suas obsessões, bem como pensamentos de matar o marido e a irmã. Havia sido internada, tomara medicamentos, realizara psicanálise e inclusive leucotomia sem resultados. Ambas foram internadas por Meyer durante algumas semanas. De forma ativa e sob supervisão constante foram estimuladas a tocar em objetos evitados e a abster-se de realizar rituais compulsivos de lavagens. A segunda paciente foi estimulada a imaginar tendo relações com o Espírito Santo, a limpar o cachimbo, comer salchichas e abster-se de realizar os rituais. Quando tiveram alta estavam muito melhoradas e assim se mantinham mais de um ano depois (Meyer,1966). O estudo praticamente não teve repercussões na época e o uso de exposições e prevenção de rituais no tratamento dos sintomas OC foi retomado de forma consistente apenas em meados da década seguinte. Primeiros ensaios clínicos com terapia de EPR Quase ao mesmo tempo em que eram realizados os experimentos com voluntários relatados anteriormente, foram realizados ensaios clínicos utilizando de forma intensiva e em ambiente hospitalar as técnicas de exposição e prevenção de resposta para tratar pacientes com TOC. Em 1971, Rachman e cols. trataram em ambiente hospitalar 10 pacientes com TOC crônico com 15 sessões de terapia de EPR (inundação ou modelagem) e posteriormente mais 10 pacientes. Dois anos depois três quartos dos 20 pacientes continuavam muito melhorados (Rachman, 1971). Em 1974, Meyer e colaboradores trataram com sucesso utilizando terapia de exposição e prevenção de reposta em ambiente hospitalar, 15 pacientes com TOC e em 1975, Marks e colaboradores trataram outros 20 pacientes dessa mesma forma, com uma média de 23 sessões de terapia para cada paciente em um períodos variáveis de 4 a 12 semanas. Os tratamentos tiveram sucesso em eliminar os sintomas obsessivo- compulsivos em aproximadamente 75% dos pacientes. Acompanhados por períodos variáveis de até cinco anos, a maioria deles continuava assintomática (Rachman, 1971; Meyer in Jenike, 1990; Marks, 1995). Embora fossem amostras pequenas esses estudos tiveram grande impacto na época e nos anos que se seguiram foram repicados em diferentes países e com resultados semelhantes. Ao final da mesma década de 70, mais de 200 pacientes haviam sido tratadoscom terapia de EPR comprovando de forma definitiva a possibilidade de eliminar obsessões e compulsões com técnicas comportamentais relativamente breves. A TERAPIA DE EXPOSIÇÃO E PREVENÇÃO DE RESPOSTA A terapia de EPR parte do princípio de que no TOC os rituais compulsivos e as evitações são comportamentos realizados pelo indivíduo com a finalidade de reduzir a ansiedade ou o desconforto associados às obsessões. O sucesso em obter o alívio induz o indivíduo a repetir tais atos sempre que for assaltado por novas obsessões. A repetição impede ainda o enfrentamento dos medos e o seu desaparecimento natural através da habituação, dando origem a um círculo vicioso que perpetua o TOC. A terapia de EPR tem por objetivo romper esse círculo através da Exposição aos objetos e situações evitadas e da Prevenção de Resposta (ou de respostas) solicitando ao indivíduo que se abstenha de realizar todos os atos destinados a reduzir ou eliminar o medo ou o desconforto associado às obsessões como os rituais, rituais mentais, comportamentos evitativo, neutralizações, buscas de garantias e a hipervigilância. Na perspectiva da teoria comportamental (estímulo==>resposta) tais atos são considerados “respostas” a estímulos aversivos - as obsessões (pensamentos, imagens ou impulsos invasivos), que se tornaram associadas a diversos estímulos como objetos, lugares, ou pessoas. Prevenção de resposta refere-se, portanto ao bloqueio de tais comportamentos. Utiliza-se também a expressão “terapia de exposição e prevenção de respostas” no plural, pois no TOC na verdade observa-se uma gama bastante variada de atos realizados em resposta às obsessões. É utilizada ainda a expressão “prevenção de rituais” por ser mais direta e de mais fácil compreensão, embora compreenda uma gama menor de “respostas”. Exposição e Prevenção de Resposta (ou de rituais), portanto, são os ingredientes essenciais da moderna terapia do TOC e que serão descritas a seguir. AS TÉCNICAS COMPORTAMENTAIS Exposição No contexto da terapia comportamental o termo “exposição” refere-se ao enfrentamento repetido e sistemático das situações e objetos fóbicos. (Antony, 2011). No contexto da terapia de EPR para o TOC exposição refere-se ao contato direto ou imaginário com objetos, lugares, pessoas, situações ou ainda com como pensamentos, cenas ou palavras indesejáveis, que são sistematicamente evitados em razão do medo, desconforto, nojo ou repugnância que provocam. A exposição é a técnica mais efetiva para o tratamento de pacientes que têm obsessões e compulsões relacionados com sujeira, germes ou contaminação, seguidas de lavagens excessivas (das mãos, do corpo, das roupas) e para dúvidas obsessivas seguidas de verificações. Também é uma técnica útil para o tratamento de obsessões de conteúdo sexual, violento ou blasfemo repugnantes. A exposição suprime o reforço representado pelo relativo sucesso dos comportamentos evitativos em reduzir a ansiedade ou o desconforto. Exposição ao vivo No TOC a exposição pode ser feita in vivo, quando há o contato direto com objetos, locais ou situações externas da vida real, ou internas (com pensamentos, imagens indesejáveis), etc.. Exemplos de exposição in vivo em casos de obsessão por sujeira ou contaminação: tocar em objetos manipulados por outras pessoas como maçanetas, corrimãos, interruptores de luz, dinheiro; usar banheiros públicos; tocar em bolsas, chaves, carteiras, celulares de outras pessoas. Exposição a pensamentos indesejáveis e a medos supersticiosos: cumprimentar certas pessoas, pronunciar determinada palavra (demônio, câncer), usar roupas com cores que podem “dar azar” como o preto, o vermelho, ou que tocaram em certa pessoa, ou fazer certas coisas um número que seja considerado de azar. Exposição na imaginação A exposição pode ainda ser na imaginação através da evocação intencional de pensamentos, impulsos, palavras, números, lembranças, cenas ou imagens, ou outros estímulos cognitivos, considerados estímulos aversivos por serem provocadores de ansiedade e, por esse motivo, mantidos afastados da mente. Essa alternativa é utilizada quando não é possível a exposição direta como por exemplo no tratamento de obsessões de conteúdo repugnante (agressivo, sexual ou blasfemo). Nessas situações solicita-se ao paciente que imagine da forma mais vívida possível e com o máximo de detalhes, uma determinada cena que lhe é repugnante ou escreva uma pequena história onde “comete” o pensamento impróprio (por exemplo: esfaquear o namorado, abusar sexualmente da filhinha) e leia depois repetidamente, ou ainda faça uma gravação e ouça repetidamente. As histórias devem ser curtas – 3 a 5 minutos de leitura. O paciente é estimulado a criar um cenário, como se estivessem escrevendo para um teatro, para um filme no qual ele é o personagem principal de uma pequena tragédia. A leitura deverá provocar ansiedade ou desconforto para ser efetiva. Ver um exemplo de história “horrível” no capítulo 12. A exposição pode ser ainda a fotos, por exemplo de corpos estraçalhados, animais atropelados, cães (medo de adquirir raiva), ratos (medo de leptospirose), filmes contendo cenas violentas, cenas ou imagens homossexuais (pacientes que tem obsessões de dúvida sobre orientação sexual), etc. O paciente pode ser convidado a tocar nas fotos. Se forem palavras que não podem ser pronunciadas (nome de certa pessoa, câncer, AIDS) o paciente poderá escrever tais palavras de forma repetida numa folha de papel, várias vezes ao dia, até ocorrer a habituação. Embora não seja essencial, a exposição normalmente é gradual facilitando a adesão e a correção de crenças relacionadas a auto-eficácia. Inicia-se pelos exercícios considerados mais fáceis ou que provocam menos aflição, para depois enfrentar aqueles considerados mais difíceis. Em algumas situações eventualmente é impossível fazer uma exposição gradual. Nesses casos pode-se de início realizar a exposição ao estímulo mais ansiogênico e se chama de inundação (flooding). Por exemplo: ”espalhar” a contaminação para toda a casa, ir a um velório. Deve ser feita com a concordância do paciente. Foa e Kozak (1986) destacam 3 indicadores de mudança (processamento emocional) durante a exposição: 1) o medo subjetivo deve ser ativado e deve ocorrer uma ativação fisiológica; 2) as respostas de medo devem diminuir gradualmente dentro da sessão (habituação dentro da sessão); 3) e diminuir gradualmente ao longo das sessões (habituação entre as sessões). Fatores moduladores da exposição A exposição funciona melhor quando é previsível (o paciente sabe quando ela vai ocorrer, e o que vai acontecer), planejada, levada adiante sob o seu controle ou seja, o próprio paciente controla a intensidade e a duração do exercício. Exposições prolongadas são mais efetivas do que exposições rápidas. O ideal é que perdure até a aflição ou o desconforto desaparecer por completo o que às vezes ocorre em minutos ou pode demorar até várias horas. Quanto mais rápida e precoce a habituação no curto prazo, maior a chance de habituar no longo prazo. Altos níveis de ansiedade impedem a habituação interferem no registro e integração de novas informações que possam desconfirmar os medos (Foa, 1986; Antony, 2011). Quando a ansiedade é muito intensa a habituação levará mais tempo e serão necessárias mais sessões. É possível que a ansiedade não diminua numa sessão em particular e mesmo assim ocorrer progresso entre as sessões. É importante ainda que a exposição seja realizada o mais frequentemente possível, principalmente no início do tratamento, e que o intervalo entre as exposições seja o menor possível. Embora os resultados de pesquisa sejam inconsistentes, acredita-se que a adoção de comportamentos de segurançacomo a distração, uso de ansiolíticos ou neutralizações comprometam os efeitos da exposição (Antony, 2007). Por esse motivo recomenda-se que o paciente mantenha o foco de sua atenção no objeto ou na situação fóbica para que a redução do medo seja mais efetiva. A distração impediria a incorporação de informação corretiva relevante para a formação de novas memórias e consequentemente para o processamento emocional do medo (Foa, 1986). Focar a atenção favorece a habituação entre as sessões, mas não na sessão. Segundo alguns autores (Abramowitz e Nelson, 2007; Rowa, 2007) responder perguntas durante a exposição ou oferecer informações tranquilizando quanto a riscos, impediriam a exposição em sua plenitude. A exposição, no caso, é à incerteza. O terapeuta deve esclarecer ao paciente a importância de conviver com a incerteza e de permanecer com as dúvidas, tema do capítulo 11 e as razões pelas quais ele e os familiares evitarão responder perguntas repetidas. Prevenção de resposta Prevenção de resposta consiste em bloquear, inibir uma resposta comportamental apreendida, com o objetivo de quebrar as associações entre determinados estímulos e respostas (Antony, 2011). No TOC, rituais, compulsões mentais, neutralizações (rezar, contar, repassar argumentos, reassegurar-se) são consideradas respostas comportamentais, induzidas por estímulos aversivos como pensamentos intrusivos, situações ou objetos, executadas com o objetivo de reduzir ou neutralizar a ansiedade, o desconforto ou o medo associados a tais estímulos. Tem a mesma função que outros comportamentos de segurança, como a esquiva e a fuga: eliminar ameaças ou reduzir o risco de que eventos ruins aconteçam. Acredita-se que as compulsões auxiliam a manter os medos associados a pensamentos obsessivos, a situações, lugares, pessoal ou a objetos evitados pois impedem sua desconfirmação. Uma das estratégias terapêuticas, portanto, é solicitar ao paciente que se abstenha de executá-las (prevenção da resposta). Essa mesma solicitação poderá ser feita em relação em relação a rituais mentais e a comportamentos menos estereotipados e repetitivos como as neutralizações e a hipervigilância (não controlar sujeira ou onde as pessoas tocam). Com a abstenção o indivíduo irá se expor às ameaças, aos riscos, a possibilidades de falhas imaginárias ou de conviver com a incerteza, tendo a oportunidade de modificar crenças erradas e pensamentos não realísticos, substituindo por novas informações realísticas. Exemplos de prevenção de resposta: abster-se de lavar as mãos, o corpo ou a roupa após tocar ou encostar em objetos “sujos” ou “contaminados”; abster-se de verificar a porta ou as janelas mais de uma vez antes de deitar ou ao sair de casa; não fazer contagens; não repetir atos (usar uma roupa de uma determinada cor, tocar na madeira ou em uma laje específica), palavras ou frases destinadas a evitar que eventos ruins aconteçam; não alinhar objetos, como roupas, toalhas, colchas, cadarços de sapato, etc. Modelagem (ou modelação) Modelagem é a aprendizagem de um novo comportamento pela observação de outros indivíduos realizando aquele mesmo comportamento (Antony, 2011). Suas bases são a teoria da aprendizagem de Bandura segundo a qual as pessoas aprendem por observação (aprendizagem social) tanto comportamentos adaptativos como desadaptados. Ainda de acordo com essa mesma teoria medos podem ser aprendidos (e desaprendidos) pela simples observação. As pesquisas iniciais com a terapia de EPR observaram que os pacientes tinham mais facilidade de realizar os exercícios quando acompanhados pelo terapeuta. No caso do TOC, os medos podem ser menores se o paciente observar outras pessoas lidando com os objetos ou com as situações evitadas sem sentir medo. A terapia em grupo para o TOC se vale desse recurso quando o exemplo de um paciente vencendo seus medos encoraja os demais. A modelagem pode ser muito útil no início do tratamento de medos de contaminação/lavagens e evitações. Diante do paciente o terapeuta faz demonstrações de exposição como tocar com os dedos na ponta dos sapatos e depois na roupa; andar com os pés descalços no piso do consultório incluindo o banheiro; tocar na torneira e na tampa do vaso do banheiro; tocar na sola dos sapatos e “espalhar a contaminação” pelo corpo; tocar na borda da cesta do lixo, tocar numa cédula de dinheiro e colocar o dedo na boca, etc., e, é claro, abstendo-se de lavar as mãos. Depois de cada exercício o terapeuta solicita que o paciente o repita, respeitando sua decisão e seus níveis de ansiedade. Caso consiga, elogiá-lo destacando sua capacidade de suportar o aumento da ansiedade. Incentivos e elogios do terapeuta se constituem em importantes reforços para futuras exposições na sua ausência. Poderá ainda solicitar que o paciente pontue a ansiedade no momento do início do exercício, 10, 20 ou 30 minutos após a realização do exercício, destacando a diminuição da ansiedade observada no período, como demonstração prática do fenômeno da habituação. A modelagem pode ser utilizada ainda em pacientes graves na terapia assistida a domicílio, pelo próprio terapeuta, por familiares ou acompanhantes terapêuticos. Consiste em estabelecer previamente um comportamento desejado, por exemplo, o tempo máximo para escovar os dentes, trocar de roupa, fazer uma refeição ou tomar o banho e reforçar as aproximações sucessivas tendo como referência o comportamento desejado. Por esse motivo a modelagem também é chamada de “método das aproximações sucessivas” no qual, através do reforço positivo de forma gradual instalam-se novas respostas tendo como objetivo um comportamento final. Nesse caso eventualmente é utilizado o termo “modelação”. Adequação de tarefas e tempos na lentidão obsessiva No TOC um sintoma muito comum é a lentidão obsessiva. São comuns as demoras no banho, os atrasos para compromissos sociais, as protelações a grande dificuldade em concluir tarefas, como a entrega de um trabalho escolar ou decidir uma viagem ou uma compra. Pode haver até uma extrema lentidão para executar tarefas banais como escovar os dentes, calçar o tênis ou passar a manteiga no pão. Subjacentes podem ser identificadas crenças relacionadas ao perfeccionismo, necessidade de ter certeza, intolerância a falhas ou ainda dificuldades com o planejamento. Além de abordar as crenças disfuncionais, recurso a ser abordado no capítulo 7, pode ser utilizado o replanejamento dos tempos necessários para a execução de determinadas tarefas (tarefas e tempos). Na modelagem do comportamento o terapeuta, após estabelecer os tempos adequados para executar determinadas tarefas como escovar os dentes, tomar banho ou se vestir, acompanha o paciente durante a execução da tarefa ou orienta um familiar para que faça, sinalizando quando os tempos ou o número de vezes combinados são excedidos, incentivando para que se aproxime o máximo que puder do que foi combinado. É importante ainda lembrar que os portadores de TOC apresentam déficits em várias funções neurocognitivas como focalizar a atenção, tomada de decisões (decidir quando interromper um ritual), planejamento de curto e longo prazo, e confiança na memória entre outros. Tais dificuldades são notáveis em pacientes perfeccionistas, com dificuldades para aceitar falhas, correr riscos, necessidade de ter certeza e podem contribuir para manifestações clínicas como indecisão, protelação e lentidão obsessiva. Para pacientes com essas manifestações a modelagem pode ser útil. O exercício do “Pare” e distração O exercício do “Pare”, homônimo ao sinal de trânsito foi proposto inicialmente como estratégia para interromper pensamentos obsessivos (thought stopping). Era associado ainda a um estímulo desagradável,como um piparote de atilho de borracha no pulso. Desde que se percebeu que o esforço em afastar pensamentos repugnantes e em bloqueá-los produzia o efeito paradoxal de aumentar sua intensidade e frequência (Efeito Urso Branco), deixou de ser usado para essa finalidade. Tem sido utilizado, entretanto, como uma forma interrupção de compulsões mentais, ruminações obsessivas e neutralizações, quando o paciente se dá conta de que está executando esses atos, e que acaba sendo uma forma de proporcionar exposições. Seu alcance, entretanto, é limitado. No TOC são muito comuns as compulsões mentais bem como outras estratégias mentais denominadas de neutralização, como repetir frases ou palavras, rezar, contar, substituir pensamentos ruins por pensamentos bons, repassar mentalmente cenas, diálogos ou argumentos, reler, repetir perguntas, com a finalidade de ter certeza, em circunstâncias em que isso é impossível. Esses comportamentos são comuns em pacientes perfeccionistas, ou escrupulosos, atormentados por dúvidas morais ou pela possibilidade de falhas, em razão de excesso de responsabilidade ou culpa (verificadores), e configura o que é chamado eventualmente de ruminação mental. O “Pare” além de ser uma forma de prevenção de respostas pois auxilia indivíduo a interromper rituais mentais, também o leva a se expor a dúvidas e incertezas, e a conviver com a possibilidade de ter cometido falhas. Utiliza ainda associada a técnica da distração. Tanto os pensamentos intrusivos como a ansiedade que os acompanha desaparecem naturalmente e mais rápido, se não se der importância a eles e se o foco da atenção for desviado para outros estímulos. O “Pare” pode ser ainda utilizado para interromper compulsões comuns, especialmente aquelas que já se tornaram hábitos, que são realizadas de forma praticamente automática ou rituais motores, que lembram tiques pois geralmente não são precedidos por pensamentos de conteúdo catastrófico, apenas por desconforto ou sensação física desagradável (fenômeno sensorial), como estalar os dedos, fechar os olhos com força, sacudir as pernas, olhar para o lado, dar uma batida, tocar, raspar ou comportamentos compulsivos como como arrancar os cabelos, beliscar-se, roer unhas, coçar, enquadrados nos chamados transtornos do controle dos impulsos – as “grooming disorders. O “Pare” não deve ser usado para lutar contra ou tentar afastar pensamentos repugnantes ou impróprios. Para utilizar o “pare” o paciente deve: 1) Identificar com antecedência os horários, as situações e os locais em que é assaltado por dúvidas intermináveis, acompanhadas de angústia, culpa e depressão, e para aliviar-se, realiza compulsões mentais ou tenta neutralizá- las com atos mentais repetitivos; 2) Identificar as manobras que executa mentalmente para afastar pensamentos inaceitáveis (rituais mentais) ou para ter certeza(repassar argumentos, cenas, fatos, buscar garantias), e preparar-se com antecedência para utilizar o exercício do “Pare”. 3) Ao perceber que está iniciando alguma das manobras citadas ou mesmo rituais compulsivos comuns repetir em voz alta: “Pare!” ou de uma forma mais direta “Chega!” procurando interromper a compulsão ou a ruminação. 4) Ao proferir o comando “Pare”, procurar desviar o foco da atenção para estímulos externos como ouvir uma música, ligar para um amigo, ver TV, ler o jornal, ou envolver-se em uma tarefa prática. Pode-se ainda dar uma batida forte na mesa, bater palmas a fim de se distrair e conseguir cortar o fluxo dos pensamentos intrusivos. Como foi comentado, a eficácia do “Pare” é muitas vezes discutível, mas pode ser útil para alguns pacientes. O ideal é abordar cognitivamente as crenças disfuncionais subjacentes. Lembretes Lembretes eventualmente escritos em cartões auxiliam o paciente a relembrar aspectos psicoeducativos importantes relacionados ao transtorno e às regras da terapia de EPR. Servem ainda para corrigir pensamentos automáticos catastróficos e auxiliam a controlar medos e comportamentos de esquiva. Exemplos de lembretes: “A ansiedade não dura para sempre!” “Se eu ficar prestando atenção ao que estou sentindo, o medo ficará ainda maior!” “Tudo o que sobe (ansiedade), desce!” Lembrete que pode ser escrito num cartão: “As quatro regras de ouro da terapia de exposição e prevenção de respostas: 1. Enfrente as coisas de que você tem medo tão frequentemente quanto possível. 2. Se você perceber que está evitando algum objeto ou situação, enfrente-o. 3. Se você sentir necessidade de fazer algum ritual para sentir-se melhor, faça esforço para não realizá-lo. 4. Repita os passos 1, 2 e 3 o maior número de vezes e pelo maior tempo possível (Lee Baer, 2000). Participação dos familiares O envolvimento dos familiares nas tarefas de EPR de casa pode ser útil desde que respeitadas certas regras. Em princípio devem resistir em fazer tudo o que provoque alívio ao paciente, como responder perguntas, dar garantias, fazer o ritual pelo próprio paciente, o que nem sempre é fácil quando está junto com um ente querido que apresenta grande sofrimento. Desde que combinado anteriormente, os familiares podem tanto auxiliar o paciente na prevenção de rituais, apoiando-o nas sessões de exposição, para refrear-se de fazer rituais, ou controlando os tempos em que executa determinadas tarefas. Poderão inclusive utilizar meios físicos, como desligar o chuveiro depois de um determinado tempo ou evitar responder perguntas repetidas desde que essas atitudes sejam feitas de forma gentil e tenham sido previas combinadas. É fundamental evitar o uso de violência ou constranger o paciente para a realizar os exercícios, o que pode ser contraproducente. MECANISMOS DE MUDANÇA NA TERAPIA DE EXPOSIÇÃO E PREVENÇÃO DE RESPOSTA Diversas explicações para as mudanças observadas com a terapia de EPR tem sido propostas: 1) novas aprendizagens - eliminação do reforço negativo e habituação; 2) processamento emocional; 3) aprendizagem social e, 4) cognitivas. As teorias cognitivas foram abordadas no capítulo 4 e serão revistas de forma mais específica descrição da TCC para os diferentes sintomas do TOC. Explicação comportamental: eliminação do reforço Como foi visto no capítulo 4 o modelo comportamental propõe que os rituais, as evitações e as neutralizações aliviam a ansiedade e o medo associados às obsessões e são mantidos por esse motivo (reforço negativo). A terapia de EPR aboliria essa função. A exposição repetida a estímulos provocadores de ansiedade e a abstenção de executar os rituais obrigaria o indivíduo a se defrontar com níveis eventualmente elevados de ansiedade que, com a repetição dos exercícios decairiam até se extinguirem por completo em razão da habituação. Existem algumas controvérsias em relação ao significado do termo “habituação”. Segundo alguns autores o termo deveria ser usado preferentemente para designar um efeito sensorial de curta duração e que não é mantido no longo prazo, no qual não haveria uma verdadeira aprendizagem (Tryon, 2005; Antony, 2011). De fato o desconforto sensorial com diferenças de temperatura, odores, sons, que momentaneamente desaparece, não se extingue para sempre, e reaparece horas depois. Não é o que ocorre após a exposição e a prevenção de rituais no TOC cujas modificações de um modo geral perduram por longo prazo. Mas não há unanimidade em relação ao conceito. Kandell e Squire, por exemplo, denominam habituação ao aprendizado de longo prazo observado em moluscos (Squire e Kandell, 2003). Para Wolpe os dois termos são indistinguíveis (1996) e Edna Foa (1986) propõe um uso mais amplo do termo “habituação” como se referindo simplesmente ao decréscimo de uma resposta. Deve-se reconhecer quea explicação comportamental tem algumas limitações. Não oferece uma explicação convincente para o surgimento das obsessões, lacuna que foi em parte preenchida pelos modelos cognitivo- comportamentais e biológicos posteriores; desconsidera o papel da memória, dos pensamentos intrusivos de natureza catastróficas e as avaliações secundárias relativas ao seu significado na provocação da ansiedade e dos medos. A memória é crucial para a compreensão da manutenção dos efeitos da aprendizagem especialmente no longo prazo, e o significado como um importante modulador no que se refere à intensidade das emoções sentidas. Essas lacunas foram em parte supridas com modelos que levam esses fatores como papel da memória e do significado pela teoria do processamento emocional, da mudanças de expectativas pela teoria da aprendizagem social dos erros de avaliação e crenças disfuncionais pelo modelo cognitivo e das disfunções da atenção (viés atencional), confiança na memória e hipervigilância pela neuropsicologia. No seu conjunto essas novas teorias nos oferecem uma explicação mais abrangente e mais satisfatória, embora ainda incompleta dos fenômenos obsessivos e talvez expliquem melhor as mudanças que se observam na terapia do TOC. A seguir a teoria do processamento emocional e da aprendizagem social pois nos ampliam a compreensão de aspectos das mudanças observadas com a terapia de EPR Teoria do processamento emocional Para Foa e Kozac (1986) a proposição, ainda na perspectiva do modelo comportamental estímulo/resposta, de que o estímulo tem também uma função de “sinal” predizendo uma punição ou recompensa, nos obriga a incluir no modelo um novo elemento - o significado relacionado aos eventos, o qual também influenciaria no aprendizado. (Foa e Kozak,1986). É uma referencia ao papel das cognições e da memória na mudança psicoterápica e representa uma transição para o modelo cognitivo-comportamental. De acordo com a teoria do processamento emocional o medo é representado por estruturas de memória ou “programas” que orientam os comportamentos de medo como por exemplo, lutar ou fugir do perigo. Essas estrutura incluem representações dos estímulos temidos (o urso), das respostas de medo (aumento dos batimentos cardíacos, comportamentos de luta ou fuga), e do significado atribuído ao estímulo (o urso é um animal perigoso) e às respostas (aceleração cardíaca significa que estou com medo). Quando essas estruturas de memória representam uma ameaça real, sentir medo (na frente do urso) e fugir são respostas normais e adaptativas. Uma estrutura do medo se tornaria patológica quando: 1) as associações entre os elementos dos estímulos não representam acuradamente o mundo real; 2) as respostas fisiológicas e de fuga são evocadas por estímulos que não são perigosos; 3) as respostas são desencadeadas muito facilmente de forma excessiva e interferem com o comportamento adaptativo; 4) estímulos inofensivos e elementos da resposta são erradamente associados a significados ameaçadores(Foa e Kozak 1986). Processamento emocional é definido como a modificação das estruturas de memória subjacentes às emoções e constituem a essência do processamento emocional. Ativação fisiológica e habituação dentro das sessões de exposição e entre as sessões são indicativos de que está havendo processamento emocional (Foa e Kozak 1986).. Para ter sucesso a terapia deve modificar os elementos das estruturas patológicas do medo. Duas condições são necessárias para a modificação bem sucedida de uma estrutura de medo: 1) a estrutura deve ser ativada; se não o for, não se torna acessível a modificações; 2) novas informações incompatíveis com as informações errôneas incorporadas anteriormente na estrutura patológica do medo devem estar disponíveis e devem ser incorporadas numa nova estrutura (memória). Quando isso é feito, a informação usada para evocar a ansiedade já não mais funciona pois não está mais disponível. Houve uma alteração mais permanente na memória da estrutura bem como no seu significado, ou seja as proposições sobre a ameaça (crenças sobre consequências de curto ou longo prazo) ligadas aos diversos elementos da estrutura do medo também foram modificadas. Segundo alguns autores, na habituação, além do desaparecimento das reações físicas, o paciente incorpora novas informações: de que não existe um perigo real, de que a reação de ansiedade é finita em sua duração. Na exposição repetida, uma nova representação das estruturas de memória substitui as memórias pré-existentes relacionadas ao medo (memória implícita), e ocorre uma alteração mais permanente do seu significado. (Foa, 1986; Cammarotta, 2003; Foa et al. 2007). Como se percebe, a teoria do processamento emocional incorpora claramente em seu modelo um elemento cognitivo – o significado, representando portanto a transição do modelo comportamental para o cognitivo-comportamental, como foi comentado. Aprendizagem Social As teorias da aprendizagem social ou da aprendizagem por observação foram desenvolvidas particularmente por Bandura e também representam uma transição dos modelos comportamentais clássicos para os modelos cognitivo- comportamentais e apontam para fatores cruciais para o sucesso da TCC. Duas afirmativas nos interessam: 1) a aprendizagem pode ocorrer por observação e, 2) a teoria da auto-eficácia. Aprendizagem por observação Experiências clássicas realizadas em laboratório comprovaram que filhotes de macacos desenvolvem medo de cobras (e também perdem os medos) pela simples observação de indivíduos adultos tendo reações de medo diante desses animais. A aprendizagem por observação, portanto, pode ter um papel importante na aquisição de medos. Teoricamente rituais compulsivos e evitações poderiam ser adquiridos pela observação direta dos pais ou pelas instruções recebidas. Essa hipótese entretanto não foi comprovada. Ela embasa entretanto a psicoeducação e a modelagem (aprendizagem por observação do terapeuta). Auto-eficácia De acordo com a teoria da auto-eficácia o comportamento de um indivíduo é guiado pelo grau de confiança (crença) que ele tem em sua competência para lidar com as diferentes situações ou pelo quanto ele acredita que uma determinada ação produza um determinado resultado. Nenhum comportamento é iniciado em direção a um objetivo se a pessoa não acredita que tenha probabilidades, por menores que sejam, de atingir seus objetivos, ou de lidar com os diferentes problemas que terá que enfrentar e, no caso do TOC, em lidar com as diferentes ameaças, mesmo que imaginárias, envolvidas no enfrentamento de situações evitadas, por exemplo. Ainda de acordo com Bandura as experiências diretas (reais) são os mais fortes influenciadores e da auto-eficácia juntamente com a modelagem, a persuasão social. O desempenho na prática é o mais poderoso modificador da auto-eficácia. A terapia de EPR estimula os pacientes a enfrentar e dominar seus medos abrindo mão das evitações e de outros comportamentos de segurança, através do experimentos comportamentais em especial. A importância desse senso de domínio (auto-eficácia) é um efeito da terapia muitas vezes negligenciado. O sucesso em vencer as primeiras etapas num programa de exposição gradual aumentaria as expectativas de auto-eficácia. A TERAPIA COMPORTAMENTAL DE EPR: EVIDÊNCIAS DE EFICÁCIA/EFETIVIDADE A terapia de EPR ou TCC é considerado tratamento de escolha para o TOC (NICE). Os benefícios da terapia de EPR são bem documentados em diversos ensaios clínicos (Foa, 1992; POTS, 2004; Foa et al. 2005), revisões e metanálises (Steketee, 1982; Abramowitz, 1997; Kobak et al., 1998), tanto com pacientes adultos, como com crianças e adolescentes (POTS, 2004; O'Kearney, 2006;Watson, 2008)) com um tamanho de efeito de 1.127 (Rosa-Alcázar, 2008). Estudos de seguimento comprovam a manutenção dos ganhos terapêuticos no período de até 5 anos (Marks, 1975, Van Oppen, 2005; Braga, 2005; Whittal, 2008; Borges, 2011). Ensaios clínicos iniciais comprovaram uma eficácia em mais de 70% dos pacientes que aderiram ao tratamento (Marks et al. 1975). A eficácia da terapia de EPR é em geral levemente superior a dos inibidores da recaptação da serotonina (Foa, 2005; Souza et al. 2006; Gava 2007) especialmente na redução de rituais compulsivos como lavagens e verificações (Ball,1996; Foa et al. 2005). Os pacientes que realizaram terapia de EPR recaem menos e as recaídas ocorrem mais tarde do que os tratados com medicamentos (Simpson et al.,2004) Ensaios clínicos (Fals-Stewart, 1993; Cordioli 2003) e pelo menos uma metanálise concluíram que a terapia de EPR/TCC em grupo é um tratamento efetivo para o TOC, com um tamanho de efeito de 1.18 (Jónson, 2009) com resultados semelhantes aos obtidos com o tratamento individual e com um custo menor. Uma vantagem adicional da TCC no TOC, em relação aos medicamentos é o fato de ser um tratamento breve (10 a 20 sessões em geral), cujos efeitos se mantém no longo prazo (Braga, 2005; Whitall 2008). É interessante ainda a observação de que a TCC parece ser eficaz mesmo em pacientes que não respondem ou respondem parcialmente ao tratamento com psicofármacos (Tolin et al.,2004; Simpson et al., 2008). Outro estudo verificou que em crianças e adolescentes a combinação de TCC e medicamentos apresentou resultados superiores ao uso isolado tanto de medicamentos, como da TCC isolada (POTS, 2004). Um resultado semelhante foi observado em pacientes adultos com a adição da TCC aos medicamentos (Tenneij et al., 2005). Estes últimos resultados reforçam a recomendação do Consenso para tratamento do TOC que sugere, sempre que possível, a associação de TCC e medicamentos (March et al. 1997). Dentre os problemas da TCC, talvez o mais importante seja a não adesão de um grupo significativo de pacientes. Um outro problema da terapia comportamental é o custo elevado do tratamento em comparação com os medicamentos se apenas o período de tratamento agudo for considerado, e não a manutenção em longo prazo, que tende a ser maior com os medicamentos. Além disso, na prática, a TCC continua sendo uma modalidade de tratamento pouco disponível à população. RESUMO E DESTAQUES • A terapia de exposição e prevenção de respostas iniciou a ser utilizada no tratamento dos sintomas OC de forma efetiva no início dos anos 70. Foi embasada em experimentos com animais, em voluntários portadores do TOC e em ensaios clínicos que utilizaram de forma intensiva a exposição e a prevenção de rituais compulsivos em ambiente hospitalar. • A terapia de EPR elimina os sintomas OC através da: 1) Exposição que é o contato direto ou imaginário com objetos, lugares ou situações que não são perigosos, e 2) Prevenção de Resposta que é a abstenção de executar qualquer ato, especialmente os rituais compulsivos, destinado a reduzir ou a neutralizar a ansiedade, o desconforto, ou o medo associado às obsessões. • A exposição e a prevenção de resposta suprimem a função de provocar alívio da ansiedade e de impedir o seu aparecimento dos rituais e das evitações. Essas técnicas provocam um súbito aumento da ansiedade que é seguido pelo seu desaparecimento espontâneo. A intensidade da ansiedade é menor a cada exercício, até desaparecer por completo em razão de um fenômeno denominado de habituação. • Como esse efeito se mantém no longo prazo, acredita-se que além da diminuição da resposta sensorial e autonômica observada no momento do exercício, típica da habituação, ocorram alterações mais permanentes nas estruturas de memória associadas aos estímulos ativadores das obsessões, ao seu significado e à forma de reagir emocionalmente a eles, num fenômeno denominado de processamento emocional. • Mesmo no contexto da TCC, a exposição e a prevenção de respostas continuam sendo considerados os ingredientes cruciais do tratamento do TOC. • Diversos ensaios clínicos e metanálises comprovam a eficácia da terapia de EPR ou TCC, na forma individual ou em grupo, tanto em adultos como em crianças e adolescentes; seus efeitos são mantidos por períodos de até 5 anos. BIBLIOGRAFIA Wolpe. J The practice of behavior therapy. New York:The Pergamon Press, 1990. 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