Prévia do material em texto
Ginecologia e Obstetrícia Miomatose - Diagnóstico frequente no consultório, o mioma constitui uma das principais indicações operatórias na prática do cirurgião ginecológico. - 50% das mulheres apresentam mioma. - Predomínio entre 35 e 50 anos de idade. - Corresponde a dois terços das indicações de histerectomia. · CONCEITO: - Tumor benigno. - Formado por fibras musculares lisas entrelaçadas por tecido conectivo. - Na maioria dos casos (2/3) são múltiplos. · CLASSIFICAÇÃO: - Podem ser classificados de acordo com a sua localização no útero, como corporais (em 98% dos casos) ou cervicais. - Os corporais são subdivididos em – subserosos, intramurais e submucosos. - Situações raras – mioma submucoso pediculado, que se exterioriza pelo colo do útero, sendo denominado mioma parido e miomas que perdem contato com o útero e recebem fluxo sanguíneo de outros órgãos, chamados miomas parasitas. · DEGENERAÇÕES: - Mais frequentes – hialina, gordurosa, hemorrágica, cística, necrobiose asséptica e calcificação. - A necrobiose asséptica ou degeneração rubra/vermelha: infarto hemorrágico do Leiomioma – mais comum no ciclo gravídico puerperal, uso de anticoncepcional ou de análogos de GnRH. - Outras variantes – Leiomioma mitoticamente ativo, Leiomioma celular ou hipercelular, o Leiomioma bizarro, o tumor de musculatura lisa de potencial maligno indeterminado (STUMP) a leiomiomatose peritoneal e a intravascular. · EPIDEMIOLOGIA: - Maior incidência entre 35 e 50 anos. Calcificações geralmente aparecem em pessoas mais velhas. - Acomete mais mulheres negras (2 a 9x). - Antecedentes familiares aumentam o risco. - Obesidade aumenta a incidência de mioma em 20% a cada 10kg. Obesidade interfere no risco devido a conversão periferica de estrogênio. O mais comum é estrógeno dependente. - Fatores de proteção: paridade, uso de AC oral combinado e tabagismo. · ETIOPATOGÊNIA E FISIOPATOLOGIA: - Trata-se de tumores hormônio dependentes, nos quais estradiol e progesterona promovem seu crescimento durante a menacme. - Sabe-se que a predisposição genética e a presença dos esteroides sexuais estão intimamente envolvidas na formação e crescimento dos miomas. - O estradiol estimula a produção de componentes da matriz extracelular (colágeno, proteoglicanos e fibronectina) e a progesterona aumenta a atividade mitótica inibindo a apoptose. · QUADRO CLÍNICO: - Metade das pacientes são assintomáticas, mas quando assintomáticos os miomas podem trazer importante impacto na qualidade de vida. Maioria assintomático devido ao fato de ser transmural. - Queixas mais frequentes – sangramento uterino anormal, dismenorreia secundária, sintomas compressivos gerados pelo aumento do útero, dor pélvica acíclica, dispareunia, sintomas urinários, sintomas gastrointestinais, infertilidade e abortamento. - Submucosos: sangramento uterino irregular (erosões em decorrência do atrito com a parede endometrial a isquemia). - Subserosos: em geral não geram sintomas, mas quando volumosos podem levar a dor pélvica, lombossacralgia, aumento da frequência urinária, noctúria, retenção ou incontinência urinária e até compressão uretral com comprometimento da função renal. - Intramurais: podem causar aumento da intensidade e/ou duração do fluxo menstrual – aumento da cavidade uterina pela maior contratilidade das fibras miometriais, estase venosa endometrial e pelo aumento das prostaciclina no endométrio (vasodilatação). - Ocasional: Dor pélvica aguda: degeneração ou torção de nódulos pediculados. Anemia, fadiga, astenia, taquicardia, dor e edema de membros inferiores. Causa de infertilidade em 5% (submucosos) – distorção da cavidade uterina e condição inflamatória hostil do endométrio. Intercorrências obstétricas: aumento da incidência de abortamento, trabalho de parto prematuro, restrição de crescimento intrauterino e apresentação fetal anômala. · DIAGNÓSTICO: - Anamnese. Suspeita de tumor, sangramento anormal e distensão abdominal. - Exame físico: Palpação abdominal. Toque bi-manual. - Exames de imagem: USG, RNM e TC. · USG: - Permite avaliar a morfologia e as dimensões do útero e endométrio, além de caracterizar nódulos e padrão tecidual (doppler). - Endovaginal – intramurais e submucosos. - Subserosos: quando volumosos, podem ser mais bem observados com associação da via transabdominal. - Nódulos hipoecogênicos podendo apresentar calcificações ou tênues reforços acústicos. - Contornos bem ou mal delimitados. - Vascularização predominantemente periférica, diferenciando-se dos adenomiomas. · HISTEROSCOPIA: - Introdução de uma ótica fina pelo canal cervical, para avaliação da cavidade uterina, possibilitando a visão direta dos miomas submucosos, assim como de outras lesões ali alocadas. - Deve ser realizada, de preferência, na primeira fase do ciclo menstrual. - Sensibilidade de 88 a 100% e especificidade próxima de 100%. Padrão ouro para o diagnóstico. · RESSONÂNCIA MAGNÉTICA: - Método que possui melhor resolução. - Permite distinguir o mioma de outras afecções ginecológicas (adenomiose e endometriose) além de topografar, dimensionar e mesmo sugerir informações histológicas com acurácia de 69%. - Sensibilidade e 85% a 99% e especificidade de 91 a 94%. · DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL: - Adeniomiose. - Adenomioma. - Pólipo endometrial. - Tumor anexial. - Endometriose. - Câncer de endométrio. - Sarcoma do útero. - Gravidez. Leiomiosarcoma: leiomioma + sarcoma. · TRATAMENTO CLÍNICO: - A indicação do tratamento é individualizado e leva em consideração inúmeros fatores: Sintomas. Idade do paciente. Número, tamanho e localização dos miomas. Expectativa em relação ao futuro reprodutivo e desejo de preservar o útero. Tratamentos prévios. Coexistência de outras doenças. Volume e crescimento dos miomas. - Habitualmente pacientes assintomáticas ou oligossintomáticas devem ser apenas acompanhadas clínica e ultrassonograficamente, para monitorar o surgimento de queixas, aumento do volume e crescimento dos miomas. - O tratamento clínico pode ser indicado para controle do sangramento e da dor pélvica. - O tratamento medicamentoso pode ser dividido em não hormonal e hormonal. · NÃO-HORMONAL: - Anti-inflamatórios não hormonais (AINHs) - inibe a síntese de prostaciclinas, diminuindo em cerca de 30% o sangramento uterino. - Antifibrinolíticos (ácido tranexâmico) - inibe a fibrinólise na superfície endometrial. Feldene + transamin. · HORMONAL: - Anticoncepcionais combinados e os progestagênios isolados. - O dispositivo intrauterino liberador de levonorgestrel - Mirena®/Kyleena® - ação do levonorgestrel no endométrio. - Análogos do GnRH - reduz esteroides sexuais circulantes, amenorreia e podem reduzir, temporariamente, o volume dos nódulos e do útero em até 50%. - Acetato de ulipristal (Ulip®) - modulador seletivo dos receptores de progesterona - age nos receptores miometriais e endometriais, inibe a ovulação, sem efeito significativo nos níveis de estradiol. · TRATAMENTO CIRÚRGICO: - Conservador: miomectomia, embolização das artérias uterinas. - Definitivo: histerectomia. Paciente com cicatriz uterina prévia é contraindicação a entrar em trabalho de parto devido ao risco de rotura uterina. · HISTERECTOMIA: - Apresenta eficácia estabelecida e resultados favoráveis. - Não altera a função sexual. Se feita corretamente. - Total ou subtotal: não há diferença quanto a capacidade de suporte do assoalho pélvico, função urinária, sexual e intestinal. Melhor a subtotal. Mesmo após histerectomia a mulher deve fazer papanicolau/colposcopia. - Incidência de câncer cervical em colo residual entre 0,3 e 1,9%. - Pode ser realizada por via vaginal ou abdominal, por técnica laparotômica, laparoscópica, laparoscópica robôassistida ou, ainda, com associação de vias e técnicas. · MIOMECTOMIA: - Exérese cirúrgica dos miomas com manutenção do útero, preservando a função menstrual e possibilitando, muitas vezes, gravidez futura. - A miomectomia múltipla é um procedimento complexo e de maior tempo cirúrgico do que a histerectomia, com maior potencial de sangramento, mais formação de aderências e maiorrisco de complicações, enquanto a retirada de nódulo único costuma ser mais simples e tem menor chance de recidiva. - Diferentes vias e técnicas podem ser utilizadas. - Devemos ressaltar que a miomectomia, assim como outros tratamentos conservadores, nem sempre corresponde ao tratamento definitivo, já que a taxa de recorrência se mantém ao redor de 25% em 10 anos, com indicação de histerectomia em 8% das pacientes. - Os índices de gestação pós-miomectomia em pacientes previamente inférteis situam-se ao redor de 50%, com cerca de 70% para aquelas pacientes sem outros fatores de infertilidade e 33% a 45% para casais com outros fatores associados, femininos ou masculinos, sendo 39% dessas gestações com o uso de reprodução assistida. - A taxa de abortamento é de 20%, semelhante à da população geral. · MIOMECTOMIA LAPAROSCÓPICA: - Menor morbidade, perda sanguínea e tempo de internação. - Maior taxa de gravidez. - O índice de complicações foi semelhante e o tempo cirúrgico um pouco maior comparado a laparotomia. - O advento da cirurgia robótica pode estender as indicações laparoscópicas, principalmente pela facilitação da sutura endoscópica, com movimentos intuitivos e articulados das pinças robóticas. - Preconiza-se restrição ao uso excessivo da eletrocoagulação, para não prejudicar a cicatrização miometrial, preferindo-se sempre a hemostasia com pontos de sutura - fios de sutura farpados. - Atenção ao uso de morcelador - disseminação inadvertida de células malignas, miomas parasitas e lesões viscerais e vasculares. · MIOMETOMIA LAPAROTÔMICA: - Indicação: Nódulos muito grandes e/ou numerosos. Limitação por experiência da equipe cirúrgica ou falta de equipamento adequado. - Em casos complexos, para reduzir o sangramento intra e pós-operatório, independentemente da via de escolha, podemos lançar mão de: Infusão de vasopressina intramiometrial. Misoprostol via vaginal. Garroteamento cervical. Oclusão de artérias uterinas e/ou ligamento útero-ovarino (temporário ou permamente). Aplicação de hemostáticos. · MIOMECTOMIA HISTEROSCÓPICA: - Principal via de acesso dos nódulos submucosos. - Técnica: fatiamento do mioma e sua enucleação com ressectoscópico monopolar ou bipolar. - Miomectomias incompletas podem ocorrer em casos de sobrecarga hídrica, sangramento excessivo ou quando o nódulo tem grandes dimensões e chega próximo à serosa, com chance de perfuração uterina, podendo-se realizado procedimento em dois tempos, com uma nova histeroscopia em dois a três meses. - Complicações: Monopolar – uso de meio hipotônico, como manitol, sorbitol ou glicina. Hiponatremia. Hipo-osmolaridade. Insuficiência cardíaca congestiva. Edema agudo de pulmão. Edema cerebral. Arritmia cardíaca. Bipolar – Soro Fisiológico 0,9% - diminui o risco de sobrecarga hídrica, bem como de complicações osmóticas e desequilíbrios hidroeletrolíticos, mas não os elimina. - Perfuração uterina e a passagem de corrente elétrica - complicação grave, que pode ter repercussões sistêmicas importantes. - Pode haver lesões de alças intestinais ou bexiga. - Deve-se realizar uma laparoscopia, para avaliar a gravidade da lesão e repará-la adequadamente. - Sangramento excessivo durante o procedimento. - Se insuficiência da coagulação histeroscópica do leito cirúrgico, pode-se lançar mão de um cateter de Foley na cavidade uterina, inflando-o por 6 a 12 horas ou, alternativamente, uma gaze impregnada com vasoconstritor também pode ser utilizada. - Se detectada intoxicação, interrompe-se o ato cirúrgico e inicia-se restrição hídrica, administração de diurético de alça (furosemida), oxigenação e reversão do distúrbio hidroeletrolítico. - Como evitar: Controle do balanço hídrico durante e após o procedimento. Suspender o procedimento se o déficit estiver em 1.500 mL para meio hipotônico ou 2.500 mL para soro fisiológico. Usar baixos níveis de pressão (até 100 mmHg) para distensão da cavidade. · EMBOLIZAÇÂO DAS ARTÉRIAS UTERINAS: - Técnica radiointervencionista endovascular para tratamento conservador de leiomioma sintomáticos. - Oclusão de irrigação sanguínea para os miomas, por meio da injeção de micropartículas (microesferas, álcool polivinílico ou esponjas) obstruindo o fluxo sanguíneo arterial no leito tumoral, levando a necrose e a redução volumétrica dos tumores. - Apresenta resultado positivos, com alívio de sintomas a curto prazo em 75% a 90% dos casos. - Necessidade de reintervenções em 25% dos casos, por recorrência, em até 10 anos. - Indicações: Falha de tratamentos prévios. Recidivas. Pacientes sem condições para tratamento cirúrgicos. Em pacientes com desejo reprodutivo quando não for possível a realização de miomectomia. - Contraindicações: Infecção urinária ativa. Recidivas. Arteriopatia grave. Imunossupressão. Alergia ao contraste. Doenças autoimunes ativas. Suspeita ou confirmação de neoplasia maligna ginecológica. Nódulos pediculados. Doença renal crônica. Coagulopatias ou uso de anticoagulantes. - Arteriografia: Hematomas. Lesão e trombose arterial. Reação anafilática ao contraste. - Embolização: Dor abdominal. Endometrite. - Redução do sangramento uterino anormal em 90 a 92% em até 12 meses. - Regressão dos sintomas compressivos em 88 a 96% em até 12 meses. - Aumento da taxa de abortamento. - De toda forma, a miomectomia ainda é o padrão-ouro para pacientes que desejam engravidar. A EAU pode ser uma alternativa para casos complexos, de difícil execução, com anatomia comprometida e risco considerável de histerectomia. · LIGADURA DAS ARTÉRIAS UTERINAS: - Realizada por via vaginal, laparotômica, laparoscópica, associada ou não à ligadura do pedículo útero-ovariano. - Apesar de ser uma técnica consagrada para reduzir o sangramento em miomectomias e ter apresentado alguns resultados animadores, quando realizada como procedimento exclusivo para o tratamento conservador, ainda carece de mais estudos, com acompanhamento a médio e longo prazo para que conheçamos o seu perfil de segurança e resultados para entendermos melhor a sua real aplicabilidade. · MIÓLISE POR ULTRASSOM FOCALIZADO DE ALTA INTENSIDADE (HIFU) GUIADO POR RESSONÂNCIA MAGNÉTICA: - Emprega feixes ultrassônicos de alta intensidade (500 a 700W/cm²) direcionados a um determinado ponto por poucos segundos, aumentando a temperatura no tecido alvo (55 a 90°C), com consequente necrose de coagulação. - Relatos de melhora significativa dos sintomas em 50% até um ano. - Eventual necessidade de complementação com tratamento cirúrgico em 21% dos pacientes. - Efeitos colaterais: Febre. Dor abdominal. Náusea. Dor lombar ou MMII. Infecção urinária ou genital. Queimaduras na pele, principalmente em cicatrizes. - Efeitos colaterais: A proximidade com i intestino e a bexiga requer atenção dobrada, pelo risco de lesão térmica. Não se sabe de maneira consistente se pode prejudicar o miométrio adjacente, por isso seu uso não é indicado para mulheres com desejo reprodutivo.