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Introdução
Aumento do número de evacuações (mais de três por dia) e do teor de líquido das fezes, que se tornam amolecidas ou aquosas.
As lesões histopatológicas dependem da causa, podendo haver processo inflamatório da mucosa intestinal, lesão ou necrose dos enterócitos, atrofia das vilosidades, hiperplasia das criptas e ulcerações superficiais. Em muitos casos, o intestino apresenta estrutura normal ou apenas alterações funcionais.
Pode ser aguda, não infecciosa e infecciosa, ou crônica.
Diarreia Aguda Não Infecciosa
Causas
•Uso de laxativos: fenolftaleína, antraquinonas, óleo de rícino, bisacodil, oxifenisatina, sena, aloé, sulfossuccinato, dioctil sódico, sulfato de magnésio
•Medicamentos: antibióticos de largo espectro, teofilina, furosemida, tiazidas, quinidina, colchicina, inibidores da enzima de conversão da angiotensina, ranitidina, antidepressivos, misoprostol, antiácidos, xaropes com altor teor de sorbitol, suplementos vitamínicos, sulfato ferroso
•Nutrição enteral
•Radioterapia e quimioterapia
•Exercícios vigorosos (diarreia dos corredores)
•Psicogênica.
Manifestações clínicas
•Início súbito com três ou mais evacuações por dia
•Fezes moles e líquidas, podendo conter muco ou sangue
•Restos alimentares nas fezes
•Cólicas intestinais, distensão abdominal
•Anorexia, mal-estar
•Desidratação.
O reconhecimento da causa é fundamental para o cuidado ao paciente.
Diarreia Aguda Infecciosa
Diarreia provocada por agentes infecciosos (vírus, bactérias, fungos, parasitas).
Causas
•Vírus:
■Rotavírus: transmissão fecal-oral; mais frequente em lactentes e crianças; relacionada com grupos fechados; diarreia dos turistas e viajantes (ver Capítulo 5, Medicina de Viagens)
■Vírus Norwalk e símiles: transmissão fecal-oral. Pode ocorrer em todas as idades e em grupos fechados
■Adenovírus: transmissão por secreções respiratórias. Mais frequentes no verão (cerca de 20% das diarreias aquosas na infância)
■Enterovírus: relacionadas com o vírus Coxsackie humano grupo 1 e vírus ECHO tipos 18 e 20. Comum em crianças
■HIV: diarreia leve ou grave de curso prolongado, podendo observar-se fezes sanguinolentas
•Bactérias: Escherichia coli, Salmonella, Shigella, Campylobacter jejuni, Clostridium difficile, Listeria monocytogenes, Yersinia enterocolitica, Vibrio cholerae, T. whippelii
•Parasitos: G. lamblia, S. stercoralis, E. histolytica, Cryptosporidium sp., Balantidium coli, Isospora belli
•Enterotoxinas bacterianas (intoxicação alimentar).
Fatores de risco
•Higiene inadequada e saneamento básico deficiente
•Alimentos preparados de modo inadequado e mal conservados.
Manifestações clínicas
Diarreia viral
•Autolimitada, podendo durar até 2 semanas
•Febre quase sempre de baixa intensidade, com duração de 3 a 4 dias
•Vômitos frequentes
•Cólicas abdominais acompanhadas de evacuações explosivas.
Diarreia bacteriana
•E. coli enterotoxigênica (ETEC): febre, calafrios e vômitos. Importante causa de diarreia em viajantes e crianças
•Shigella e E. coli: síndrome disentérica (diarreia sanguinolenta com muco e pus). Febre alta, mialgias, cólicas, tenesmo
•E. coli êntero-hemorrágica (EHEC): colite hemorrágica; associada a síndrome hemolítico-urêmica em crianças, reação leucemoide, colite pseudomembranosa, cefaleia, meningismo, convulsões. Artrite 2 a 3 semanas após a diarreia
•Salmonella: início dos sintomas 8 a 48 horas após ingestão de alimentos contaminados. Febre e diarreia, às vezes vômitos. Dor abdominal em cólica
•Campylobacter jejuni ou Escherichia coli: dor abdominal. Pode complicar com megacólon tóxico, colite pseudomembranosa, síndrome hemolítico-urêmica, polineurite pós-infecciosa, síndromes de Guillain-Barré e Reiter
•Yersinia enterocolitica: febre e vômitos. Adenite mesentérica. Poliartrite migratória. Complicações: síndrome de Reiter, eritema nodoso, abscesso de fígado e baço, colite inflamatória
•Clostridium difficile: colite pseudomembranosa, artrite (relacionada com o uso de antimicrobianos)
•Tropheryma whippelii: diarreia prolongada, seguida de esteatorreia com cólica; às vezes, distensão abdominal. Perda de peso, artralgia (grandes articulações). Febre de baixa intensidade. Hiperpigmentação da pele em 50% dos pacientes. Hipoalbuminemia, hipocolesterolemia, hipopotassemia e anemia. Complicações: endocardite marântica, alterações neurológicas (oftalmoplegia, demência, ataxia, mioclonias, hiper-reflexia e parestesias)
•Vibrio cholerae: ver Capítulo 546, Cólera.
Diarreia por parasitos
•Helmintíase: ver Capítulo 573, Helmintíases
•Giardíase: ver Capítulo 569, Giardíase
•Amebíase: ver Capítulo 537, Amebíase
•Estrongiloidíase: ver Capítulo 573, Helmintíases.
Diarreia em pacientes imunodeprimidos
•Principais causas: Cryptosporidium, Microsporidium, Isospora, Ciclospora, citomegalovírus, Herpes-vírus humano, Mycobacterium, E. histolytica, Candida, G. lamblia.
Diagnóstico diferencial
•Episódio agudo de diarreia em paciente com doença intestinal crônica
•Colite ulcerativa
•Doença de Crohn
•Colite pseudomembranosa secundária ao uso de antibióticos
•Doença diverticular do cólon, cólon irritável
•Impactação fecal (diarreia paradoxal)
•Obstrução intestinal (fase inicial).
Exames complementares
•Nem sempre são necessários
•Dependem das hipóteses diagnósticas
•Hemograma: aumento dos leucócitos com desvio para a esquerda indica processo infeccioso bacteriano agudo
•Eletrólitos séricos: aumento do sódio e potássio em consequência da desidratação (ver Capítulo 332, Desidratação)
•Ureia e creatinina: elevadas em caso de desidratação grave
•pH: acidose hiperclorêmica
•Exame parasitológico de fezes: para identificação de parasitas intestinais (amebíase, giardíase, estrongiloidíase, helmintíase)
•Cultura de fezes: identificação de bactérias
•Radiografia simples em pacientes com dor abdominal e suspeita de obstrução, para excluir a possibilidade de megacólon tóxico e isquemia intestinal
•Retossigmoidoscopia: suspeita de colite pseudomembranosa.
Comprovação diagnóstica
•Dados clínicos
•Diagnóstico etiológico depende de isolamento do agente infeccioso.
Complicações
•Desidratação e distúrbios hidreletrolíticos
•Choque
•Sepse.
Tratamento
•Reposição de água e eletrólitos: deve ser iniciada imediatamente e não depende do diagnóstico etiológico (ver Capítulos 332, Desidratação, e 337, Distúrbios Hidreletrolíticos).
Para esquema completo de tratamento da diarreia aguda, ver Quadro 12.1.
 Tratamento medicamentoso
•Para supressão da diarreia: loperamida, VO, 4 mg de início; a seguir, 2 mg, de 6/6 h (usar com cautela em pacientes com diarreia infecciosa); ou subsalicilato de bismuto, VO, 30 mℓ a cada meia hora, até 8 doses; ou caulim-pectina, 6/6 h
•Antibioticoterapia sem identificação do agente infeccioso:
■Ciprofloxacino, VO, 500 mg, 12/12 h durante 3 a 5 dias
•Antibioticoterapia com agente etiológico identificado:
■Clostridium difficile: metronidazol, VO, 500 mg, 8/8 h; ou vancomicina VO, 250 mg, 6/6 h, durante 10 a 14 dias
■Listeria monocytogenes: ampicilina, VO, 50 a 100 mg/kg, 6/6 h, para crianças; 500 mg, VO, 6/6 h, para adultos
■Vibrio cholerae: ciprofloxacino, VO, 1 g, dose única
■Tropheryma whippelii: sulfametoxazol 400 mg + trimetoprima 80 mg VO, 12/12 h, durante 1 ano
•Pacientes imunodeprimidos:
■Citomegalovirus: ganciclovir, IV, 7,5 a 15 mg/kg, 8/8 h, durante 14 a 21 dias (ver Capítulo 545, Citomegalovirose)
•M. avium-intracellulare complex: claritromicina, VO, 500 mg, 12/12 h + ciprofloxacino, VO, 500 mg, 12/12 h + etambutol, VO, 25 mg/kg, durante 6 meses
•Cryptosporidium: paramomicina, VO, 500 mg, 6/6 h; ou azitromicina, VO, 750 mg, 1 vez/dia, por 4 semanas
•Microsporidiose: albendazol,VO, 400 mg, 12/12 h, durante 3 a 4 semanas
•Ciclospora e Isospora: sulfametoxazol 800 mg + trimetoprima 160 mg, VO, 12/12 h, durante 14 dias
•E. hystolitica e G. lamblia (pacientes imunodeprimidos ou não): metronidazol, VO, 750 mg, 8/8 h, durante 10 dias.
Prevenção
•Não usar água suspeita (em caso de dúvida quanto à qualidade, ferver e filtrar a água que possa estar contaminada)
•Evitar ingestão de frutos do mar ou de carne não cozidos ou malcozidos.Quadro 12.1 Investigação diagnóstica e tratamento da diarreia aguda.
	Tipo de diarreia aguda
	Principais causas
	Exames complementares
	Tratamento
	Diarreia aquosa (ausência de febre, fezes sem muco, pus ou sangue)
	Vírus, E. coli, produção de toxinas
	–
	Tratamento de suporte, hidratação por via oral, sintomáticos para vômitos e cólicas, orientação do paciente
	Diarreia aquosa grave (muitos episódios e desidratação; tipo “água de arroz”)
	E. coli, cólera
	Na, K, hemograma, ureia, creatinina; pesquisar cólera se caso suspeito
	Reidratação vigorosa (20 mℓ/kg em 15 min + 60 mℓ/kg/dia), correção de distúrbios hidreletrolíticos. Se houver epidemia de cólera, iniciar antibioticoterapia
	Diarreia com sangue e pus (toxemia, dor abdominal, puxo e tenesmo)
	Shigella, Salmonella, Yersinia, Campylobacter
	Na, K, hemograma, ureia, creatinina, coprocultura. Avaliar hemocultura
	Hidratação, suporte clínico, antibioticoterapia
	Diarreia com sangue (ausência de toxemia e febre)
	E. coli êntero-hemorrágica
	Na, K, hemograma, ureia, creatinina, coprocultura, pesquisa de leucócitos nas fezes
	Tratamento de suporte, hidratação por via oral, sintomáticos para vômitos e cólicas
	Diarreia aquosa ou sanguinolenta + uso recente de antibiótico
	Toxina do C. difficile
	Pesquisa da toxina C. difficile
	Suspender antibióticos. Metronidazol ou vancomicina oral apenas para pacientes graves
Evolução e prognóstico
•As diarreias infecciosas evoluem, em sua maioria, de maneira autolimitada
•Cura sem sequelas, com tratamento adequado
•Risco de vida em crianças e idosos com desidratação grave.
Diarreia Crônica
Diarreia com duração de mais de 4 semanas.
Causas
•Parasitoses intestinais
•Cólon irritável
•Colite pseudomembranosa medicamentosa (antibióticos)
•Câncer do cólon
•Doença de Crohn
•Retocolite ulcerativa
•Síndrome de má absorção
•AIDS
•Diabetes
•Alergia alimentar
•Intolerância a lactose
•Uso abusivo de laxativos
•Síndrome de Zollinger-Ellison
•Cirurgia gástrica
•Ressecção ileal
•Medicamentos.
Manifestações clínicas
•Início gradativo, 3 a 5 evacuações por dia, fezes pastosas
•Em geral, no início o paciente não valoriza o aumento do número de evacuações
•Em alguns casos, com menos de 3 evacuações, o paciente percebe apenas que as fezes estão com menor consistência
•Urgência para defecar
•Cólicas abdominais, principalmente na parte inferior do abdome, antes e no decorrer da defecação
•Em raros casos, incontinência fecal
•Perda de peso
•Depleção de líquidos e eletrólitos
•Relato das características das fezes pelo paciente ou inspeção das fezes pelo médico podem fornecer informações úteis.
Diagnóstico diferencial
•Todas as causas de diarreia crônica
•Um exame clínico completo é fundamental.
Exames complementares
Dependem da hipótese diagnóstica, podendo ser:
•Hemograma: pode ser normal; anemia é frequente
•Eletrólitos: hipopotassemia
•Exame parasitológico das fezes: pesquisa de ovos e/ou parasitos
•Cultura das fezes: para identificar bactérias patogênicas
•Determinação da gordura fecal depois de uma dieta com 100 g de gordura/dia (anormal acima de 7 g/dia): caracteriza esteatorreia
•Pesquisa de sangue oculto nas fezes
•Enema opaco: retocolite ulcerativa, doença de Crohn
•Retossigmoidoscopia e colonoscopia: retocolite ulcerativa, doença de Crohn, amebíase.
Comprovação diagnóstica
•Dados clínicos + exames complementares, de acordo com a hipótese diagnóstica.
Tratamento
•Reposição de água e eletrólitos (ver Capítulos 332, Desidratação, e 337, Distúrbios Hidreletrolíticos)
•Dieta específica de acordo com a causa
•Nutrição parenteral na diarreia refratária (casos especiais)
•Reduzir ou evitar derivados do leite nos casos de intolerância a lactose (ver Capítulo 345, Intolerância a Lactose).
 Tratamento medicamentoso
•Tratamento sintomático: Psyllium ou análogos sintéticos; ou difenoxilato, 5 a 20 mg/dia; ou loperamida, VO, 4 mg de início, a seguir, 2 mg, 6/6 h; ou caulim-pectina, 1 a 8 colheres das de sopa ao dia
Atenção 
•Diante de um paciente com diarreia, responder três perguntas: (1a) trata-se de diarreia aguda ou crônica?; (2a) a diarreia é infecciosa ou não infecciosa?; (3a) há manifestações clínicas indicativas de uma condição clínica específica (p. ex., síndrome de má absorção, retocolite ulcerativa ou AIDS)? A partir das respostas a essas 3 perguntas, é possível fazer investigação diagnóstica correta e instituir medidas terapêuticas adequadas
•Na diarreia aguda, infecciosa ou não infecciosa, a reposição de líquido e eletrólitos pode ser mais importante que o tratamento específico, principalmente na desidratação grave (risco de vida em crianças e adultos)
•Diarreia crônica pode exigir detalhada investigação diagnóstica para definir a causa a partir da qual se institui terapêutica específica (p. ex., síndrome de má absorção, intolerância a lactose, colite pseudomembranosa e medicamentosa).
•Antiespamódicos nos casos com cólicas intensas
•Tratamento específico: de acordo com a etiologia da diarreia.
Evolução e prognóstico
Com diagnóstico correto e tratamento adequado, há cura do paciente ou controle da função intestinal, possibilitando boa qualidade de vida.
FONTE: Clínica médica na Prática diária. Porto.

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