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A CONFIGURAÇÃO DA CIDADE COLONIAL

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A CONFIGURAÇÃO DA CIDADE COLONIAL 
HISPANO-AMERICANA E O PROBLEMA DO 
BARROCO 
Rodrigo Espinha Baeta1 
 
 
“Os próprios conquistadores que as fundaram perceberam progressivamente, no 
transcurso do século XVI, que se haviam afastado da cidade orgânica medieval 
em que haviam nascido e crescido para entrar em uma nova distribuição do 
espaço, que enquadrava um novo modo de vida, que já não era o que haviam 
conhecido em suas origens peninsulares. Tiveram que se adaptar dura e 
gradualmente a um projeto que, como tal, não escondia sua consciência 
racionalizadora, não lhe sendo suficiente organizar os homens dentro de uma 
repetida paisagem urbana, pois também requeria que fossem moldados com 
destino a um futuro, do mesmo modo sonhado de forma planificada, em 
obediência às exigências colonizadoras, administrativas, militares, comerciais, 
religiosas, que se iriam impondo com crescente rigidez. (...) A cidade foi o mais 
precioso ponto de inserção na realidade desta configuração cultural e nos 
deparou com um modelo urbano de duração secular: a cidade barroca”. (RAMA, 
1984: 23, 24) 
As palavras proferidas pelo crítico Angel Rama em 1980, expõem de forma sintética, 
vários questionamentos de primeira ordem que debatem o problema do desenvolvimento 
urbano da América Hispânica, uma das maiores empresas de dominação territorial já 
vistas. Sem dúvida, para o projeto de ocupação da região destinada, pelo Tratado de 
Tordesilhas2, ao reino de Castela, a cidade foi o elemento propulsor da conquista e do 
desenvolvimento ulterior da região - muito em função da necessidade imperativa de 
subjugar rapidamente as avançadas civilizações nativas oriundas do Planalto Mexicano, da 
América Central e da Região Andina3. 
 
1 PPGAU/FAUFBA. E-mail: rodrigobaeta@yahoo.com.br. 
2 Tratado do ano de 1494. 
3 “Estima-se que o México, no tempo da colonização tinha cerca de 25 milhões de habitantes e que o império 
inca reunia mais ou menos 17 milhões de habitantes.” (FERREIRA, 1996: 559) 
Ao comparar o esforço urbanizador promovido pela Espanha no século XVI, com o 
que se constituiu no Brasil quinhentista, com o aparecimento de parcos arraias, vilas e 
cidades, fica latente a relevância maior dada pelos espanhóis à dominação do Novo 
Mundo, particularmente ao empenho em fundar cidades. Mesmo a partir do século XVIII, 
quando um grande impulso urbanístico invade o território da colônia portuguesa nas 
Américas, a discrepância entre as cidades de dominação espanhola e as lusitanas era 
impressionante: 
“Cabe aqui uma comparação com o caso espanhol. Enquanto a rede do Brasil girou 
em torno de 16 núcleos urbanos em fins do século XVI, atingindo cerca de 61 no 
século seguinte, somente até 1580 teriam sido fundadas cerca de 230 cidades 
permanentes na América Hispânica e em 1630 este número oscilava em torno de 
330. É interessante observar que nem mesmo em fins do século XVIII o Brasil 
possuía uma rede desse porte, atingindo então cerca de 188 núcleos permanentes.” 
(BUENO, 1996: 506) 
Assim, no território de domínio espanhol, no início do processo de colonização, 
foram tantos os núcleos urbanos criados ou sobrepostos a antigas ocupações pré-
colombianas, foi tão imperativa a necessidade de que estas povoações fossem levantadas 
rapidamente, que logo se estabeleceu uma teoria e uma prática de fundação, planificação e 
ordenação de cidades. 
Esta ação de profunda racionalização (segundo as palavras de Rama), gerou a 
tradição hispano-americana da cidade em quadrícula, em “tabuleiro de damas” 
(GUTIÉRREZ, 1997): sem dúvida, o modus operandi estabelecido, mesmo não se 
definindo como a única possibilidade de configuração urbana, foi a marca registrada do 
esquema de planejamento e organização dos núcleos citadinos, se difundindo por toda a 
extensão regional, nas áreas sob o domínio espanhol: 
 “La ciudad regular hispanoamericana, ensayada primero en Caribe, encontró 
luego, hacia 1530 en México, una fórmula que le permitió definir un tipo original de 
ciudad, a la vez simple, legible y adaptable: la cuadrícula. Dicho tipo se erigió 
rápidamente en modelo urbano y se aplicó en toda Hispanoamérica con notable 
persistencia.” (NICOLINI, 2001: 106) 
Porém, para a crítica moderna à urbanização hispano-americana, a investigação dos 
procedimentos de fundação e ordenação das povoações coloniais causará mais desacordos 
do que conciliações, polêmicas que interessam profundamente, principalmente no que se 
refere a duas questões temáticas específicas. 
A primeira controvérsia, discutida a seguir, é derivada da avaliação atribuída ao real 
papel que a “teoria” e a idealização do espaço urbano, traduzidas na forma das “Leyes de 
los Reynos de Indias”, tiveram para o processo de planejamento, fundação e ordenação de 
cidades: 
 
As “Leyes de los Reynos de Indias” e o processo de fundação de 
cidades na América Hispânica 
 Para os teóricos da arquitetura e da cidade latino-americanas que entenderam a 
jornada urbanística hispânica como a realização de um projeto destinado à geração de uma 
sociedade moderna, quase utópica, transposta para o Novo Mundo - já que não seria 
aplicável ao território denso da Metrópole -, as “Leyes de los Reynos de Indias”, 
codificadas em 1573 por Felipe II, seriam a compilação definitiva do esforço teórico que, 
previamente, teria coordenado a implantação urbana. 
Desta maneira, a tradição da planificação antecipada das cidades em quadrícula, 
desvelaria um esforço obstinado de fundação de núcleos urbanos ideais em território 
americano. Povoações que não eram planejadas tendo como objetivo imediato a boa 
acomodação das funções que lhes eram exigidas; eram delineadas tendo em vista uma 
razão obsessiva, que pressupunha uma inevitável apropriação social racionalizada, 
ordenada e, conseqüentemente, segura4. Por isso, eram puras criações da mente, do 
 
4 Rama, citando o Rei da Es panha em 1513, demonstra como já havia o obcecado uso da palavra ordem, 
quando se referia a geração de novos assentamentos: “Vistas as coisas que para os assentamentos dos 
lugares são necessárias, e escolhido o lugar mais proveitoso e em que abundem as coisas que para o povo 
são necessárias, tereis de repartir os solares do lugar para fazer casas, e deverão ser repartidos conforme 
as qualidades das pessoas e serão inicialmente dados por ordem: de maneira que feitos os solares, o povo 
pareça ordenado, tanto no lugar que se deixe na praça, como o lugar que tenha a igreja, como na ordem 
Figuras 1 e 2: Vista aérea da cidade de Cholula, no México. Plano de Cholula de 1581. Fonte: 
(BENEVOLO: 1981, v.1, 630). 
 
pensamento humano, que não só destinavam-se às resoluções de caráter imediato, mas 
especialmente previam a organização de uma futura sociedade imaginária: 
“Dentro dessa vertente do saber, graças a ela, surgirão cidades ideais da imensa 
extensão americana. Serão regidas por uma razão ordenadora que se revela em 
uma ordem social hierárquica transposta para uma ordem distributiva geométrica. 
Não é a sociedade, mas sua forma organizada que é transposta; e não à cidade, mas 
sua forma distributiva. (...) Não vincula, então, sociedade e cultura, mas suas 
respectivas formas, que são percebidas como equivalentes, permitindo que leiamos a 
sociedade ao ler o mapa da cidade.” (RAMA, 1984: 26) 
Entretanto, o que parece ser a visão mais comum para o universo da crítica atual, é o 
entendimento das “Ordenanzas” de Felipe II como uma iniciativa voltada a organizar, sob 
a forma de lei, aqueles procedimentos que já eram comuns ao universo prático, que 
nasceram da experimentação empírica de fundação de mais de 200 cidades antes do ano de 
1573 (Figuras 1, 2): 
“El período que transcurre entre 1492 y 1573 (oportunidad en que Felipe II 
sanciona las ordenanzas de población) constituye el laboratorio en el cual se 
verificanlas experiencias para generar una respuesta unitaria al problema. (...) La 
experiencia acumulada parece, pues, tener mayor gravitación que la conciencia 
teórica en la acción pragmática de la conquista.” (GUTIÉRREZ, 1997: 77)5. 
Para Ramón Gutiérrez, portanto, a ação urbanizadora na América Hispânica não é 
simplesmente um produto do pensamento da nação dominadora perseguindo um esforço 
plenamente teórico de implementação de uma sociedade moderna e utópica nos territórios 
conquistados; é na verdade a síntese entre diversas iniciativas teóricas e práticas européias 
(modelos ideais renascentistas, a tradição vitruviana, as bastides medievais, etc.) com a 
instantânea experiência da “praxis fundacional” de núcleos urbanos em território nativo. 
“Como sucederá con la arquitectura, el español se proyecta a América como síntesis y 
ante la magnitud de la empresa, genera una respuesta que incorpora algunas variables 
y experiencias, descarta otras y crea un modelo ordenador capaz de dar unidad formal 
y estructural a la ocupación territorial.” (GUTIÉRREZ, 1997: 77) 
Também no desenvolvimento urbano das colônias espanholas, o processo de 
“transculturação”, comum ao universo da arquitetura, imperaria como o procedimento 
 
que tiveram as ruas; porque os lugares que, de novo se fazem, dando a ordem no começo sem nenhum 
trabalho nem custo ficam ordenados e os outros jamais se ordenam.” (RAMA, 1984: 27) 
5 Inclusive, segundo Nicolini: “Las ordenanzas contenían un modelo físico de ciudad que no coincidía con el 
modelo empírico de la ya generalizada cuadrícula”. (NICOLINI, 2004: 1088) 
legítimo que coordenaria a caracterização de uma nova cultura arquitetônica e urbanística - 
nem espanhola, nem nativa e sim autenticamente americana, fruto da síntese entre diversos 
condicionantes díspares que se chocam no empreendimento de colonização. 
“Os povos americanos descobertos pelos europeus no final do século XV tinham 
graus diferentes de organização e formas de estabelecimento. A conquista unificará 
como um fundente o domínio territorial, transplantando o domínio político, o 
sistema jurídico administrativo, o idioma unificador e as novas crenças. (...) A 
cultura doadora ibérica sofrerá sua própria transformação. Nem tudo que existe em 
seu território é levado ao novo continente, e portanto, por um processo de seleção e 
síntese, passarão somente alguns elementos.” (GUTIÉRREZ, 1995: 47, 48) 
Esta visão de Gutiérrez não é um consenso para os autores que versam sobre a 
história da arquitetura e da cidade do período colonial, pois para muitos críticos, a 
imposição da cultura dominadora frente à realidade preexistente latino-americana, 
resultaria em uma inevitável prática de submissão em relação à cultura doadora, sendo 
inclusive discutível a própria existência de uma legítima arte, arquitetura ou cidade 
americanas. Parece que, no fundo, é o que pensa o crítico venezuelano Graziano Gasparini: 
“El concepto de arquitectura colonial está inevitablemente vinculado al 
provincialismo y, en el caso de América Latina, la provincialización la establece su 
condición de zona receptora relacionada y dependiente de los centros de influencia 
culturales europeos. Según Palm, ‘es provincia todo lo que en la evolución de las 
ideas no marcha a la cabeza de su tiempo’. Para el caso latino-americano, la 
arquitectura se distingue por recibir con retardo, los elementos de los centros 
creativos.” (GASPARINI, 1980: 39) 
Por outro lado, independente das discussões travadas acima, é praticamente 
inevitável a noção de que a tradição de fundação de núcleos urbanos planificados, 
desenhados em forma de tabuleiro de xadrez, seria um meio prático de conceber e 
implantar cidades, necessário quando a agilidade do empreendimento seria impositiva. Os 
espanhóis não inauguraram esta prática, já comum desde a Antigüidade - basta lembrar 
algumas cidades gregas na Jônia - como Mileto, por exemplo. 
Da mesma forma que o esforço colonial grego ou romano, era fundamental para a 
cultura dominadora a célere imposição de núcleos urbanos no território nativo conquistado, 
para subjugar os povos e dar apóio ao posterior e “necessário” processo “civilizatório” 
(Figuras 3, 4, 5): 
“O traçado em quadrícula é um meio simples e rápido para marcar a cidade no 
terreno, sendo ele plano, como no fundo dos grandes vales andinos e no planalto 
mexicano. Traçados em quadrícula foram e são usados muitas vezes, quando a 
rapidez é necessária: nas cidades de colonização romana frente aos bárbaros; nas 
mais de 400 bastides no sul da França, na idade média, construídas por franceses e 
ingleses durante a Guerra dos Cem Anos; na Espanha frente aos árabes, como já 
vimos; e até hoje, nas invasões urbanas da América Latina frente à polícia. (...) 
Além disso as cidades tinham 
que ter uma imagem grandiosa 
para impressionar e cooptar os 
nativos: ‘Os índios não devem 
adentrar os precintos da cidade 
antes que ela seja concluída e colocada em condições de defesa, e as casas 
construídas, de maneira que quando os índios a verem, eles devem se maravilhar e 
entender que os espanhóis se estabeleceram para sempre, não somente para o 
momento, e assim eles os temerão tanto quanto desejarão sua amizade.’ (Leis das 
Índias, item 137).” (FERREIRA, 1996: 560) 
O problema do Barroco na 
configuração das cidades hispano-
americanas 
O segundo ponto que tem suscitado inflamadas 
discussões para a crítica recente, e que se vincula 
diretamente à comunicação proposta, relaciona-se à visão que muitos críticos 
desenvolveram ao declarar a suposta condição barroca impressa na tradição do 
planejamento de cidades em forma de grelha, juízo que estaria vinculado tanto ao fato das 
Figura 3: Vista aérea de Oaxaca, no México. Fonte: (BENEVOLO:1981, v.1., 608) 
Figuras 4 e 5: Vias de Oaxaca. Fonte: Rodrigo Baeta, 2000. 
cidades serem frutos de uma concepção projetual dada a priori, como em função de sua 
regularidade se relacionar com a estética promovida pela arte do século XVII. 
Para Daniela Moreno e Ana Lía Chiarello, o “urbanismo” barroco desvelado nas 
cidades em tabuleiro de damas da América espanhola vai mesmo atingir níveis artísticos 
grandiosos, quiçá superiores aos dos núcleos europeus, pois teriam alcançado a 
planificação e a regularidade totais, princípios geneticamente ligados ao velho mundo, mas 
raramente expressos nas cidades barrocas da Europa. 
 “La materialización de una ciudad barroca ex novo no fue frecuente en la Europa 
del siglo XVII, pero sí el transformar una ciudad existente en otra barroca. Frente a 
ello, las ciudades hispanoamericanas fueron concebidas y materializadas como un 
proyecto urbano total, de manera que el pensar la ciudad en cuanto proyecto 
unitario, estuvo implícito en el urbanismo colonizador desde su origen. Por otra 
parte, para lograr la transformación barroca, Europa apelaría al trazado de calles 
rectas, a la construcción de calles regulares y la creación de nuevos barrios en 
retícula. En grande parte de las ciudades americanas la trama urbana reticular, las 
calles rectas y las plazas regulares estuvieron presentes tanto en su morfogénesis 
como en su desarrollo y crecimientos posteriores.” (MORENO & CHIARELLO, 
2001: 112, 113) 
Na verdade, mais que expressar de forma intensa os princípios essenciais do 
“urbanismo barroco” - descritos pelas autoras como “la gran escala, el concepto de 
infinito, el proyecto urbano total, el espacio público como gran escenario de la vida 
urbana” (MORENO & CHIARELLO, 2004: 1071) - a “febre” de fundação e 
desenvolvimento de cidades na América Hispânica, já absolutamente consolidada no 
século XVI, poderia ter mesmo antecipado o espírito barroco que iria alcançar o 
“urbanismo” europeu somente no período seguinte6. 
 Moreno eChiarello, provavelmente, compartilham do mesmo conceito 
desenvolvido por Angel Rama, que compreende a cidade hispano-americana, antes como 
 
6 Como encerramento da comunicação proferida para o III Congreso Internacional del Barroco 
Iberoamericano, as autoras concluem: “Creemos que el aporte innovador de la ciudad hispanoamericana 
fue la incorporación de ciertos rasgos que, por su diversidad de influencias no puede concedérseles un 
origen unívoco, pero que de alguna manera supusieron una proyectación urbana que en su esencia se 
adelantó a los conceptos que Europa adoptaría durante el período barroco, quizás por motivos diferentes. 
Se generó en la América Hispana un modelo urbano de tal originalidad espacio temporal que nos lleva a 
preguntarnos: ¿no será que Europa, a lo largo de la Edad Moderna, se fue acercando a algo que España 
había imaginado y comenzado a ensayar primero en América?” (MORENO & CHIARELLO, 2004: 1082, 
1083) 
um projeto ideal, do que como um esforço natural de síntese entre experiências 
contraditórias, “doadoras” e “receptoras”, que em sua conjunção, e em sua adaptação à 
realidade geográfica americana, produziram uma nova tradição urbana, fruto da 
“transculturação”. 
Também na mesma linha que as autoras argentinas, Rama afirmará que o processo de 
planificação prévia e a regularidade ortogonal dos núcleos urbanos hispano-americanos 
seriam geradores de uma configuração abertamente barroca: 
“A transladação da ordem social a uma realidade física, no caso da fundação de 
cidades, implicava o desenho urbano prévio mediante as linguagens simbólicas da 
cultura sujeitas à concepção racional. (...) O resultado na América Latina foi o 
desenho tipo tabuleiro de damas, que reproduziram as cidades barrocas e que se 
prolongou praticamente até nossos dias” (RAMA, 1984: 28) 
Contudo, como afirma Alberto Nicolini, o caráter barroco que uma cidade de 
colonização espanhola eventualmente viria a ter, não poderia partir da tradição da 
quadrícula, pois esta remontaria, na verdade, ao início do século XVI – iniciativas 
vinculadas, mais uma vez, a um sentido prático de assentamento rápido de núcleos urbanos 
no território vasto e hostil das Américas: 
“Ya en tiempos de Paolo III (1534-49) y Sixto V (1585-1590), se habían iniciado 
transformaciones revolucionarias en las ciudades europeas, injertando en el denso 
tejido urbano de la antigua Roma avenidas con su perspectiva recta y prolongada, 
el point de vue rematando en un gran monumento, al mismo tiempo que Tintoretto 
pintaba sus fugas hacia el fondo del cuadro. Así, la gran ciudad adicionó al 
tradicional modo europeo de aproximación a los monumentos por medio de calles 
irregulares, nuevas visiones rectas y prolongadas a lo largo de anchas avenidas 
que, como fuertes vectores, señalan a los monumentos. 
Eran los mismos años en los que, rodeados por una problemática geográfica, 
histórica y cultural esencialmente distinta, los hispanoamericanos estaban trazando y 
comenzando a construir más de doscientas ciudades con calles anchas, iguales y 
paralelas, cada una de las cuales ofrecía, en sus dos extremos, perspectivas infinitas 
que no remataban en ningún monumento. Pero no debe pensarse que esta falta de 
límites fuese el resultado de una operación espacial consciente que anticipase las 
perspectivas barrocas europeas del siglo XVII, sino más bien la consecuencia de una 
distribución pragmática de la tierra virgen americana entre los vecinos que habrían 
de habitarla. Y para hacerlo con precisión le bastaba al fundador, luego de 1530, sólo 
la indicación de tres cifras: la cantidad de manzanas, el largo de la cuadra y el ancho 
de la calle.” (NICOLINI, 2004: 1086) 
Ramón Gutiérrez, na mesma direção, afirmará que o caráter planificado da cidade, 
gerado em pleno Cinquecento, não poderia apresentar ainda características barrocas. Na 
realidade, o que é possível encontrar, na cidade concebida em “tabuleiro de damas”, seriam 
raízes teóricas similares às concepções renascentistas, o que historicamente estaria em 
acordo com a época de suas concepções mais importantes. 
Não obstante, mesmo na relativa proximidade entre a estrutura urbana transposta e os 
princípios urbanísticos da renascença, haveriam pontos de aberta discordância, como por 
exemplo, a disposição ortogonal americana frente às teorias de influência vitruviana 
quatrocentistas, que incentivavam a conformação radial para as cidades ideais7. 
E esta disposição ortogonal e retilínea se configurou, para alguns autores, como um 
motivo tedioso. Isto porque, a rigidez e a “inútil grandiosidade” dos planos espanhóis teria, 
na verdade, gerado ambientes onde a monotonia imperaria, pois incentivaria o 
desenvolvimento de núcleos urbanos com um caráter fortemente bidimensional, coibindo 
muito da possível estruturação artística da cidade8. As construções ordinárias e os 
monumentos, se não alcançassem uma escala razoável, se diluiriam na extensão exagerada 
da estrutura viária. Assim afirma Benevolo: 
“Aquilo que se estabelece no momento de fundar a cidade não é um organismo em 
três dimensões, mas uma ‘traza’. (...) Nas cidades americanas, o desenho das ruas e 
praças é por vezes inutilmente grandioso, ao passo que os edifícios são baixos e 
modestos”. (BENEVOLO, 1997: 488) 
Mais coerente com a base fenomenológica que estrutura esta discussão, cabe a noção 
de que para a avaliação artística da cidade de dominação espanhola, não importa somente o 
plano em si. Interessa a cidade que resultará da interação da traza, com as intervenções 
barrocas seiscentistas e setecentistas, com seu sítio natural, com as construções ordinárias, 
os monumentos (Figuras 5, 6). 
 
7 “Hemos insistido en que las ordenanzas de población vienen a ratificar las experiencias urbanas españolas 
y americanas a la vez que introducen la planificación homogeneizada para los nuevos conjuntos urbanos. 
(...) Las raíces teóricas renacentistas están presentes en la idea del diseño previo y en la presencia de la 
plaza como núcleo generador del cual parten las calles sistematizadas. Sin embargo los diseños 
americanos nada tendrán que ver con las ciudades ideales de Filarete u otros pensadores donde el sistema 
radial predomina nítidamente.” (GUTIÉRREZ, 1997: 79) 
8 O próprio Ramón Gutiérrez reconhece a abrangência que alcançou este juízo negativo: “La calle definía el 
carácter de paisaje urbano y es quizás su unidad rectilínea, fruto del cordel, lo que ha forjado la imagen de 
monotonía que muchos (demasiados) autores suelen adjudicar a las ciudades americanas.” (GUTIÉRREZ, 
1997: 97) 
O processo de fusão entre as experiências díspares que permearão o universo latino-
americano assumirá o papel de originar ações inéditas no que concerne à estruturação 
barroca do ambiente, onde a presença da arquitetura é de fundamental importância9. 
Nicolini sintetiza a questão debatida, e acaba revelando o caminho mais consistente para a 
resolução do problema exposto (Figuras 8, 9, 10): 
“La ciudad hispanoamericana consolidó, en el siglo XVI, un tipo urbano 
nítidamente definido por su estructura física en cuadrícula, sin acentos ni contrastes 
y con un único elemento diferenciado al centro, la plaza multifuncional. En el 
período barroco, el crecimiento poblacional, el enriquecimiento funcional y el uso 
permanente o efímero que se les dio a esos espacios, conjuntamente con el paisaje 
urbano resultante de la construcción de edificios barrocos transformó la estructura 
urbana neutra del siglo XVI, en un espacio barroco a la española, mejor aún, a la 
hispanoamericana.” (NICOLINI, 2001: 110). 
 
 
9 “Las transformaciones arquitectónicas produjeron profundos cambios en el paisaje urbano. Así se fue 
definiendo en Hispanoamérica un tipo característico de interior urbano mediante los parámetrosplanos 
con escasos relieves, las portadas, las balconadas y las recovas, las tiendas esquineras, las techumbres de 
telas visibles desde la calle, las composiciones complejas de tres o más pisos y tres calles de las fachadas 
de los pies de las iglesias, sus campanarios y cúpulas y las recovas en dos plantas de los cabildos.” 
(NICOLINI, 2001: 110) 
Figuras 6 e 7: Imagens da Catedral da Cidade do México e sua implantação em El Zócalo, a 
Plaza Mayor. Destaque para o Sacrário construído por Lorenzo Rodriguez, à direita da 
Catedral. Fonte: Rodrigo Baeta, 2000. 
Figuras 8, 9 e 10: Vias retilíneas no centro histórico da Cidade do México. Destaque para a 
Iglesia de la Santíssima Trinidad que aparece na última imagem. Fonte: Rodrigo Baeta, 2000. 
À procura de um caminho para a leitura do espaço barroco das 
cidades planificadas da América espanhola 
No período barroco, a organização artística do espaço atinge uma carga de 
expressividade visibilística nunca antes vista: um conjunto intenso de imagens "espetaculares" 
é derramado por todo o ambiente citadino. O transeunte transforma-se imediatamente em 
público e protagonista de uma encenação teatral quando, inesperadamente, após longa 
preparação e um sentimento de tensão e suspense, se depara com acontecimentos dramáticos 
pontuais espalhados por toda a cidade (BAETA, 2002). 
O que dará o tom da construção destes cenários dramáticos é a filiação do espaço 
resultante, aos princípios essenciais do Barroco: o apelo persuasivo e o uso do poder 
ilimitado da imaginação (ARGAN, 1964). 
A persuasão provém da necessidade de desenvolvimento de um enérgico mecanismo 
de divulgação e de exposição do extraordinário poder emanado pelas estruturas políticas e 
religiosas que povoaram o cenário seiscentista e setecentista: uma estratégia de 
representação que fosse acessível a todos, desde os mais humildes aos mais doutos. 
A imaginação é derivada, por sua vez, do desinteresse que o artista barroco 
demonstra pelo conhecimento e pela representação da natureza: a fusão entre ciência e arte 
pregada pela Renascença e base para grande parte dos dramas maneiristas será rompida 
definitivamente - na verdade, os problemas oriundos da interpretação do mundo afastam-se 
do domínio da arte e voltam-se exclusivamente para a experimentação científica e para a 
filosofia (ARGAN, 1994). 
Este afastamento da arte dos séculos XVII e XVIII em relação à contemplação e 
representação da natureza revela que os artistas não buscam mais o domínio do “real”, a 
experiência sensível ou inteligível do mundo. Como conseqüência, a “verdade” não 
interessa se não como referência para a sua superação; a técnica artística não está mais a 
serviço da representação "correta" da natureza, mas da ampliação das “barreiras” do 
possível, assumindo, deste modo, o alcance ilimitado da imaginação humana - e só o poder 
"fantástico" da imaginação seria capaz de demonstrar a estrutura sobrenatural da Igreja e 
do Estado dos séculos XVII e XVIII. 
Por isso, a cidade se transforma no baluarte do projeto de propaganda barroca, 
absorvendo uma estrutura francamente dramática para a sedução do transeunte. A 
cenografia imposta pela cidade barroca, porém, atua de forma diferenciada de uma peça de 
teatro: na encenação teatral, o espectador permanece parado enquanto tudo se move à sua 
frente; no espaço urbano o espetáculo é imóvel, exigindo a movimentação do fruidor para a 
revelação dos acontecimentos dramáticos, antecedidos por momentos de expectativa e 
espera - toda a estrutura visibilística do organismo urbano concorrendo para despertar o 
poder insuperável da imaginação. Segundo Argan: 
 “De resto a cidade também era um teatro; assim, não fazia sentido distinguir entre 
espaço real e ilusório, arquitetura construída e aparato cênico, já que são 
igualmente objetos de percepção e estão incluídos na ilimitada fenomenologia da 
imaginação.” (ARGAN, 1993: 173)10 
Para a arte barroca, conseqüentemente, não é significativa a construção do espaço como 
representação objetiva formal de um conceito universal, como era o caso do Renascimento. Toda 
a pesquisa se dirige para a maneira como a articulação espacial sensibiliza o indivíduo através da 
imagem que suscita, o que Argan denomina de "modos de visão" (ARGAN, 1973: 79). 
Neste sentido, nas mais importantes cidades do período, tanto na Europa como na 
América colonial, os eixos perspectivos ou o traçado retilíneo não absorvem a capacidade 
de, isoladamente, proporcionarem a nova qualificação artística para a cidade: tanto o mais 
conhecido caso de intervenção urbana da idade do Humanismo - o plano de Domenico 
Fontana para a Roma de Sisto V - como a conformação da maioria das cidades planificadas 
hispano-americanas são iniciativas de remodelação do espaço urbano originadas e 
efetivadas antes do período barroco, empreendimentos que se confundem com poéticas 
tardo-renascentistas ou francamente maneiristas - comuns ao século XVI. 
O que transformará, posteriormente, estas cidades de gênese quinhentista em 
organismos indubitavelmente barrocos são os recursos retóricos dramáticos, que através do 
trabalho das imagens surpreendentes espalhadas pelo espaço urbano, sensibilizarão os que 
participarão da encenação barroca - o cidadão comum. 
Assim, o esforço profundo de comunicação e a convincente retórica proposta pelas 
imagens oferecidas, despertam a imaginação, e apóiam a apreciação de um cenário que não 
é desvelado objetivamente, mas que preenche a mente com experiências "fantásticas". E 
esta sensação de "maravilha" (ARGAN, 1964: 23) não está subordinada à suposta intenção 
que antecipa os eventos, ao esquema de formulação das cenas - muitas vezes oriundas de 
acontecimentos que podem ser rigorosamente espontâneos; mas fundamenta-se na pura 
percepção visibilística da exibição dramática. 
 
10 Citação retirada do ensaio: "Bernini e Roma". 
A duração da "peça teatral", o desenvolvimento de seu "enredo", estão 
inevitavelmente ligados ao espectador; a trama se desenrola a partir da maneira como o 
passante se apropria do ambiente citadino: o acesso que irrompe na cidade, os percursos 
que escolhe, as visadas que aprecia na sua jornada. 
Parecem frágeis, deste modo, as análises que partem da premissa que simplesmente uma 
série de constantes formais, de regras estilísticas derivadas do processo de planificação e 
desenvolvimento dos núcleos urbanos poderiam estruturar uma avaliação artística do fenômeno 
barroco. Silvia Rossi refuta esta abordagem que acaba limitando, e mesmo impedindo a 
compreensão da experiência barroca ibero-americano em toda a sua complexidade: 
“El barroco, especialmente en su dimensión iberoamericana, tiene la virtud de 
transformarse en expresiones que, aun reconociendo una filiación común, adquieren 
una identidad propia que las distingue de acuerdo al contexto cultural en el que se 
desarrollan. Para comprender la esencia del barroco es necesario liberarnos en el 
análisis metodológico de la pretensión canónica que lo interpreta en base a una serie 
reglas estilísticas enunciadas desde una lógica meramente formal.” (ROSSI, 2001: 73) 
Assim, o que poderia oferecer a condição barroca à cidade hispano-americana seria a 
sua absorção do espírito geral de dramaticidade formulado no período: o problema consistiria 
na elaboração de um ambiente que revelasse um discurso convincente - retórica, persuasão - 
e um desejo de demonstrar o afastamento do sentido de representação da realidade objetiva, 
buscando a geração de um jogo de imagens que provocasse virtualmente o rompimento das 
barreiras do possível - a expressão da “maravilha”, a imaginação. 
E é por isso que resoluções formais utilizadas para alcançar este esforço de 
representação, no fundo de teor decisivamente abstrato, acabariam se manifestando de maneira 
categoricamente distinto em cada contexto onde o Barroco seria absorvido.Argan sintetiza: 
"Ahora es evidente la evolución histórica de la arquitectura barroca: nace en Roma 
de un ideal grandioso, al mismo tiempo religioso y político, y para exaltar el valor de una 
autoridad casi sobrehumana o bien que deriva directamente de Dios para la salvación de 
los hombres, acentúa cada vez más su carácter práctico, su capacidad de adherir a 
exigencias de 'representación' de las grandes ideas e de las grandes fuerzas que regulan la 
vida de la sociedad. Por ese motivo la declinación de las formas barrocas es 
profundamente distinta en cada país.” (ARGAN, 1960: 69) 
Por isso, também não faz sentido condicionar a valoração artística e a qualificação 
barroca dos núcleos urbanos a um processo consciente de planificação, ao estabelecimento 
prévio de um “projeto urbano total”: o que caracterizaria a cidade hispano-americana como 
barroca não seria o plano gerador, e sim a sua materialização e o seu desenvolvimento 
posterior - a cidade real. 
A constituição da ebriedade barroca poderia mesmo partir da própria corrupção da 
estrutura austera, típica do “urbanismo” previamente esboçado que os espanhóis 
propuseram para a América - ações muitas vezes desenvolvidas a posteriori, nos séculos 
XVII e XVIII. A idéia seria preencher o ambiente preexistente com imagens “fantásticas”, 
monumentais ou de grande apelo visibilístico; distribuir pelo tecido urbano, momentos de 
forte conotação cenográfica. 
Talvez esta disposição poderia explicar o papel fundamental exercido pelas imponentes 
e movimentadas portadas para a estruturação dramática dos núcleos urbanos: marcando os 
acessos principais das edificações ordinárias e dos palácios oficiais, ou constituindo as 
“fachadas retábulo” de muitas igrejas do período, as portadas dinamizam o espaço truncado do 
ambiente citadino, revelando momentos de deleite e devoção - provavelmente em nenhum 
contexto barroco estes expedientes foram tão importantes na configuração cenográfica da 
cidade barroca como na América ibérica (Figuras 11, 12, 13): 
“Las portadas constituyen composiciones autónomas con respecto al resto de la 
fachada que tienen por finalidad señalar el acceso y dar cuenta de su importancia. 
Desde ejemplos tan ilustres como la de San Pablo de Valladolid, la de la Universidad 
de Salamanca o la del Palacio San Telmo de Sevilla, en América se recorrió un parejo 
arco estilístico desde la Casa del Cordón en Santo Domingo hasta la de la Inquisición 
de Cartagena, el Sagrario de México o, en Lima, la de San Francisco y, de nuevo, la 
del Palacio Torre Tagle. Fue frecuente que la o las portadas se adicionaran 
tardíamente al edificio, particularmente en el período barroco, tal como ocurrió con 
las dos portadas de la catedral de La Plata o, a finales del siglo XVIII, la portada en 
forma de baldaquino adicionada a la catedral de Quito en su acceso desde la plaza. 
Una variante apropiada, en el caso de las iglesias, fue la portada retablo, cuya 
estructura de calles y pisos reitera la composición del retablo en madera del altar al 
interior de la iglesia.” (NICOLINI, 2004: 1096) 
Figuras 11 e 12: Imagens de Lima, Peru. O Placio Torre Tagle e a estrutura do convento de São 
Francisco. Fonte: AISA. 
Figura 13: Adro da Basílica de la Soledad em Oaxaca, México. Fonte: Rodrigo Baeta, 2000. 
A Plaza de Armas de Cuzco 
Dando continuidade e exemplificando a discussão anterior, seria interessante avaliar 
o papel exercido pelas duas igrejas que ocupam a praça principal da cidade de Cuzco na 
configuração artística do núcleo urbano: a estrutura monumental da Catedral e a igreja da 
Companhia, com suas portadas em forma de grandes retábulos de pedra, vão pontuar 
distintamente a experiência da descoberta do ambiente citadino. 
Ambiente que começa a ser configurado em 1534 quando, após a ocupação da cidade 
inca por Pizarro, em novembro do ano anterior, inicia-se a rápida construção de um núcleo 
hispano-americano de razoável regularidade, que viria a se sobrepor à imponente estrutura 
nativa preexistente - em uma altitude de 3400 metros, nos Andes peruanos. O elemento 
central da nova cidade vai ser, como era usual na concepção e consolidação dos 
assentamentos hispânicos, a Plaza de Armas, imenso espaço vazio com o formato de um 
retângulo não muito regular, desenvolvido longitudinalmente no sentido noroeste - sudeste. 
Apesar de sua dimensão grandiosa, o mais importante recinto público da Cuzco colonial 
nascerá como um fragmento do ambiente precedente ocupado pela remota praça 
Huaynapata (GUTIÉRREZ, 1997:80) - o que dá idéia da extensão incomensurável dos 
espaços abertos que preenchiam as cidades pré-colombianas (Figura 14). 
Em um dos lados maiores da Plaza Mayor, na face nordeste, será edificada a Catedral 
de Cuzco. A estrutura erguida ainda no século XVI irá se justapor às ruínas do palácio inca 
de Viracocha, marcando a tendência do “urbanismo” hispano-americano de assentar a mole 
do principal edifício religioso da cidade na Plaza de Armas. Sua monumentalidade, aliada à 
implantação do largo frontispício que encerra uma parte significativa da área mais próxima 
ao lado sudeste da praça, revela a importância que a cidade irá adquirir, após a ocupação 
espanhola, como centro de divulgação do cristianismo para os povos dominados do novo 
mundo (Figura 15). 
Por outro lado, a construção da igreja dos jesuítas na mesma praça, acima das ruínas 
do palácio inca de Huyana Capác, não irá se filiar ao modus operandi dos conquistadores. Os 
espanhóis buscavam evitar que qualquer organismo arquitetônico religioso de caráter 
expressivo disputasse o interesse com a Catedral. A grandiosa conformação do templo de la 
Compañia, entretanto, ocupará parte de um dos lados menores da Plaza Mayor, com sua 
fachada principal alinhada à face sudeste da praça - conseqüentemente, nas imediações da 
Catedral (Figuras 16, 17, 18). A concentração destas duas estruturas ligadas ao poder 
espiritual, assentadas em um dos cantos do amplo espaço aberto, apoiará um confronto 
dramático que, indubitavelmente, só favorecerá a intensificação do caráter barroco do núcleo 
urbano. E este conflito anunciará o diferente papel que cada um dos organismos 
arquitetônicos irá exercer na antiga praça Huaynapata11. 
Apesar da extensão considerável da praça, a presença da Catedral nunca deixará de 
ser percebida. A estrutura maneirista, formada por uma massa poderosa e sólida, surgirá 
como um volume monumental, rompendo o conjunto composto pelas galerias porticadas 
que envolvem todo o ambiente. A largura incomum da frontaria, que será arrematada aos 
lados pelas torres de 33 metros de altura que marcam os vértices da fachada, “invade” o 
ambiente à frente dilatando-se para a área contígua à locação de la Compañia. Este sentido 
de diástole oferecido pela projeção perspéctica do edifício e pela expansão transversal do 
frontispício - direcionamentos virtuais que buscam preencher o vazio urbano - é favorecido 
pela própria implantação do templo, que se coloca à frente das duas capelas agregadas às 
suas fachadas laterais - à esquerda, a igreja de Jesus e Maria; à direita, o templo el Triunfo. 
O santuário dos jesuítas, por sua vez, concebido no século XVII em substituição ao 
edifício preexistente, arruinado pelo terremoto de 1650, se apresentará como a conclusão de 
uma igreja cuja nave aberta percorre o vazio longitudinal da Plaza Mayor: um dinâmico 
altar-mor de pedra, sob o céu azul de Cuzco, vo ltado ao principal espaço do núcleo urbano - 
contido por um organismo elegante e esguio, formado pelo frontispício e pelas duas torres 
(Figura 19). Esta solução coloca em questão a possibilidade de se fazer a distinção, em uma 
experiência artística barroca, entre espaço interior e exterior, pois, como diria Gasparini: 
“La fachada es el retablo exterior que demuestra el significado del edificio que tiene 
detrás. Es un diafragma que semiológicamente comunica el interior con el exteriory 
viceversa.”(GASPARINI, 1980: 44) 
Não obstante, o efeito cenográfico mais significativo que se pode retirar na 
experimentação arrebatadora da Plaza de Armas de Cuzco será absorvido no convincente 
 
11 “En el momento de la ocupación española, en marzo de 1534, Pizarro decidió conservar e hacer nivelar 
la gran plaza incaica que se convertía así en el centro de la nueva ciudad. Hizo falta, entre otras cosas, 
demoler el antiguo palacio de Viracocha, en cuyo emplazamiento se levantó la futura catedral. El resto de 
la plaza constitió en casas bajas, de uno piso, sobre arcos en planta baja, solución típicamente española. 
(...) Sin embargo hay otra iglesia - la Compañia - sobre esta mismo plaza y ello en contra de la tradición 
española que quiere que en América la catedral aparezca solo tronando en ese lugar privilegiado. En 
realidad las dos capillas adheridas a la catedral - Jesús María a la izquierda de quien mira, y el triunfo a 
su derecha - no cuentan, por así decir. Están simplemente adosadas a la gran masa de la que forman parte, 
un poco a la manera de los sagrarios en algunas otras ciudades hispanoamericanas. Y si de la gran Plaza 
de Armas es verdad que se ve el convento de la Merced con su iglesia y su torre, hay que reconocer que el 
conjunto da sobre una calle lateral. 
El solo templo que comparte, pues, la plaza con la catedral es, por cierto, la Compañía. Si la catedral es a 
dominante horizontal, esta segunda iglesia de los jesuitas - que es la que vemos aún hoy - resulta a 
dominante vertical.” (BAYÓN, 1974: 71-74) 
discurso religioso instigado pela fusão entre as duas ações dramáticas avaliadas 
anteriormente: na agitação suscitada pela percepção da imagem contígua dos templos, e 
particularmente, na justaposição dos espaços livres adjacentes às duas igrejas - o expansivo 
átrio dominado pela Catedral; a nave aberta da praça, encerrada pela igreja da Companhia 
de Jesus 12. O sentido de “maravilha” (ARGAN, 1964: 23) revelado na co-existência destes 
espaços abertos, ligados simbolicamente aos organismos religiosos, animará a retórica 
barroca perseguida no vazio da antiga praça Huaynapata, através da interpenetração 
imprevista destes espaços autônomos (Figuras 20, 21). 
 
 
12 Neste sentido, Trevigiano propõe uma interpretação da relação entre estes dois organismos religiosos e a 
Plaza de Armas de Cuzco ao discutir a importância dos adros das igrejas na América espanhola e da relação 
destes espaços, ao mesmo tempo públicos e privados, com as fachadas dos templos: 
“Muy interesante es el caso de Cuzco en la que la plaza principal, resultado de la reducción de la 
precedente cancha incáica, presenta dos iglesias que se disputan el espacio: la Catedral y la Compañía, la 
primera de finales del siglo XVI, la segunda del siglo XVII. 
Pero será La Compañía la que, con su fachada-retablo de estilo barroco, presidirá la plaza-iglesia como 
una grandiosa nave abierta según los nuevos conceptos urbanísticos mientras que la Catedral, con su 
amplio atrio sin muros que lo limiten y con la austeridad de sus volúmenes, rememora las soluciones del 
siglo XVI. La plaza es rodeada por amplios portales que conforman una galería continua solo quebrada 
por los grandes e imponentes volúmenes de las dos iglesias citadas y ubicadas en ángulo, además de los 
edificios anexos. 
En ocasiones de las fiestas religiosas, durante la Colonia, los altares de la Catedral venían trasladados a 
los costados de la plaza, se cubrían las galerías con paños y cortinajes y se armaban arcos triunfales en el 
recorrido procesional, mientras las dos fachadas eclesiásticas hacían de retablos principales reviviendo la 
función de las capillas abiertas de indios.” (TREVIGIANO, 2004: 1169) 
Figura 14: Imagem aérea de Cuzco. Fonte: http://www.tierra-inca.com 
 
Figura 15 e 16: Catedral de Cuzco. Fonte: AISA. Igreja La Compañia. Fonte: http://shw.fotopages.com 
Figuras 17: Igreja dos jesuítas com o convento La Merced ao fundo. Fonte: Rodrigo Baeta, 2002. 
Figura 18: Imagem da igreja da Companhia. Fonte: http://www.tierra-inca.com 
 
 
Figura 19: Imagem aérea da Plaza de Armas de Cuzco. A igreja no fundo, em destaque, é la 
Compañia. Fonte: AISA. 
Figuras 20 e 21: Imagens da Plaza de Armas com destaque para a Catedral de Cuzco, à esquerda, e 
para la Compañia, à direita. Fonte: http://shw.fotopages.com 
Considerações finais 
Como conclusão desta comunicação que objetiva lançar alguns pontos para a 
reflexão e para a discussão sobre a qualificação barroca das cidades planificadas hispano-
americanas, basta reiterar o que já foi discutido anteriormente: O caráter barroco que 
muitos núcleos urbanos da América colonial alcançou não parte diretamente do traçado 
regular proposto e efetivamente implantado. Como diria Alberto Nicolini, raramente a 
estrutura urbana em si vai oferecer os ingredientes dramáticos exigidos a uma manifestação 
que alcance o espírito barroco. 
Será, conseqüentemente, na cidade real desvelada a posteriori, onde poderá ser 
encontrado o exercício da retórica barroca, que transformará a cidade em um grande e 
coeso aparato cenográfico. 
“La vida barroca dejó sus huellas en la forma urbana; escasamente en la estructura 
urbana, pero sí en el paisaje urbano mediante las portadas, los balcones, las torres 
y hasta en los aderezos efímeros de las fiestas que, en ciertos casos quedaron 
gráfica o literariamente registrados.” (NICOLINI, 2004: 1099) 
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