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INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 1 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPEDAGOGIA INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 2 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. Prezado (a) Aluno (a); Henri Wallon nasceu na França em 1879. Antes de chegar à psicologia passou pela filosofia e medicina e ao longo de sua carreira foi cada vez mais explicitada à aproximação com a educação. Em 1902, com 23 anos, formou-se em filosofia pela Escola Normal Superior, cursou também medicina, formando-se em 1908. Viveu num período marcado por instabilidade social e turbulência política. Henry Wallon além de elaborar uma teoria sobre o desenvolvimento humano, em virtude de sua preocupação com a educação, escreveu também sobre suas ideias pedagógicas apontando bases que a psicologia pode oferecer à atuação pedagogia e o uso que a pedagogia pode fazer dessas bases, além de se nutrir da experiência pedagógica. Wallon deixou-nos uma nova concepção ao da motricidade, da emotividade, e da inteligência humana, sobretudo, uma maneira original de pensar a Psicologia Infantil e reformular os seus problemas. Dessa forma, o INSTITUTO WALLON, não apenas faz uma homenagem a este tão importante ícone da educação, mas, também, reforça a necessidade de buscarmos uma educação cada dia melhor. Você está recebendo este material didático, na certeza de contribuirmos para sua formação acadêmica e, consequentemente, propiciando oportunidade para melhoria de seu desempenho profissional. Todos nós, da equipe WALLON, esperamos retribuir a sua escolha, reafirmando o compromisso desta Instituição com a qualidade, por meio de uma estrutura aberta e criativa, centrada nos princípios de melhoria contínua. O presente material didático foi produzido criteriosamente, por meio de coletâneas, compilações e pesquisas, pelos Professores e Coordenadores do Instituto Wallon, para que os referidos conteúdos e objetivos sejam atingidos com êxito. Esperamos que este seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o horizonte do seu conhecimento teórico e para o aperfeiçoamento de sua prática. Leia com muita atenção as orientações a seguir e um ótimo estudo! Abraços! Direção Geral INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 3 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. Sumário Unidade 1 - Psicanálise e Educação: Reflexão sobre a Falência do Sistema de Transmissão do Saber e da Instituição Escolar............. ........................................... 4 Unidade 2 - Contribuições da Psicanálise para uma Abordagem das Relações Humanas em seus Diferentes Espaços Afetivos........................................................8 Unidade 3 - A Transferência do Imaginário ou o Imaginário da Transferência: Aspectos Diferenciais da Atuação do Psicopedagogo e do Psicanalista em Instituição..................................................................................................................21 Unidade 4 - A Contribuição da Psicanálise frente as Dificuldades de Aprendizagem...........................................................................................................32 Referências Bibliográficas.............................................................. ......................... 42 INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 4 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. UNIDADE 1 – PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO: REFLEXÃO SOBRE A FALÊNCIA DO SISTEMA DE TRANSMISSÃO DO SABER E DA INSTITUIÇÃO ESCOLAR Ninguém educa ninguém Ninguém se educa sozinho Os homens se educam em comunhão Paulo Freire O fracasso escolar do aluno e o fracasso da própria escola tem sido objeto de reflexão e da análise crítica da sociedade e de estudiosos. A competência profissional duvidosa dos docentes, o modelo institucional- autoritário, perverso e ultrapassado, e o indivíduo, ainda em formação, sujeitado em sua fragilidade a esse meio - compõem, infelizmente, o retrato da educação em nosso país. Refletir sobre esta questão requer, a princípio, uma postura política. ideológica e, essencialmente, uma postura de humildade a saber-se sempre no papel de aprendiz da construção do conhecimento, de aprendiz da aquisição dos saberes que INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 5 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. fundamentam a relação ensino aprendizagem. Para além de prédios, de novas tecnologias e de todas as inovações que o porvir possa incorporar ao processo pedagógico a grande meta é, e sempre será, o sujeito. A qualidade da pedagogia é uma tarefa humana que prescinde de uma visão ampla e crítica em constante evolução, nutrindo-se da interdisciplinaridade e compondo uma visão holística sobre o ato de ensinar e qualificar o sujeito para ser um agente de transformações do seu tempo e, não adaptá-lo destruindo assim sua subjetividade; qualificando-o, então, a ser escravo do seu tempo. Portanto, mais que ensinar ou mais que transmitir conhecimento; ou ainda fazer parte do processo de construção cognitiva; os que se colocam no lugar da transmissão de um suposto saber têm a responsabilidade de aceitarem para si o desafio - do lugar ocupado - vazio por excelência; já que ainda não concluído (quiçá nunca!), que é preenchido pela expectativa, pela esperança de ascender-se à esse espaço privilegiado onde se supõe haver um instrumento, uma ferramenta que abrirá portas - internas e externas a esse sujeito - Aprendiz por natureza nomeado: Aluno. Até que todas as grades escolares sejam derrubadas libertando as diferenças e a subjetividade; até que construir o saber seja permitido e louvado; até que a afetividade seja um ingrediente necessário e trabalhado - O professor há de ocupar esse lugar. Entretanto se estiver consciente da impossibilidade de preenchê-lo (mas da necessidade de ocupá-lo) sua função será com certeza exercida sem hipocrisia e arrogância, mantos que vestem os espaços destinados ao poder. Essa concepção exige do professor um amplo domínio tanto do conteúdo a ser ensinado quanto um conhecimento pedagógico para que possa selecionar estratégias mais adequadas para colaborar com a reorganização dos conceitos do aluno. Requer, também, um aprofundamento do saber das relações humanas e suas vicissitudes. Pois, no processo ensino aprendizagem, acima de métodos e técnicas, interagem pessoas de diferentes formações, afetos, carências e demandas. Onde se insere, na maioria das vezes, totalmente despreparado, a figura do educador como mediador e continente de todos os possíveis conflitos que surgem nos relacionamentos dessa natureza. INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 6 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. Esta visão holística do processo ensino-aprendizagem pressupõe uma reorganização dos conteúdos a serem trabalhados, exigindo uma visão mais ampla do conceito de ―disciplinas... A interdisciplinaridade é, sem dúvida, uma meta a ser buscada, na medida em que o conhecimento não deve ser fragmentado em disciplinas isoladas, mas sim trabalhado numa visão globalizante e integracional Gusdorf citado por Fazenda (1991), afirma que o que sedesigna por interdisciplinaridade é uma atitude epistemológica que ultrapassa os hábitos intelectuais estabelecidos ou mesmo os programas de ensino(...) A ideia de interdisciplinaridade é uma ameaça à autonomia dos especialistas, vítimas de uma restrição de seu campo mental. Eles não ousam suscitar questões estranhas à sua. tecnologia particular, e não lhes é agradável que outros interfiram em sua área de pesquisa (p.24). Longe de propor uma articulação teórica reducionista, a reflexão pedagógica sobre a crise educacional deve voltar-se para toda importação conceitual que beneficie a abordagem do sujeito dentro do processo ensino-aprendizagem: e que avalie, simultaneamente, a posição do educador e sua formação como indivíduo e técnico. As escolas públicas brasileiras apresentam um alto índice de reprovação, principalmente nas classes de alfabetização: este fracasso escolar é atribuído aos alunos de baixa renda e, justificado pelas suas condições precárias de sobrevivência que resultavam num grau diferenciado e prejudicado de inteligência. Nas escolas particulares e nas universidades há um esvaziamento dos saberes que colabora com o desemprego, com a ignorância e com a formação de um cidadão de terceira categoria sem autonomia e senso crítico - Nesse espaço de falência transita- o professor, diante de uma demanda sem fim, onde ele próprio já é um subproduto acabado e com poucas chances de alterar o quadro da Educação Nacional. Mal remunerado, na maioria das vezes sem condições ideais de produzir - esse sujeito sofre a angústia de estar participando de uma farsa, sofre a frustação de não ver o resultado de seu trabalho - solitário por excelência, já que a escola, enquanto tal, é uma instituição impossível. A escola passa por um momento grave de transição - onde a falência do modelo vigente reflete-se no conflito entre o que foi e o que há de vir. Entre o velho e INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 7 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. o novo. Equivocadamente pouco discute-se em profundidade as verdadeiras causas conflituais. No afã de conservar-se o modelo falido, fala-se em novas tecnologias educacionais. em mais eficiência, produtividade, adaptação dos sistemas educacionais para os tempos de intensa competição internacional, da necessidade do uso do computador como uma nova metodologia redentora de um passado distante ― de cartilhas, quadro-negro, giz e palmatória - que, contudo, perpetua-se ideologicamente sob a máscara da modernidade. Enfim, corremos o risco de mumificarmos o cadáver com novas tecnologias perdendo a chance do luto, que todo momento de transição oferece, e que propicia a oportunidade de buscarmos novos caminhos, novos encontros, novas saídas e soluções. Sem tomarmos o rumo da história, assumindo as rédeas de nosso próprio destino e todas as transformações que realmente tragam o novo, contanto que o novo seja adequado para o nosso processo de evolução, sem vivermos o conflito da mudança e suas vicissitudes em profundidade; não há chance de sairmos do momento de estagnação e da falência em que nos encontramos enquanto educadores e instituição. E a escola, enquanto tal, continuará a produzir, em série, sujeitos aptos à se adaptarem as rodas da engrenagem - assujeitados e alienados à uma ordem - sem condição de reflexão e de transformação. Sofremos assim, nos tempos de hoje, do apelo Faustiniano: mantermos viva a qualquer preço - num pacto com forças poderosas - o que já se encontra em seu último fôlego de vida – A escola; eternificando-a com a máscara da modernidade, mantendo a sua ação destruidora da subjetividade criativa. Ou a deixamos morrer e recriamos um novo e genuíno sistema de transmissão do saber e construção do conhecimento. INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 8 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. UNIDADE 2 – CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE PARA UMA ABORDAGEM DAS RELAÇÕES HUMANAS EM SEUS DIFERENTES ESPAÇOS AFETIVOS A teoria psicanalítica marca a entrada do nosso século com a inscrição da audácia e do pensamento revolucionário de Sigmund Freud. Nada seria como antes a partir das descobertas de Freud sobre os tesouros e os demônios da alma humana. Freud foi um médico, neurologista, cientista e pesquisador que dedicou todo o tempo de sua carreira, que se confunde com sua própria vida, a encontrar as causas dos distúrbios mentais e tentar explicá-las. É a partir da clínica com seus pacientes. E se colocando dentro do próprio processo analítico que Freud vai sistematizar sua teoria sobre o inconsciente, a sexualidade infantil, o complexo de Édipo, as instâncias psíquicas, o desenvolvimento da personalidade, a concepção da cultura, a noção de pulsão e etc... Criando uma nova metodologia de abordagem psíquica. Abandonando os modelos clássicos da época como a hipnose e, utilizando a associação livre e a interpretação dos fenômenos psíquicos ocorridos dentro da terapia para acessar o inconsciente. Lugar misterioso que oculta às ideias que sucumbiram à repressão dos valores morais da cultura. Freud nasceu em 06 de maio de 1856, em Freiberg, Moravia. Sua família era judia e emigrou para a capital da Áustria, quando Freud fez 4 anos de idade. Morou em Viena durante 78 anos. INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 9 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. Concluiu seu curso de medicina em 1881, especializando-se em neurologia. Trabalhou durante vários anos numa clínica de neurologia para crianças. Mas é a partir de 1884, quando entra em contato com Josef Breuer e seu, método catártico utilizando a hipnose na cura da histeria, que Freud toma uma nova e definitiva direção em sua carreira. Em 1985 Freud entra em contato com o neurologista francês J. M. Charcot que também comunga com as ideias de Breuer a respeito da origem psíquica dos sintomas neuróticos. A partir daí, Freud caminha sozinho, pois suas ideias, já independentes, apontam para direções revolucionárias e progressistas que vão de encontro à classe média conservadora. Freud morre em 23 de setembro de 1939, atravessa a guerra perseguido pelos nazistas. Foge para a Inglaterra, onde um câncer na boca, que já o atormentava há 10 anos, dá cabo de sua vida aos 83 anos de idade. A partir de 1939 o mundo mudou muito, mas nenhum outro sistema revolucionou tanto a concepção sobre o sujeito humano quanto à psicanálise. Contudo, como dizia Freud: ―quem sabe um dia uma pílula resolva tudo, ou ainda, ―há momentos em que um charuto é apenas um charuto, e não um símbolo fálico. SOBRE O INCONSCIENTE E A ESTRUTURA DA PERSONALIDADE A princípio o inconsciente é o que está fora do alcance da nossa consciência. Por não constituir-se num modelo topográfico - identificado em alguma região anatômica do cérebro, ou de qualquer outra área do organismo. Fica o questionamento de como comprovar-se a existência de algo que não se tem consciência, não se localiza. em lugar algum, mas que entretanto constitui e determina a estrutura de cada sujeito. A medida em que, por constituição, não se tenha a consciência do inconsciente como identificá-lo, se estamos mergulhados na alienação? INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 10 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. Freud em seu artigo sobre ―O inconsciente (1915) descreve-o como um sistema que possui conteúdos, mecanismos próprios (condensação deslocamento) e uma energia específica. Um lugar psíquico, dinâmico, regido pelas leis do processo primário (energialivre); onde há ausência de negação, de dúvida, de grau de certeza, indiferença perante a realidade, um lugar regulado pelo princípio do prazer. Em 1923, Freud, introduz o termo ―Id que passa a equivaler-se em parte ao inconsciente. Descrito como ―o grande reservatório da libido, ou seja, da energia pulsional, é ele que dá origem ao Ego a partir do contato com a realidade. E sob a influência desse atrito e os conflitos impostos pelo mundo externo que a instância do ego se constitui diferenciando-se do id e tornando-se consciência, porém parte do ego ainda permanece inconsciente. Outra instância vai se modelando frente as exigências do meio e toma para si a função de sensor. E o superego que diferencia-se a partir do ego. É definido como o ―herdeiro do Complexo de Édipo. Constitui-se pela interiorização das exigências e das interdições da cultura, é o representante psíquico das leis que regem a civilização, das exigências sociais e culturais como a educação, a religião e a moralidade. Para Freud a parte consciente do sujeito, ou seja, parte do Ego vive sob o domínio de forças poderosas - o Id e o Superego. Ao longo da vida o Ego age como um político tentando negociar para sair-se o melhor possível da tensão provocada pelo conflito entre o Id e o Superego O Id, como fonte das pulsões, força cega, amoral, atemporal, que é regido pelo princípio do prazer, contrapõe-se ao Superego, sede de uma força inibidora, que também age cegamente, impondo os valores introjetados na corporificação das figuras parentais. O Ego vê-se então como mediador de uma batalha negociando o cessar fogo. É justo na observação dessa instância psíquica da personalidade que Freud pode abrir uma porta e escutar as vozes do inconsciente. Foi preciso muito tempo de pesquisa e de prática clínica, para que Freud desvendasse os mecanismos que regem a mente humana. O Ego na tentativa de aliviar as tensões provocadas pelo conflito entre a censura e o desejo, isto é, o Superego e o Id, criou vários mecanismos de defesa estabelecendo entre ele e o Id uma relação de compromisso, que consiste numa INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 11 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. estratégia de burlar a censura para deixar escapar, descarregar a pulsão na busca do prazer. Este contrato em que ambas as partes cedem um pouco ocorre a nível do inconsciente. Portanto, quando a parte consciente do Ego é tomada de surpresa por um esquecimento, por uma gagueira, por um tique, pela lembrança. de um sonho bom, ou um pesadelo, por um angústia, fobia, medo injustificado, por chistes, por fim pela psicopatologia, da vida cotidiana, temos a demonstração de um farto material que escapa aos olhos críticos do Superego e emerge como um sintoma passível de interpretação. Portanto, o sintoma é um testemunho da existência do inconsciente; é a pulsão (carga energética) - (TRIEB), associada a uma idéia, ou ação, substituta da ideia anteriormente reprimida. Como a pulsão nunca é reprimida, o que sofre a ação da censura (superego) é a ideia que cria um determinado conflito moral. O acúmulo da carga energética (pulsão) cria tensão no organismo. Em busca do equilíbrio o aparelho psíquico objetiva a descarga, porém, ao encontrar a barreira da repressão tensiona o Ego - que numa relação de compromisso com o inconsciente forma o sintoma, válvula de escape que visa o equilíbrio do sistema, e que permite. a compreensão dos mecanismos que regem o inconsciente. Por fim temos um esquema que descreve a personalidade humana. Entretanto temos que concebe-lo de forma dinâmica e não como um processo linear de evolução. Id, Ego e Superego são instâncias inseparáveis que alimentam-se da mesma fonte pulsional. O Ego forma-se - a partir do Id - quando entra em contato com a realidade permanecendo uma parte sua inconsciente. Parte essa que irá elaborar os mecanismos de defesa afim de burlar a censura do Superego, quase sempre esmagadora. Censura essa capitalizada da cultura das leis, da moral. perpassadas pelas figuras parentais na vivência do Complexo de Édipo. O Superego, então, é uma instância que diferencia-se do Ego, e para além do Ego que fica alijado de parte do processo que estabelece o que é bom e o que é ruim, o que deve e o que não deve. Portanto, a parte consciente - em nós - é resultado de forças poderosas, de um determinismo psíquico onde a hipótese do livre arbítrio cai por terra nas mãos da pulsão e da censura. Carregando o Ego em ondas de culpa e remorso pelos prazeres impossíveis. INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 12 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. SOBRE A SEXUALIDADE INFANTIL E SUAS CONSEQUÊNCIAS Em 1905 Freud publica seu trabalho sobre a sexualidade infantil, que será revisto até 1920. As ideias básicas desse texto, e aparentemente óbvias para nós do fim do século, causaram um espanto e um repúdio tão grande que Freud foi considerado por muitos como um perverso, pregador de um pansexualismo inconsequente. Foi preciso o tempo passar e a humanidade tornar- se um pouco mais flexível em relação a sua sexualidade e seus modelos afetivos para que muito da hipocrisia da sociedade em que Freud vivia fosse desmascarada, e o seu trabalho encarado como uma contribuição fundamental para a compreensão da psique humana. Freud pontua a diferença do ser civilizado e do animal a partir de sua estrutura pulsional. Os animais tem instintos, que moldam padrões de comportamentos, que variam de espécie para espécie, porém, dentro de cada espécie são altamente inflexíveis. Uma criança não é um animal, não tem instintos com padrões fixos forçados ou moldados. Um animal sobrevive instintivamente em seu habitat através de seu comportamento fixado por hereditariedade. O sujeito só sobrevive amparado afetivamente e economicamente. Sua missão de vida e, em termos, domesticada através da educação em favor da civilização. Porém, o percurso da pulsão ao longo do desenvolvimento do sujeito, terá características próprias e peculiares. Para Freud o indivíduo nasce potencialmente bissexual, dado que a pulsão é polimorfa - não trazendo discriminada em sua estrutura um objeto específico. E de acordo com o desfecho do caminho que a pulsão percorre pelas fases do desenvolvimento, que o indivíduo, independentemente de sua configuração anatômica, se tomará um homem ou uma mulher. INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 13 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. O desenvolvimento humano será marcado por suas relações afetivas que darão sentido a pulsão. São os responsáveis pela educação da criança desde a mais tenra idade, ou seja, seus primeiros objetos de amor, que marcarão o destino do sujeito, através das épocas sucessivas de sua maturação Freud observa, no decorrer de suas análises, que as fases do desenvolvimento individual se organizam de acordo com a parte do corpo em que a libido esta momentaneamente concentrada em consequência das necessidades fisiológicas e dos cuidados de higiene porque passa a criança em seus primeiros anos de vida. Estabelecendo, assim, a primazia de uma zona erógena do corpo. As fases pre-genitais são nomeadas pela parte do corpo onde está concentrada a libido - fase oral, anal e fálica - que por hipótese, num transcurso normal do desenvolvimento, deve alcançar um período de latência que se situa entre os sete e treze anos de idade; até, finalmente, chegar na fase genital que alcança sua plenitude por volta dos dezoito anos de idade. FASE ORAL Vai desde o nascimento até o desmame estando sob a primazia da zona erógena bucal. É pela bocaque começará a provar e a conhecer o mundo externo. O seio e a mamadeira são os primeiros objetos de prazer que a criança tem contato; a medida em que saciam a fome que causa tensão no organismo. A criança procurará repetir a sensação prazerosa de satisfação que ocorre com a alimentação, tentando reproduzi-la independentemente da necessidade fisiológica – levando a boca todos os objetos que estiverem disponíveis: dedo, chupeta, chocalho, fraldas, etc. A mãe passa a ser, então, uma figura ligada à satisfação, ao prazer do ato de mamar - ao seio provedor - à quem a criança esta identificada. A mãe constitui-se, primitivamente, no primeiro objeto de amor à quem a pulsão se liga fora do corpo da criança. INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 14 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. A criança incorpora o leite através do seio e sente a mãe dentro dela como um só ser. A esse primeiro momento narcísico temos uma forma passiva de manifestação da fase oral tudo que a criança encontra é levado a boca visando á apreensão em si mesma, numa relação incorporativa, do mundo que à cerca. Num segundo momento, paralelo aos sofrimentos da dentição, a criança manifesta uma pulsão agressiva, destrutiva. Mordendo tudo que vier à boca. É desse momento de agressividade frente ao objeto amoroso que a criança extrairá subsídios afetivos para futura combatividade social. Para a criança amar significa incorporação oral e o mastigar atualiza fantasias destrutivas. Um bom desenvolvimento dessa fase resulta num modelo afetivo saudável. Um ponto de fixação na fase oral estabelecerá a preponderância da agressividade e da destrutividade do objeto amoroso, e de determinadas características da personalidade do indivíduo: os fumantes, bebedores, comilões, toxicômanos, oradores, etc. FASE ANAL A libido passa da organização oral gradativamente. sem evidentemente abandoná- la de todo, para a fase anal aproximadamente entre 1 e 3 anos de idade. Esta zona passa a ter uma importância significativa paralelamente ao aprendizado do asseio esfincteriano. A mãe passa de nutridora incondicional da fase oral à exigente disciplinadora dos hábitos de higiene. Criando um sentimento de ambivalência da criança em relação a ela. As fezes passam a ter então um valor simbólico constituindo-se no primeiro produto que a criança oferece ao mundo - que efetivamente lhe pertence - é uma produção própria. É através desse produto que a criança cria uma fantasia de valor simbólico das fezes. No ambiente seguro para a criança, as fezes passam a representar um presente a ser ofertado aos pais; quando, ao contrário, o ambiente é hostil e exige uma disciplina rígida quanto aos hábitos de higiene a criança se INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 15 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. recusa a oferecer as fezes ao mundo externo, ou seja, sua produção, seu presente. Doar seu produto no momento em que é solicitado torna-se uma maneira de presentear à mãe, ao contrário, a recusa é uma resposta negativa frente ao desejo materno. Ao atingir o controle esfincteriano a criança descobre a noção de seu poder, da sua propriedade privada - as fezes que ela oferece ou não quando ela quer. Esse símbolo se desdobrará ao longo da vida no dinheiro, objetos preciosos, o bebê, o controle, a posse, etc. Uma fixação nessa fase tornará o sujeito exigente, manipulador, controlador, obsessivo por limpeza, e arrumação, mesquinho em relação à suas posses. FASE FÁLICA Ocorre dos 4 aos 7 anos aproximadamente e é marcada pelo interesse sobre a diferença anatômica, isto é, sobre os genitais. E marcada também por um momento decisivo para a formação do sujeito - O Complexo de Édipo. A curiosidade sobre as diferenças entre o menino e a menina se volta para o órgão sexual masculino. O pênis, por ser visualmente destacado, passa a ter um significado de referência. O menino que possui o pênis encara a falta na menina como uma ameaça à sua integridade física. A fantasia de que todos são iguais e que por algum motivo as meninas foram punidas e castradas, leva o menino a temer a castração. Já a menina, a priori, encara a diferença como uma perda irreparável - o clitóris representa para ela o pênis não desenvolvido, que foi castrado. Surge nessa fase o ―Complexo de Castração. O Complexo de Castração está ligado ao núcleo do Complexo de Édipo; e surge como uma ameaça real ou fantasmática de castração. INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 16 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. O menino teme ser castrado pelo pai à quem ele ama e odeia. O ódio está diretamente ligado ao relacionamento especial que a figura paterna mantém com seu objeto de amor - a mãe. Para o menino o Complexo de Castração e o fim do Complexo Édipo - ou seja - a sua resolução. A autoridade do pai interpõe-se na relação amorosa do menino com a mãe – na angústia de ser castrado pelo pai, como castigo do seu desejo pelo objeto amoroso proibido, o menino introjeta a censura, a interdição desse amor, a lei, formando nesse momento o Superego, e se identificando com a figura paterna que em síntese detém o desejo da mãe. O Superego introjetado passa a ser o representante da moral, da cultura, da religião, das normas, da lei, da culpa, da interdição do desejo. O caminho da menina é diferente pois ela entra no Complexo de Édipo, ou seja, no triângulo amoroso – Mãe – Pai - Filho, não com o temor da castração, pelo desejo do objeto proibido (a mãe) - como acontece com o menino - e, sim, já castrada procurando o pênis do pai, o falo, que é o representante do poder onde reside em última instância o desejo da mãe. A menina sentindo-se castrada desse poder vai em busca na direção do pai. A menina, então, introjeta os valores femininos imitando a mãe para seduzir o pai. Em busca, em última análise, do que falta à ela e à mãe acaba por identificar- se com a figura feminina. Fantasiando durante muito tempo ter um filho com o pai. O declínio do Complexo de Édipo na menina é mais complicado. No texto ―Totem e Tabu (1912-13) Freud tenta explicar com dados da antropologia a psicogênese mítica do Complexo de Édipo. Freud sustenta a hipótese de que o sistema totêmico e a exogamia surgem simultaneamente à partir do assassinato do pai primitivo, fundando o momento original da civilização enquanto a conhecemos. O totemismo, para Freud é uma entrada no simbólico que permite a convivência em grupo. E a partir da revolta contra o Pai Primevo, violento, temido e invejado, por possuir todas as mulheres do grupo, que os filhos cometem o parricídio. Matando e comendo sua vítima como costume da Horda Patriarcal; ao devorar o pai os filhos realizam uma identificação com o pai temido e poderoso. A refeição totêmica, o mais antigo festival da humanidade, seria uma repetição e uma INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 17 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. comemoração desse memorável ato criminoso, que dá início a organização social, as restrições morais e religiosas. A morte do pai, entretanto, traz um sentimento de culpa. O pai morto torna-se mais forte que o vivo, pois o que era interdito por sua existência real passa a ser proibido pelos próprios filhos. Anularam o próprio ato (parricídio) proibindo a morte do Totem - o substituto do Pai. E abriram mão à reivindicação às mulheres libertadas do pai tirânico. Pois o lugar ocupado pelo pai representava também uma ameaça em potencial, um lugar de constante perigo; pois quem oocupasse estaria fadado a padecer do mesmo mal. Foi criado o sentimento de culpa filial. A morte do pai foi em vão. O grupo só pode se manter se renunciar seus desejos de terem todas as mulheres que foram do pai. O totemismo pressupõe uma lei natural contra as relações sexuais entre pessoas do mesmo Totem e consequentemente contra o seu casamento. E proibida a morte do Totem que representa o ancestral comum - Pai Primevo. Normalmente simbolizado por um animal selvagem, ou doméstico e mais raramente por fenômenos da natureza. O sistema totêmico é o primeiro grupo mais ou menos organizado de homens que se tem conhecimento. De tamanho limitado (horda) é constituído de um macho e várias fêmeas, quando um macho novo cresce há uma disputa pelo domínio, o mais forte vence e expulsa ou mata o outro - tornando-se o chefe. É proibido matar o animal totêmico que representa o antepassado comum de todo clã. O totem é um objeto deificado. Entretanto, em ocasiões especiais ocorre o sacrifício onde todo o clã é obrigado a participar da matança e da refeição do totem. Com a morte e consumo da carne, os integrantes do clã renovavam suas forças e asseguravam sua semelhança com Deus. Quando a cerimônia termina há luto e lamentações. Porém o luto vem junto com comemorações, o festival do luto. Que consiste na comemoração de algo que normalmente é proibido - a morte do Totem. A psicanálise mostra que o Totem representa o pai - que embora morto é festejado e lamentado Amor e Ódio ingredientes básicos que nutrem a nossa microestrutura social – a família. INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 18 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. FASE DE LATÊNCIA Com a resolução dos conflitos edipianos pela repressão ou recalcamento do interesse sexual pelos seus pais, por volta dos 7 anos aos 13 anos, surgem as faculdades de sublimação que permitem ao indivíduo a conquista do mundo exterior - a socialização efetiva do sujeito. É nessa fase que surge a competência e a disposição para um desenvolvimento intelectual abrangente. FASE GENITAL Dos 13 aos 18 anos essa fase coincide com a puberdade. O corpo em transformação dá ao menino a possibilidade de ejacular, à menina a capacidade de menstruar e o aparecimento dos seios. No nível do desenvolvimento das etapas anteriores se tiverem ocorrido sem fixações neuróticas, ou seja, transpostas com maturidade, teremos agora a primazia dos genitais. As pulsões que estavam a. serviço das sublimações sociais voltam a ressurgir. O amadurecimento físico proporciona ao sujeito a possibilidade de concretizar sua sexualidade genital. O rapaz continua valorizando seu pênis. A moça, em contra partida, fará uma passagem do investimento anterior do clitóris à vagina. Nessa fase os conflitos das identificações parentais reaparecem na busca por uma identidade própria. As normas sociais, as necessidades pulsionais, as heranças INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 19 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. da infância trazem conflitos violentos para o adolescente que procura um espaço afetivo onde sinta-se seguro. CONCLUSÃO Os saberes sobre o indivíduo e seu comportamento, vem sendo construído ao longo da história da humanidade. Várias maneiras de olhar o mesmo objeto constituíram diferentes sistemas teóricos. Contudo, como afirma Piaget; O conhecimento atinge o real só tangencialmente. A psicanálise é mais um instrumento a ser utilizado na tentativa de compreender melhor esse objeto tão complexo que traz em sua singularidade o fato de ser agente e paciente de sua própria pesquisa. Freud em vários trabalhos como ―Totem e Tabu, ―Psicologia de Grupo e a Análise do Ego, ―O Futuro de uma Ilusão, Moisés e o Monoteísmo, Mal estar na Civilização, tenta dar conta de questões como a moralidade, a religião, as instituições sociais, a autoridade política. E, na verdade é no núcleo do Complexo de Édipo que Freud encontra respostas para questões como autoridade, poder religião - enfim para nossa civilização. A psicanálise não é um método de interpretação da sociedade e, sim uma abordagem, uma ótica diferenciada que permite entender as relações humanas e suas dificuldades, a partir do próprio entendimento pessoal, ou seja, uma postura mais livre, mais equilibrada frente à vida, levará o sujeito a ter melhores relacionamentos afetivos e de produção. Contudo, longe de ser um sistema adaptativo - o auto conhecimento é transformador pois leva o sujeito a caminhar na direção do seu desejo; e não mais neuroticamente em direção à economia do determinismo psíquico. O auto conhecimento é libertador e, é através da razão que se escolhe o objeto digno de ser desejado e não aquele que foi imposto por mecanismos de defesa do tempo em que ainda, éramos crianças. Um educador neurótico, infeliz, comprometerá o processo de aprendizagem, porque a relação que se estabelece entre o professor e o aluno é uma relação afetiva - de transferência - isto é: o professor ocupa o lugar da autoridade, a INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 20 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. autoridade é o lugar do pai. Portanto, querendo ou não esse é um lugar afetivo, onde cabem amor e ódio. Caso o professor tenha atravessado seus conflitos edipianos com tranquilidade, sem fixações e evoluindo para a fase genital, tornando-se um adulto com capacidade de ser feliz e produtivo, então e só então - ele transitará com bom senso no lugar do poder. Caso contrário, ele não terá estrutura para aceitar a demanda de amor e ódio que se projetam na sua figura no processo de transferência. E, aí ocorrerão sucessivos erros que comprometerão o relacionamento professor X aluno e, por fim, a aprendizagem. O abuso da autoridade, a permissividade, o paternalismo, a indiferença - são ingredientes de um educador despreparado. Por ser na verdade um sofredor. A psicanálise oferece um olhar diferente para si próprio e para o mundo um eterno questionamento sobre as condutas repetidas - do pão nosso de cada dia - que nos levam a relacionamentos mesquinhos, a uma vida empobrecida, ao medo das transformações que possibilitam a felicidade. Educar é saber-se humildemente um eterno aprendiz. E nesse lugar de aluno compartilhar, conviver. re-criando um espaço afetivo onde o amor desfaça o ódio, assegurando a possibilidade de um crescimento saudável. INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 21 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. UNIDADE 3 – A TRANSFERÊNCIA DO IMAGINÁRIO OU O IMAGINÁRIO DA TRANSFERÊNCIA: ASPECTOS DIFERENCIAIS DA ATUAÇÃO DO PSICOPEDAGOGO E DO PSICANALISTA EM INSTITUIÇÃO (Texto elaborado por Levy Magalhães Mrech, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo) Um dos problemas mais sérios que enfrenta o psicopedagogo na supervisão institucional é aquele apresentado pelo imaginário. O registro do imaginário tece as relações entre as pessoas. Fala-se de imaginário institucional referindo-se ao conjunto de imagens que a instituição apresenta a todos aqueles que ali trabalham, bem como de registro do imaginário para referir-se ao conjunto de imagens do sujeito. No primeiro caso estamos em frente a um imaginário grupal e no segundo em frente a um imaginário individual. A instituição constantemente se refaz. A questão está em saber de que maneira ocorre este processo. INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 22www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. 1- O IMAGINARIO GRUPAL E A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO Um dos aspectos mais importantes do imaginário grupal é que ele é feito à revelia dos sujeitos. Quando o psicopedagogo trabalha em supervisão, é muito importante que ele levante qual é a história da instituição. Geralmente através da história é possível perceber os chamados pontos de emperramento do processo de aprendizagem do grupo. Por exemplo, os professores assinalam que não adianta mexer muito, que as coisas na instituição são o que são. Com esta fala os professores já se colocaram em um plano de impossibilidade. A sua modalidade de aprendizagem já ficou retida e a sua inteligência, bem como a dos seus alunos, ficou aprisionada. Os focos de impossibilidades grupais são os chamados focos resistenciais. Ou seja, no grupo se define até onde se pode mudar. A escolha do processo de mudança geralmente está muito abaixo do próprio potencial do grupo. Em segundo lugar, mesmo que o grupo opte por mudar e acredite na mudança, é necessário um longo tempo para mudar externamente a imagem da instituição. A comunidade também precisa passar por um processo de redefinição da imagem grupal. Este processo leva tempo e algumas vezes há uma recusa da comunidade em mudar a imagem da instituição. Nos casos em que a instituição tem um histórico negativo é preciso que o psicopedagogo vá muito devagar, mas, ao mesmo tempo, atue de maneira bastante intensificada para que os supervisionados não percam a vontade de continuar o processo de mudança, em face ao processo social de estereotipagem social. Em terceiro lugar, é preciso que o psicopedagogo tenha uma boa teoria que o auxilie em momentos de angústia e desestruturação do grupo. Uma teoria que possibilite que ele não caia na armadilha das imagens institucionais. A instituição constantemente se refaz. A questão está em saber de que maneira ocorre este processo. Se a reformulação segue a imagem anterior, o processo será o da reprodução de uma instituição fechada. Se ela se permite perceber em processo de mudança, ela tenderá a se apresentar de uma forma mais aberta e permeável. Maud Mannoni assinalava a importância da instituição passar sempre, através da fala, por uma processo de modificação contínuo onde ela se repensasse. A este processo ela INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 23 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. nomeava de instituição estilhaçada. Quanto mais móvel for a imagem da instituição, mais facilmente ela mudará os parâmetros dos seus participantes. Quando ocorrer a situação inversa, mais dificuldades encontrará o psicopedagogo para auxiliar os profissionais a mudarem a sua modalidade de aprendizagem. Um quarto aspecto a ser assinalado é a importância da alteração contínua da própria modalidade de aprendizagem do supervisor. O psicopedagogo é o primeiro a ter de se repensar continuamente em um processo de mudança. Se a sua modalidade de aprendizagem estiver solidificada, ele não poderá acompanhar as mudanças do grupo e crescer com ele. O grupo para onde o supervisor reside. Neste sentido, é preciso que trabalhemos um pouco mais aprofundamente o registro do imaginário como base para se pensar a questão das imagens individuais. A consciência foi tida durante muitos séculos como o lugar do pensamento do sujeito. 2 - O REGISTRO DO IMAGINÁRIO E A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO De onde parte Lacan para trabalhar com o registro do Imaginário? Ele parte das colocações de Henri Wallon. Inicialmente Lacan elabora o registro do Imaginário se estruturando em colocações wallonianas tais como a seguinte: Em psicologia é coerente supor-se que o sujeito deve tomar consciência do seu ―eu‖ antes de poder imaginar o dos outros, que um conhecido por intuição ou experiência direta e o outro por simples analogia, que constituem dois objetos inicialmente distintos e que pode haver projeção do primeiro no segundo (..). Toda uma longa tradição liga a consciência a uma realidade profundamente individual, onde ela representaria um poder de INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 24 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. introspecção. Desta introspecção dependeria o mundo íntimo e fechado da sensibilidade subjetiva (...). A criança principia pelo autismo e passa pelo egocentrismo antes de poder imaginar os outros como parceiros capazes de encetar relações de reciprocidade. Na posição tradicional, no inicio o sujeito está fechado para o mundo. No inicio não há objeto, só o sujeito. Wallon questiona esta posição assinalando: Na progressão indicada por Piaget, o que é exato é o alargamento gradual do campo onde podem desenvolver-se a atividade e os interesses da criança. (...) Mas não parece que a consciência individual seja um fato primitivo. (...) Não há autismo e egocentrismo: sistema fechado que mais tarde deverá abrir-se às exigências da compreensão mútua no meio social. (...) A consciência não à a célula individual que deve um dia abrir-se sobre o corpo social, é o resultado da pressão exercida pelas exigências da vida em sociedade sobre as pulsões dum instinto limitado que á o mesmo do indivíduo representante e joguete da espécie. Este ―eu‖ não é então uma entidade primária, a individualização progressiva de uma libido primeiramente anônima à qual as circunstâncias e o desenrolar da vida impõem que se especifique e que entre nos quadros de uma existência e duma consciência pessoais. Qual a diferença de se partir de uma posição, que privilegia uma concepção, que acredita que desde o início o sujeito já está dado e o objeto também; e uma que privilegia a construção do sujeito e do objeto? No primeiro caso, fica-se com as imagens e no segundo com o sujeito. Seja no âmbito do imaginário grupal quanto no imaginário individual à autonomia da forma é um conceito que Lacan sempre criticou. INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 25 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. Pressupor que a instituição já é um imaginário formado e imutável (o que vem acontecendo de uma maneira violenta na escola pública, por exemplo), é ficar com as imagens solidificadas e resistenciais da instituição. Neste caso, a instituição se corporificou, tomando peso e se instituindo com um ser ou uma entidade autônoma. A instituição toma-se um conjunto de imagens que tende a se perpetuar no tempo. Esta forma de externalização do imaginário — o constituir-se em um ser — e bastante com um tanto do ponto de vista do imaginário grupal quanto individual, O imaginário caracteriza-se fundamentalmente por tomar a imagem no lugar do objeto. E como se a imagem ganhasse um corpo e se constituísse , para se contrapor ao próprio objeto. E como se a sombra quisesse se fazer passar pelo sujeito, como se a imagem da instituição quisesse se fazer passar pela instituição. Lacan assinala que o imaginário é a fonte de alienação do sujeito. E onde ele se paralisa através da visualização da imagem especular. Ou seja, o imaginário atua para que fiquemos presos na imagem do espelho e não no próprio objeto. Por isso é fundamental que o supervisor de Psicopedagogia atue fazendo falar tanto a instituição quanto os sujeitos que dela fazem parte. Somente a palavra (o símbolo) quebra o circuito de imagens solidificadas. 2.1. ASPECTOS INDIVIDUAIS No entanto, sem dúvida, é no plano individual e não no grupal que o Imaginário exerce um poder de impacto maior. Segundo Lacan isto ocorre porque há uma confusão bastante grande entre uma série de termos. ParaLacan, há dois aspectos básicos que estão em jogo: o primeiro refere-se à confusão entre a consciência e o ego e o segundo entre a consciência e o sujeito do inconsciente. A consciência foi tida durante muitos séculos como o lugar do pensamento do sujeito. Ela foi fundamentalmente trabalhada ao longo dos séculos pelos filósofos. A consciência sempre foi vista como autoconsciência, isto é, como aquilo que dentro do sujeito se move por si mesmo. Lacan faz a crítica deste tipo de estruturação mental e de construção do pensamento. Ele revela que aí é como se a consciência se edificasse, a imagem criasse vida e se fizesse passar pelo sujeito. Seja no âmbito do imaginário grupal quanto no imaginário individual a autonomia da forma é um conceito que Lacan sempre criticou. A forma cria vida e se faz passar pela coisa. A INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 26 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. forma autônoma é apenas uma imagem vivificada, o que não quer dizer que ela esteja realmente, mas que realmente ela faz passar como tendo uma existência real. Dizer que uma classe especial é uma - classe de louquinhos - não quer dizer que se apreendeu as bases do seu funcionamento, mas exatamente o seu inverso. O sujeito se prendeu à forma e perdeu o conteúdo. Dizer que uma escola é de periferia e que os alunos são da favela, não quer dizer que se apreendeu a escola e os alunos. As imagens se formaram e foram à frente do professor. Com isto perdemos tanto o professor, os alunos quanto a própria escola. ...e como se ele precisasse reduzir a velocidade de percepção das imagens, tentando parar em algo que é conhecido. Sob este aspecto é fundamental que o psicopedagogo, em sua atuação, evite a transferência do imaginário, tanto para o indivíduo quanto para a instituição. Daí a importância de os supervisionados falarem a respeito do seu processo. De eles mesmos tecerem o que está acontecendo com eles. A interpretação do psicopedagogo introduz uma outra imagem, um outro símbolo. E preciso que os supervisionados se falem para que possam se escutar e estabelecer imagens e símbolos mais próximos da coisa real. 3. PSICOPEDAGOGO DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA Cumpre ressaltar que há uma diferença primordial no processo de atuação do psicopedagogo de orientação psicanalítica lacaniana. Enquanto o psicopedagogo faz o seu supervisionando falar, o psicopedagogo de orientação psicanalítica precisa fazer um outro trabalho ainda mais específico: é preciso que todas as imagens sejam quebradas. Não deixar que os sujeitos percam a escuta e privilegiem uma imagem ou outra. Isto porque o psicopedagogo de orientação psicanalítica lacaniana trabalha com a dinamização do circuito do imaginário. Ou seja, ele tem por objetivo fazer o sujeito repensar todo o circuito de imagem. INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 27 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. Com isto, gradativamente, o supervisionando começa a perceber que, atrás do circuito das imagens, há uma matriz simbólica. Em suma, cada supervisionando começa a perceber que tem o seu próprio conjunto de imagens distinto dos demais. Este conjunto de imagens o remete a uma relação e posição inicial em que ele foi colocado pelo Outro. E o momento em que o supervisionando começa a perceber a importância de trabalhar este processo, mais aprofundamente, em sua própria análise. É importante perceber que, enquanto o psicopedagogo de uma orientação objetiva recebe o conteúdo transferencial em alguns momentos, o psicopedagogo de orientação psicanalítica está recebendo este processo continuamente. Este é um momento de enorme resistência por parte do supervisionando. Ele tende a se aferrar ao que ele já conhece dele. Ele quer muitas vezes que o psicopedagogo deixe de indicar a mobilidade das imagens. E como se ele precisasse reduzir a velocidade de percepção das imagens, tentando parar em algo que é conhecido. Este é um momento que lembra o chamado ―medo de aprender de Bion. Neste nível, as emoções podem aparecer principalmente aquelas referentes aos medos, às angústias, às agressividades de diferentes formas etc. O supervisionando agride, sente- se mal e questiona para não possibilitar que entre no circuito psicopedagógico aquilo que ele conserva com mais carinho: as suas imagens ideais. Sintetizando, o supervisionando paralisa o processo de aprendizagem do novo para não perder os seus ideais. E o momento em que a supervisão psicopedagógica esbarra no ideal do Eu. O plano da consciência, o Eu ou o Ego, traz para o sujeito a impressão de que ele se captou ou captou o objeto através da imagem. As imagens ideais têm um poder de impacto maior. Elas revelam que, embora o sujeito se acredite nas imagens e, principalmente, nas imagens ideais, ele se encontra em outro lugar, em outra cena. O plano da consciência, do Ego ou do Eu, é duplo: ele tece tanto o sujeito quanto o Outro. Henri Wallon já explicitava este processo: A elaboração do Eu e do Outro por parte da consciência faz-se simultaneamente. São dois termos conexos cujas variações são complementares e as diferenciações recíprocas. INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 28 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. Supôs-se algumas vezes que o Eu era constituído por condensações da sensibilidade mais subjetiva e que o Outro o era por expulsão das imagens exteroceptivas. Esta oposição não é exata. De fato, o Outro fez-se atribuir de tanta realidade intima pela consciência como o Eu, e o Eu não parece comportar menos aparências do que o Outro. O Eu e o Outro são imagens que construímos de nós mesmos e do Outro. O Eu e o Outro são imagens que foram construídas e que acreditamos nelas, incorporando-as. Um problema fundamental é que geralmente em supervisão essas imagens são tomadas como seres concretos. Do tipo: ―Eu sou assim e você é do outro jeito. Nós não vamos mudar. Você não vai mudar. Eu não vou mudar. Em suma, o conteúdo do supervisionando toma- se essencialmente resistencial. E possível muitas vezes que haja uma quebra na relação psicopedagógica. E o momento em que, para não mudar, o supervisionando quebra o vínculo transferencial. É importante perceber que, enquanto o psicopedagogo de uma orientação objetiva recebe o conteúdo transferencial em alguns momentos, o psicopedagogo de orientação psicanalítica está recebendo este processo continuamente. Quando chega o momento de trabalhar com as imagens ideais, o supervisionando começa a receber a agressividade do supervisionando. E o momento em que ele deixa de bascular as imagens apresentadas pelo Eu e pelo Outro. Isto é, o Eu e o Outro fazem parte do mesmo bloco. Eles constituem a mesma cena. No Eu o sujeito faz a cena e no Outro ele se observa e se julga. O conteúdo que ele reconhece mais facilmente encontra-se no Eu, e o conteúdo que ele reconhece menos encontra-se no Outro. Quando a relação transferencial se intensifica negativamente, há uma quebra e uma constituição de circuitos independentes: o do sujeito e do Outro. De um processo onde havia o Eu e o Outro, há uma passagem para ou Eu ou Outro. A convivência com o psicopedagogo toma-se impossível e a relação se conclui. Se a relação se quebrar, o sujeito passará por um processo de luto, onde terá de resgatar o conteúdo que ele deixou no Outro. INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 29 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. O marco maior da teoria lacaniana não se encontra na imagem, mas na questão referenteao desejo. Tomamos como paradigma aqui o processo de interação do supervisionando com o psicopedagogo. Mas podemos pensar este mesmo processo em situações como o vinculo que o professor estabelece com a instituição, com os colegas, com a criança. E importante que o vinculo se encontra no Outro seja resgatado para que o supervisionando possa perceber o que realmente está ocorrendo. Quando a fala se paralisa, processo de trânsito entre o Eu e o Outro deixa de acontecer e tende a se solidificar. Este processo é bastante comum em situação de sala de aula quando a professora apresenta uma birra em relação a determinado aluno. Ela para de resgatar o seu conteúdo que se encontra no Outro. Até que há uma ruptura final onde os dois não podem conviver em conjunto. A saída que Lacan encontrou para fora do registro do Imaginário não aconteceu ao acaso. O marco maior da teoria lacaniana não se encontra na imagem — como no caso de Henri Wallon —, mas na questão referente ao desejo. Foi através dele que Lacan conseguiu fazer a passagem para um mais além da imagem. Diana Rabinovich explicita melhor este processo em Lacan: (...) O movimento como tal, a inquietude de alguém que quer ser algo que todavia não é, que quer se tornar outro do que é, é o que caracteriza os distintos momentos da consciência de si, que sempre quer se tornar outra, diferente da que foi em seu passado, assumir outra figura. Há no sujeito uma busca da identidade estruturada de forma definitiva. Estruturada de uma forma que, uma vez constituída a imagem primeira, ela tenda a se perpetuar. No entanto, o que caracteriza o ser humano é exatamente esta mutabilidade constante. As imagens não permanecem, as imagens se trocam e se confundem entre si. Lacan assinala que é exatamente porque o sujeito não tem identidade que ele pode identificar-se e assumir as identificações. O papel do INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 30 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. psicopedagogo de orientação psicanalítica em instituição é revelar que o sujeito não está na imagem, no processo identificatório, mas em outro lugar, em outra cena. 4. A ATUAÇÃO DO PSICANALISTA EM INSTITUIÇÃO Enquanto o psicopedagogo de orientação psicanalítica na instituição trabalha com a quebra das imagens e dos estereótipos. O psicanalista atua na instituição a partir de um outro eixo. Por sua formação especializada, ele tem condições de trabalhar na escuta de uma frente específica que é a questão fantasmática, vinculada ao desejo do Outro. Por que Lacan dá importância ao desejo do Outro no processo de estruturação do sujeito e não à imagem? Porque é através do desejo do Outro que se tece o universo do sujeito, o mundo, a cena fantasmática de onde tudo vai se estruturar. Para Hegel e os consciencialistas, o Outro é aquele que me vê, aquele que sabe de mim, aquele o a quem eu pergunto e ele responde do sobre as minhas coisas. A psicanálise revela que é fundamental que o psicopedagogo não se reduza a este processo, ou seja, que ele não se creia como aquele que detém o saber a respeito do processo do sujeito Sintetizando o pensamento lacaniano, Diana Rabinovich revela que: (...) O Outro está ali como consciência, constituída como tal, e involucra o meu desejo em função do que lhe falta e que ele não sabe que lhe falta. No nível do que lhe falta e que não sabe, me encontro involucrado da maneira mais pregnante, porque não há para mim outro rodeio que me permita encontrar o que me falta como objeto do meu desejo. O psicanalista na instituição introduz a castração. Ou seja, o Outro também não sabe. E ele também não tem a resposta. Há a constatação da falta. Há a constatação de que a resposta tem de ser buscada em função do desejo do Outro e do desejo do Sujeito, mas ela é sempre parcial. Ou seja, não há como o sujeito se satisfazer plenamente. No mundo da linguagem lidamos sempre com palavras, com imagens e com símbolos. A coisa que INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 31 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. poderia nos satisfazer sempre nos escapa. A castração introduz um processo contínuo no sujeito de escuta do desejo: (...) (há) uma diferença radical entre a satisfação de um desejo e a corrida em busca do acabamento do desejo — o desejo é essencialmente uma negatividade, introduzida num momento que não é especialmente original, mas que é crucial, de virada, O desejo é apreendido inicialmente no outro, e da maneira mais confusa. A relatividade do desejo humano em relação ao desejo do outro, nós a conhecemos em toda reação em que há rivalidade, concorrência, e até em todo o desenvolvimento da civilização(...) O que há por trás do imaginário é o desejo do Outro. O desejo do Outro estrutura a matriz simbólica do imaginário que forma todo o conjunto de imagens do sujeito. E como se o simbólico fosse um projetor que jogasse as imagens em determinado lugar. Os filmes, as imagens, podem mudar. Mas o projetor — mesmo que seja mudado de lugar — remeterá as imagens sempre para o mesmo local. Não importa que este local não seja o ideal. O que importa é a posição do projetor. O conceito de Desejo do Outro introduz outra ordem de colocação, uma outra postura no sujeito que é uma busca pelo acabamento do desejo. Ou seja, saber por que o seu projetor remete a um lugar determinado e apresenta certo número de filmes. Sem abordar a partir da óptica do psicanalista, o processo do sujeito parecerá sempre fragmentário e sem sentido. Há uma lógica que o sujeito precisa atingir para saber por que o seu projetor foi colocado de determinada forma. Somente estruturando-a através da análise, o sujeito poderá perceber que não é ao acaso que o seu projetor foi colocado naquele lugar e apresenta determinado rol de filmes. Só atingindo o fantasma primário, o sujeito consegue saber a respeito da montagem do imaginário e do simbólico, em função do registro do real. Mas este é um aspecto que só pode ser trabalhado na análise individual do sujeito. Por mais que se delineiem os fantasmas secundários na instituição, eles não conseguem revelar porque certos sujeitos foram atingidos por eles e outros não. Somente o fantasma primário tem a resposta que permite o esclarecimento deste processo. Mas isto só é possível se descobrir na análise pessoal do sujeito. INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 32 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. UNIDADE 4 – A CONTRIBUIÇÃO DA PSICANÁLISE FRENTE AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM Vera B. Zimmermam O fracasso escolar passou a ser considerado patologia no final do século XIX, à medida que foi instaurada a escolaridade obrigatória e a sociedade sofria mudanças radicais rumo à modernidade. Estas mudanças passaram a cobrar novos valores do desenvolvimento do humano, entre os quais o êxito social passando pelo desempenho escolar. (1) A dificuldade de inserção social dos sujeitos que não cumprem estes novos paradigmas da modernidade fica comprometida, sendo, quase sempre, excluídos ou desvalorizados. ... cabe pensarmos no social enquanto um lugar que deve possibilitar espaço para as diferenças, e não só para as padronizações. A Psicanálise, que surgiu tentando resgatar o sujeito histérico também de uma exclusão social, possibilitando que seus sintomas fossem escutados de forma que entendesse seu verdadeiro sentido encoberto pelo mal-estar físico, busca também entender e trabalhar a mensagem do sujeito que não alcança estes novos ideais sociais através do percurso escolar. Construindo conhecimento que,às vezes se soma, às vezes se bifurca, tenta escutar o fracasso escolar não só como uma patologia na constituição do sujeito psíquico, mas também enquanto uma linguagem onde ele tem suas dificuldades cristalizadas por esta pressão social ou mesmo quando constrói a dificuldade de aprender como sintoma de sua discordância a estas exigências. INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 33 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. Portanto, à medida que a Psicanálise se funda na tentativa de contribuir para que o ser humano se constitua mais coerente com a sua singularidade, cumpre, então, olhar o social sobre esse sujeito, que, ao fracassar na escola, pode estar expressando seu mal-estar por não se inserir nos padrões estabelecidos por estes valores. Nesta perspectiva, cabe pensarmos no social enquanto um lugar que deve possibilitar espaço para as diferenças, e não só para as padronizações. Frente a isto há que se redimensionar enfoques terapêuticos, posturas psicopedagógicas, a busca não é, necessariamente, enquadrar, mas ajudar o diferente a encontrar um lugar social produtivo da forma como lhe é possível, ou ajudá-lo a encontrar respostas por outras vias, outras formas de conhecer. O desafio psicanalítico sempre foi, desde o início da sua construção, escutar as diferenças e contribuir para que o sujeito produza seu bem estar dentro delas. Dentro desta perspectiva, ou seja, escutar as diferenças e pensar num lugar que lhes possibilite uma inserção social produtiva, gostaríamos de refletir mais especificamente a respeito de como podemos entender um fracasso escolar. Excluímos aqui a análise de quadros com implicações neurológicas, cujo tema necessitaria outro enfoque. Pensamos em dificuldades que vão desde uma inibição neurótica, até uma desorganização psicótica, não esquecendo os casos limítrofes, que são as situações mais difíceis, à medida que exigem abordagens psicopedagógicas que desafiam os padrões instituídos. Há escola para as inibições neuróticas, pois a criança tem defesas organizadas que lhe permitem ir fluindo através dos seus desencontros com a aprendizagem formal; há lugar para os psicóticos nas escolas terapêuticas e o social não lhe cobra um desempenho igual ao neurótico; mas não há lugar para o limítrofe, cuja constituição psíquica apresenta-se de forma que não efetiva organizadamente noções de tempo e espaço, noções estas qu sustentam o conhecimento planejado pelo sistema pedagógico tradicional. Neste espaço intermediário estão os sujeitos que têm suas habilidades sustentadas por uma lógica que não a convencional — outros tipos de inteligência. (2) A dificuldade maior está também no fato de que, socialmente, a pressão e a expectativa social vai no sentido de enquadrá-los no sistema comum de aprendizagem e eles não conseguem trilhar estes caminhos, mesmo que sejam capazes de chegar a um produto final até melhor do que os adaptados. No momento em que passa a ser considerado patológico aquilo que INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 34 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. simplesmente é diferente, que não se enquadra no nosso sistema conhecido, estamos falando mais de uma patologia social (família ou sistema escolar) do que de uma individual. E mais fácil pensarmos numa patologia da aprendizagem do que nos nossos limites de conhecimento dessas diferenças, tanto na abordagem emocional como na pedagógica. A ORGANIZAÇÃO PSICÓTICA MOSTRA-SE IMPOSSIBILITADA DE MANTER A DIFERENCIAÇÃO DA REPRESSÃO ORIGINÁRIA, PREVALECENDO A LÓGICA DO INCONSCIENTE. Abordando especificamente a construção teórico-psicanalítica em relação à inteligência, ou seja, às diferentes formas como o ser humano lida com o simbólico, temos, independente das facções teóricas dentro dela, a certeza de que isto só pode ser pensado pelas vias da estruturação do sujeito psíquico. A estruturação da inteligência, descartadas situações orgânicas, é inseparável desta organização psíquica. (3) Também, que esta posição está determinada pelo lugar que ocupa na tópica psíquica em relação ao inconsciente; e que fracassos na repressão originária produzem a maior parte dos transtornos da constituição da lógica e do juízo. Um juízo, um discurso gramaticalmente estruturado são produtos da repressão originária instalada nesta organização, entrelaçado com o inconsciente que se organiza singularmente. No início temos a cria humana que funciona através de signos de percepção (3) e que só pode adquirir o estatuto de sujeita psíquico através da função materna: esta, além de ocupar-se do autoconservativo, investe-a de fragmentos do seu próprio inconsciente, outorgando-lhe sentidos, ajudando-o a estabelecer ligações entre estes signos de percepção que irão formar um emaranhado de significações. Este emaranhado que vai sendo construído, também instala as diferenciações na tópica psíquica através de repressão originária, onde irá se assentar o ego e o narcisismo. INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 35 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. .... as possibilidades de vencer ou fracassar evocam conflitos edípicos que muitas vezes produzem sintomas inibitórios, ora passageiros, ora difíceis de ser trabalhados. As formas como se instala ou não a repressão originária, produto do processo contínuo-descontínuo de significações e ressignificações destes signos de percepção através da função materna, organizarão o sujeito em determinados níveis de funcionamento simbólico. A organização psicótica mostra-se impossibilitada de manter a diferenciação da repressão originária, prevalecendo a lógica do inconsciente. Não foi possível ser estabelecida uma consistência nesta construção de sentido, e o sujeito psicótico permanece numa errância na tentativa de encontrá-lo, mesmo que o caminho seja a construção de um delírio que funciona como uma ilha de significação possível para ele. Nesta busca de significação, mesmo delirante, pode ocorrer uma inserção social produtiva, e é o que acontece em muitos casos de sujeitos psicóticos que encontraram formas de grande relevância social nas suas obras. A abordagem terapêutica deve ir nesta via de ressignificação, pensando uma inserção social para aquela singularidade. Portanto, mesmo mostrando-se incapaz de acompanhar uma aprendizagem formal tradicional, o sujeito psicótico apresenta possibilidades de desenvolver em alguma direção o seu sucesso simbólico, mesmo atravessado pela lógica do inconsciente. Um impedimento importante para a aprendizagem nesta constituição é o de ela ser marcada pelo fato de o sujeito psicótico não conseguir ser dono do seu desejo, permanecendo colado ao desejo do outro, simbolicamente, o que o caracteriza como, quase sempre, escrevendo a folha, e não na folha, isto é, o que dificulta a produção da sua singularidade. Não havendo um ego organizado, também não há esta capacidade de pensar-se enquanto diferente dos outros e circunscrever a sua diferença através de uma busca, questão que move o processo de aprendizagem. Já nas organizações predominantemente neuróticas, outro extremo da constituição do sujeito, podem se produzir dificuldades de aprendizagem num outro nível. Já existe a organização edípica marcada pela castração, por isso consegue INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 36 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. dispor de defesas que o protegem dos conflitos mais primitivos, mantendo uma coerência lógica com o mundo externo, funcionando no tempo e no espaço estipulado por estemesmo mundo. Sua memória e atenção podem ser controladas pelos processos conscientes, pois dispõe desta capacidade de controle. As dificuldades na aprendizagem surgem quando os conteúdos ou a situação desperta algum conflito e o sistema defensivo falha neste controle de forças; neste momento surgem os sintomas, cuja função é encobrir uma verdade inconsciente não possível de ser falada naquele momento. Para a estrutura neurótica, o sucesso na aprendizagem marca a possibilidade de inscrever-se enquanto sujeito capaz de competir, marca básica da cena edípica. Porém, as possibilidades de vencer ou fracassar evocam conflitos edípicos que muitas vezes produzem sintomas inibitórios, ora passageiros, ora difíceis de ser trabalhados. Aqui, diferentemente da constituição psicótica, o sujeito deseja, pois encontra-se discriminado do outro, mas isto não impede que tema os seus desejos, o que o leva, muitas vezes, a camuflá-los inconscientemente através de condutas opostas a ele. As inibições podem ocorrer desde uma dificuldade de pronunciar um ―r‖, pois pode significar força que ele teme ter, até reações fóbicas generalizadas que o afastam da escola. Provido de capacidade de simbolizar, ou seja, falar algo através de formas diversificadas, também fica à mercê de todo o simbolismo dos conteúdos que constantemente evocam questões conflitivas do seu inconsciente. Isto marca a sua riqueza, à medida que se desenvolve artifícios para lidar com o evocado, mas marca o processo de aprender com constantes atribulações, falando no sentido pedagógico e psicológico. Tempo e espaço não são categorias inatas, mas construções, efeito da diferenciação que a instalação do ego funda. Porém mesmo atribuladamente, as inibições neuróticas dificilmente impedem que o sujeito seja excluído da aprendizagem formal, porque o nosso sistema escolar consegue absorvê-lo com a multiplicidade de conteúdos nos quais ele terá possibilidade de se movimentar para escapar daquilo que lhe atrapalha. INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 37 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. O ponto de constituição de sujeito psíquico que se mostra mais difícil de ser trabalhado pela escola comum é o dos casos que se encontram num ponto intermediário, ou seja, apresentam falhas importantes na constituição da repressão originária, consequentemente, organizam-se com precariedade em relação às funções egóicas que são pré-requisitos da aprendizagem formal. Nestas dificuldades encontramos um ponto onde a Psicanálise e a Psicomotricidade se entrecruzam, falando do corpo. A Psicomotricidade aplica um conjunto de conceitos que derivam da neuropsiquiatria infantil e da psicologia genética, tratando de um corpo real, com o campo delimitado pelo conceito de perturbação funcional. A Psicanálise toma a experiência do próprio corpo num sentido mais amplo, não, constituindo uma região que se possa separar dos intercâmbios conscientes e inconscientes, sendo que a própria teoria da libido, formulada por Freud, trata do surgimento gradual da imagem do corpo. Suas dificuldades enquanto sujeito aparecem marcadas através de um corpo que não consegue mostrar-se inteiro para ele, o que desorganiza suas noções de tempo e espaço externo, consequentemente, seu processo de alfabetização. Também entende que nem todas as perturbações psicomotoras traduzem conflitos inconscientes, pois isto pressupõe um determinado nível de simbolização característico de organizações predominantemente neuróticas. Este corpo falado pela Psicanálise, desde o início se encontra envolvido num conjunto de relações identificatórias, criando um espaço que se distingue por um dentro e um fora, onde os objetos vão surgindo de um caos primitivo à medida que a motricidade vai recortando formas e estabelecendo relações. No limite do dentro e do fora, da percepção e da fantasia, funciona como um esquema de representação que se encarrega de estruturar a experiência do mundo nos níveis consciente, pré- consciente e inconsciente. Assim, o corpo é uma função de síntese cuja projeção marca os momentos essenciais. Esta projeção é primeiramente sensorial e, em virtude das primeiras reações objetais, desenvolve-se lentamente, através de toda a sensório motricidade e especialmente da visão binolucar, um processo de projeção INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 38 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. que configura um dentro e um fora, antes de introduzir a terceira dimensão, e objetos imagens do corpo, antes de chegar à objetividade. Portanto, o campo que explora os distúrbios psicomotores tem por limite inferior a projeção sensorial e por limite superior a projeção da fantasia. (6) Muitas vezes, então, estamos falando da ausência de um corpo para aquele sujeito que não tem suficiente elaboração de fantasia, como nos casos limítrofes. Nestas situações o corpo não funciona enquanto via de representação para a organização do pensamento e, consequentemente, para a aprendizagem. Suas dificuldades enquanto sujeito aparecem marcadas através de um corpo que não consegue mostrar-se inteiro para ele, o que desorganiza suas noções de tempo e espaço externo, consequentemente, seu processo de alfabetização. Sua capacidade de simbolizar aparece truncada por uma concretude que fala das falhas da função materna de ajudá-lo a ressignificar as sensações que lhe chegavam. Muitos signos de percepção permanecem não interligados por um sentido, constituindo um bloco errático que funciona como descarga pulsional pura. A memória e a atenção são dificultadas por uma repressão insuficiente dos processos primários. Neste sentido, diferencia-se sintoma de transtorno. O primeiro dá conta de um momento da constituição do sujeito onde ocorrem um conflito intersistêmico, segundo Freud ―formação de compromisso, efeito de uma recusa de satisfação pulsional, no caso da neurose (7); o segundo fala de emergências patológicas anteriores às diferenciações dos sistemas, anterior à instalação da repressão originária, o que ocorre nos transtornos das relações têmporo-espaciais que excluem diagnóstico de lesão orgânica. Trata-se então de uma perturbação na instalação da tópica psíquica, a qual origina as relações de tempo e espaço que o ego instala. Tempo e espaço não são categorias inatas, mas construções, efeito da diferenciação que a instalação do ego funda. Quando falamos em sintoma, a terapêutica centra-se naquilo que tecnicamente chamamos de (des)repressão ou desconstrução, mas, quando falamos em transtorno, o tratamento visa, possibilitar ligações. Ou seja, trabalhar com estas últimas patologias implica se construir um entramado de base, possibilitando que se organize uma rede de significações a partir das representações psíquicas primitivas que não conseguiram ascender ao estatuto de INSTITUTO WALLON EDUCACIONAL 39 www.institutowallon.com.br BASES PSICANALÍTICAS APLICADAS À PSICOPED. representação - palavra, portanto permaneceram errantes, desorganizando as funções corporais e/ou emergindo como exercício pulsional puro. Falamos, então, de uma intervenção que possibilite uma neogênese onde se constitua a amnésia infantil, proveniente da repressão originária, com suas consequentes possibilidades de organização egóica, possibilitando ao sujeito psíquico estabelecer sentidos, ligando traços mnêmicos com situações traumáticas. Trabalhar com este tipo de aluno é construir um lugar intermediário entre a Escola comum e a Escola Terapêutica, com todas as suas implicações institucionais e Pedagógicas: trata-se de construir um lugar onde, antes de se construir