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[MERRIT] Várias doenças diferentes se caracterizam por degeneração e perda progressiva de neurônios motores na medula espinal. com ou sem lesões semelhantes dos núcleos motores do tronco cerebral ou do córtex motor, e por substituição das células perdidas por gliose. Todas essas rendições podem ser consideradas doenças do neurônio motor (no plural). O termo doença do neurônio motor (no singular), todavia, é usado para descrever uma doença de adultos, a esclerose lateral amiotrófica (ELA), em que são afetados os neurônios motores tanto superiores como inferiores. (Os termos doença do neurônio motor e ELA se tomaram equivalentes nos EUA.) A ELA é definida patologicamente como uma condição em que há a degeneração tanto de neurônios motores superiores como de neurônios motores inferiores. Charcot fez as descrições clínicas e patológicas chave, e a doença na Europa leva seu nome. Nos Estados Unidos, a doença é designada coloquialmente "doença de Lou Gehrig", devido ao jogador de beisebol famoso que tinha a doença. Em vida, a ELA é definida por evidências de acometimento tanto do neurônio inferior (fraqueza, adelgaçamento e fasciculação) como do neurônio motor superior (reflexos tendinosos hiperativos, sinais de Hoffmann, sinais de Babinski ou clônus) nos mesmos membros. [ABN] A esclerose lateral amiotrófica (ELA), também conhecida como Lou Gehrig’s disease, ou ainda doença de Charcot, é uma doença neurodegenerativa que afeta as células nervosas no cérebro, tronco cerebral e medula espinal. O termo amiotrófico provém da língua grega: a significa não ou negativo, myo refere-se ao músculo, e trophic, meio-nutrição – “não músculo alimentação”, ou seja, músculo sem energia. Quando um músculo não tem qualquer alimento, ele tem “atrofia”. “Lateral” identifica as áreas da medula espinal em que as porções de células nervosas estão localizadas. Como essa área sofre degeneração, leva à cicatriz ou ao endurecimento (“esclerose”) na região. A degeneração progressiva dos neurônios motores em ELA eventualmente leva à sua morte através da perda do controle do movimento ou contração muscular voluntária, sobretudo em músculos essenciais à vida, como o diafragma e os intercostais, levando ao óbito 3 a 5 anos após o início dos sintomas. As primeiras descrições referentes à doença do neurônio motor começaram em 1865, com JeanMartin Charcot, em uma paciente do sexo feminino que apresentou crise de histeria, com doença associada ao acometimento do neurônio motor superior e alterações em necropsia descritas como esclerose em coluna lateral da medula espinal. No ano de 1874 aconteceu a descrição original de Jean-Martin Charcot e Alix Joffroy. A apresentação clínica de 20 pacientes com atrofia muscular (amiotrofia) e espasticidade, associada ao endurecimento da porção lateral da medula espinal (esclerose lateral) e lesões do corno anterior da medula em cinco necrópsias, foi nomeada por Charcot como “de la sclérose laterale amyotrophique” (esclerose lateral amiotrófica – ELA). Os pacientes diagnosticados com ELA não recebiam um tratamento específico. Eles eram orientados a voltar para casa para organizarem a vida naquele pouco tempo de sobrevida esperada, uma vez que nada mais poderia ser feito. Nem mesmo a descoberta de ELA em Lou Gehrig, famoso jogador de beisebol norte-americano, cujo nome tornou-se epônimo de ELA nos EUA, falecido em 1941, aos 37 anos de idade, mudou esse comportamento. Lou Gehrig recebeu, como forma de tratamento experimental, injeções de vitamina E, aparentemente sem qualquer mudança na história natural da doença. Nos anos 1950, novas formas da doença foram reconhecidas, especialmente na forma regional do complexo ELA/demência/Parkinson, em Guam, uma das Ilhas Marianas. Em 1969, coincidindo com o Simpósio Internacional em Doenças do Neurônio Motor, com publicações de trabalhos com novas técnicas diagnósticas em eletrofisiologia (eletroneuromiografia) e com novas teorias, os estudos em ELA tiveram um maior estímulo, embora uma explosão de publicações somente começasse ocorrer nos anos 1980. No Brasil, a primeira descrição de ELA coube ao Dr. Cypriano de Freitas, publicada em 1910 nos Archivos Brasileiros de Psychiatria, Neurologia e Medicina Legal, p 71. No Brasil, o dia 21 de junho é considerado Dia Nacional de Luta contra a ELA. Epidemiologia [HARRISON] Na maioria das sociedades, a incidência é de 1 a 3 por 100.000 e a prevalência, 3 a 5 por 100.000. É notável que cerca de 1 em cada 1.000 mortes de adultos na América do Norte e na Europa Ocidental (e provavelmente em outros locais) se devam à ELA. Existem vários focos endêmicos com prevalência maior no oeste do Pacífico (p. ex., em regiões específicas de Guam ou de Papua-Nova Guiné). [BRAGA] Segundo a Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica a prevalência populacional da Esclerose Lateral Amiotrófica é de 3 a 8/100.000 habitantes (ABRELA, 2013) corroborado nos últimos estudos americanos que relacionaram uma prevalência de 5/100.000 habitantes. A incidência da Esclerose Lateral Amiotrófica, observada no estudo Neurologia: Esclerose lateral amiotrófica Igor Mecenas europeu EURALS, é de 2,16 casos por 100.000 habitantes, sendo maior no sexo masculino (2,4/100.000) do que no sexo oposto (1,9/100.000). A idade mais frequente de início nas mulheres é de 75-79 anos e nos homens no intervalo de 70-74 anos. Em alguns estudos brasileiros foi observada a incidência de 0,6 a 2,6 por 100.000 habitantes. Estatisticamente o sexo masculino é o mais acometido, em uma proporção de 2:1 e se apresenta com uma média de idade de início dos sintomas aos 57 anos, de forma mais precoce nos homens, embora estudos recentes indicaram que o número de casos está mais próximo da igualdade entre o sexo masculino e feminino. Existem poucos estudos epidemiológicos acerca da ELA no Brasil, muitos ainda antigos, a maioria deles com mais de 10 anos de publicação. Os mesmos podem ser sintetizados e sistematizados no quadro de revisão abaixo: [BERTOLUCCI] A média de idade de início de ELA esporádica varia entre 55 e 65 anos, com uma idade mediana de aparecimento aos 64 anos. Apenas 5% dos casos têm um início antes dos 30 anos, embora a forma juvenil esporádica venha sendo cada vez mais reconhecida. A forma bulbar de acometimento é a mais comum em mulheres e em grupos etários mais velhos, com 43% dos pacientes com mais de 70 anos de idade apresentando sintomas bulbares em comparação com 15% dos pacientes com idade inferior a 30 anos. A idade de início da ELA familiar é cerca de uma década antes do que para os casos esporádicos, afetando homens e mulheres igualmente, e apresentando uma menor sobrevida. Fatores de Risco [UptoDate] Os únicos fatores de risco estabelecidos para ELA são idade e histórico familiar. Evidências cumulativas sugerem que o fumo de tabaco também seja um fator de risco. Existem dados mais fracos ou conflitantes quanto a outros fatores, como serviço militar; trabalho na agricultura, em fábricas (especialmente de plástico), braçal pesado; exposição a pesticidas, soldas e fumos, metais pesados; uso muscular repetitivo, atletismo, futebol profissional; trauma, choque elétrico, campos magnéticos de baixa frequência, alopecia precoce, baixa gordura corporal pré-mórbida e diagnóstico de polimiosite. Paradoxalmente, outros dados sugerem que a mortalidade por ELA é aumentada em pessoas com trabalhos com maior nível socioeconômico onde a exposição a toxinas é mais rara (educação, computação, direito, arquitetura e engenharia) e mais baixa nas com menor nível socioeconômico (mineração, construção, lavoura, pesca e florestal). Etiologia e Fisiopatologia [BERTOLUCCI] Embora a maioria dos casos de ELA seja esporádica, cerca de 5 a 10% dos casos têm história familiar; destes, 20% têm uma mutação no gene SOD1 e cerca de 2 a 5% têm as mutações dos genes TARDBP (TDP-43), FUS, VCP, OPTN1e ANG. Na ELA juvenil (antes dos 30 anos), a maioria dos casos apresenta herança autossômica recessiva, embora o padrão de herança dominante associada ao cromossomo 9q34 (ELA4, senataxin) tenha sido descrito. Formas recessivas foram mapeadas nos cromossomos 2q33 (ELA2, alsin) e 15q12-21. [UptoDate] Um número de mecanismos potenciais foi proposto, incluindo processamento anormal de RNA, desordens do controle de qualidade de proteínas, excitotoxicidade, desarranjos de citoesqueleto, disfunção mitocondrial, infecção viral, apoptose, anormalidade de fatores de crescimento, resposta inflamatória e outros. Processamento de RNA alterado Mutações em um número de genes que codificam para proteínas de ligação, que incluem TDP-43 e FUS, são conhecidas por causar ELA e estarem relacionadas a doenças neurodegenerativas. Essas proteínas contêm domínios semelhantes a príons que têm uma propensão intrínseca a auto-agregação. Eles normalmente funcionam reunindo RNA em grânulos de estresse, os quais são estruturas temporárias que ajudam a regular a síntese de proteínas como parte da resposta ao estresse. Mutações nesses domínios promovem excesso da incorporação de proteínas em grânulos que são resistentes a degradação e/ou promovem auto-agregação de proteínas de ligação de RNA anormais. Outra hipótese é de que TDP-43 normalmente funcione suprimindo o splicing de regiões não conservadas do genoma conhecidas como exons crípticos. A depleção ou agregação de TDP-43 permite o splicing dos exons crípticos em RNA mensageiro, o que perturba a tradução e leva a morte celular. Expansões C9ORF72 Expansão de uma sequência de repetição de hexanucleotídeo em uma região não-codificadora do gene C9ORF72 é a causa mais comum da causa familiar de ELA e também é ocasionalmente detectada em pacientes com ELA esporádica. Vários mecanismos podem contribuir para o efeito dessa mutação na causa da doença. A repetição de hexanucleotídeo é composta por sequências ricas em gauanina (GGGGCC)n, as quais podem se dobrar para formar uma estrutura secundária chamada de G-quadruplex. Uma hipótese é de que o G-quadruplex inicia uma cascata de alterações patológicas que incluem a formação de híbridos de DNA/RNA, produção abortiva ou defeituosa de transcrições de RNA; e baixa produção de transcritos de RNA completos. Toxicidade mediada por SOD1 A superóxido dismutase tipo 1 (SOD1) é uma metaloenzima que catalisa a conversão de radicais superóxido em O2 e H2O2. A descoberta de mutações no gene SOD1 é associada com alguns casos de ELA familiar sugerindo que a toxicidade por radicais livres pode ter papel no processo de morte neuronal ou apoptose. Adicionalmente, mutações SOD1 foram achados em 0,7 a 4% dos pacientes com ELA esporádica. É mais provável que mutações SOD1 causem doença por um ganho de função tóxico. SOD1 tem atividade pró-oxidante assim como antioxidante e a proteína mutada poderia levar a lesão oxidativa por um aumento na via pró-oxidante, incluindo a geração de radicais hidroxila e nitração da tirosina. Outra hipótese é de que mutações SOD1 induzem agregados de proteína que são potencialmente tóxicos para neurônios motores. No entanto, o acúmulo de agregados pode ser uma manifestação secundária da doença em estágio terminal. Respostas inflamatórias Um número de estudos mostrou que processos inflamatórios estão envolvidos na progressão da ELA e morte neuronal. Essas respostas inflamatórias incluem ativação da micróglia e de astrócitos, assim como infiltração de células NK, linfócitos T periféricos e monócitos no SNC. Após ativada, a micróglia elabora fatores incluindo óxido nítrico, radicais de oxigênio, citocinas, glutamato e outras que podem ter papel em parte da cascada que leva à morte dos neurônios motores. Várias linhas de evidência sugerem que a micróglia é relevante na progressão da doença em modelos de ELA. Excitotoxicidade A hipótese da excitotoxicidade postula que níveis excessivos do neurotransmissor excitatório glutamato podem iniciar uma cascata resultando na morte celular dos neurônios motores. A ativação excessiva de receptores de gutamato pode levar ao aumento da entrada de cálcio nas células. Consequentemente, o cálcio intracelular pode ativar uma cascata de eventos que causa morte celular via peroxidação lipídica, dano ao ácido nucleico e rompimento mitocondrial. O papel da excitotoxicidade na ELA continua incerto, mas o achado de altos níveis de glutamato no LCR de pacientes com ELA e a presença de defeitos de transporte de glutamato serem notados em 80% dos pacientes com ELA esporádica dão suporte a essa teoria. Desarranjos de citoesqueleto As inclusões de neurofilamentos intracelulares encontradas em neurônios motores degenerados podem estar envolvidas na patogênese da ELA. Neurofilamentos são um tipo intermediário de filamentos expressos em altos níveis por neurônios motores e são formados pela junção de subunidades leves, médias e pesadas. Eles normalmente funcionam como elementos estruturais que performam papéis vitais na manutenção do formato celular, calibre e transporte axonal. Neurofilamentos desarranjados podem perturbar o transporte e causar estrangulação axonal. Mutações na subunidade pesada dos neurofilamentos foram encontradas em formas esporádicas e familiares de ELA, assim como outras alterações. Infecções virais Vírus da pólio, enterovírus e retrovírus exógenos ou endógenos herdados foram propostos como sendo agentes causais da ELA. No entanto, estudos exaustivos nunca confirmaram uma relação etiológica clara. HIV e doença de Lyme podem causar uma síndrome parecida com a ELA. Patologia A ELA é caracterizada por degeneração do neurônio motor e morte com gliose substituindo os neurônios perdidos. Células corticais motoras (células piramidais e de Betz) desaparecem, levando a perda axonal retrógrada e gliose no trato corticoespinal. A gliose resulta nas mudanças de substância branca bilaterais que às vezes são vistas na RNM de pacientes com ELA. A medula espinal se torna atrofiada. As raízes ventrais se tornam finas e há perda de fibras espessas mielinizadas nos nervos motores. Os músculos afetados mostram atrofia por denervação com evidência de reinervação como o tipo agrupamento de fibras. Quadro Clínico [BERTOLUCCI] Os sintomas podem caracterizar uma síndrome relacionada ao neurônio motor superior ou inferior, achado típico da ELA • A disfunção do neurônio motor superior (DNMS) é caracterizada pela presença de fraqueza, reflexos tendíneos vivos e reflexos anormais. • A disfunção do neurônio motor inferior (DNMI) é caracterizada pela presença de fraqueza, fasciculações, atrofia e atonia. • A disfunção dos neurônios motores do tronco cerebral é caracterizada pela presença de disfagia e disartria. Aproximadamente 2/3 dos pacientes com ELA exibem a forma apendicular (clássica “forma de Charcot”) relacionada à fraqueza muscular focal, com início dos sintomas podendo ser distal ou proximal (menos comum) nos membros superiores e inferiores. Raramente os pacientes podem notar atrofia antes do início da fraqueza, podendo apresentar espasticidade e perda de destreza. Podem ser notadas fasciculações (espasmos musculares involuntários) ou cãibras anteriores ao aparecimento de fraqueza, mas comumente esses sintomas acompanham a progressão da perda motora e representam degeneração neuronal. A fraqueza geralmente tem início insidioso, e os pacientes podem notar que os sintomas são exacerbados por alterações térmicas. Embora sejam geralmente assimétricos de início, outros membros desenvolvem fraqueza e atrofia e, cedo ou tarde, a maioria dos pacientes passa a desenvolver sintomas bulbares e respiratórios (embora não necessariamente nessa sequência). [ABN] A fraqueza é progressiva e acomete os quatro membros de maneira assimétrica e somatória. Dentre os sintomas mais comuns, no início do quadro, temos câimbrase fadiga, que indicam lesão do neurônio motor inferior (NMI). As raízes apendiculares mais comumente afetadas pela doença são C8-T1 em MMSS e L5-S1 em MMII, por isso são mais comuns as queixas de dificuldade de pinça, devido à fraca oponência do polegar, e de tropeços, pela dificuldade de dorsiflexão do pé. [BERTOLUCCI] Gradualmente, a espasticidade pode se desenvolver nos membros enfraquecidos e atróficos, afetando a destreza manual e a marcha. Nos estágios avançados da doença, os pacientes podem desenvolver espasmos flexores ou clônus, que são espasmos involuntários decorrentes da ativação excessiva do arco reflexo em um membro espástico. Às vezes, os sintomas encontrados incluem disfunção da bexiga, como urgência miccional, e sintomas de envolvimento de outros sítios do SNC, por exemplo, demência frontotemporal e parkinsonismo. [ABN] Nas formas bulbares, os sintomas comuns são disfonia (fala anasalada) associada a disfagia (dificuldade de deglutição) e disartria (dificuldade com a fala). Associadamente, aparecem sinais de envolvimento do neurônio motor superior, como labilidade emocional, choro e riso imotivados, hiperreflexia do masseter, mandibular e sialorreia. O envolvimento bulbar facilita a ocorrência de aspiração e o surgimento de complicações precoces durante a evolução da doença, além de dificultar o estadiamento da capacidade vital forçada pela dificuldade de oclusão bucal na espirometria. Sintomas como depressão, ansiedade e distúrbios do sono são relativamente frequentes, ocorrendo em 30 a 50% dos pacientes, e são aliviados com medicação. Audição, paladar, olfato e tato não são afetados. O envolvimento da musculatura torácica determina dificuldade na expansibilidade pulmonar, com redução progressiva da capacidade vital forçada, e é fator determinante para as complicações causadoras da morte para os pacientes, na maioria das vezes pneumonia. Outras complicações, principalmente em pacientes acamados, podem incluir úlceras cutâneas e embolia pulmonar devido à trombose venosa profunda. O envolvimento esfincteriano está ausente, e somente em fases avançadas da doença a urgência miccional e a incontinência podem ocorrer em uma minoria de pacientes em decorrência da degeneração do núcleo de Onuf da coluna sacral. [BERTOLUCCI] Cerca de 5% dos casos de ELA apresentam insuficiência respiratória como início dos sintomas, sem envolvimento significativo de membros ou sintomas bulbares. Esses pacientes apresentam sintomas de insuficiência respiratória ou hipoventilação noturna, como dispneia, ortopneia, sono perturbado, dores de cabeça matinais, sonolência diurna excessiva, anorexia, diminuição da concentração e irritabilidade ou alterações de humor. [ABN] O envolvimento multissistêmico na ELA se torna mais evidente após um longo tempo de doença, sobretudo nos pacientes submetidos à ventilação mecânica. Alterações autonômicas são extremamente raras e limitadas a alterações da cor e temperatura em membros paralisados por fraqueza e atrofia e podem estar presentes nas formas familiares, principalmente nas famílias com mutação da VAPB. A musculatura ocular extrínseca está preservada, porém paralisia supranuclear progressiva pode ocorrer em fases tardias, assim como anormalidades sensitivas discretas relacionadas à degeneração axonal. Em fases mais avançadas, pode ocorrer envolvimento da musculatura cervical, comprometendo a flexão e a extensão e gerando limitação para respirar, levando à postura em camptocormia. Diagnóstico Anamnese [UptoDate] A ELA é uma das doenças degenerativas múltiplas do neurônio motor que são clinicamente definidas e é a forma mais comum de doença do neurônio motor adquirida. O diagnóstico é baseado em critérios clínicos que incluem a presença de sinais de neurônios motores superior ou inferior, progressão da doença e ausência de explicações alternativas. Não existe um teste diagnóstico único que pode confirmar ou excluir inteiramente o diagnóstico de doença do neurônio motor. O diagnóstico é sugerido quando existem sintomas progressivos consistentes com disfunção do neurônio motor que apresentam em um dos quatro segmentos corporais (cranial/bulbar, cervical, torácico e lombossacral) seguidos de espalhamento para outros segmentos em um período de meses a anos. O curso não é remitente-recorrente, normalmente insidiosamente progressivo. Perda de peso involuntária e perda de massa muscular não relacionada à nutrição também podem ocorrer. A ausência de dor neuropática ou radiculopática, perda sensorial, disfunção esfincteriana, ptose ou disfunção de musculatura extraocular também ajudam na sugestão de diagnóstico. Sintomas sensoriais podem ocorrer em 20-30% dos pacientes, mas o exame sensorial é comumente normal. Fenômenos considerados excludentes do diagnóstico são distúrbios de motilidade ocular incluindo paresia do supranuclear olhar, tremor ou outros movimentos involuntários, ataxia cerebelar, sintomas extrapiramidais e disfunção autonômica. No entanto, a presença de um ou mais desses achados pode ocorrer em síndromes ELA-plus. Disfunção cognitiva não exclui o diagnóstico de ELA. Disfunção frontotemporal comportamental ou executiva pode preceder ou seguir o início de sintomas motores em até 40% dos pacientes. Na maioria dos casos, os sintomas são leves e possivelmente só detectáveis com testes cognitivos formais. Exame Físico [BERTOLUCCI] O exame inicial nos membros superiores e inferiores geralmente revela atrofia muscular focal envolvendo sobretudo os músculos de mãos, antebraços, ombros, coxa proximal ou distal e pé. Fasciculações são normalmente visíveis em mais de um grupo muscular. A espasticidade é evidente nos membros superiores e inferiores por meio de manobras específicas de avaliação de tônus. Reflexos tendíneos profundos são patologicamente vivos ou exaltados. O sinal de Hoffmann pode ser positivo nos membros superiores e a resposta plantar é frequentemente extensora (sinal de Babinski). Em pacientes com disfunção bulbar, a disartria pode surgir de qualquer doença que afete o neurônio motor inferior (NMI) ou por paralisia pseudobulbar por meio de transtorno de neurônio motor superior (NMS), tornando a voz arrastada ou com qualidade nasal. Ao examinar os nervos cranianos, o reflexo mandibular pode estar exacerbado, especialmente na doença de início bulbar. Lesão do NMS causa uma fraqueza tipo facial na metade inferior da face, causando dificuldades com o selo de lábio e soprar das bochechas, além do aumento do reflexo mandibular. O reflexo de vômito é preservado, muitas vezes rápido, enquanto o palato mole pode estar fraco. Os pacientes desenvolvem fasciculações e atrofia da língua, enquanto os movimentos são retardados pela espasticidade. Os nervos cranianos permanecem intactos, mas os pacientes podem desenvolver uma paralisia do olhar, embora isso seja muito raro. A avaliação sensitiva é quase sempre normal. Com a progressão da doença, os pacientes desenvolvem a característica combinação de sinais de envolvimento do NMS e do NMI, afetando territórios bulbar, cervicais, torácicos e lombares. Insuficiência respiratória e outras complicações pulmonares são causas comuns de morte em ELA. Eletrodiagnóstico [BERTOLUCCI] Os estudos de condução nervosa na ELA mostram que a latência motora distal (LMD) e a velocidade de condução motora (VCM) permanecem quase normais, nunca com queda inferior a 70% do limite superior ou inferior do normal. Estudos de condução motora são importantes na exclusão de neuropatia motora multifocal, pela detecção de bloqueio na condução elétrica ao longo dos nervos. O estudo de onda F é particularmente útil para avaliar a condução proximal, e anormalidades têm sido relatadas em pacientes com ELA. Elas incluem o aumento da latência de onda F com frequência normal e amplitude aumentada, e da desaceleração da sua velocidade e a diminuição da frequência. Eletromiografiacom agulha concêntrica (EMG) fornece evidências de disfunção no NMI necessárias para apoiar o diagnóstico de ELA, devendo-se encontrar sinais de denervação aguda e crônica em pelo menos 3, ou 2 mais a bulbar, das 4 regiões do SNC (tronco cerebral, cervical, medular torácica ou lombossacral). Para a região do tronco cerebral, basta que a EMG demonstra alterações de um músculo. Para a região torácica é suficiente que demonstre alterações nos músculos paravertebrais iguais ou inferiores ao nível T6 ou nos músculos abdominais. Para região lombossacral, pelo menos 2 músculos inervados por diferentes raízes e nervos periféricos devem sofrer alterações de EMG. • Sinais de denervação ativa: fibrilação; onda aguda positiva. • Sinais de denervação crônica: potenciais grandes, um aumento da proporção de potenciais polifásicos, muitas vezes de maior amplitude; padrão de interferência reduzida com taxas de descarga mais elevada a 10 Hz (a menos que haja um componente significativo do NMS); potenciais motores de unidade instáveis. A estimulação magnética transcraniana (EMT) com medida de condução motora central é um método não invasivo para avaliar as vias motoras. Permite a detecção precoce de lesões do NMS em pacientes que não apresentem, ainda, sinais clínicos. Amplitude motora, limiar cortical, tempo de condução motora central e períodos de silêncio podem ser avaliados por esse método. Neuroimagem É importante tanto para o diagnóstico quanto a exclusão de uma lesão estrutural tratável que poderia mimetizar a doença. A RM pode ser usada para revelar lesões nas vias corticospinais na ELA. O achado mais característico é hiperintensidade das vias corticospinais em T2, sequência MTC e spin ECHO em T1 e Flair ponderada, e é mais bem visualizado no cérebro e no tronco cerebral e, em menor grau na medula espinal. Modalidades mais avançadas de neuroimagem, como RM com espectroscopia, tensor de difusão de imagem (DTI), RM com morfometria baseada em voxel e imagem funcional com técnicas (fMRI, PET e SPECT) têm um papel limitado na rotina clínica, mas são promissoras no entendimento da fisiopatologia da doença in vivo, na identificação de biomarcadores potenciais na progressão da doença e em modificações no curso temporal. Laboratoriais Hemograma, VHS, painel bioquímico geral, exame de urina, CK, aldolase, anticorpo antirreceptor de acetilcolina, anticorpos antigangliosídio (GM1, Asialo GM1 e GD1B), eletroforese de proteínas, dosagem de imunoglobulinas (IgA, IgG e IgM), perfil reumatológico, vitamina B12, folato e marcadores tumorais (alfafetoproteína, CEA, CA15.3, CA19.9, CA125, PSA e HU). Critérios Diagnósticos [UptoDate] O padrão clínico para o diagnóstico de ELA são os critérios de Airlie House. Eles foram adaptados (critérios de Awaji) para melhor incorporar a informação da eletromiografia e melhorar a sensibilidade do diagnóstico. Em 2019 um consenso foi proposto para simplificar o diagnóstico e abordar algumas preocupações (critérios de Gold Coast): • Sintomas progressivos de neurônio motor superior e inferior e sinais em um membro ou segmento corporal; ou • Sintomas progressivos de neurônio motor e sinais em pelo menos dois segmentos corporais e • Ausência de evidência em eletrofisiologia, neuroimagem e patologia de outros processos patológicos que possam explicar os sinais de degeneração de neurônio motor superior e/ou inferior Diagnóstico Diferencial Com sinais de NMS: • AVC com hemiparesia espástica • Deficiência de vitamina B12 • Encefalomielopatia paraneoplásica • Esclerose múltipla • Mielopatia associada à endocrinopatia • Hiperparatireoidismo • Mielopatia associada ao HTLV-1 • Paraparesia espástica hereditária Com sinais de NMI: • Outras neuropatias motoras: atrofia muscular espinal do adulto, síndrome pós-poliomielite • Radiculopatia compressiva • Fasciculações benignas, doenças da raíz motora, do plexo e nervo periférico • Mononeuropatia e mononeuropatia múltipla • Compressão • Neuropatia motora multifocal com ou sem bloqueio de condução • Plexopatia • Polineuropatia • Miastenia grave e síndrome miastênica • Miopatia distal, miosite a corpo de inclusão, polimiosite Com combinação de NMS e NMI • Adrenomieloneuropatia • Doença de corpo poliglucosan do adulto • Espondilose cervical com mielopatia e radiculopatia • Infecção por HIV • Doença de Lyme • Sífilis • Neurofibromatose central • Neuropatia tóxica por organofosfato • Siringomielia Com sinais bulbares • Lesão cerebral estrutural: AVC, malformação da transição craniovertebral e tumor • Miastenia grave • Paralisia pseudobulbar • Siringobulbia Doença de Kennedy Neuropatia motora por bloqueio de condução Tratamento [UptoDate] O cuidado multiprofissional pode ser feito com neurologista, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, nutricionista, assistente social, enfermeiro. Suporte ventilatório [BERTOLUCCI] A academia americana de neurologia recomenda começar a ventilação não invasiva quando a CVF declina para 50% do valor previsto. No entanto, pacientes podem desenvolver insuficiência respiratória com uma CVF acima de 70%, portanto uma CVF de 75% ou menos é mais apropriada como um limite para um acompanhamento mais próximo dos sintomas respiratórios. O suporte respiratório é normalmente fornecido por VNI ou ventilação invasiva por traqueostomia. Os dispositivos Bi-nível de pressão positiva (Bi-PAP) são comumente usados na forma de VNI positiva contínua, equanto a ventilaçõa por pressão (CPAP) geralmente não é útil. A VNI costuma ser utilizada inicialmente de forma noturna, intermitente e como apoio para aliviar os sintomas de hipoventilação noturna; com a piora da função respiratória, os pacientes tendem a exigir o aumento do apoio durante o dia e, eventualmente, apoio contínuo. Manejo nutricional Os pacientes têm a necessidade de cuidados especiais e uma avaliação precisa da capacidade funcional para manutenção funcional do sistema estomatognático. De forma geral, o gasto energético basal tem que ser mantido durante 24 horas, objetivando o manejo do ganho ponderal no caso da desnutrição e a estruturação do organismo para combater a doença caracterizada pelo catabolismo. O uso precoce de gastrostomia endoscópica percutânea (GEP), como medida preventiva para manejo nutricional para evitar consumo de estoques musculares e progressão da desnutrição, é uma indicação essencial. Realização de GEP deve ser evitada quando houver comprometimento com CVF <40% do previsto. Medidas fonoaudiológicas A disfagia na ELA é caracterizada por perda na fase oral da deglutição a qual tem impacto direto e mais forte na fase faríngea. O aumento da duração da fase voluntária da deglutição, incluindo as alterações motoras de língua, parece ser uma das maiores contribuições para a disfagia. Resíduos faríngeos podem ser constantemente encontrados e manobras de aspiração e deglutição realizadas para retornar a respiração adequada. Tratamento sintomático Tratamento modificador da doença [UptoDate] Riluzol é a única droga conhecida a ter algum impacto na sobrevivência da ELA. É recomendada é de 50 mg duas vezes ao dia. Três mecanismos separados poderiam reduzir a excitotoxicidade induzida por glutamato: inibição da liberação de ácido glutâmico, bloqueio não competitivo de respostas mediadas pelo receptor NMDA e ação direta nos canais de sódio dependentes de voltagem. É bem absorvido oralmente e bem tolerado, com os efeitos adversos mais significantes sendo gastrointestinais e hepáticos. Neutropenia é extremamente rara. Os mais comuns são astenia, tontura, desordens gastrointestinais e elevação da atividade de enzimas hepáticas. Edaravone foi aprovado pela FDA em 2017 e parece reduzir o estresse oxidativo, mostrando lentificação na deterioração funcional em alguns pacientes. O tratamento é feito intravenosode forma cíclica, com 14 dias de infusão e 14 dias sem tratamento. Prognóstico [BERTOLUCCI] A análise de amostras de doentes em grandes ensaios clínicos, baseados em populações ou registros populacionais, mostra que a sobrevida global mediana do início dos sintomas para ELA varia entre 2 e 3 anos para casos de início bulbar e de 3 a 5 anos para casos com início nos membros. Grandes estudos de coorte clínica têm mostrado 3 a 5 anos de sobrevida, em torno de 48% e 24% dos indivíduos, respectivamente, com cerca de 4% sobrevivendo mais de 10 anos. Estudos prévios demonstraram que o fenótipo clínico flail arm, atrofia muscular progressiva e forma pseudopolineurítica apresentam melhor prognóstico do que as formas típicas e as formas com início bulbar. [BRAGA] São escassos os estudos que avaliam a mortalidade de pacientes com ELA no Brasil, a maior parte das estatísticas encontram-se no Sudeste do país, no qual foram observadas taxas de mortalidade de 0,9/100.000 no Rio de Janeiro e entre 0,44 e 0,76/100.000 em São Paulo (2007). Comparando com outros países observa-se que tais taxas se encontraram muito aquém das dos estudos internacionais. Recentemente, estimou-se que a taxa de mortalidade para a ELA nos Estados Unidos é de 1,7 por 100.000 habitantes (2018). Tal diferença pode ser observada pela perda e abandono dos pacientes para com os centros de referência. Referências: ABN – Tratado de Neurologia de Academia Brasileira de Neurologia BERTOLUCCI – Neurologia Diagnóstico e Tratamento HARRISON – Medicina Interna 19 Ed. MERRIT – Tratado de Neurologia BRAGA, Cristhiano Augusto de Oliveira Holanda. Estudo epidemiológico de pacientes com esclerose lateral amiotrófica em um hospital de referência de reabilitação no centro oeste brasileiro. 2019. 95 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2019. <https://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/10425>