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Objetivos 1. Rever as diferenças das doenças que acometem os neurônios motores superior e inferior. 2. Entender o diagnóstico diferencial das paralisias flácidas. 3. Compreender sobre a síndrome de Guillain-Barré (Polirradiculoneurite Aguda (PRNA)): a. Fisiopatologia b. Manifestações clínicas c. Diagnóstico Introdução O neurônio motor caracteriza-se pela distribuição na região anterior da medula e tronco cerebral desempenhando papel de integração de impulsos de origem do sistema nervoso central e atividade muscular. Para estabelecer determinada função, torna-se necessário uma estrutura aprimorada, de alta atividade metabólica, constituída de um corpo celular, axônio extenso com ramificações dendriticas freqüentes sustentadas por um citoesqueleto e porção terminal integrado a junção neuromuscular e músculo esquelético. O corpo celular apresenta alta atividade oxidativa mitocondrial necessárias para a produção de enzimas e outras proteínas responsáveis pela manutenção da integridade funcional, eliminando resíduos tóxicos a célula, estruturando o citoesqueleto para garantia de um transporte axonal adequado, garantindo a neuroproteção diante do stress metabólico. O axônio constitui-se de fibras grossas mielinizadas, de rápida condução, transmitindo um impulso originado por input excitatório glutamatérgico. As patologias que afetam o neurônio motor caracterizam-se por causarem apoptose neuronal, isto é dano na estrutura funcional celular, seja por alterações do DNA ou por stress funcional, ou necrose com agressão direta ao neurônio motor como na poliomielite, além disto, nota-se que as patologias diferem-se na variabilidade de acometimento anatômico, com seletividade por locais e organelas especificas, reforçando as várias possibilidades etiológicas. Doença do neurônio motor (DNM) é uma síndrome neurodegenerativa, caracterizada pela perda progressiva dos neurônios motores localizados no córtex do giro pré-central e/ou no corno anterior da medula espinal. Manifesta-se clinicamente com fraqueza e atrofia muscular, fasciculações, alteração dos reflexos osteotendíneos, disfunção bulbar e alterações cognitivas e comportamentais contínuas em graus variáveis. A doença do neurônio motor é um termo que se aplica a síndromes clínicas com características próprias como a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), Atrofia Muscular Progressiva (AMP), Esclerose Lateral Primária (ELP), Paralisia Bulbar Progressiva(PBP). A DNM apresenta incidência 1 a 2 casos para cada 100 mil pessoas por ano. Sua prevalência nos EUA e em países europeus, onde foram feitos os maiores estudos epidemiológicos, é estimada em 2 a 3 casos para cada 100 mil pessoas. Uma prevalência maior da doença é encontrada em algumas regiões geográficas, como na península de Kii no Japão e na Ilha de Guam do Oceano Pacífico. Alguns estudos sugerem que a prevalência da doença é menor em populações de origem multiétnica do que em populações europeias, uma vez que estas não passaram por processos importantes de miscigenação. Diferenças clínicas Nas afecções medulares ocorrem: • Sinais de lesão do neurônio motor superior: paraparesia ou tetraparesia espástica (hipertonia e hiper-reflexia) e sinal de Babinski. • Alterações sensitivas até determinado nível, acima do qual a sensibilidade se mostra preservada. Nas síndromes motoras periféricas ocorrem: • Sinais de lesão do neurônio motor inferior: paralisia flácida (hipotonia e hiporreflexia ou arreflexia profunda); o sinal de Babinski está ausente. Nas lesões de longa duração, ocorre atrofia muscular. • Alterações sensitivas em “bota e luva” ou no território de distribuição das raízes nervosas ou dos nervos periféricos. • Ausência de alterações esfincterianas nas lesões de nervos periféricos. Nas lesões de múltiplas raízes nervosas, as alterações esfincterianas podem estar presentes. Classificação A DNM pode ser classificada em quatro variantes, de acordo com o fenótipo clínico do envolvimento motor, descritas a seguir. ● Esclerose lateral amiotrófica É a variante mais comum, correspondendo a 95% dos casos de DNM. Em alguns países, a esclerose lateral amiotrófica (ELA) é utilizada como sinônimo para DNM. Caracteriza-se clinicamente por envolvimento do neurônio motor superior (NMS), manifesto como fraqueza muscular, hiper-reflexia, afeto pseudobulbar, presença de reflexos primitivos e espasticidade, e do neurônio motor inferior (NMI), o qual apresenta fraqueza e atrofia muscular, fasciculações e abolição dos reflexos osteotendíneos. Atualmente, a melhor denominação para essa variante seria ELA-demência frontotemporal em razão da alta prevalência de alterações comportamentais e cognitivas de pacientes com ELA e de mecanismos fisiopatológicos e alterações anatomopatológicas compartilhados pelas duas doenças. A variante ELA pode ser dividida em duas subclassificações, de acordo com a região anatômica de início dos sintomas: ELA de início bulbar, quando os primeiros sintomas ocorrem em músculos da região bulbar; e ELA de início espinal, quando as manifestações clínicas se iniciam na musculatura apendicular. -------------------------------------------------------------------- A Esclerose Lateral Amiotrófica, caracteriza-se por uma doença degenerativa, que afeta o corno anterior da medula, tronco cerebral e células de Betz do córtex motor, causando morte no corpo celular do neurônio motor de maneira crônica e rapidamente progressiva com óbito em torno de 03 a 05 anos após o inicio da sintomatologia . A incidência é de 1 a 2 casos/100000 pessoas ou 2500 casos por ano, com predominância em no sexo masculino em relação ao feminino na proporção de 2:1, com idade média de início em torno dos 50 anos. Os fatores de risco relacionados a doença são traumas elétricos, mecânicos ou cirúrgicos. Em 90% dos casos apresenta-se como forma esporádica e 5 a 10% dos casos sob forma familiar caracterizada por herança autossômica dominante. A etiologia da ELA é multifatorial sendo a excitoxicidade mediada pelo glutamato e o stress oxidativo como teorias mais prováveis, sendo a morte do neurônio motor caracterizada por um desequilíbrio entre o stress celular e seus mecanismos protetores.A forma familiar carrea mutações no gene que codifica a enzima SOD 1 (superóxido desmutase) , que é responsável pela dismutação do radical livre superóxido, cujo acúmulo é altamente lesivo, levando a peroxidação das proteinas celulares e morte. O quadro clínico da ELA caracteriza-se pela presença de sinais de acometimento do neurônio superior e inferior, associando o quadro de paresia, atrofia e fasciculações ao de hiperreflexia, espasticidade, cãibras e sinal de Babinsky. O acometimento bulbar caracterizase por disfonia, disfagia, com paresia da musculatura de língua com atrofia e fasciculações, associados a sintomas como labilidade emocional e depressão, provenientes do acometimento do neurônio motor superior; com a progressão da doença há envolvimento da musculatura respiratória cursando com distúrbio ventilatório restritivo grave ● Atrofia muscular progressiva É a variante fenotípica que se apresenta com sinais puros de envolvimento do NMI, sem evidências clínicas ou radiológicas de acometimento do NMS. A existência dessa variante também é questionada, pois, nos primeiros anos de ELA, alguns pacientes com a doença podem apresentar sinais e sintomas exclusivos do NMI, enquanto em estágios mais avançados pode aparecer a disfunção do NMS, caracterizando, inicialmente, um diagnóstico de atrofia muscular progressiva (AMP) em vez de ELA com predomínio de NMI. Embora seja difícil a diferenciação entre AMP e ELA com predomínio de NMI, pacientes com sinais puros de envolvimento do NMI com duração maior que 4 anos têm melhor prognóstico do que aqueles com ELA com predomínio de NMI; o envolvimento puro do NMI deve ser observado com atenção, para excluir outros diagnósticos diferenciais que podem mimetizar um quadro de DNM. -------------------------------------------------------------------- A Atrofia Muscular Espinhal caracteriza-sepelo envolvimento puro do motoneurônio inferior, sem envolvimento sensitivo e do tracto piramidal com evolução progressiva determinada geneticamente por várias mutações, podendo envolver a musculatura bulbar e sendo assim também denominada neuropatia motora hereditária. O envolvimento de outros sítios patológicos não são infrequentes, principalmente nas formas recessivas, em decorrência das alterações moleculares. A principal síndrome apresenta-se como atrofia muscular proximal autossômica recessiva, também chamada como amiotrofia muscular espinhal progressiva (AMEP), que representa formas graves com óbitos infantis, hipotonia neonatal caracterizando a AMEP tipo I ou doença de Wernicke-Hoffman, formas intermediárias ou AMEP tipo II com declínio progressivo e complicações respiratórias na adolescência e o tipo III, também chamada de Kugelberg-Willander com início na adolescência ou inicio da vida adulta e evolução lentamente progressiva.O defeito genético encontra-se no cromossomo 5, porção telomérica, no Exon 6 e 7, local codificador da proteína SMN (Survivor Motor Neuron) responsável pela sobrevida da população neuronal.Outras formas de acometimento motor proximal são descritas codificadas por alterações cromossômicas como as formas de envolvimento motor distal com padrão de herança autossômico dominante como a atrofia muscular da musculatura peroneira, com envolvimento das cordas vocais, com acometimento exclusivo de membros superiores e a forma escapuloumeral. ● Paralisia bulbar progressiva Corresponde a uma variante de DNM com sintomas decorrentes do envolvimento puro dos músculos bulbares, sem sinais de comprometimento do NMS e/ou NMI em músculos do esqueleto apendicular. Aproximadamente 25% dos pacientes com ELA podem apresentar no início sintomas puramente bulbares, sem qualquer evidência clínica, radiológica ou eletroneuromiográfica de envolvimento do NMS e/ou NMI em músculos de inervação espinal, podendo ser classificados erroneamente como paralisia bulbar progressiva (PBP) em vez de ELA com início bulbar. A diferenciação entre PBP e ELA de início bulbar é difícil, mas ambos têm como característica pior prognóstico entre todas as formas de DNM. -------------------------------------------------------------------- A paralisia bulbar progressiva tem predomínio no sexo feminino com envolvimento predominante dos neurônios motores bulbares, labilidade emocional e evolução mais precoce da musculatura respiratória com evolução a óbito em torno de 06 meses a 03 anos. Por outro lado a ELP apresenta evolução mais arrastada com presença de sinais de acometimento do neurônio motor superior exclusivos, em pelo menos três anos antes de envolvimento do neurônio motor inferior. O diagnóstico é estabelecido pela história clinica, associada a confirmação com dados eletrofisiológicos através da eletroneuromiografia, utilizando exames de imagem como ressonância nuclear magnética e laboratoriais para exclusão de patologias como possíveis diagnósticos diferenciais. Para facilitar a classificação foram estabelecidas síndromes clínicas caraterizando a doença como suspeita, possível, provável e definida de acordo com número de regiões espinhais e bulbares acometidas com envolvimento do neurônio motor inferior e ou superior. Os diagnósticos diferenciais principais são a Neuropatia Motora Multifocal, um distúrbio imunomediado, e a doença de Kennedy, que apesar do caráter degenerativo, apresenta o curso mais arrastado. Os avanços terapêuticos se baseiam no uso de drogas que previnam a apoptose neuronal inibindo o acúmulo de glutamato e a conseqüente excitotoxicidade, além de drogas antioxidantes. ● Esclerose lateral primária É a denominação para a variante que se apresenta unicamente com sinais de disfunção do NMS, sem evidências clínicas e eletroneuromiográficas de envolvimento do NMI. Recentemente, é controversa a existência de esclerose lateral primária (ELP) pelo fato de que, no início da doença, muitos pacientes com ELA podem apresentar somente sinais de acometimento do NMS, e o envolvimento do NMI pode ocorrer tardiamente, levando inicialmente a um falso diagnóstico de ELP em vez do termo mais adequado, que seria ELA com predomínio de NMS. Dados de estudos mostram que mais de 75% dos pacientes que inicialmente se apresentaram com DNM com sinais de envolvimento puro do NMS, classificados como ELP, apresentarão sinais de envolvimento do NMI em até 4 anos após o início dos sintomas, o que configura um quadro de ELA. Fisiopatologia básica A doença apresenta uma etiologia variável, com uma base genética de cada indivíduo que, em associação a uma série de fatores ambientais e de risco, ativa um processo que levaria à morte neuronal precoce dos neurônios motores por diversos mecanismos de ação, como: Toxicidade mediada por neurotransmissores, como o glutamato Disfunção do metabolismo energético mitocondrial Disfunção da homeostase do cálcio com ativação de vias de apoptose Ativação pró-inflamatória das células da glia Alterações no transporte neuroaxonal Aumento do estresse oxidativo celular Processamento aberrante do metabolismo e processamento de moléculas de RNA Comprometimento do sistema de degradação e renovação de proteínas realizadas pelo sistema ubiquitina-proteassomo Alteração do tráfico vesicular entre o complexo de Golgi e o retículo endoplasmático Disfunção nos mecanismos de reparos do DNA Agregação e alteração de conformação de proteínas tóxicas Alterações da angiogênese Distúrbios envolvendo os mecanismos de autofagia. Manifestações clínicas É caracterizado pela presença de deficiências motoras progressivas, que se desenvolvem em um período de semanas a meses, e qualquer músculo de contração voluntária pode ser afetado, resultando em uma grande heterogeneidade de apresentações clínicas; os neurônios motores do núcleo do nervo oculomotor e do núcleo de Onuf apresentam maior resistência ao processo de neurodegeneração e os controles da movimentação ocular e esfincteriano podem permanecer normais durante toda a evolução da doença ou serem acometidos parcialmente apenas em estágios avançados. Como previamente mencionado, os sintomas e sinais clínicos são decorrentes do envolvimento do NMS e/ou NMI e os da doença são classicamente divididos em quatro grupos principais de manifestações: ● Sinais de envolvimento do NMS: •Presença de reflexos primitivos, como reflexos palmomentoniano, de preensão palmar e glabelar inesgotável •Presença do afeto pseudobulbar, caracterizado por episódios de choro ou riso imotivados e inadequados ou descontextualizados dos estímulos ambientais e sociais do momento •Alteração dos reflexos osteotendíneos com reflexos vivos ou exaltados associados a sinais de liberação piramidal (sinal de Babinski, clônus, aquileu ou patelar) •Alteração do tônus muscular, com presença de hipertonia muscular ou espasticidade ● Sinais de envolvimento do NMI: •Fraqueza em músculos de inervação bulbar ou espinal, com alguns sinais e envolvimentos clássicos como “foot drop” (pé caído), “dropped head syndrome” (perda do sustentamento cefálico decorrente de fraqueza da musculatura extensora da região cervical); fraqueza da musculatura respiratória e diafragmática, com insuficiência respiratória crônica e necessidade de assistência ventilatória; ou fraqueza da musculatura flexora do punho e dos dedos da mão ou para a realização de movimentos de oponência com o polegar •Atrofia muscular progressiva com perda global da massa muscular, podendo envolver a região proximal ou distal dos membros, musculatura axial ou musculatura da língua •Presença de fasciculações, principalmente na região proximal dos membros, em caráter segmentar ou fasciculações de língua •Alterações dos reflexos osteotendíneos, com tendência à abolição dos reflexos ● Sinais bulbares: •Disfagia: dificuldade para deglutição de alimentos sólidos ou líquidos em razão do comprometimento da musculatura com inervação bulbar •Disartria: incapacidade para coordenação da fala, podendo evoluir para anartria quandoo paciente não consegue ativar voluntariamente os músculos envolvidos na fala, tornando-se incapaz de reproduzir a linguagem oral •Disfonia: alteração da tonalidade da voz em virtude do envolvimento da musculatura laríngea e das cordas vocais, com a voz apresentando característica mais rouca, de aspecto anasalado ou áfona ● Sinais cognitivos: •Presença de sinais de alteração comportamental (apatia, anedonia, desinibição, comportamento social inadequado, heteroagressividade, compulsão alimentar ou sexual) e alterações cognitivas (com disfunção executiva, alterações de linguagem, alterações visuoespaciais, apraxia e alterações de memória) em mais de 50% dos pacientes com DNM ao longo da evolução da doença, dos quais aproximadamente 5 a 10% preenchem os critérios diagnósticos para demência frontotemporal (DFT). A maioria dos pacientes com o complexo ELA-DFT apresentarão a forma comportamental da DFT (bvFTD), com sinais de desinibição do comportamento, apatia, anedonia e perda de empatia, presença de comportamentos perseverantes, estereotipados, compulsivos ou ritualísticos; alterações do hábito alimentar, com predileção por doces, e compulsão alimentar. Uma minoria dos pacientes com ELA-DFT apresentará a forma de linguagem da DFT denominada afasia primária progressiva (APP), a qual é dividida em três tipos principais: variante não fluente, variante semântica ou variante logopênica. Algumas doenças do neurônio motor ● Neurônio motor inferior Amiotrofia espinobulbar ligada ao X (doença de Kennedy): Esta é uma doença do neurônio motor inferior ligada ao X na qual fraqueza progressiva e emaciação dos músculos bulhares e dos membros começam em homens de meia-idade e são acompanhadas de insensibilidade aos androgênios, que se manifesta por ginecomastia e redução da fertilidade. Além da ginecomastia, que pode ser sutil, dois achados que diferenciam esse distúrbio da ELA são ausência de sinais de doença do trato piramidal (espasticidade) e presença de uma sutil neuropatia sensorial em alguns pacientes. O defeito molecular subjacente corresponde a uma expansão da repetição de trinucleotídios (-CAG-) no primeiro éxon do gene do receptor de androgênio no cromossomo X. Um teste do DNA está disponível. Parece existir correlação inversa entre o número de repetições -CAG- e a idade de início da doença. Doença de Tay-Sach do adulto: Diversos relatos descreveram neuropatias predominantemente do neurônio motor inferior, iniciadas no adulto, que decorriam de deficiência da enzima 13-hexosaminidase (hex A). Tendem a distinguir-se da ELA em virtude de serem lentamente progressivas; pode haver disartria e atrofia cerebelar evidente em exames de imagem. Em casos raros, também pode haver espasticidade, embora em geral esta não ocorra. Atrofia muscular espinal: As AME são uma família de doenças seletivas no neurônio motor inferior de início precoce. A despeito de alguma variabilidade no fenótipo (principalmente quanto à idade de início), o defeito na maioria das famílias com AME reside em um locus no cromossomo 5 que codifica uma suposta proteína de sobrevida do neurônio motor (SMN, sigla de survival motor neuron), a qual é importante na formação e no tráfego de complexos de RNA através da membrana nuclear. Ao exame neuropatológico, essas doenças caracterizam-se por extensa perda de grandes neurônios motores; a biópsia muscular mostra evidências de atrofia por desnervação. Descreveram-se diversas formas clínicas. A AME do lactente (AMEI, doença de Werdnig-Hoffmann) tem o início mais precoce e a evolução mais rapidamente fatal. Em alguns casos, já se evidencia até mesmo antes do nascimento, indicada por redução dos movimentos fetais no fim do terceiro trimestre. Embora alertas, os lactentes acometidos são fracos e flácidos (hipotônicos) e não apresentam os reflexos miotáticos. A morte em geral ocorre no primeiro ano de vida. A AME crônica da infância (AME II) inicia- -se mais tarde na infância e evolui mais lentamente. A AME juvenil (AME III, doença de Kugelberg-Welander) manifesta-se no fmal da infância e tem evolução lenta e arrastada. Ao contrário da maioria das doenças com desnervação, nesse distúrbio crônico a fraqueza é maior nos músculos proximais; de fato, o padrão de fraqueza clínica pode sugerir uma miopatia primária, como a distrofia da cintura dos membros. Evidências de desnervação em exames eletrofisiológicos e na biópsia muscular diferenciam a AME III das síndromes miopáticas. Não existe nehuma terapia primária para a AME, embora dados experimentais notáveis tenham indicado recentemente que é possível fornecer o gene SMN ausente a neurônios motores usando vírus adeno-associados (p. ex., AAV9) administrados por via intravenosa imediatamente após o nascimento. Neuropatia motora multifocal com bloqueio da condução: Nesse distúrbio, a função do neurônio motor inferior é comprometida regional e cronicamente por bloqueios da condução eminentemente focais. Muitos casos apresentam títulos elevados de anticorpos monoclonais e policlonais contra o gangliosídio GMl; supõe-se que os anticorpos produzam desmielinização seletiva focal paranodal dos neurônios motores. A MMBC não se associa a sinais corticoespinais. Ao contrário da ELA, a MMBC pode responder de modo formidável a tratamentos como imunoglobulina IV ou quimioterapia; portanto, é imperioso que se exclua a MMBC ao se contemplar o diagnóstico de ELA. Outras formas de doença do neurônio motor inferior: Em certas famílias, foram descritas outras síndromes que se caracterizam por disfunção seletiva do neurônio motor inferior com um padrão semelhante ao da AME. Existem raras formas autossômicas dominantes e ligadas ao X de AME aparente. Há uma variante da ELA de início juvenil, a síndrome de Fazio-Londe, que envolve principalmente a musculatura inervada pelo tronco encefálico. Também se observa um componente de disfunção do neurônio motor inferior em alguns distúrbios degenerativos, como a doença de Machado- -Joseph e outras degenerações olivopontinocerebelares relacionadas. ● Neurônio motor superior Esclerose lateral primária: Esse distúrbio raríssimo surge esporadicamente em adultos de meia- -idade ou mais idosos. Clinicamente, caracteriza-se por fraqueza espástica progressiva dos membros, precedida ou acompanhada de disartria espástica e disfagia, o que indica comprometimento associado dos tratos corticoespinal e corticobulbar. Não há fasciculações, amiotrofia e alterações sensoriais; a eletromiografia e a biópsia muscular não mostram desnervação. Ao exame neuropatológico, verificam-se perda seletiva das grandes células piramidais no giro pré-central e degeneração das projeções corticoespinais e corticobulbares. Os neurônios motores periféricos e outros sistemas neuroniais são poupados. A evolução da ELP é variável; apesar de ter-se descrito sobrevida a longo prazo, a evolução pode ser tão agressiva quanto a da ELA, com uma sobrevida de cerca de 3 anos entre o início da doença e a morte. No início de sua evolução, a ELP pode ser confundida com a esclerose múltipla ou outras doenças desmielinizantes, como a adrenoleucodistrofia. Uma mielopatia sugestiva de ELP é infrequentemente observada na infecção retroviral pelo vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV-I). A evolução clínica e os exames laboratoriais ajudarão a distinguir essas possibilidades. Paraplegia espástica familiar: Em sua forma pura, a PEF costuma ser transmitida de modo autossômico; a maioria dos casos de início no adulto é herdada de modo dominante. Os sintomas geralmente surgem na terceira ou quarta década de vida, e caracterizam-se por fraqueza espástica progressiva com início nas partes distais dos membros inferiores; contudo, existem variantes com início tão precoce que o diagnóstico diferencial inclui paralisia cerebral. A PEF apresenta uma sobrevida longa, talvez por poupar a função respiratória. Nas fases avançadas da doença, pode haver urgência e incontinência urinárias e, às vezes, incontinência fecal; a função sexual tende a ser preservada. Nas formas puras de PEF,a fraqueza espástica das pernas muitas vezes é acompanhada de anormalidades (de vibração e posição) das colunas posteriores e disfunção intestinal e vesical. Alguns membros da família podem ter espasticidade sem sintomas clínicos. Por contraste, particularmente quando herdada de modo recessivo, a PEF pode ter formas complexas ou complicadas nas quais a função alterada do trato corticoespinal e da coluna posterior é acompanhada de envolvimento significativo de outras regiões do sistema nervoso, incluindo amiotrofia, deficiência mental, atrofia óptica e neuropatia sensorial. Em termos neuropatológicos, a PEF corresponde a uma degeneração dos tratos corticoespinais, que têm um aspecto quase normal no tronco encefálico, mas evidenciam crescente atrofia em níveis mais caudais da medula espinal; de fato, o quadro patológico é de uma axonopatia distal das fibras neuroniais longas dentro do SNC. Defeitos em numerosos loci podem originar formas de PEF de herança dominante ou recessiva. Na atualidade, já foram identificados mais de 20 genes da PEF. O gene mais comumente implicado na PEF de herança dominante denomina-se espastina, que codifica uma proteína de interação microtubular. A forma dominante de início na infância mais comum origina-se de mutações no gene atlastina. Constatou-se que uma proteína de cadeia pesada cinesina implicada na função motora dos microtúbulos era defeituosa em uma família com PEF de idade de início variável. Uma forma de início no lactente da PEF recessiva ligada ao X origina-se de mutações no gene da proteína proteolipídica da mielina. Este é um exemplo de variação alélica bastante marcante, pois a maioria das outras mutações do mesmo gene não causa PEF, mas sim a doença de Pelizaeus-Merzbacher, um distúrbio difuso da mielina do SNC. Outra variante recessiva é causada por defeitos no gene paraplegina. A paraplegina tem homologia com metaloproteases que são importantes na função mitocondrial em leveduras. (Neurologia clínica de Harrison - 3ª ed - Stephen L. Hauser, S. Andrew Josephson) (Doenças do neurônio motor - 2005 - Marco Antonio Troccoli Chieia) (A neurologia que todo médico deve saber - 2ª ed - Ricardo Nitrini, Luiz Alberto Bacheschi) (Manual de neurologia - 2ª ed - Denis Bichuetti, Gabriel Novaes de Rezende Batistella) Introdução Paralisias flácidas agudas (PFA) são um grupo heterogêneo de síndromes caracterizadas por fraqueza muscular rapidamente progressiva (com máxima intensidade em horas a poucas semanas), envolvendo de modo variável os músculos apendiculares, respiratórios e bulbares (deglutição e fala). As PFA são causadas por alterações na unidade motora (corpo celular do neurônio motor inferior, projeção axonal na raiz e nervo periférico, junção neuromuscular e fibras musculares). Mielopatias agudas e infarto do tronco encefálico podem cursar como uma síndrome de PFA com arreflexia. Progressão rápida de fraqueza muscular + hipotonia + reflexos profundos hipoativos/ausentes. O período de progressão é de aproximadamente 4 semanas, correspondente ao tempo de duração da principal causa, a síndrome de Guillain-Barré. Características clínicas A fraqueza muscular pode ser simétrica ou assimétrica. Deve-se usar a escala de força do Medical Research Council (MRC) para graduar a força muscular. É importante padronizar e checar no mínimo os seguintes músculos: Membros superiores: deltoide, bíceps, tríceps, extensores do punho e dos dedos, primeiro interósseo dorsal (abdução do segundo dedo), flexor longo do polegar (flexão da falange distal do polegar) Membros inferiores: flexores do quadril (ileopsoas), adutores da coxa, extensores do joelho (quadríceps), flexores do joelho [bíceps crural, flexores dorsais do tornozelo (tibial anterior) e flexores plantares (gastrocnêmio e sóleo)]. O exame padronizado de força muscular ajuda na localização da lesão e no seguimento. Apenas dividir o exame da força em músculos “proximais” versus “distais” é insuficiente, devendo-se avaliar também: Tônus muscular: reduzido (flácido) ou normal nas PFA, e principalmente se há ausência de espasticidade Reflexos: normais, reduzidos ou abolidos. Hiper-reflexia é um achado atípic Sensibilidade: pode estar envolvida em uma distribuição dermatomal (quando o envolvimento é de raiz) ou de nervo periférico. Preservada nas doenças da junção neuromuscular Função esfincteriana: frequentemente preservada. Diagnóstico diferencial ● Topografia Raiz, Plexo, Nervo periférico: Acometimento motor e sensitivo; Sinais autonômicos; Déficit crescente; Acometimento mais distal. Medula (corno anterior): Déficit abaixo de um determinado nível com exame normal acima deste; Acometimento de esfíncter; Se neurônio motor, acometimento motor assimétrico. Muscular: Acometimento proximal em membros; Sinais motores exclusivos; Maior acometimento de regiões cervical e cinturas. Mioneuronal (junção neuromuscular): Acometimento proximal em membros; Principalmente músculos cranianos e de cinturas; Pré-sináptica: Aumento da força com o exercício e acometimento autonômico; Pós-sináptica: Presença de fatigabilidade; Sem sinais sensitivos; Sinais e sintomas apenas durante a crise. ● A clínica + diagnóstico Síndrome de Guillain-Barré Clínica: Fraqueza progressiva, simétrica e ascendente com duração de até 4 semanas, variantes, iniciadas em pares cranianos, pode ser descendentes Eletroneuromiografia: Sinais de desmielinização como a redução da velocidade de condução, dispersão do potencial de ação e aumento da latência das ondas F. Estudo do líquor: Dissociação proteinocitológica com pico proteico na 3ª/4ª semana. Mielopatias Etiologias: Polimielite pós-vacinal e enterovírus não pólio. Sintomas iniciais: Constipação, vômitos, febre, fadiga, dor em membros e rigidez de nuca. Comprometimento neurológico: Paralisia progressiva, 24-48h, com déficit motor, assimétrico e proximal. Estudo do líquor: Pleocitose com leve aumento da concentração de proteínas. Mielite Transversa Etiologias: Mycoplasma pneumoniae, herpes vpirus, esquistossomose, cisticercose e doenças do tecido conjuntivo. Sintomas: Fraqueza progressiva, retenção urinária, hipo ou arreflexia e sensibilidade em nível, evoluindo em duas a três semanas com liberação piramidal. Polineuropatia por picada de carrapato Sintomas: Iniciam 5-10 dias após infestação. São eles: irritabilidade, anorexia, parestesia e dor, evolução em 12-36h para paralisia flácida aguda. Polineuropatia por porfiria aguda Dores abdominais precedem o quadro de paralisia 2 a 3 dias antes. Sintomas: Cólicas abdominais, labilidade emocional, distúrbios comportamentais, convulsões, hiperatividade simpática, paresia assimétrica com início em membros superiores. Miopatias inflamatórias Polimiosite e dermatomiosite apresentam caracteristicamente sintomas subagudos, com evolução de semanas a meses. Sintomas: Paresia com caraterística proximal com acometimento de pares cranianos. Exames complementares: CPK aumentada, exame eletrofisiológico, biópsia muscular e quadro clínico. Utiliza-se 3 critérios para fechar o diagnóstico, se 2 o diagnóstico é muito provável. Sempre pesquisar condições associadas como linfomas, doenças autoimunes e carcinomas. Miopatia tireoidiana Comum no hipotireoidismo. Sintomas: Fraqueza muscular proximal, cãibras, fraqueza muscular bulbar, paralisia periódica tireotóxica, rigidez muscular, oftalmopatia tireoidiana e paralisia periódica tireotóxica. Miopatia Tóxica Etiologias: Barbitúricos, corticoides, clorpromazina, salicilatos, lítio, zidovudina, anfetaminas e álcool. Características: Dor, paresia, aumento da CPK e mioglobinúria. (Manual de neurologia - 2ª ed - Denis Bichuetti, Gabriel Novaes de Rezende Batistella) Introdução A SGB é uma polineuropatia desmielinizante aguda do SNP mediada imunologicamente. Atualmente é considerada a principal causa de paralisia flácida aguda no Mundo Ocidental, ultrapassando assim a poliomielite que se encontra praticamente erradicada em virtude do sucesso da vacinação. Esta doença inflamatória dos nervosperiféricos caracteriza-se pelo início agudo e rapidamente progressivo de uma tetraparésia ascendente, acompanhada frequentemente por arreflexia e, ocasionalmente, por anomalias sensoriais e do SNA. A SGB subdivide-se em vários tipos: a forma desmielinizante clássica (PDIA), as formas axonais (NAMA e NAMSA), bem como variantes menos frequentes (SMF). Apesar destas diferentes variantes clínicas diferirem na sua fisiopatologia, pensa-se que o “mimetismo molecular” possa constituir um dos mecanismos-chave envolvidos na patogénese desta doença. A clínica resulta do desenvolvimento de uma resposta autoimune que é desencadeada por determinados eventos precedentes, dentro dos quais se destacam as infeções, principalmente as respiratórias e gastrointestinais. No entanto, a causa exata desta doença ainda não foi totalmente esclarecida. A síndrome de Guillain-Barré (SGB) é uma polirradiculoneuropatia aguda, frequentemente grave e fulminante, de natureza autoimune. Ocorre ao longo do ano todo, com uma taxa situada entre 1 e 4 casos por 100.000 por ano; nos EUA, ocorrem cerca de 5.000 a 6.000 casos anualmente. Os indivíduos do sexo masculino correm risco ligeiramente maior de SGB do que os indivíduos do sexo feminino, e, nos países ocidentais, os adultos são acometidos com maior frequência do que as crianças. Etiologia ● Fatores desencadeantes a) Infeções A SGB é considerada uma doença pós-infecciosa, visto que cerca de 75% dos pacientes relatam uma infeção precedente, geralmente entre uma a três semanas antes do início dos sintomas neurológicos. Os doentes referem uma infeção aguda predominantemente respiratória ou gastrointestinal. Na maioria dos casos, quando surge a clínica da SGB, a infeção já regrediu. Em contrapartida, o risco global de desenvolver esta doença após uma infeção é muito baixo. Cerca de um terço destas infeções são provocadas por C. jejuni, uma causa comum de enterite bacteriana em todo o mundo. Os serótipos Penner O:19 e Penner O:41 são os mais frequentemente associados à SGB. No entanto, apenas 1 em cada 1000 pacientes com enterite por C. jejuni irá desenvolver a SGB, sugerindo que fatores do hospedeiro também estejam envolvidos. Vários estudos demonstraram que a infeção por C. jejuni está associada predominantemente à disfunção axonal primária (NAMA e NAMSA), apesar de também poder ocorrer com o subtipo desmielinizante. Para além disto, parece que os pacientes com SGB após infeção por C. jejuni têm uma doença mais severa, com maior risco de danos neurológicos irreversíveis e maior necessidade de ventilação mecânica. Em contrapartida, a gravidade da doença causada pelo C. jejuni não parece estar associada a um maior risco de desenvolvimento da SGB. O lipooligossacarídeo (LOS) é constituído por glicolípidos e está localizado na membrana externa das bactérias Gram-negativas. O LOS do C. jejuni contém glicoconjugados que compartilham epítopos com a mielina dos nervos periféricos, incluindo GM1, GD1a, GT1a e GD3. Após a infeção inicial, o sistema imune reage, produzindo anticorpos contra o C. jejuni. Devido ao mimetismo molecular, estes anticorpos vão também atacar os gangliosídeos semelhantes nos nervos periféricos. De salientar que os anticorpos anti-LOS/gangliosídeos existem nos indíviduos normais como parte da defesa inata contra bactérias, sendo principalmente do tipo IgM. A quantidade e afinidade destes anticorpos são controladas pela tolerância imunológica, daí que 99% dos indivíduos infetados por C. jejuni não desenvolvam significativamente anticorpos antiLOS/gangliosídeos nem SGB. Nesta doença, há uma mudança na classe dos anticorpos, que se transformam em IgG fixadores do complemento, IgG1 ou IgG3. Outros microrganismos envolvidos são, por ordem decrescente de frequência: CMV, Epstein-Barr, Mycoplasma Pneumonia, Haemophilus Influenzae, vírus Influenza A, vírus das Hepatites A, B e E e, ainda, o HIV. O CMV é o segundo agente infeccioso mais comum na SGB. No entanto, a SGB após infeção por CMV apresenta algumas diferenças relativamente à infeção por C. jejuni: os pacientes são mais jovens; a doença tem uma fase precoce mais grave com elevada frequência de insuficiência respiratória; frequentemente há alterações sensoriais graves, envolvimento dos pares cranianos e é comum a presença de anticorpos anti-GM2. b) Vacinação Como as vacinas exercem efeitos sobre o sistema imune, foi sugerido que as imunizações podem causar SGB através de vários mecanismos: 1) Mimetismo molecular, através do qual epítopos de uma vacina viva ou atenuada conseguem desencadear uma resposta autoimune; 2) Destruição direta da mielina e dos axónios por parte do vírus e seus produtos existentes na vacina; 3) Influência de fatores do hospedeiro e de polimorfismos genéticos, resultando em suscetibilidade individual. É importante realçar que uma associação causal entre uma vacina e subsequente aparecimento da SGB é difícil de demonstrar, não havendo marcadores biológicos específicos indicativos desta relação causa-efeito. Foram implicadas as vacinas contra: o vírus Influenza, a raiva, a difteria e tétano, meningite C, sarampo e parotidite, hepatite, Haemophilus Influenzae tipo B, varíola e a vacina oral contra a poliomielite. As evidências mais fortes da existência de uma associação causal entre vacinas e SGB aconteceram apenas com a vacina para o vírus Influenza responsável pela gripe suína de 1976 e formulações antigas da vacina da raiva. Para os restantes casos, os dados epidemiológicos são muito limitados, levando a resultados inconclusivos. Existem algumas circunstâncias, nomeadamente em indivíduos com antecedentes prévios de SGB (há menos de 3 meses) que requerem especial cuidado, já que estes apresentam um maior risco de desenvolvimento da doença do que as pessoas sem história prévia. Assim, nestes casos, a probabilidade de recorrência após vacinação encontra-se aumentada. No entanto, o benefício obtido com a vacinação na prevenção das doenças, com consequente redução da morbilidade e mortalidade, necessita de ser ponderado relativamente ao baixo risco de desenvolvimento de SGB após vacinação. c) Outros fatores Vários outros eventos foram propostos como capazes de desencadear a doença, nomeadamente: cirurgia, trauma, linfoma de Hodgkin e outras doenças malignas hematológicas, lúpus eritematoso sistémico, pacientes imunossuprimidos após transplante de medula ou de órgão sólido, gravidez e certos fármacos. No entanto, ainda persistem muitas dúvidas, já que nem todos estes fatores estão totalmente comprovados como causadores da doença e são necessários mais estudos sobre este assunto. ● Fatores genéticos O risco de SGB após infeção por C. jejuni é muito baixo, daí que se possa concluir que a suscetibilidade individual, bem como certos polimorfismos genéticos associados ao C. jejuni, assumam um papel relevante. As seguintes evidências demonstram precisamente a importância destes fatores: 1) Algumas espécies de C. jejuni contendo epítopos semelhantes aos gangliosídeos GM1 não induzem a produção de anticorpos anti-gangliosídeo; 2) Há alguns casos de SGB em indivíduos dentro da mesma família; 3) Indivíduos diferentes podem desenvolver diferentes subtipos da doença. As doenças autoimunes são frequentemente associadas a antigénios HLA e a presença desta associação constitui um dos critérios essenciais para o diagnóstico de uma doença autoimune. A SGB destaca-se precisamente pela ausência desta associação. Por outro lado, os motivos pelos quais os homens são mais afetados do que as mulheres ainda estão por esclarecer, embora tenham sido propostas influências hormonais ou ambientais. A maioria das investigações não demonstrou qualquer associação entre a SGB e os antigénios HLA classe I e II, exceto talvez uma menor frequência do alelo DR5 nestes doentes, quando comparados com controlos. No entanto, há estudos que demonstraram uma associação entre certas moléculas DBQ1 e DRB1 com a PDIA mas não com a NAMA. Está também demonstrado que o género não tem qualquer influência na relação entreHLA e SGB. Outro sistema que poderia estar implicado no desenvolvimento da SGB pós-infecciosa é o sistema CD1. Estas moléculas são especializadas em capturar e apresentar antigénios a células T específicas. Existem 5 genes CD1 (A, B, C, D e E) que exibem polimorfismos limitados. Alguns estudos evidenciaram que portadores de polimorfismos CD1E e CD1A tinham maior risco de desenvolver a doença. No entanto, estudos mais recentes não demonstraram qualquer relação significativa entre os polimorfismos do gene CD1 e a SGB. O TNF é uma citocina envolvida na inflamação e imunidade. Há vários estudos contraditórios sobre o seu papel, no entanto, investigações recentes chegaram à conclusão de que existem dados suficientes para afirmar que polimorfismos do TNF podem influenciar a suscetibilidade à SGB. Por fim, há evidências de que determinados genes possam influenciar a gravidade da SGB, apesar de não parecerem aumentar o risco de doença. Alguns destes genes são os que codificam: os recetores de células T, a MBL (lectina ligante de manose), os recetores de glicocorticóides e as MMP. No entanto, estes resultados necessitam de mais estudos para poderem ser confirmados. Em suma, há um conjunto de genes candidatos que têm vindo a ser investigados para a SGB. Os genes que demonstraram alguma associação com a doença estão implicados na sua patologia, sendo importante fazer a distinção entre genes que aumentam a suscetibilidade à doença e genes que alteram a gravidade desta. Por outro lado, a forte correlação da SGB com as infeções sugere que genes responsáveis pela resposta imune inata possam ser importantes. Fisiopatologia ● O papel dos gangliosídeos Os gangliosídeos são glicoesfingolípidos que contêm um ou mais resíduos de ácido siálico. (24,43) Apesar de estarem presentes em vários tecidos e líquidos corporais, eles são encontrados predominantemente no sistema nervoso. Atualmente já foram identificados, em vertebrados, 188 gangliosídeos diferentes, facto que pode ser justificado pela diversidade na estrutura das suas cadeias de oligossacarídeos. Na superfície celular, os gangliosídeos fazem parte de microdomínios da membrana plasmática (jangadas lipídicas) juntamente com outras proteínas, esfingomielina e colesterol. Aqui, eles são responsáveis pelo reconhecimento e adesão celulares, bem como pela transdução de sinal. Por outro lado, também participam na regulação de inúmeras funções celulares, tais como: modulação dos recetores de sinalização (como os fatores neurotróficos), neurotransmissão e interação com proteínas reguladoras do sistema nervoso. Para além de se localizarem nas membranas plasmáticas, os gangliosídeos podem ser encontrados em organelos intracelulares, como as membranas nucleares, e foi recentemente questionado o seu papel na homeostasia intranuclear e intracelular do cálcio. Durante o neurodesenvolvimento são observadas mudanças importantes na expressão dos gangliosídeos, que parecem ser motivadas pelas diferentes funções que cada um desempenha. De um modo geral, nos cérebros de vertebrados em estágios embrionários precoces predominam gangliosídeos mais simples, nomeadamente GM3 e GD3. Por outro lado, nos estágios mais tardios prevalecem GM1, GD1a, GD1b e GT1b, que são considerados gangliosídeos mais complexos. É importante realçar que algumas regiões do SNP são particularmente vulneráveis ao ataque autoimune na SGB, como é o caso dos gânglios das raízes dorsais e da JNM. Isto acontece porque estas zonas são ricas em gangliosídeos e carecem de BSN, facilitando o acesso aos autoanticorpos circulantes. Para além disto, os diversos gangliosídeos apresentam uma distribuição preferencial nos nervos periféricos, por exemplo, os GM1 estão concentrados nos axónios e na mielina das fibras nervosas motoras, enquanto os GQ1b são encontrados essencialmente na mielina dos nervos oculomotores. Há alguns estudos que demonstram que esta distribuição se correlaciona com as manifestações clínicas apresentadas, havendo outros que refutam esta conclusão. Parece que mais importante que a distribuição é a densidade ou configuração dos gangliosídeos, assim como a sua acessibilidade durante a resposta imune. Novas estratégias terapêuticas tendo como alvo os gangliosídeos podem representar uma promissora opção para a SGB. ● Mimetismo Molecular A SGB é considerada uma polineuropatia mediada imunologicamente. Esta afirmação pode ser comprovada pela presença de depósitos de complemento, imunoglobulinas e macrófagos nos nervos periféricos, bem como pela existência de citocinas inflamatórias, células T ativadas e anticorpos anti-gangliosídeo no sangue destes pacientes. A hipótese do “mimetismo molecular” foi proposta para várias doenças autoimunes como possível mecanismo através do qual certos agentes infecciosos podem induzir uma resposta imunitária cruzada. Assim, num hospedeiro suscetível, são produzidos anticorpos contra o agente infeccioso estruturalmente semelhante aos gangliosídeos, bem como contra os próprios gangliosídeos nos nervos periféricos, conduzindo à desmielinização e degeneração axonal, levando finalmente ao aparecimento da clínica característica da SGB. Para se poder concluir que uma doença resulta do mecanismo de mimetismo molecular é necessário que sejam cumpridos todos os seguintes critérios: 1. Existência de uma associação epidemiológica entre o agente infeccioso e o aparecimento da doença; 2. Identificação de células T ou de anticorpos dirigidos contra antigénios autólogos; 3. Existência de semelhança entre o agente infeccioso e o antigénio alvo; 4. Reprodução da doença em modelo animal A SGB cumpre todos os quatro critérios, comprovando a teoria supramencionada. Resumindo, existem dois requisitos importantes a ter em consideração: tem que haver uma similaridade suficiente entre o agente infeccioso e o antigénio autológo para que seja possível desencadear uma resposta imune cruzada, e simultaneamente tem que existir uma dissimilaridade suficiente entre eles para que seja possível quebrar o mecanismo de tolerância imunológica. ● Mecanismos Imunológicos na SGB A SGB é presumivelmente uma doença autoimune. No entanto, a sua patogénese molecular específica ainda permanece incerta. O único modelo animal experimental para a SGB é a Neurite Autoimune Experimental, que apesar de se assemelhar histopatologicamente à PDIA, apresenta várias desvantagens e diferenças relativamente à doença humana. Vários estudos têm mostrado o envolvimento de praticamente todos os componentes de ambos os sistemas imunes celular e humoral. Resposta Imune Celular: Como mencionado anteriormente, a SGB consiste numa doença inflamatória imunomediada que afeta a mielina e os axónios dos nervos periféricos. O sistema imunitário do hospedeiro (nomeadamente linfócitos T, monócitos e citocinas) responde ao agente desencadeante com a produção de anticorpos contra os próprios gangliosídeos e, como resultado, é iniciada uma cascata inflamatória que será responsável pela desmielinização do SNP. As citocinas inflamatórias podem contribuir para a rutura da BSN, permitindo, assim, que as células imunes tenham acesso direto à mielina e às células de Schwann, levando a alterações na condução nervosa. As células de Schwann podem, por sua vez, influenciar a cascata inflamatória ao estimular a produção de mais citocinas e substâncias tóxicas. Estas citocinas acabam por atacar os gangliosídeos, neurónios ou axónios, conduzindo às anormalidades neurofisiológicas características da SGB. Estudos recentes demonstraram que, durante as fases “plateau” e de recuperação, há uma mudança de resposta imune Th1 para Th2, sugerindo que a resposta imune mediada por Th2 possa contribuir para a melhoria do curso da doença. Foi ainda proposto que a IL-17, produzida pelas células Th17, possa exercer efeitos sinérgicos com outras citocinas próinflamatórias. Para além disto, são encontrados durante a fase aguda doença, níveis aumentados de IL-6, IL-2 e seu recetor, IFN-γ, TNF-α, moléculas de adesão e metaloproteinases da matriz (MMP), quesão considerados marcadores de ativação das células T. Os macrófagos também são células essenciais no processo de dano nervoso, principalmente na fase efetora da doença. Eles estão envolvidos na fagocitose e libertação de citocinas pró-inflamatórias. Estas células são responsáveis pelo início da fase de reparação, assumindo quer a limpeza dos restos de mielina, quer a estimulação mitogénica capaz de causar a proliferação das células de Schwann. Quando a desmielinização é intensa, ela é seguida de degeneração axonal. O grau de remielinização e regeneração axonal vai correlacionar-se com a recuperação clínica. Resposta Imune Humoral: Em 50% dos doentes com SGB, anticorpos contra vários gangliosídeos são encontrados nos nervos periféricos. Com base na hipótese do mimetismo molecular, tem sido proposto que a produção de autoanticorpos é induzida por agentes infecciosos (ou outros desencadeantes) devido à semelhança de epítopos, e eles parecem estar envolvidos na patogénese da doença. Estes autoanticorpos podem afetar os canais de sódio nos nódulos de Ranvier, levando a falhas na condução nervosa. Este processo é facilitado pelas células T que, ao quebrarem a BSN, permitem o acesso destes anticorpos aos antigénios da mielina originando a lesão nervosa. Posteriormente à ligação dos anticorpos aos antigénios presentes nas células de Schwann, verifica-se a ativação do sistema de complemento e a formação do MAC, que é seguida por destruição da mielina. A deposição de complemento é observada principalmente na fase aguda progressiva da doença, assumindo um papel crucial no dano nervoso. Isto tem implicações terapêuticas relevantes, no sentido em que fármacos anticomplemento podem ser bastante úteis. Por outro lado, é possível que os anticorpos anti-gangliosídeo possam exercer efeitos independentes do complemento. Por exemplo, a ligação dos anticorpos aos antigénios pode afetar diretamente a libertação de neurotransmissores sinápticos ao reduzir o influxo de cálcio e induzir bloqueio sináptico. Há situações onde os autoanticorpos têm como alvo pares de gangliosídeos, designados “complexos”, em vez de um só gangliosídeo específico. Como grande parte destes glicoesfingolípidos estão agrupados nas jangadas lipídicas, podem formar-se complexos de gangliosídeos nas membranas plasmáticas das células nervosas, funcionando como novos epítopos que podem ser atacados por anticorpos. No entanto, são necessárias mais investigações para determinar a correlação destes complexos com a clínica, bem como o seu papel na patogénese da SGB. Em resumo, diversos fatores desencadeantes podem induzir uma resposta imune que irá culminar no aparecimento da SGB. A resposta imune depende tanto de fatores do hospedeiro como de fatores relacionados com o agente agressor. A imunidade celular e a imunidade humoral, associadas respetivamente aos linfócitos T ativados e aos autoanticorpos, contribuem, em conjunto, para a doença. Assim, estas células T estimulam os linfócitos B a produzir anticorpos, ao mesmo tempo que estimulam o recrutamento de macrófagos. Estes anticorpos podem sofrer uma reação cruzada com gangliosídeos específicos, levando à ativação do complemento. Por fim, a extensão do dano nervoso vai depender de múltiplos fatores, com consequentes repercussões na clínica. ------------------------------------------- ● Eventos antecedentes Cerca de 70% dos casos de SGB ocorrem 1 a 3 semanas após processo infeccioso agudo, em geral respiratório ou gastrintestinal. As técnicas de cultura e soroepidemiológicas mostram que 20 a 30% de todos os casos que ocorrem na América do Norte, Europa e Austrália são precedidos de infecção ou reinfecção por Campylobacter jejuni. Uma proporção semelhante é precedida de infecção por herpesvírus humano, frequentemente CMV ou vírus Epstein-Barr. Outros vírus e também o Mycoplasma pneumoniae foram identificados como agentes implicados em infecções antecedentes, além de imunizações recentes. A vacina anti-influenza suína, administrada amplamente nos EUA em 1976, é o exemplo mais notável; contudo, as vacinas anti-influenza em uso de 1992 a 1994 resultaram em apenas um caso adicional de SGB por milhão de pessoas vacinadas, e as vacinas anti-influenza sazonal mais recentes parecem conferir um risco de SGB de menos de 1 por milhão de pessoas. Um estudo recente demonstrou que não parece haver risco aumentado de SGB com as vacinas meningocócicas, contrariamente aos relatos anteriores. Uma vacina antirrábica mais antiga, preparada em tecido do sistema nervoso, foi implicada como fator desencadeante de SGB nos países em desenvolvimento, onde ainda é usada; supostamente, o mecanismo é a imunização contra antígenos neurais. A SGB também ocorre com frequência maior do que seria atribuído somente ao acaso nos pacientes com linfoma (incluindo a doença de Hodgkin), em indivíduos soropositivos para o HIV e em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES). O C. jejuni também foi implicado em surtos de NAMA durante o verão entre crianças e adultos jovens expostos a galinhas em regiões rurais da China. ● lmunopatogenia Diversas linhas de evidências apoiam uma base autoimune para a polineuropatia desmielinizante inflamatória aguda (PDIA), o tipo mais comum e mais bem-estudado de SGB; o conceito aplica-se a todos os subtipos de SGB (Quadro 46.1). É provável que mecanismos imunes celulares e humorais contribuam para o dano tecidual na PDIA. A ativação da célula T é sugerida pelo achado de que n íveis elevados de citocinas e receptores de citocinas estão presentes no soro (interleucina [IL] 2, receptor solúvel de IL-2) e no líquido cerebrospinal (LCS) (IL-6, fator de necrose tumoral a, interferon -y). A PDIA também é estreitamente análoga à imunopatia experimental mediada por células T design ada neurite alérgica experimental (NAE); a NAE é induzida em animais de laboratório por sensibilização imunológica contra fragmentos proteicos derivados de proteínas do nervo periférico, e particularmente contra a proteína P2. A partir da analogia com a NAE, acreditou-se inicialmente que a PDIA pudesse ser um distúrbio mediado pelas células T; entretanto, informações atuais abundantes sugerem que autoanticorpos dirigidos contra determinantes não proteicos podem ser fundamentais em muitos casos. Evidências circun stanciais sugerem que toda a SGB resulta de respostas imunológicas a antígenos alheios (agentes infecciosos, vacinas) que se dirigem erroneamente ao tecido nervoso do hospedeiro por meio de um mecanismo de semelhança de epitopos (mimetismo molecular) (Fig. 46.1). Os alvos neurais provavelmente são glicoconjugados, especificamente gangliosídios (Quadro 46.2; Fig. 46.2). Os gangliosídios são glicoesfmgolipídios complexos que contêm um ou mais resíduos de ácido siálico; vários gangliosídios participam nas interações entre células (incluindo aquelas entre axônios e a glia), modulação de receptores e regulação do crescimento. São expostos na membrana plasmática das células, o que os torna suscetíveis a um ataque mediado por anticorpos. Gangliosídios e outros glicoconjugados estão presentes em grande quantidade nos tecidos nervosos humanos e em locais-chave, como os nodos de Ranvier. Anticorpos antigangliosídios, mais frequentemente contra GMl, são comuns na SGB (20 a 50% dos casos), particularmente n aqueles casos precedidos de infecção por C. jejuni. Além disso, o C. jejuni isolado em coproculturas de pacientes com SGB possui estruturas glicolipídicas que reagem antigen icamente de forma cruzada com gangliosídios, incluindo GMl, concentrados nos nervos humanos. Os resíduos de ácido siálico de cepas patogênicas de e. jejuni também podem de sencadear a ativação das células dendríticas por meio de sinalização por meio de um receptor Toll-like (TLR4), promovendo a diferenciação das células B e maior amplificação da autoimunidade humoral. Outra linha de evidências provém da experiência europeia com o uso parenteral de gangliosídios cerebrais bovinos purificados para o tratamento de vários distúrbios neuropáticos. Entre5 e 15 dias após a injeção, alguns receptores apresentam SGB axonal motora aguda com altos títulos de anticorpos anti-GMl que reconhecem epitopos nos nodos de Ranvier e placas motoras. Experimentalmente, os anticorpos anti-GMl são capazes de desencadear lesão mediada por complemento nas junções paranodais axônioglia, desorganizando a aglomeração dos canais de sódio e provavelmente contribuindo para o bloqueio de condução (ver Fisiopatologia, adiante). Anticorpos anti-GQl b são encontrados em mais de 90% dos pacientes com SMF (Quadro 46.2; Fig. 46.2), e os títulos de IgG são mais altos no início da evolução. Anticorpos anti-GQl b não são encontrados em outras formas de SGB, a menos que haja envolvimento dos nervos motores extraoculares. Uma possível explicação para essa associação é que os nervos motores extraoculares são ricos em gangliosídios GQlb, em comparação com os nervos dos membros. Além disso, um anticorpo monoclonal anti-GQl b contra C. jejuni isolado de um paciente com SMF bloqueou a transmissão neuromuscular experimentalmente. Consideradas em conjunto, tais observações fornecem evidências fortes, mas ainda inconclusivas, de que autoanticorpos têm um papel patogênico importante na SGB. Embora os autoanticorpos antigangliosídio tenham sido estudados mais intensamente, outros alvos antigênicos também podem ser importantes. Um relato identificou anticorpos IgG contra as células de Schwann e neurônios (região do cone de crescimento neural) em alguns casos de SGB. A comprovação de que esses anticorpos são patogênicos exige que eles sejam capazes de mediar a doença após transferência passiva direta a hospedeiro inexperiente; isto ainda não foi demonstrado, embora se tenha descrito um caso de possível transferência transplacentária maternofetal de SGB. Na EMDA, uma etapa inicial na indução da lesão tecidual parece ser o depósito de complemento ao longo da superfície externa da célula de Schwann. A ativação do complemento suscita desintegração vesicular típica da bainha de mielina, e também leva ao recrutamento de macrófagos ativados, que participam da lesão à mielina e aos axônios. Na NAMA, o padrão é diferente, pois o complemento se deposita juntamente com IgG nos nodos de Ranvier ao longo dos grandes axônios motores. É interessante assinalar que, nos casos de NAMA, os anticorpos contra GDla parecem exibir uma excelente especificidade, que favorece a ligação às raízes nervosas motoras, e não às sensitivas, embora esse gangliosídio seja expresso em ambos os tipos de fibras ● Fisiopatologia Nas formas desmielinizantes da SGB, a origem da paralisia flácida e do distúrbio sensorial é o bloqueio de condução. Esse achado, demonstrável eletrofisiologicamente, indica que as conexões axoniais permanecem intactas. Portanto, a recuperação pode acontecer rapidamente à medida que a remielinização ocorre. Em casos graves de SGB desmielinizante, geralmente ocorre degeneração axonal secundária; pode-se estimar sua extensão eletrofisiologicamente. Uma degeneração axonal secundária maior correlaciona-se com taxa de recuperação mais lenta e maior grau de incapacidade residual. Quando um padrão axonal primário é detectado em testes eletrofisiológicos, a implicação é que os axônios sofreram degeneração e se tornaram desconectados de seus alvos, especificamente das junções neuromusculares, portanto devem regenerar-se para que a recuperação ocorra. Nos casos axoniais motores em que a recuperação é rápida, acredita-se que a lesão se localize nos ramos motores pré- -terminais, o que possibilita que a regeneração e a reinervação se deem rapidamente. De outro modo, nos casos leves, o brotamento colateral e a reinervação dos axônios motores sobreviventes próximos à junção neuromuscular podem começar a restabelecer a continuidade fisiológica com as células musculares durante um período de vários meses. -------------------------------------------------------------------- O paciente com predisposição para a Síndrome de Guillain-Barré estará exposto a um possível desenvolvimento da doença pela exposição a um gatilho, como uma infecção, uma vez que, como visto anteriormente, a síndrome é uma polineuropatia inflamatória aguda desmielinizante que se realizará por uma resposta autoimune aos nervos periféricos uma vez desencadeada. No processo de desencadeamento de uma infecção, há a geração da resposta imune que buscará combatê-la, criando anticorpos que irão liberar citocinas, recrutando outras células do sistema imune na busca de destruir as células infectadas pelo possível patógeno. Todavia, a forte reação criada acaba por confundir o que é a infecção (células infectadas) do que é nervo periférico da pessoa, gerando uma reação cruzada que atacará não somente as células que vieram combater, mas também as raízes nervosas em suas bainhas de mielina, desmielinizando os nervos e os deixando falhos. Logo, encontra-se aí uma resposta autoimune aos nervos periféricos com autoanticorpos identificando a mielina e/ou o axônio como antígeno. Para que isso aconteça, os linfócitos se ligarão às paredes dos vasos e migrarão para a fibra nervosa, onde irão começar a desagregar a mielina, mantendo a preservação do axônio em um primeiro momento, o que causará ao paciente somente diminuição da sensibilidade e da força, além de parestesia. Depois dessa lesão à mielina, pode haver uma mais intensa devido ao aparecimento de leucócitos de defesa e limpeza como neutrófilos e macrófagos que lesionarão também o axônio do neurônio, uma vez que agora se encontrará mais exposto devido à destruição de sua camada de mielina, o que causa plegia, anestesia e arreflexia. Por fim, sem tratamento, pode haver morte do neurônio, causando plegia total, inclusive podendo atingir nervos encefálicos, gerando a chamada paralisia de Landry. A resposta imune que surge quando há infecção pode ser desencadeada por diversos fatores, que são gatilhos para o início dos sintomas. Exemplos desses gatilhos são: infecção de vias aéreas superiores (IVAS); diarreia proveniente de uma gastroenterite (mais comumente causada por Campylobacter jejuni); processo de imunização; e outras infecções como citomegalovírus (CMV), vírus Epstein-Barr (EBV), HIV e Zika vírus; além de cirurgias e transplantes de medula ósseas, sendo esses dois últimos menos comumente envolvidos. Manifestações clínicas As manifestações clínicas da SGB podem ser distintas entre indivíduos e também entre as variantes clínicas. Deve suspeitar-se desta doença num indivíduo que desenvolve uma tetraparésia ascendente de início súbito e rapidamente progressivo, acompanhada frequentemente por arreflexia e, eventualmente, por anomalias sensoriais e do SNA. Na maioria dos casos, a doença começa por se manifestar com sintomas sensitivos nos membros inferiores, tais como parestesias e entorpecimento. Estes sintomas são seguidos por uma fraqueza motora distal simétrica rapidamente progressiva que tem um caráter ascendente. Esta fraqueza é caracteristicamente de distribuição “piramidal”, com afetação precoce dos movimentos de dorsiflexão do tornozelo e flexão do joelho e anca. A nível dos membros superiores, a fraqueza destaca-se nos movimentos de abdução do ombro e extensão do cotovelo. Em aproximadamente 10% dos casos a fraqueza pode ter início nos membros superiores (tipo descendente) e em 33% pode afetar os 4 membros simultaneamente. Outro dos sintomas cardinais desta doença é a hiporreflexia ou arreflexia. Apesar disto, cerca de 10% dos pacientes com NAMA apresentam reflexos normais ou aumentados durante todo o curso da doença, enquanto em cerca de 5% os reflexos estão inicialmente preservados, tornando-se diminuídos apenas no pico máximo de intensidade da doença. Uma grande percentagem de pacientes (54-89%) apresenta dor, que se pode manifestar na forma de parestesias dolorosas, dor lombar e muscular ou meningismo. Em cerca de um terço dos casos, estes sintomas podem preceder o início da fraqueza muscular. Esta manifestação é de extrema importância e pode até atrasar o diagnóstico correto, especialmenteem crianças. Grande parte dos doentes desenvolve défices dos pares cranianos (45-75%), especialmente paralisia facial bilateral (70%), disfagia (40%) e disfunção dos músculos extraoculares (5%). Ocasionalmente podem desenvolver mioquimia facial. Alterações a nível do SNA podem estar presentes em dois terços dos pacientes, mas a sua gravidade é altamente variável. Esta disfunção manifesta-se frequentemente como taquicardia sinusal, apesar de também poderem ocorrer hipertensão ou hipotensão, bradicardia, íleo paralítico, edema pulmonar neurogénico, alterações da sudorese e retenção urinária. Esta disautonomia é mais frequente em pacientes com fraqueza muscular grave e insuficiência respiratória. É essencial a monitorização destes parâmetros, já que cerca de 3-10% dos pacientes morrem por disfunção autonómica. ● Variantes Clínicas Não obstante a apresentação clássica da SGB, existem muitas variantes que diferem na sua fisiopatologia e clínica, consoante o tipo de fibras nervosas envolvidas (motoras, sensoriais, motoras e sensoriais, cranianas ou autonómicas) e o tipo de lesão nervosa desencadeante (desmielinizante ou axonal). O subtipo mais frequente é a PDIA, que é considerada a forma desmielinizante clássica. A PDIA é uma forma sensório-motora da SGB, frequentemente acompanhada de défices dos pares cranianos, disfunção autonómica e dor. Apenas em 5% dos pacientes se verificam reflexos normais ou exagerados. Dentro das polineuropatias axonais distinguem-se a NAMA e a NAMSA. A primeira afeta principalmente crianças e adultos jovens e corresponde a uma forma motora pura, sem envolvimento sensorial nem dos nervos cranianos. Geralmente, os pacientes apresentam-se com uma fraqueza proximal e distal simétrica, sem anormalidades sensoriais e com diminuição dos reflexos tendinosos. De realçar que apesar de este ser o padrão típico da NAMA, 10% dos pacientes têm, de facto, sintomas sensoriais e outros 10% apresentam reflexos preservados ou exagerados durante toda a evolução clínica. Neste subtipo também podem estar presentes a dor e, mais raramente, a disfunção do SNA. A NAMSA encontra-se intimamente relacionada com a NAMA, sendo considerada uma variante mais severa desta, atingindo o pico máximo em apenas 7 dias. Neste subtipo, mais comum em adultos do que em crianças, para além do envolvimento das fibras nervosas motoras, também as fibras sensoriais estão afetadas, levando ao aparecimento de défices sensoriais. Mais raramente, pode haver envolvimento autonómico. Entre as variantes incomuns da SGB está a SMF, que se caracteriza pela instalação aguda de uma tríade composta por ataxia, oftalmoplegia e arreflexia, sem fraqueza motora associada. A disfunção autonómica é, no entanto, rara. A SMF é considerada uma doença benigna e auto-limitada, já que a maioria destes doentes apresenta uma rápida recuperação com bom prognóstico. No entanto, alguns deles acabam por desenvolver fraqueza dos membros e insuficiência respiratória, constituindo a síndrome de sobreposição SMF-SGB. Existem ainda alguns indivíduos que se podem apresentar com manifestações clínicas que não são características desta doença, sendo que atribuímos a designação de SGB atípico a estes casos. Por exemplo, cerca de 8% dos pacientes exibem uma paraparésia que pode dificultar o diagnóstico. Outros exemplos são aqueles doentes, especialmente do subtipo NAMA, que têm reflexos tendinosos preservados ou exagerados. Finalmente, há relatos de outras variantes da SGB ditas regionais, pelo facto de afetarem outras áreas específicas do corpo, como por exemplo, a variante faríngo-cervico-braquial ou a pandisautonomia aguda. ● Evolução Clínica A SGB é considerada uma doença monofásica que pode seguir uma evolução em 3 fases (Figura 1). A fase inicial começa com o início dos sintomas e atinge a sua máxima intensidade (“nadir”) em 4 semanas (90% dos casos) ou em 2 semanas (50% dos casos). Se esta fase progressiva tiver uma duração superior a um mês deve suspeitar-se de outros diagnósticos, como a Polineuropatia Desmielinizante Inflamatória Subaguda ou a Polineuropatia Desmielinizante Inflamatória Crónica (PDIC). Esta fase é seguida por uma fase “plateau” que pode durar entre 2 dias e 6 meses (com uma duração média de 7 dias). Por fim, segue-se a fase de recuperação que é bastante mais lenta, pode durar semanas, meses ou anos e pode até nunca chegar a ser completa. Registam-se diferenças entre as variantes quanto, por exemplo, à taxa de progressão da doença, ao tempo até ao aparecimento do nadir ou à taxa e extensão da recuperação. Assim sendo, a PDIA apresenta-se com o curso típico supramencionado, ou seja, uma fase progressiva, passadas 2-4 semanas surge uma fase “plateau”, seguida de uma fase de recuperação em meses. Por outro lado, a NAMA, de uma maneira geral, progride mais rapidamente, de forma mais severa e com um pico mais precoce em comparação aos pacientes com PDIA. Estes doentes têm 2 padrões de recuperação, um rápido e outro lento, e também parecem apresentar maior necessidade de ventilação mecânica em comparação com as outras variantes. A NAMSA consiste numa tetraparésia severa progressiva com marcados défices sensoriais, com um curso menos favorável comparado com a PDIA. Pelo contrário, a SMF apresenta um curso mais favorável relativamente à PDIA, com a possibilidade de desenvolvimento da síndrome de sobreposição SMF-SGB. Durante toda a evolução da SGB podem surgir complicações que podem contribuir para a mortalidade ou morbilidade desta doença. Cerca de 9-30% dos pacientes desenvolvem insuficiência respiratória necessitando de ventilação mecânica artificial. Dentro deste grupo, 20% morrem por complicações respiratórias. -------------------------------------------------------------------- A SGB manifesta-se como paralisia motora arrefléxica de evolução rápida, com ou sem alterações sensoriais. O padrão habitual é de paralisia ascendente, que pode ser percebida primeiro como uma sensação de peso nas pernas. A fraqueza surge em questão de horas a alguns dias e, muitas vezes, é acompanhada de disestesias com formigamento nos membros. As pernas costumam ser mais afetadas que os braços e diparesia facial está presente em 50% dos indivíduos acometidos. Os nervos cranianos inferiores também são frequentemente envolvidos, causando fraqueza bulhar e dificuldade no manejo de secreções e na manutenção das vias respiratórias; o diagnóstico nesses pacientes pode de início, ser confundido com isquemia do tronco encefálico. Dor no pescoço, nos ombros, no dorso, ou difusamente na coluna vertebral também é comum nos estágios iniciais da SGB, ocorrendo em cerca de 50% dos pacientes. A maioria exige hospitalização, e, em diferentes séries, até 30% necessitam de assistência ventilatória em algum momento durante a doença. A necessidade de ventilação mecânica está associada a fraqueza mais intensa por ocasião da admissão, rápido tempo de progressão e presença de fraqueza facial e/ou bulhar durante a primeira semana dos sintomas. Febre e sintomas constitucionais estão ausentes no início, e se presentes, geram dúvida no diagnóstico. Os reflexos tendíneos profundos estão reduzidos ou desaparecem nos primeiros dias do início. Os déficits sensoriais cutâneos (p. ex., perda das sensações de dor e temperatura) em geral são relativamente leves, mas as funções servidas por fibras sensoriais grandes, como os reflexos tendíneos profundos e a propriocepção, são mais intensamente afetadas. Nos casos graves, pode ocorrer disfunção da bexiga, mas é geralmente transitória. Se a disfunção da bexiga for uma característica proeminente e surgir no início da evolução, devem-se contemplar outras possibilidades diagnósticas que não a SGB, particularmente as mielopatias. Depois que a piora clínica estaciona e o paciente atinge um patamar (quase sempre dentro de 4 semanas do início), é improvável que haja progressão adicional. O envolvimento autônomo é comum e pode ocorrer até mesmo nos pacientes cuja SGB é de resto leve. As manifestações habituais são perda do controlevasomotor com flutuação ampla da pressão arterial, hipotensão postural e arritmias cardíacas. Tais manifestações necessitam de monitoração estreita e tratamento, e podem ser fatais. A dor é outra característica comum da SGB; além da dor aguda descrita anteriormente, pode haver dor incômoda e profunda nos músculos enfraquecidos, a qual os pacientes comparam à prática de exercícios pesados no dia anterior. Outras dores na SGB incluem dor disestésica nos membros como uma manifestação de acometimento de fibras nervosas sensoriais. Essas dores são autolimitadas e frequentemente respondem a analgésicos convencionais. Vários subtipos de SGB são reconhecidos, determinados principalmente por distinções eletrodiagnósticas (Edx) e patológicas (Quadro 46.1). A variante mais comum é a polineuropatia desmielinizante inflamatória aguda (PDIA). Além disso, existem duas variantes axonais que, com frequência, são clinicamente graves - os subtipos de neuropatia axonal motora aguda (NAMA) e a neuropatia axonal motossensorial aguda (NAMSA). Além disso, também se observa uma variedade de síndromes limitadas ou regionais da SGB. Dentre essas sobressai a síndrome de Miller Fisher (SMF), que se apresenta como ataxia e arreflexia dos membros em rápida evolução, sem fraqueza, e oftalmoplegia, frequentemente com paralisia pupilar. A variante SMF responde por cerca de 5% de todos os casos e está fortemente associada a anticorpos contra o gangliosídio GQlb. Outras variantes regionais da SGB incluem (1) formas sensoriais puras; (2) oftalmoplegia com anticorpos anti-GQlb como parte da SGB motossensorial grave; (3) SGB com paralisia bulhar e facial grave, às vezes associada a infecção prévia por citomegalovírus (CMV) e anticorpos anti-GM2; e (4) pandisautonomia aguda. -------------------------------------------------------------------- O quadro clínico da SGB é caracterizado por paralisia flácida, mais comumente apresentada por uma fraqueza que pode variar de uma leve dificuldade para caminhar, até uma completa paralisia das extremidades da face ou dos músculos respiratórios. Essa paralisia normalmente é ascendente, bilateral, começando nos membros inferiores seguindo para os membros superiores. É também esperado encontrar hipo ou arreflexia, que nada mais é do que diminuição ou ausência de reflexos. A doença segue por uma linha de tempo que é precedida por uma infecção de vias aéreas superiores, uma gastroenterite, Zika vírus ou um distúrbio autoimune, que dentro de uma a quatro semanas induz uma resposta autoimune aberrante que atinge os nervos periféricos e suas raízes espinhais, levando ao aparecimento dos sintomas. Quatro semanas após o início do aparecimento dos sintomas, o indivíduo pode apresentar fraqueza progressiva máxima da doença, geralmente seguindo a ordem: membros inferiores, braços, tronco, cabeça e pescoço, levando o paciente a ter perdas significativas das funções motoras e sensíveis do corpo. Dentre os sintomas sensitivos, podem estar presentes parestesia leve nas mãos e pés, o que muitas vezes não motiva o paciente a procurar os serviços de saúde para descobrir a causa do problema. É comum que 2/3 dos pacientes se refiram à dor causada pela inflamação das raízes nervosas localizada na região lombar e nas suas extremidades e 70% dos pacientes apresentam sintomas disautonômicos. Os sintomas disautonômicos são causados por transtornos no sistema nervoso autônomo e engloba uma variedade de sintomas que, muitas vezes, podem não ser percebidos pelo paciente, como sudorese, taquicardia, labilidade pressórica e alguns apresentam ainda paresia de nervo craniano, porém, isso ocorre geralmente em pacientes graves. Existem algumas exceções para a apresentação dos sintomas: 10% dos pacientes iniciam os sintomas nos membros superiores ou na face; de 10% a 30% necessitam de suporte ventilatório; 50% apresentam paralisia facial; 50% dos pacientes apresenta disfagia, que é a dificuldade para engolir; 15% dos pacientes podem apresentar fraqueza ocular e ptose (queda ou fechamento anormal da pálpebra superior). Após esse período, a doença passa por uma fase de platô, onde o paciente tem a recuperação gradual da função motora durante vários dias ou semanas. A SGB tem uma baixa mortalidade, entre 5% a 7% que pode ser explicada por pneumonia, insuficiência respiratória, arritmias cardíacas e sepse hospitalar. A Síndrome de Miller Fisher é considerada uma variante rara da SGB que atinge os nervos cranianos composta pela tríade clínica de instalação aguda de oftalmoplegia, ataxia da marcha e arreflexia, de caráter progressivo, afetando1:1.000.000 pessoas anualmente. Em sua maioria, os casos da Síndrome de Miller Fisher geralmente ocorrem após a infecção trato respiratório ou gastrointestinal por Campylobacter jejuni e seu mecanismo patológico ainda não se encontra totalmente elucidado. Sabe-se que está associada a presença de anticorpos anti-gangliosídeos e aumento de anticorpos anti-GQ1b. Trata-se de uma doença com possibilidade de recuperação dentro de meses, sendo neuroimunomediada. Diagnóstico Não há uma única prova capaz de diagnosticar a SGB. Deve suspeitar-se dela perante um doente com início agudo das manifestações clínicas típicas. Há duas características essenciais para o diagnóstico: fraqueza progressiva dos membros (inicialmente pode só afetar as pernas) e hipo ou arreflexia dos membros paréticos. A presença destes sintomas é suficiente para hospitalizar o paciente e realizar, se necessário, exames complementares de diagnóstico para confirmar a suspeita. ● Características necessárias ao diagnóstico Fraqueza progressiva dos braços e pernas (pode ter início apenas nas pernas) Arreflexia ou hiporreflexia ● Características sugestivas do diagnóstico Progressão dos sintomas de dias a semanas Relativa simetria dos sintomas Sintomas e sinais sensoriais ligeiros Envolvimento dos nervos cranianos, especialmente paralisia facial bilateral Início da recuperação em 2-4 semanas, após cessar a fase progressiva Disfunção autonómica Ausência de febre no início Alta concentração de proteínas no Líquido Céfalorraquidiano (LCR), com número de células inferior a 10 células mononucleares/mm3 Características eletrofisiológicas típicas Dor (frequente) Doença gastrointestinal ou respiratória precedente ● Características que reduzem a possibilidade do diagnóstico Fraqueza assimétrica persistente Disfunção urinária ou gastrointestinal no início da doença Disfunção urinária ou gastrointestinal persistente Nível sensorial definido Disfunção pulmonar severa com fraqueza limitada dos membros no início da doença Sintomas sensoriais severos com fraqueza limitada no início da doença Febre no início dos sintomas neurológicos Aumento das células mononucleares (>50/mm3) e das células polimorfonucleares no LCR Progressão lenta com fraqueza limitada e sem envolvimento respiratório ● Características que excluem o diagnóstico Outro diagnóstico (botulismo, miastenia gravis, poliomielite ou neuropatia tóxica) Citologia do LCR anormal, sugerindo invasão carcinomatosa das raízes nervosas Metabolismo anormal das porfirinas Difteria recente Síndrome sensorial pura, sem fraqueza (Neurologia clínica de Harrison - 3ª ed - Stephen L. Hauser, S. Andrew Josephson) (Síndrome de Guillain-Barré: Atualização da fisiopatologia - 2015 - Inês Sequeira Peixoto Araújo Carvalho)