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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/281346858 Apostila de Ortopedia e Reumatologia UFPR Research · August 2015 CITATIONS 0 READS 3,686 1 author: Some of the authors of this publication are also working on these related projects: Prostate Cancer View project Mestrado em Clínica Cirúrgica View project Frederico Ramalho Romero Universidade Estadual do Oeste do Paraná 120 PUBLICATIONS 1,260 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Frederico Ramalho Romero on 30 August 2015. 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A artrite séptica (ou supurativa) ocorre principalmente nas articulações do joelho, quadril e ombro de crianças. Com freqüência existe um foco infeccioso anterior, que infecta as articulações por via hematogênica (1). Menos freqüentemente, a infecção se dissemina de um sítio adjacente, como na osteomielite (2) ou na celulite (3), ou por introdução direta através de procedimentos invasivos (4) ou uma ferida (5). Etiologicamente, os agentes mais comuns são os Staphylococcus aureus ou o Staphylococcus albus e os estreptococos hemolíticos. Menos comuns são os pneumococos, meningococos, gonococos e febre tifóide. Clinicamente, deve-se pesquisar antecedentes de traumatismo e infecção. A principal queixa é a dor, que aumenta gradativamente de intensidade em algumas horas, tornando-se finalmente cruciante. Ela se acentua pelo movimento articular e, no caso das extremidades inferiores, pelo suporte de peso. Nesses casos o paciente também pode relatar claudicação. Quando a articulação do quadril está acometida, a dor geralmente irradia-se ao longo da face interna da coxa até a face interna do joelho. Os sintomas sistêmicos de infecção geralmente estão presentes e incluem calafrios, febre (40 o C), sudorese, mal-estar, anorexia e, nas crianças, náuseas e vômitos. De um modo geral, apenas uma articulação está comprometida. Figura 1 - Vias de entrada de uma articulação ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 2 Ao exame físico, pode-se observar uma posição antiálgica com flexão parcial da perna, quando o joelho é acometido, ou com flexão, abdução e rotação externa da coxa, quando a infecção é na articulação do quadril, pois essas são as posições de maior relaxamento da cápsula articular. A articulação acometida mostra-se edemaciada, hiperemiada, quente e dolorosa. Os músculos encontram-se em espasmo protetor. Laboratorialmente, o hemograma mostra uma leucocitose elevada, com predominância de leucócitos polimorfonucleares; a velocidade de hemossedimentação está elevada; e as proteínas C-reativas apresentam-se positivas. No início da doença, as radiografias mostram apenas um aumento das partes moles. Quando a infecção persiste, pode ocorrer osteoporose de todos os ossos adjacentes à articulação acometida. Com a destruição das cartilagens, ocorre um estreitamento da linha articular. A artrite degenerativa é uma seqüela tardia. Também pode ser observada uma osteomielite vizinha. Terapeuticamente, é indispensável uma drenagem ampla, que é capaz de evitar septicemia, infecção óssea e anquilose incapacitante quando realizada precocemente. As aspirações são condenadas pois o líquido articular reacumula-se rapidamente e continua a destruição. A antibioticoterapia deve ser feita em quantidade adequada. Pode-se associar a penicilina ou uma cefalosporina, que combatem a maioria dos organismos Gram- positivos, com um aminoglicosídeo, que é eficaz contra organismos Gram-negativos. A administração de aminoglicosídeos exige monitoramento para a ototoxicidade e nefrotoxicidade. Como os antibióticos administrados por via intravenosa ou intramuscular não passam prontamente pela sinovial inflamada, eles podem ser introduzidos de forma direta dentro da articulação por gotejamento constante. O membro acometido deve ser imobilizado e elevado pois os movimentos durante a fase aguda são contra-indicados. Na fase subaguda de restabelecimento, a articulação deve ser delicada e passivamente movimentada a cada dia como uma precaução à formação de aderências anquilosantes. Quando o quadril ou o joelho é afetado, é aconselhável uma tração, que imobiliza e afasta as superfícies articulares. O tratamento de apoio inclui líquidos, transfusões, dieta altamente nutritiva e sedação. Em geral, a temperatura volta ao normal, a drenagem desaparece e as feridas se fecham espontaneamente. Nos casos raros em que a infecção evolui irreversivelmente e constitui uma ameaça grave à vida do paciente, está indicada a amputação. Artrite reativa A artrite reativa é uma artrite não-purulenta aguda que surge como complicação de uma infecção localizada em outro lugar do corpo que não as articulações. Recentemente, esse termo tem sido utilizado para se referir a todas as espondiloartropatias resultantes de infecções intestinais ou urogenitais, que ocorrem predominantemente em indivíduos com o antígeno de histocompatibilidade HLA-B27. ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 3 Incluída nesta categoria encontra-se a síndrome de Reiter. Em 1916, Reiter descreveu um paciente que, após um episódio de disenteria, desenvolveu uma doença sistêmica com poliartrite, conjuntivite e uretrite não-gonocóccica.Manifestações clínicas adicionais, principalmente lesões mucocutâneas, foram posteriormente identificadas como freqüentes nessa síndrome. A identificação de espécies bacterianas capazes de ativar a síndrome de Reiter e a descoberta de que ¾ dos pacientes possuíam o antígeno HLA-B27 unificaram o conceito de artrite reativa como uma síndrome clínica causada por agentes etiológicos específicos em um hospedeiro geneticamente susceptível. Um espectro similar de manifestações também pode originar-se de infecções intestinais causadas por vários microorganismos tais como Shigella flexneri, Salmonella spp., Yersinia enterocolitica e Campylobacter jejuni. O principal agente das infecções genitais é a Clamydia trachomatis. Parece que numerosas outras bactérias, vírus e parasitas também são capazes de causar artrite reativa, mas isso ainda não está confirmado. Epidemiologicamente, as artrites reativas ocorrem predominantemente em indivíduos com o antígeno de histocompatibilidade HLA-B27 e com idade entre 18 e 40 anos. As artrites desencadeadas por infecções intestinais não apresentam predisposição quanto ao sexo, mas aquelas originárias de uretrites sexualmente transmissíveis são mais comuns no sexo masculino. A histologia sinovial é semelhante a qualquer outra artropatia inflamatória. As manifestações clínicas da artrite reativa constituem um espectro que varia de uma monoartrite transitória a uma doença multissistêmica mais grave. Na maioria dos casos, uma anamnese detalhada vai revelar uma história de infecção uma a quatro semanas antes da instalação da artrite reativa. Todavia, uma minoria dos pacientes, principalmente nos casos de recidiva, não vão apresentar evidências laboratoriais ou antecedentes de infecção. Sintomas como fadiga, mal estar, febre e perda de peso são comuns. Os sintomas musculoesqueléticos geralmente apresentam início súbito. A artrite é geralmente assimétrica e aditiva, com envolvimento de novas articulações ocorrendo em um período de poucos dias a semanas. As articulações dos membros inferiores, principalmente as do joelho, do tornozelo, subtalar, metatarsofalangeanas e interfalangeanas dos artelhos, são os locais mais comumente envolvidos, mas os punhos e as mãos também podem ser acometidos. A artrite pode ser particularmente dolorosa, e derrames articulares tensos podem ocorrer, principalmente no joelho. A dactilite, ou “dedo em forma de lingüiça”, uma tumefação difusa de um dedo ou artelho isolado, é uma característica diferencial tanto da artrite reativa quando da artrite psoriática. Tendinite e fasciíte são lesões particularmente características que produzem dor em múltiplos sítios de inserção, especialmente no tendão de Aquiles, na fáscia plantar e ao longo do esqueleto axial. A dor vertebral e a lombalgia são queixas bastante comuns e podem ser causadas por inflamação dos sítios de inserção, espasmo muscular, sacroileíte aguda ou artrite das articulações intervertebrais. As doenças oculares também são comuns, podendo variar desde uma conjuntivite assintomática e transitória até uma uveíte anterior agressiva, que ocasionalmente mostra-se refratária ao tratamento e pode resultar em amaurose. ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 4 As lesões mucocutâneas são freqüentes. Úlceras orais tendem a ser superficiais, transitórias e assintomáticas. As lesões de pele características (ceratodermia hemorrágica) consistem em vesículas que tornam-se hiperceratósicas e terminam formando crostas antes de desaparecerem. Comumente, elas se localizam nas regiões palmares e plantares mas podem ocorrer em outros lugares. Nos pacientes HIV positivo, estas lesões podem ser extremamente graves e extensas ao ponto de dominar o quadro clínico. Uma lesão na glande do pênis, denominada balanite circinada, é comum e consiste em vesículas que rompem-se rapidamente para formar erosões superficiais indolores. Nos indivíduos circuncizados, elas formam crostas semelhantes àquelas da pele. Alterações ungueais são comuns e consistem em onicólise, descoloração distal e/ou hiperceratose umbilicada. Manifestações menos freqüentes da artrite reativa incluem defeitos de condução cardíaca, insuficiência aórtica, lesões do sistema nervoso central ou periférico e infiltrações pleuropulmonares. Estudos de acompanhamento a longo termo mostraram que alguns dos sintomas articulares persistem em muitos, se não na maioria, dos pacientes com artrite reativa. A recorrência da síndrome aguda é comum e até 25% dos pacientes ou se tornam incapazes de trabalhar ou são forçados a mudar de ocupação por causa da persistência dos sintomas articulares. A espondilite anquilosante é uma seqüela comum. Os pacientes com HLA-B27 têm um prognóstico pior do que aqueles sem este antígeno de histocompatibilidade. Laboratorialmente, a velocidade de hemossedimentação está elevada na fase aguda da doença. Uma anemia leve pode estar presente. O líquido sinovial apresenta-se com características inflamatórias, mostrando uma contagem de leucócitos elevada com predomínio de neutrófilos. Na maioria dos grupos étnicos, ¾ dos pacientes são HLA-B27+. Apesar de ser incomum a persistência da infecção desencadeante na época da instalação da artrite reativa, ocasionalmente pode-se cultivar o agente etiológico. Radiologicamente, no início da doença, as alterações podem estar ausentes ou confinadas a uma osteoporose justa-articular. Com o decorrer do tempo, erosões marginais e perda do espaço articular podem ser observadas nas articulações envolvidas. Figura 2 - Ceratodermia hemorrágica Figura 3 - Balanite circinada ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 5 Uma característica da doença é a periostite com neoformação óssea, assim como em todas as espondiloartropatias. Todavia, o diagnóstico da artrite reativa é puramente clínico, devendo ser suspeitado em qualquer paciente com artrite ou tendinite inflamatória aguda, assimétrica e aditiva. A avaliação de tais pacientes deve incluir cuidadoso questionamento incluindo possíveis antecedentes infecciosos predisponentes tais como um episódio de diarréia ou disúria. Ao exame físico, deve-se prestar atenção na distribuição das articulações e tendões envolvidos, e na possibilidade de envolvimento extra-articular tais como os olhos, membranas mucosas, pele, unhas e genitália. Apesar da tipagem para o HLA-B27 não ser necessária para confirmar o diagnóstico, ela tem importância no prognóstico em termos de gravidade, cronicidade e propensão para o desenvolvimento de uveíte e espondilite. É particularmente importante diferenciar a artrite reativa da doença gonocóccica disseminada, pois ambas podem ser adquiridas sexualmente e estar associadas a uretrite. A doença gonocóccica tende a envolver igualmente os membros superiores e os inferiores, enquanto a artrite reativa geralmente predomina nas extremidades inferiores. A dor nas costas é comum na artrite reativa mas não ocorre na doença gonocóccica. Uma cultura positiva para o gonococo a partir da uretra ou do colo uterino não exclui a artrite reativa, mas a cultura de gonococos no sangue, em lesões epiteliais ou no líquido sinovial confirma o diagnóstico de doença gonocóccica disseminada. Ocasionalmente, a única maneira definitiva de distinguir estas duas doenças é através do teste terapêutico a antibióticos. A artrite reativa também compartilha diversas características em comum com a artropatia psoriática, incluindo a assimetria das artrites, a propensão em formar “dedos em lingüiça”, o envolvimento ungueal, a associação com uveíte e as lesões de pele, que são indistingüíveis histologicamente. O que diferencia essas duas patologias é a instalação geralmente gradual da artrite psoriática e a tendência em acometer primeiramente as extremidades superiores. Também, a artrite psoriática não está associada com úlceras orais, uretriteou sintomas intestinais. Apesar desta artrite apresentar algumas alterações radiográficas que não são encontradas na artrite reativa, elas ocorrem somente tardiamente no curso da doença e são de pequeno auxílio diagnóstico. Terapeuticamente, a maioria dos pacientes com artrite reativa é beneficiada em algum grau com as drogas antiinflamatórias não-esteroidais. O medicamento inicial de escolha é a indometacina (75 a 150 mg por dia em doses fracionadas). Figura 4 - Dedo em “lingüiça” ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 6 Estudos recentes mostraram que a administração prolongada de tetraciclinas de longa duração podem aliviar a artrite reativa induzida por Clamydia. Antigamente, acreditava-se que os antibióticos não tinham nenhum benefício. Os pacientes com sintomas debilitantes refratários aos antiinflamatórios não-esteroidais podem responder a agentes imunossupressores como a azatioprina (1 a 2 mg/kg por dia) ou o metotrexato (7,5 a 15 mg por semana). A tendinite pode ser tratada com o uso de glicocorticóides intralesional. A uveíte pode requerer tratamento agressivo com glicocorticóides para prevenir graves complicações. As lesões de pele geralmente só requerem tratamento sintomático. Nos pacientes com HIV e artrite reativa, muitos dos quais possuem lesões de pele disseminadas, as lesões de pele parecem responder ao tratamento sistêmico com zidovudina (Azidotimidina®). Os pacientes também devem ser orientados quanto a natureza da doença e quanto aos fatores que predispõe a sua recorrência. ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 7 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Ortopedia e Reumatologia Espondilite anquilosante Introdução A espondilite anquilosante é um distúrbio inflamatório de causa desconhecida que afeta principalmente o esqueleto axial, mas as articulações periféricas e as estruturas extra-articulares também podem ser afetadas. A enfermidade começa, habitualmente, na segunda ou terceira década e a sua prevalência em homens é de cerca de 2,5 a 5 vezes maior que nas mulheres. Nestas, a espondilite anquilosante quase sempre não é diagnosticada devido à doença axial mais leve e às manifestações extra-articulares ocultas. Achados epidemiológicos indicam que tanto fatores genéticos quanto ambientais desempenham algum papel na patogenia desta doença, principalmente com relação ao antígeno de histocompatibilidade HLA-B27. A espondilite anquilosante também é conhecida como doença de Marie- Strümpell ou doença de Bechterew. Manifestações clínicas Os sinais e sintomas da espondilite anquilosante costumam ser observados pela primeira vez no final da adolescência ou no início da vida adulta. O início insidioso de lombalgia e/ou rigidez matinal são, com freqüência, os sintomas iniciais da doença. A espondilite anquilosante caracteriza-se essencialmente por uma sacroiliite simétrica, bilateral, que surge na fase inicial da doença como uma dor localizada anatomicamente sobre as articulações sacroilíacas com eventual irradiação para a parte posterior da coxa. Em geral, os pacientes também queixam-se de rigidez matinal prolongada que só é aliviada pelo aumento da atividade ou pela terapia antiinflamatória. Em alguns pacientes, uma hipersensibilidade óssea generalizada pode acompanhar a lombalgia e a rigidez, enquanto que, em outros, pode ser a queixa predominante. Os locais mais comuns incluem as junções costo-esternais, os processos espinhosos, as cristas ilíacas, os grandes trocânteres, as tuberosidades isquiádicas, os tubérculos tibiais e os calcanhares. Trinta por cento dos pacientes com espondilite anquilosante apresentam oligoartropatia simétrica periférica. A sinovite do quadril pode ser destrutiva, podendo resultar em perda concêntrica do espaço articular, sobretudo nos homens. Outras articulações acometidas incluem os tornozelos, os punhos, os ombros, os cotovelos e as pequenas articulações das mãos ou dos pés. Outras manifestações sistêmicas, como febre, anorexia e perda de peso, são raras no início da doença. Com o comprometimento axial progressivo, a dor e a rigidez resultam em dificuldade na deambulação e nas atividades diárias. ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 8 O comprometimento da coluna cervical ocorre mais tardiamente, com limitação de movimentos resultante da rigidez axial e do espasmo muscular paravertebral. Na fase inicial da doença, observa-se freqüentemente perda da lordose lombar normal. A flexão fixa para frente, sobretudo no quadril e pescoço, é observada após alguns anos de doença progressiva. A expansibilidade torácica, medida pela diferença entre a inspiração máxima e a expiração forçada máxima no quarto espaço intercostal em homens ou logo abaixo da mama nas mulheres, geralmente apresenta-se diminuída nos pacientes com espondilite anquilosante (< 4 cm). O teste de Schober serve para examinar a motilidade da coluna lombar. Figura 1 - Postura adquirida na espondilite anquilosante avançada Figura 2 - Teste de Schober ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 9 Enquanto o paciente permanece em posição ortostática com os calcanhares juntos, marcam-se dois pontos, sendo um deles ao nível da quinta vértebra lombar e o outro 10 cm acima deste nível. Com a flexão anterógrada máxima mede-se a distância entre essas marcas. A flexão vertebral normal expande a distância entre as duas marcas para mais de 15 cm enquanto a flexão em pacientes com espondilite e limitação do movimento vertebral resulta em uma extensão igual ou inferior a 14 cm. A complicação mais séria da doença vertebral é a fratura de uma vértebra, que pode ocorrer até mesmo com um pequeno traumatismo. A doença extra-articular na espondilite anquilosante acomete primariamente os olhos. A uveíte manifesta-se na forma de dor orbitária unilateral aguda, acompanhada de fotofobia, lacrimejamento e perda progressiva da visão se não for tratada. É raro haver aortite, insuficiência aórtica e defeitos de condução. Outras manifestações pouco freqüentes incluem valvopatia mitral, disfunção do miocárdio, pericardite, fibrose pulmonar e amiloidose. A evolução da doença é extremamente variável, indo desde o indivíduo com rigidez discreta e uma sacroileíte radiograficamente duvidosa até o paciente com uma coluna vertebral totalmente fundida, artrite bilateral severa dos quadris e anquilose, acompanhada possivelmente por artrite periférica severa e manifestações extra-articulares. As mulheres com espondilite anquilosante tendem a apresentar início tardio, menor comprometimento do quadril, doença axial menos agressiva, artrite mais periférica, osteíte púbica grave e maior incidência de doença isolada da coluna cervical. Apesar da persistência da doença, a maioria dos pacientes com espondilite anquilosante consegue permanecer no emprego com atividades plenas. Apenas em alguns casos raros, a doença parece encurtar a vida do paciente, o que resulta, essencialmente, de traumatismos vertebrais e complicações do tratamento. Exames complementares Os exames laboratoriais confirmam a natureza inflamatória da doença através da elevação do VHS ou da proteína C-reativa, anemia da doença crônica ou ligeira elevação do nível de fosfatase alcalina. O fator reumatóide e os anticorpos antinucleares estão sempre ausentes, a não ser quando produzidos por uma enfermidade coexistente independente da espondilite anquilosante. O líquido sinovial proveniente das articulações periféricas inflamadas não difere nitidamente daquele de outras doenças articulares inflamatórias. Figura 3 - Uveíte ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 10 A determinação do HLA-B27 é raramente necessária para estabelecer o diagnóstico. As radiografias geralmente demonstram sacroiliíte. A primeira alteração radiográfica na articulação sacroilíaca é o borramento das margens corticaisdo osso subcondral, seguido por erosões e esclerose. Essas alterações são geralmente simétricas. A tomografia computadorizada e a ressonância magnética podem detectar tais anormalidades muito mais precocemente do que a radiografia simples. Diagnóstico Atualmente, os principais critérios para o diagnóstico da espondilite anquilosante são: 1. História de lombalgia inflamatória 2. Limitação nos movimentos da coluna lombar tanto no plano sagital quanto no plano frontal 3. Diminuição da expansibilidade torácica 4. Presença radiográfica de sacroiliíte De acordo com esses critérios, a presença de sacroiliíte associada a qualquer um dos outros três critérios é suficiente para o diagnóstico definitivo de espondilite anquilosante. A determinação do HLA-B27 só é útil como um teste de apoio, pois a sua presença não é nem necessária nem suficiente para o diagnóstico, mas ela pode ser útil nos pacientes que ainda não desenvolveram alterações radiográficas. O diagnóstico diferencial da espondilite anquilosante inclui as lombalgias mecânicas, degenerativas, metabólicas, infecciosas e neoplásicas. Tratamento O principal objetivo no tratamento da espondilite anquilosante é manutenção da postura e a preservação da amplitude de movimentos através de um programa de exercícios. A maioria dos pacientes requer o uso de agentes antiinflamatórios para obter alívio sintomático suficiente para poder levar adiante o programa de exercícios. No mundo inteiro, o medicamento mais comumente utilizado para a espondilite anquilosante é a indometacina (75 mg uma ou duas vezes ao dia), apesar de vários outros antiinflamatórios não-esteroidais também terem sido usados com sucesso na redução da dor e da rigidez desta moléstia. A fenilbutazona (200 a 400 mg/dia) é considerada a droga mais efetiva no tratamento da espondilite anquilosante. Todavia, como ela possui sérios efeitos colaterais, como anemia aplástica e agranulocitose, ela só é recomendada em pacientes com doença grave em que os sintomas não respondem bem a outros medicamentos. O tratamento da artropatia periférica pode ser feito com sulfasalazina (2 a 3 g/dia) ou metotrexato. A principal indicação cirúrgica dos pacientes com espondilite é a sinovite do quadril. ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 11 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Ortopedia e Reumatologia Febre reumática Introdução Conceitualmente, a febre reumática é uma doença inflamatória que ocorre após uma infecção da orofaringe por algumas cepas de estreptococos do grupo A de Lancefield. Ela envolve principalmente o coração, as articulações, o sistema nervoso central, a pele e o tecido subcutâneo. A infecção estreptocóccica da pele ou de tecidos moles não resulta em febre reumática. Existe um período característico de latência, que varia de uma a cinco semanas, entre a infecção estreptocóccica aguda e o desenvolvimento da febre reumática. Nesta época, não se consegue mais isolar o estreptococo da faringe do paciente. Patogênese Fisiopatologicamente, nenhuma toxina estreptocóccica foi incriminada como causadora das lesões, mas diversos antígenos estreptocóccicos mostraram reatividade cruzada com o tecido cardíaco e outros tecidos. Tais achados sugeriram que uma reação auto-imune pode estar relacionada à patogênese da febre reumática. Isso explicaria porque os anticorpos antiestreptocóccicos tendem a estar mais elevados nos pacientes com febre reumática aguda do que naqueles que não desenvolvem a doença após um surto de faringite estreptocóccica. Figura 1 - Reação cruzada na febre reumática ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 12 Epidemiologia Apesar da febre reumática poder ocorrer em qualquer idade, ela é mais comum entre as idades de 5 e 15 anos, quando a freqüência e a gravidade da faringite estreptocóccica são maiores. A incidência desta doença depende de diversos fatores, tais como a característica epidêmica ou esporádica da faringite estreptocóccica, a magnitude da resposta imune do hospedeiro, fatores ambientais como a aglomeração de pessoas em instituições fechadas, história prévia de surtos de febre reumática, idade, etc. Patologia Histopatologicamente, as lesões da febre reumática estão disseminadas amplamente pelo corpo, com especial predileção pelos tecidos conectivos. O coração é o sítio de acometimento mais característico, podendo haver envolvimento de todas as suas camadas (pancardite reumática). Os corpos de Aschoff, quando presentes na sua forma clássica, são geralmente considerados patognomônicos da febre reumática. Em muitas áreas, essas lesões inflamatórias podem estar acompanhadas por degeneração fibrinóide do colágeno. A endocardite reumática produz uma valvulite verrucosa que pode evoluir para a cura com espessamento fibroso e fusão das comissuras valvares e das cordoalhas tendíneas, levando a graus variáveis de insuficiência e estenose, principalmente das valvas mitral e aórtica. A pericardite reumática produz uma efusão serofibrinosa que pode resultar em calcificação do pericárdio, mas não em pericardite constritiva. O envolvimento das articulações caracteriza-se mais por alterações exsudativas do que proliferativas, e a evolução para a cura dessas estruturas geralmente ocorre sem cicatrizes ou deformidades significativas. Outras lesões incluem nódulos subcutâneos, lesões pulmonares e pleurais. Nenhum achado anatomopatológico no sistema nervoso central foi capaz de explicar a manifestação clínica de coréia. Manifestações clínicas As principais manifestações da febre reumática são a poliartrite migratória, a cardite, a coréia, o eritema marginado e os nódulos subcutâneos. Artrite O surto clássico da febre reumática inicia-se como uma poliartrite migratória aguda acompanhada por sinais e sintomas de uma enfermidade febril aguda. As grandes articulações das extremidades são os sítios mais acometidos. Dor e edema são as principais queixas. Efusões articulares podem ocorrer, mas não são persistentes. O termo “migratória” refere-se ao envolvimento de novas articulações a medida que as articulações inicialmente acometidas vão melhorando. Todavia, várias articulações podem ser acometidas ao mesmo tempo. ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 13 Para ser aceita como um critério diagnóstico de febre reumática, a artrite deve envolver duas ou mais articulações, estar associada a pelo menos duas manifestações menores tais como febre e elevação na velocidade de hemossedimentação, e apresentar títulos elevados de antiestreptolisina O ou outro anticorpo antiestreptocóccico. Cardite A cardite reumática aguda manifesta-se principalmente pelo surgimento de sopros de insuficiência mitral e, menos freqüentemente, insuficiência aórtica. Os sinais e sintomas de pericardite ou insuficiência cardíaca congestiva podem aparecer nos estados mais graves. Aproximadamente 70% dos pacientes que desenvolvem cardite o fazem dentro da primeira semana da doença; 85% dentro das primeiras 12 semanas; e quase todos num prazo de 6 meses a partir do início da crise aguda. Nódulos subcutâneos Os nódulos subcutâneos geralmente têm o tamanho de uma ervilha, são indolores e localizam-se principalmente sobre os tendões extensores das mãos e dos pés, cotovelos, bordas da patela, crânio, escápula e processos espinhosos das vértebras. Muitas vezes, eles passam despercebidos pelos pacientes. Figura 2 - Reação cruzada Figura 3 - Aumento da área cardíaca em um paciente com cardite reumática ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 14 Coréia de Sydenham A coréia de Sydenham, coréia menor ou “dança de São Vito” é um distúrbio autolimitado do sistema nervoso central caracterizado por movimentos irregulares e súbitos, freqüentemente acompanhados por fraqueza muscular e instabilidade emocional. Ela éuma manifestação tardia da febre reumática, podendo ou não haver outras manifestações na época da sua apresentação. O aparecimento clínico da coréia é freqüentemente gradual. Os pacientes podem apresentar-se nervosos e agitados, podendo ter dificuldade para escrever, desenhar ou trabalhar com as mãos. A medida que os sintomas tornam-se mais intensos, movimentos espasmódicos aparecem por todo o corpo e a fraqueza muscular pode ser tão grande que os pacientes tornam-se impossibilitados de andar, falar ou sentar. Os sintomas pioram pela excitação, esforço físico ou fadiga, mas melhoram com o sono. A instabilidade emocional é quase uma variável nos pacientes com coréia. A atividade coreiforme é agravada pelos estimulantes do sistema nervoso central e suprimida pelos sedativos. Eritema marginado O eritema marginado é uma característica da febre reumática que pode variar amplamente em tamanho e ocorre principalmente no tronco e nas extremidades proximais. Ele apresenta-se como áreas eritematosas com centro freqüentemente claro e margens arredondadas ou serpiginosas; são fugazes, migratórios, não-pruriginosos, desaparecem à compressão e podem ser estimulados a aparecer pela aplicação de calor. Figura 4 - Thomas Sydenham (1624 - 1689) Figura 5 - Eritema marginado ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 15 Outras manifestações Os sinais e sintomas que são comuns a diversas outras doenças e que, por isso, são de menor valor clínico para esta patologia (critérios menores para o diagnóstico de febre reumática) incluem febre, dor abdominal, taquicardia e epistaxe. Exames complementares Laboratorialmente, não existe teste específico para indicar a presença de febre reumática. Os títulos de anticorpos antiestreptocóccicos são úteis na diferenciação entre infecções estreptocóccicas e outras infecções respiratórias agudas. Esses anticorpos geralmente estão elevados nos estágios iniciais da febre reumática aguda, mas podem estar declinando ou baixos quando os sintomas iniciais da febre reumática aparecem depois de dois meses da infecção estreptocóccica, uma situação que ocorre freqüentemente nos pacientes cuja manifestação inicial é a coréia. Os pacientes cuja única manifestação maior é a cardite reumática também podem apresentar títulos de anticorpos baixos na época da apresentação. Exceto nessas duas circunstâncias, deve-se relutar em fazer o diagnóstico de febre reumática na ausência de evidências sorológicas de infecção estreptocóccica recente. A dosagem de antiestreptolisina O (ASO) é o teste antiestreptocóccico mais amplamente utilizado. Em geral, níveis de pelo menos 250 unidades Todd nos adultos e 333 unidades nas crianças acima de 5 anos de idade são considerados elevados. Como a poliartrite geralmente ocorre dentro das primeiras 4 ou 5 semanas após a faringite estreptocóccica, ela é a manifestação clínica mais confiável para se fazer o diagnóstico de febre reumática na presença de títulos elevados de anticorpos antiestreptocóccicos. Cerca de 20% dos pacientes nos estágios agudos da febre reumática aguda e a maioria dos pacientes com coréia ou cardite reumática apresentam níveis baixos ou borderline de ASO. Nesses casos, é aconselhável realizar um teste diferente de anticorpo antiestreptocóccico, tal como o antiDNase B ou o anti-hialuronidase (AH). A cultura de material colhido da orofaringe é menos satisfatória para evidenciar infecção estreptocóccica recente. Outros exames laboratoriais que podem ser pedidos na suspeita de febre reumática incluem o hemograma, que pode demonstrar anemia, a velocidade de hemossedimentação (VHS), a proteína C-reativa (PCR) e a eletroforese de proteínas. O eletrocardiograma mostra um prolongamento do intervalo PR em até 25% de todos os casos de febre reumática. Diagnóstico diferencial Quanto ao diagnóstico diferencial, o início da febre reumática pode ser confundido com outras doenças que iniciam com poliartrite aguda, tais como a artrite gonocóccica e a artrite reativa. ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 16 A poliartrite causada por endocardite infecciosa nos pacientes com doença cardíaca reumática prévia pode ser confundida como uma recorrência de febre reumática aguda. O superdiagnóstico da febre reumática é perigoso. O diagnóstico de febre reumática não deve ser feito quando os sinais e sintomas de uma síndrome febril não estiverem acompanhados por uma ou mais manifestações maiores desta doença. Um erro comum é o tratamento prematuro e vigoroso antes que os sinais e sintomas da febre reumática tornem-se inconfundíveis. Um diagnóstico diferencial particularmente confuso da febre reumática é a reação de hipersensibilidade a drogas, com febre e poliartrite, que pode ocorrer após a administração de penicilina no tratamento da faringite. Quando presentes, a urticária e o angioedema ajudam a identificar a hipersensibilidade à penicilina nesses casos. Uma crise da doença falciforme também pode estar associada a dor articular, aumento do coração e sopros cardíacos. No sentido de facilitar o diagnóstico da febre reumática aguda, o American Heart Association estabeleceu os critérios de Jones como um guia para o estudo cuidadoso de casos duvidosos. O achado de dois critérios maiores ou de um critério maior e dois menores indicam uma alta probabilidade para a presença de febre reumática na evidência de infecção estreptocóccica anterior ao quadro. Tabela 1 Critérios maiores Critérios menores Evidência de infecção estreptocóccica Cardite Poliartrite Coréia de Sydenham Eritema marginado Nódulos subcutâneos Artralgia Febre Dor abdominal Taquicardia Epistaxe VHS elevado PCR elevada Intervalo PR prolongado Títulos de anticorpos antiestreptocóccicos altos Cultura positiva da orofaringe A ausência de evidência de infecção estreptocóccica deve sempre por em dúvida o diagnóstico, exceto nas situações nas quais a febre reumática foi descoberta após um longo período latente da infecção (coréia de Sydenham ou cardite). Tratamento Não existe cura para a febre reumática. Todavia, um bom tratamento suportivo pode reduzir a mortalidade e a morbidade dessa doença. Após o primeiro diagnóstico de febre reumática, deve ser administrada penicilina (1,2 milhões de unidades de penicilina benzatina ou 600.000 unidades de penicilina procaína, I.M., por 10 dias) no sentido de eliminar os estreptococos do grupo A, mesmo que a cultura da orofaringe seja negativa. Após o término do tratamento antibiótico agudo, um tratamento profilático com um dos regimes abaixo deve ser instituído para evitar a reinfecção estreptocóccica. O regime mais eficiente para a profilaxia da infecção contra os estreptococos do grupo A é a injeção intramuscular mensal de penicilina G benzatina (1,2 milhões de unidades). ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 17 Como segunda escolha, a profilaxia pode ser feita por via oral tanto com sulfadiazina (1 g/dia em dose única) quanto com penicilina (100.000 U de 12/12 horas). A duração dessa profilaxia não deve ser arbitrária. Certamente, os pacientes menores de 18 anos devem receber um regime profilático contínuo até atingirem a idade adulta. Um período mínimo de 5 anos é recomendado para os pacientes que desenvolvem febre reumática sem cardite acima da idade de 18 anos. A corticoterapia é desnecessária nos pacientes sem cardite. A artrite aguda pode ser aliviada com codeína ou salicilato. Quando os salicilatos são utilizados no tratamento da febre reumática, sua dosagem deve ser aumentada até que a droga produza o efeito clínico desejado ou inicie sua toxicidade sistêmica, caracterizada por tinitus, cefaléia ou hiperpnéia. Recomenda-se uma dose inicial de 100 a 125 mg/kg/dia em crianças e 6 a 8 g em adultos, divididas em várias tomadas durante o dia. Alguns autores preferemtratar os pacientes com cardite com glicocorticóides. Todavia, devido aos seus efeitos colaterais, é preferível iniciar o tratamento dos pacientes com cardite com salicilatos. Se essas drogas falharem em reduzir a febre e melhorar a insuficiência cardíaca, pode-se iniciar o uso de glicocorticóides, preferencialmente a prednisona (60 a 120 mg de 6/6 horas). Após o controle da inflamação pelos salicilatos ou pelos glicocorticóides, o tratamento deve ser continuado até algumas semanas após a velocidade de hemossedimentação (VHS) aproximar-se dos valores normais. Para evitar os rebotes pós-esteróides, um esquema de terapia complementar com salicilato pode ser empregado enquanto os esteróides estão sendo reduzidos de modo gradual em um período de 2 semanas. Após a retirada dos glicocorticóides, os salicilatos podem ser continuados por 2 a 3 semanas adicionais. Os rebotes da atividade reumática são, geralmente, de curta duração e, quando leves, não necessitam da retomada do tratamento antiinflamatório. Os pacientes com coréia apresentam-se, com freqüência, emocionalmente instáveis, o que pode agravar as suas manifestações. Por isso, o completo repouso físico e mental é essencial. Os glicocorticóides e os salicilatos exercem pouco ou nenhum efeito sobre a coréia. Os sedativos e tranqüilizantes, principalmente o diazepam e clorpromazina, são benéficos. Na ausência de outras evidências de doença reumática aguda, é aconselhável permitir a retomada gradual da atividade física, tão logo a melhora seja aparente; e não aguardar que todos os movimentos coreiformes desapareçam, o que pode exigir muitos meses. Curso Em geral, aproximadamente 75% das crises reumáticas agudas diminuem dentro de 6 semanas; 90% dentro de 12 semanas; e menos de 5% persistem por mais de 6 meses, principalmente aquelas formas graves e intratáveis de cardite reumática ou de crises prolongadas e inflexíveis de coréia de Sydenham, ambas capazes de persistir por vários anos. ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 18 Uma vez desaparecida a febre reumática aguda e transcorridos mais de dois meses após a interrupção do tratamento com salicilatos ou glicocorticóides, a febre reumática não sofre recidiva na ausência de novas infecções estreptocóccicas. As recorrências são mais comuns dentro dos cinco primeiros anos da crise inicial. ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 19 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Ortopedia e Reumatologia Artrite reumatóide Introdução A artrite reumatóide é uma doença multisistêmica, de causa desconhecida, caracterizada principalmente por uma sinovite inflamatória persistente que envolve as articulações periféricas de uma maneira simétrica. Epidemiologia A prevalência da artrite reumatóide é de aproximadamente 1% da população, sendo as mulheres três vezes mais acometidas do que os homens. O início da doença é mais freqüente ao redor da quarta ou quinta décadas de vida, com 80% dos pacientes apresentando uma idade entre 35 e 50 anos. Figura 1 - Evidências de artrite reumatóide em uma pintura de Jacob Jordaens entitulada “The Painter’s Family” ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 20 Etiologia Estudos familiares indicam uma predisposição genética ligada ao antígeno de histocompatibilidade HLA-DR4 e, menos comumente, ao HLA-DR1 e ao HLA-Dw16. Estimou-se, contudo, que os genes dos antígenos de histocompatibilidade contribuem somente com uma parte da susceptibilidade genética para a artrite reumatóide. Assim, outros genes também podem contribuir, incluindo aqueles responsáveis pelos receptores antigênicos das células T e pelas cadeias leves e pesadas das imunoglobulinas. Em associação a esses fatores genéticos, alguns fatores ambientais também parecem ter um papel na etiologia da artrite reumatóide. Alguns estudos sugeriram que esta doença ocorre como resposta a um agente infeccioso em um hospedeiro geneticamente suscetível. Devido a distribuição global da artrite reumatóide, acredita-se que esse agente seja ubiquitário 1 , dentre os quais os mais prováveis são o Mycoplasma, o vírus Epstein- Barr, o citomegalovírus, o parvovírus e o vírus da rubéola. O processo pelo qual esse agente infeccioso causa a artrite inflamatória crônica também é controverso. Várias teorias já foram propostas mas nenhuma foi comprovada. Patogênese Anatomopatologicamente, as principais alterações da artrite reumatóide são hipertrofia e hiperplasia das células sinoviais (pannus); alterações vasculares; edema; e infiltração do tecido sinovial por células mononucleares. O infiltrado mononuclear é variável na sua composição, contendo predominantemente linfócitos T ativados e, também, linfócitos B e macrófagos, que produzem diversas substâncias responsáveis pela patogênese da artrite reumatóide. As substâncias produzidas pelos linfócitos T, juntamente com aquelas dos macrófagos, são responsáveis por diversas características da sinovite reumatóide, incluindo a inflamação sinovial, a proliferação sinovial e a destruição óssea e cartilaginosa circundante; assim como pelas manifestações sistêmicas da artrite reumatóide. Os linfócitos B se diferenciam localmente em plasmócitos e produzem algumas imunoglobulinas (incluindo o fator reumatóide) que resultam na formação local de imunocomplexos, com conseqüente ativação do complemento e exacerbação do processo inflamatório. Sobreposto a inflamação crônica do tecido sinovial, há um processo inflamatório agudo no líquido sinovial, que contém mais células polimorfonucleares do que mononucleares. Essas células também são capazes de acentuar os sinais e sintomas da inflamação pela produção de algumas substâncias. 1 Do latim, “ubique = em toda parte” (N do A) Figura 2 - Pannus ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 21 Manifestações clínicas Na maioria dos pacientes, a artrite reumatóide inicia-se insidiosamente com anorexia, fraqueza generalizada, perda de peso e sintomas musculoesqueléticos vagos. Esse pródromo pode persistir por várias semanas, dificultando o diagnóstico. Os sintomas específicos geralmente surgem gradualmente a medida que várias articulações, especialmente a das mãos, punhos, tornozelos e pés, tornam-se acometidas de uma maneira simétrica. Alguns pacientes podem apresentar um início mais agudo, freqüentemente acompanhado por sintomas constitucionais incluindo febre, linfadenopatia e esplenomegalia. Outros, apresentam sintomas inicialmente confinados a uma ou poucas articulações. Os sintomas articulares geralmente incluem dor; edema; calor, principalmente nas grandes articulações; e restrição nos movimentos. O rubor é incomum. A dor se origina predominantemente pela distensão da cápsula articular causada pelas alterações no tecido e no líquido sinoviais. Assim, as articulações acometidas são geralmente mantidas em flexão para minimizar a distensão capsular. Apesar de qualquer articulação sinovial poder ser acometida, a artrite reumatóide caracteristicamente causa um envolvimento específico de certas articulações, tais como as interfalangeanas proximais e as metacarpofalangeanas. As articulações interfalangeanas distais raramente são envolvidas. Figura 3 - Acometimento simétrico típico da artrite reumatóide ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 22 O envolvimento dos punhos é uma característica uniforme da artrite reumatóide, podendo resultar em limitação dos movimentos, deformidades e compressão do nervo mediano (síndrome do túnel do carpo). As articulações do joelho são comumente envolvidas. A dor e o edema localizados atrás do joelho podem ser causados pela extensão da sinovite para o espaço poplíteo (cisto de Baker). O acometimento dos pés e tornozelos pode produzir uma dor intensa à deambulação, assim como inúmeras deformidades. A coluna cervical pode ser envolvidapois as articulações entre o atlas e o áxis são do tipo sinovial. Uma rigidez generalizada é freqüente, principalmente após períodos de inatividade. A rigidez matutina com mais de uma hora de duração é uma característica quase invariável das artrites inflamatórias, sendo útil para distingui-las das diversas artropatias não-inflamatórias. Com a persistência da inflamação, desenvolve-se uma variedade de deformidades características, que podem ser atribuídas a numerosos eventos patológicos. As deformidades características das mãos incluem: 1. Desvio radial do punho com desvio ulnar dos dedos freqüentemente acompanhados por subluxação palmar das falanges proximais Deformidade em “Z” Figura 4 - Cisto de Baker Figura 5 ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 23 2. Hiperextensão das articulações interfalangeanas proximais com flexão compensatória das articulações interfalangeanas distais Deformidade em pescoço de cisne 3. Flexão deformante das articulações interfalangeanas proximais e extensão das articulações interfalangeanas distais Deformidade em casa de botão 4. Hiperextensão da articulação interfalangeana e flexão da articulação metacarpofalangeana do primeiro quirodáctilo com conseqüente perda de mobilidade. Deformidades típicas também podem se desenvolver nos pés, incluindo subluxação plantar das cabeças dos metatarsos, espessamento da planta do pé, hálux valgo e desvio lateral e subluxação dorsal dos dedos do pé. Figura 6 Figura 7 Figura 8 - Hálux valgo, subluxação da cabeça dos metatarsos e espessamento plantar ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 24 As manifestações extra-articulares da artrite reumatóide ocorrem freqüentemente, podendo ser importantes no diagnóstico desta doença. Como regra geral, essas manifestações ocorrem em indivíduos com altos títulos de fator reumatóide. Os nódulos reumatóides, ou subcutâneos, desenvolvem-se em 20 a 30% dos pacientes, principalmente em estruturas periarticulares, superfícies extensoras ou outras áreas sujeitas a pressão mecânica. Todavia, eles podem se desenvolver em qualquer lugar, incluindo a pleura e as meninges. Esses nódulos variam quanto ao seu tamanho e a sua consistência, e raramente são sintomáticos. A vasculite reumatóide pode afetar virtualmente qualquer órgão do paciente com artrite reumatóide grave. Ela pode se manifestar desde uma forma limitada até uma forma disseminada de vasculite, com ulcerações cutâneas, gangrena digital, infarto visceral e neuropatia periférica. As manifestações pleuropulmonares, que são mais observadas nos homens, incluem pleurite, geralmente assintomática; derrame pleural; fibrose intersticial; nódulos pleuropulmonares, únicos ou múltiplos; pneumonite; e arterite. O coração pode estar acometido por uma pericardite assintomática e por um derrame pericárdico, freqüentemente associado ao derrame pleural. Figura 9 - Nódulo subcutâneo Figura 10 - Necrose digital ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 25 O processo reumatóide envolve os olhos em menos de 1% dos pacientes. As duas principais manifestações são a episclerite, que geralmente é leve e transitória, e a esclerite, que envolve as camadas mais profundas do olho e é uma condição inflamatória mais séria. Quinze a vinte porcento dos pacientes com artrite reumatóide podem desenvolver síndrome de Sjögren, cujas principais características clínicas são a secura da boca (xerostomia) e dos olhos, ceratoconjuntivite, faringite e rinite. A síndrome de Felty consiste em artrite reumatóide crônica, esplenomegalia, neutropenia e, ocasionalmente, anemia e trombocitopenia. Uma osteopenia ou osteoporose secundária ao envolvimento reumatóide é comum e pode ser agravada pela corticoterapia. O envolvimento ósseo ocorre tanto próximo como distante das articulações acometidas. Exames complementares Laboratorialmente, não existem testes específicos para o diagnóstico de artrite reumatóide, mas o fator reumatóide pode ser encontrado em mais de dois terços dos casos. O fator reumatóide é um auto-anticorpo do tipo IgM que reage com a porção Fc da IgG do próprio organismo. Todavia, ele também está presente em 5 a 20% das pessoas normais, no Lupus Eritematoso Sistêmico, na síndrome de Sjögren, na doença hepática crônica, na sarcoidose, na fibrose pulmonar intersticial, na mononucleose infecciosa, na hepatite B, na tuberculose, na hanseníase, na sífilis, na endocardite bacteriana subaguda, na leishmaniose visceral, na esquistossomíase e na malária. Além disso, o fator reumatóide pode aparecer transitoriamente nos indivíduos normais após vacinação ou transfusão sangüínea e, também, pode ser encontrado normalmente nos parentes de indivíduos com artrite reumatóide. A presença do fator reumatóide não estabelece o diagnóstico da artrite reumatóide, mas pode ter importância no prognóstico, pois os pacientes com altos títulos tendem a apresentar uma doença progressiva e mais grave, com presença de manifestações extra-articulares. O hemograma pode mostrar uma anemia normocítica e normocrômica e trombocitose. A velocidade de hemossedimentação, assim como a proteína C- reativa e a ceruloplasmina, encontra-se elevada. O líquido sinovial vai demonstrar uma inflamação inespecífica, apresentando-se com aspecto turvo, viscosidade reduzida, aumento no número de proteínas e diminuição na concentração de glicose. A contagem de leucócitos varia entre 5 e 50.000 células por microlitro. Figura 11 - Episclerite ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 26 Radiologicamente, observa-se somente evidências de edema tecidual e efusão articular no início da doença. Uma osteopenia justa-articular pode tornar-se aparente em algumas semanas após a sua instalação e, depois de alguns meses de atividade, desenvolvem-se perda da cartilagem articular e erosões ósseas. Nenhuma dessas alterações radiográficas é diagnóstica da artrite reumatóide. Todavia, a tendência em acometer simetricamente as articulações pode fornecer um bom apoio para o seu diagnóstico. Diagnóstico O diagnóstico da artrite reumatóide é facilmente feito após 1 ou 2 anos do início da doença, quando ela já está bem estabelecida. Um quadro típico de poliartrite inflamatória simétrica envolvendo as pequenas e grandes articulações das extremidades superiores e inferiores, sem afetar o esqueleto axial com exceção da coluna cervical, sugere o seu diagnóstico. Os sintomas constitucionais indicativos da natureza inflamatória da doença, tais como rigidez matutina, dão suporte ao diagnóstico. Finalmente, a presença de fator reumatóide, líquido sinovial inflamatório com número aumentado de leucócitos polimorfonucleares e achados radiológicos de desmineralização e erosão ósseas justa-articulares fortalecem ainda mais o diagnóstico de artrite reumatóide. Todavia, o diagnóstico precoce dessa doença é muito mais difícil, principalmente quando somente sintomas constitucionais, artralgias ou artrites intermitentes e assimétricas podem estar presentes. Nesses casos, um período de observação pode ser necessário antes do diagnóstico ser estabelecido. O American College of Rheumatology desenvolveu um critério de classificação da artrite reumatóide para fins epidemiológicos que também pode ser útil como guia para o seu diagnóstico. Quando quatro ou mais dos sete tópicos a seguir correlacionados estiverem presentes, o paciente pode ser classificado como portador de artrite reumatóide. 1. Artrite em 3 ou mais grupos articulares 2. Artrite de articulações das mãos 3. Artrite simétrica 4. Rigidez matutina 5. Nódulos reumatóides 6. Fator reumatóide positivo 7. Alterações radiográficas Figura 12 - Erosões ósseas resultantes da artrite reumatóide (setas) ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 27Apesar disso, a presença de apenas duas ou três dessas manifestações não exclui o diagnóstico da artrite reumatóide. Tratamento Como a etiologia da artrite reumatóide é desconhecida, nenhuma das suas intervenções é curativa e, desta forma, são direcionadas à supressão dos processos inflamatório e imunológicos na esperança de aliviar os sintomas e prevenir a progressão da doença. A abordagem desses pacientes envolve uma equipe multidisciplinar, no sentido de lidar com os vários problemas que esses indivíduos apresentam, tanto funcionais quanto psicossociais. O repouso ajuda a aliviar os sintomas e pode ser um importante componente do programa terapêutico total. Para reduzir movimentos indesejáveis das articulações inflamadas, as ataduras podem ser úteis. Um trabalho fisioterápico, com o objetivo de manter a força muscular e a mobilidade articular sem exacerbar a inflamação articular, também é importante. Além disso, uma variedade de instrumentos ortopédicos podem ser utilizados no suporte e no alinhamento das articulações deformadas, reduzindo a dor e melhorando a sua função. A abordagem médica envolve dois aspectos gerais: 1. Controlar os sinais e sintomas do processo inflamatório local, utilizando-se drogas antiinflamatórias não-esteroidais, analgésicos e, quando necessário, glicocorticóides em baixa dosagem 2. Alterar o curso da doença com o uso de drogas modificadoras da doença ou de drogas anti-reumáticas de ação lenta Como resultado da sua capacidade em bloquear a atividade da enzima ciclo- oxigenase e, desta forma, reduzir a produção de prostaglandinas, prostaciclinas e tromboxanas, as drogas antiinflamatórias não-esteroidais apresentam propriedades analgésicas, antiinflamatórias e antipiréticas. Figura 13 - Tratamento da artrite reumatóide ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 28 O uso de glicocorticóides, mesmo em baixa dosagem, deve ser evitado devido aos seus potenciais efeitos tóxicos a longo termo. Algumas drogas, tais como os compostos de ouro, a D-penicilamina, os antimaláricos e a sulfasalazina, parecem ser capazes de alterar o curso da artrite reumatóide após semanas ou meses de administração. Quase dois terços dos pacientes apresentam melhora clínica e redução dos níveis sorológicos de fator reumatóide, velocidade de hemossedimentação e proteína C- reativa com o uso de qualquer um desses agentes. Além disso, há evidências de que essas drogas retardam o desenvolvimento de erosões ósseas ou facilitam a sua resolução. Como nenhuma das drogas modificadoras da artrite reumatóide é efetivamente mais eficaz que as outras, a toxicidade desses agentes se tornou um importante critério para determinar a droga de primeira escolha. A ausência de resposta a uma das drogas não previne a responsividade às outras drogas. A principal indicação dos imunossupressores (azatioprina e ciclofosfamida) é a resistência a todas as drogas modificadoras da doença. O metotrexato (7,5 a 15 mg por semana) também mostrou ser útil no tratamento da artrite reumatóide. Seu efeito benéfico pode ser observado mais rapidamente do que com o uso de drogas modificadoras da doença, atingindo uma atividade máxima aos 6 meses de tratamento. Os principais efeitos colaterais do metotrexato incluem distúrbios gastrointestinais, ulcerações orais e alterações na função hepática. Nos pacientes com articulações gravemente danificadas, a cirurgia tem um importante papel na conduta terapêutica. Pode-se realizar artroplastia ou colocação de prótese, principalmente nas articulações do quadril e do joelho; sinovectomia, aberta ou artroscópica; e cirurgias reconstrutoras de mão, que podem levar a uma melhora estética e funcional. Curso e prognóstico O curso da artrite reumatóide é muito variável. A maioria dos pacientes apresenta uma atividade persistente, mas flutuante, da doença, acompanhada por graus variáveis de deformidade articular. A taxa de progressão das anormalidades articulares é maior nos 6 primeiros anos da doença, sendo muito mais lenta depois disso. De fato, dos cerca de 80% dos pacientes que apresentam evidência radiográfica de comprometimento articular após 10 anos do início da doença, aproximadamente 70% deles desenvolveram essas anormalidades nos 3 primeiros anos. Cerca de 15% dos pacientes com artrite reumatóide apresentam um processo inflamatório de curta duração que sofre remissão sem deixar seqüelas, principalmente durante o primeiro ano da doença. Alguns fatores que pioram o prognóstico desses pacientes são: Sexo feminino Idade avançada Altos títulos de fator reumatóide e proteína C-reativa Presença de nódulos subcutâneos ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 29 Evidências radiográficas de erosão na avaliação inicial Atividade com mais de um ano de duração Como é difícil prever a história natural da artrite reumatóide em um paciente, a abordagem inicial geralmente consiste em aliviar os sintomas do paciente com o uso de drogas antiinflamatórias não-esteroidais. Como as drogas modificadoras da doença são potencialmente tóxicas e, as vezes, ineficazes, seu uso é freqüentemente postergado até que os sintomas não consigam mais ser controlados pelos antiinflamatórios não-esteroidais. ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 30 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Ortopedia e Reumatologia Gota Introdução A gota compreende um grupo heterogêneo de doenças que ocorrem associadas ou isoladamente, incluindo: 1. Hiperuricemia 2. Artrite inflamatória aguda Tipicamente monoarticular 3. Deposição de cristais de urato no interior e ao redor das articulações 4. Deposição de cristais de urato no parênquima renal 5. Urolitíase Metabolismo do ácido úrico O ácido úrico é o produto de degradação final do metabolismo das purinas no ser humano. Os uratos, a forma ionizada do ácido úrico, predominam nos líquidos extracelular e sinovial, com aproximadamente 98% sob a forma de urato monossódico. A saturação plasmática com urato monossódico ocorre numa concentração de 6,8 mg/dl. Desta forma, concentrações mais altas de urato tornam o sangue supersaturado e predispõe a precipitação de cristais de urato. Todavia, por razões desconhecidas, não ocorre precipitação plasmática nem quando a concentração de urato monossódico é superior a 80 mg/dl. Provavelmente existam substâncias solubilizantes no plasma que impeçam essa precipitação. Na urina, as formas ionizadas do ácido úrico incluem uratos monossódicos, dissódicos, de potássio, de amônio e de cálcio. Apesar da síntese e do metabolismo das purinas poderem ocorrer em qualquer tecido, os uratos só são produzidos naqueles tecidos que contêm a xantina oxidase, principalmente no fígado e no intestino delgado. A quantidade de uratos no organismo varia conforme a quantidade de purinas na dieta e as suas respectivas taxas de biossíntese, degradação e recuperação. Sua concentração sérica varia com a idade e o sexo. A maioria das crianças tem uma concentração de 3 a 4 mg de uratos por decilitro de sangue. Esses níveis começam a se elevar durante a puberdade nos homens, mas permanecem baixos nas mulheres até a menopausa, em decorrência de influências hormonais. Os valores séricos médios para o homem adulto e para a mulher pré-menopausada são, respectivamente, 6,8 e 6,0 mg/dl. Após a menopausa, os níveis séricos das mulheres se elevam até níveis próximos aos dos homens. As concentrações séricas de uratos também variam com a altura, o peso, a pressão sangüínea, a função renal e a ingestão de álcool. ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 31 A hiperuricemia pode ser definida como a concentração sérica (ou plasmática) de uratos superior a 7 mg/dl. Esta definição é baseada em critérios fisicoquímicos, epidemiológicos e patológicos. Epidemiologia A hiperuricemia tem uma prevalência entre 2 e 13% dos pacientes adultosambulatoriais, sendo maior nos pacientes hospitalizados. Quanto maior a concentração sérica de uratos, maior a probabilidade de um indivíduo desenvolver gota. A incidência de gota em indivíduos com concentrações séricas de urato de 9 mg/dl é de cerca de 5%, enquanto indivíduos com valores entre 7 e 8,9 mg/dl apresentam uma incidência inferior a 1%. Semelhantemente, as complicações da gota correlacionam-se com a duração e a gravidade da hiperuricemia. A maioria dos primeiros surtos de artrite gotosa ocorrem 20 a 40 anos após um período de hiperuricemia constante, com um pico entre as idades de 40 e 60 anos, nos homens, e após a menopausa, nas mulheres. Etiologia A classificação da hiperuricemia pode ser feita com relação a sua etiologia. Assim, ela pode resultar de: 1. Produção aumentada Dieta rica em purinas Distúrbios na biossíntese das purinas Deficiência de hipoxantina fosforibosiltransferase (HFRT) Superatividade da fosforibosilpirofosfatase sintetase (FRPF sintetase) Doenças linfoproliferativas Doenças mieloproliferativas Policitemia vera Processos hemolíticos Rabdomiólise Exercícios físicos Psoríase Doença de Paget Obesidade Etilismo Idiopática 2. Excreção diminuída Acidose metabólica Depleção de volume extracelular Insuficiência renal crônica Doença policística renal Beriliose ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 32 Sarcoidose Hiperparatireoidismo Hipotireoidismo Toxemia gravídica Síndrome de Bartter Síndrome de Down Idiopática 3. Ambos Deficiência de glicose-6-fosfatase Deficiência de frutose-1-fosfatase aldolase Etilismo Choque Produção aumentada de uratos A concentração de uratos no sangue de um indivíduo é proporcional a quantidade de purinas presente na sua dieta. Somente com a restrição na ingestão de purinas, pode-se reduzir a concentração sérica de uratos para níveis tão baixos quanto 1,0 mg/dl e a excreção urinária de ácido úrico para cerca de 200 mg por dia. Como cerca de 50% da purina de RNA ingerida e 25% da purina de DNA ingerida aparecem na urina como ácido úrico, os alimentos com elevado conteúdo de ácido nucleico têm efeitos significativos sobre o nível sérico de uratos. Esses alimentos incluem timo e pâncreas de vitela, fígado, rim e anchovas. As fontes endógenas de purina também influenciam na concentração de uratos no sangue. Alguns distúrbios genéticos ligados ao cromossoma X alteram o processo de biossíntese das purinas resultando em hiperuricemia, excesso de ácido úrico na urina, cálculos de ácido úrico e gota geralmente antes dos 20 anos de idade. A degradação acelerada de purinas também pode causar hiperuricemia. Assim, condições com rápida proliferação ou morte celular, como ocorre nas crises blásticas da leucemia, na terapia citotóxica dos tumores malignos, na hemólise ou na rabdomiólise, podem resultar em hiperuricemia. Da mesma maneira, a degradação excessiva de ATP nos músculos esqueléticos, resultante de exercícios físicos intensos ou de um estado epiléptico, pode levar a uma produção aumentada de uratos. Excreção diminuída de ácido úrico A grande maioria dos pacientes com hiperuricemia primária, cerca de 98%, apresenta um defeito na excreção renal de ácido úrico, evidenciado por um clearance de uratos inferior ao normal. Em geral, os indivíduos com gota excretam aproximadamente 40% menos ácido úrico que os indivíduos normais. Quando a concentração plasmática de uratos se eleva devido a uma produção aumentada, a excreção de ácido úrico também aumenta, tanto nos indivíduos com gota quanto nos indivíduos normais. ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 33 Todavia, nos indivíduos com gota, é necessário uma concentração sérica de uratos cerca de 1 a 2 mg/dl maior para que a sua taxa de excreção seja igual a de um indivíduo normal. A secreção tubular proximal diminuída de uratos pode ser a causa de hiperuricemia nos indivíduos com gota sem evidências de produção aumentada dessa substância. Alguns casos de acidose metabólica são acompanhados por acúmulo de ácidos orgânicos que competem com os uratos pela secreção tubular. Em alguns indivíduos com gota, a hiperuricemia pode ser decorrente da reabsorção aumentada de ácido úrico distalmente ao seu sítio de secreção, um mecanismo responsável pela hiperuricemia secundária aos casos de depleção de volume extracelular. Apesar da hiperuricemia ser invariável na insuficiência renal crônica, a correlação entre a concentração sérica de creatinina ou uréia e a concentração sérica de uratos é pobre porque apesar da excreção de ácido úrico pela taxa de filtração glomerular diminuir progressivamente com o desenvolvimento da insuficiência renal, a capacidade de secreção tubular tende a permanecer preservada, a sua reabsorção tende a diminuir e o clearance de ácido úrico extra-renal tende a aumentar. Fisiopatologia A gota aguda resulta da interação entre os cristais de urato e os leucócitos polimorfonucleares, envolvendo a ativação de diversos mecanismos e a liberação de diferentes substâncias. Manifestações clínicas Apesar das manifestações da gota não serem específicas, sua apresentação típica progride com hiperuricemia assintomática, artrite aguda, gota intervalar 2 ou intercrítica e gota crônica ou tofácea. A nefrolitíase pode ocorrer antes ou depois do primeiro surto de artrite aguda. A principal peculiaridade da gota são os surtos de artrite monoarticular aguda. O primeiro surto inicia-se explosivamente e é tido como uma das piores dores já experimentada. Ocasionalmente, os pacientes relatam um pródromo ou episódios prévios de dor menos intensa com duração de horas. 2 “Intervalar (adj.) = situado num intervalo” (N do A) Figura 1 - Fisiopatologia da gota ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 34 A dor agonizante da gota aguda é acompanhada por sinais de inflamação intensa, tais como edema, calor, rubor e hipersensibilidade. Pode haver febre. Na ausência de tratamento, o surto atinge seu pico máximo ao redor de 24 a 48 horas após os sintomas iniciais, resolvendo-se espontaneamente em 7 a 10 dias. A pele sobre a região envolvida pode descamar a medida que o episódio evolui para a cura. Caracteristicamente, o primeiro surto afeta somente uma articulação mas comprometimentos poliarticulares podem ocorrer, principalmente em mulheres. A artrite gotosa tem preferência pelas articulações das extremidades, particularmente aquelas dos membros inferiores. Adicionalmente, sítios periarticulares como, por exemplo, a fáscia plantar e a inserção do tendão de Aquiles, também podem ser acometidos. A primeira articulação metatarsofalangeana do pé está envolvida em 50% dos surtos iniciais e em 90% dos indivíduos em algum momento da doença. Qualquer fator que cause um aumento ou, principalmente, uma diminuição abrupta nos níveis séricos de uratos podem desencadear um surto agudo de gota. Teoricamente, aumentos súbitos na concentração de uratos podem resultar na formação de novos cristais, enquanto sua diminuição pode levar a uma dissolução parcial dos cristais previamente formados. Outros fatores desencadeantes incluem o estresse, o trauma, infecções, hospitalização, cirurgias, desnutrição, redução de peso, superalimentação, ingestão excessiva de álcool, e medicamentos. Destes, a hospitalização e os medicamentos, tais como os diuréticos tiazídicos e o alopurinol, são provavelmente os fatores mais significativos. Ocasionalmente, os surtos de artrite gotosa aguda ocorrem na ausência de hiperuricemia. Provavelmente, a maioria desses surtos pode ser explicada pelos fatores que diminuem a concentração sérica dos uratos, alterando temporariamente o estado normalmente hiperuricêmico dopaciente. Alguns indivíduos desenvolvem apenas um surto de gota durante a sua vida, enquanto outros apresentam vários. Apesar do intervalo entre o primeiro e o segundo surtos poder ser de até 40 anos, 75% dos pacientes apresentam um segundo surto dentro de 2 anos. Figura 2 - Podagra ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 35 Os termos gota intervalar ou intercrítica descrevem os períodos entre os surtos de artrite aguda, nos quais o paciente não apresenta queixas articulares. Nos casos graves, ao menos que seja feita intervenção terapêutica, a artrite aguda pode levar ao desenvolvimento de artrite crônica, na qual os períodos intervalares livres de dor diminuem e os surtos agudos ocorrem com maior freqüência, duram mais tempo e envolvem mais articulações. Assim, a gota crônica caracteriza-se por uma dor poliarticular persistente, de menor intensidade que a gota aguda, com uma inflamação subaguda ou aguda sobreposta. Durante este estágio, podem ser visualizados tofos ao exame físico. Em geral, aproximadamente 10 anos decorrem entre o primeiro surto da artrite gotosa e o aparecimento do tofo. Todavia, neste ínterim, pode ocorrer destruição óssea e cartilaginosa como é evidenciado pelas alterações radiográficas. Figura 3 - Tofos envolvendo a primeira, segunda e quinta articulações metatarsofalangeanas (a); tofo ulcerado presente na articulação interfalangeana distal com hiperemia da pele suprajacente (b); tofos disseminados nas mãos (c); tofo auricular (d) Figura 4 - Destruição óssea envolvendo a articulação metatarsofalangeana ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 36 A despeito da presença de hiperuricemia na insuficiência renal, a artrite gotosa ocorre em menos de 1% dos pacientes com insuficiência renal crônica. Acredita-se que isso ocorra porque a maioria dos pacientes com insuficiência renal não permanece hiperuricêmico o tempo necessário para o desenvolvimento de artrite. A doença policística dos rins é uma exceção, na qual cerca de um terço dos pacientes apresenta artrite. Ainda não se sabe o motivo desta associação. Os pacientes com insuficiência renal crônica em hemodiálise podem apresentar artrite ou periartrite aguda recorrente. Esses surtos podem provir da deposição de cristais de urato (gota) ou de cristais de oxalato ou fosfato de cálcio (pseudogota). A gota também é uma importante causa de morbidade nos receptores de transplantes renais. Cerca de 10% dos indivíduos que recebem ciclosporina e glicocorticóides para a manutenção da imunossupressão desenvolvem artrite gotosa aguda em um período de cerca de 24 meses após o transplante. Em contraste, surtos de gota são bastante raros nos transplantados em tratamento com azatioprina e glicocorticóides. A diureticoterapia concomitante pode aumentar o efeito hiperuricêmico da ciclosporina. Além da sua associação com a insuficiência renal, a hiperuricemia está associada a diversas outras patologias renais: Nefrolitíase Sua prevalência é diretamente proporcional às concentrações séricas e urinárias de ácido úrico, alcançando aproximadamente 50% com níveis séricos de 13 mg/dl ou com níveis urinários de 1100 mg por dia. Nem todos os cálculos que ocorrem em indivíduos com gota são compostos por ácido úrico. Quinze porcento deles podem ser formados por oxalato de cálcio, fosfato de cálcio ou outros sais combinados ao ácido úrico. Além disso, os cálculos de ácido úrico também podem se desenvolver em indivíduos sem outras manifestações de gota. Nefropatia por uratos É uma causa rara de insuficiência renal crônica atribuída a deposição de cristais de urato monossódico no interstício renal. Clinicamente, essas lesões podem ser assintomáticas ou podem estar associadas com proteinúria, hipertensão e insuficiência renal. Nefropatia por ácido úrico É uma causa reversível de insuficiência renal aguda causada pela deposição de grandes quantidades de cristais de ácido úrico nos ductos coletores, pélvis e ureteres, obstruindo o fluxo urinário. ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 37 Fatores que favorecem essa deposição incluem a desidratação e a acidose. Este tipo de insuficiência renal é mais comum durante a fase blástica da leucemia e no linfoma, mas também já foi descrito em pacientes com outros tumores malignos, após uma crise epiléptica e após exercícios físicos extenuantes. A concentração sérica de uratos não é útil no diagnóstico da nefropatia por ácido úrico pois esta condição já foi observada em pacientes com concentrações variando entre 12 e 80 mg/dl. O achado clínico diagnóstico desta patologia é a concentração urinária de ácido úrico, que vai apresentar uma relação entre o ácido úrico e a creatinina maior do que 1. Terapeuticamente, uma hidratação endovenosa vigorosa e a administração de furosemide diluem o ácido úrico dos ductos renais e promovem um fluxo urinário de 100 ml por hora ou mais. A administração de acetazolamida e bicarbonato de sódio eleva o pH urinário e, desta forma, aumenta a solubilização do ácido úrico. Além disso, uma terapia anti- hiperuricêmica com alopurinol deve ser administrada para reduzir a quantidade de uratos que chega aos rins. Tratamento Pura e simplesmente, a hiperuricemia não representa doença nem é uma indicação específica para o tratamento, mas o achado de hiperuricemia requer a determinação de sua causa. Isso porque a sua causa, juntamente com as conseqüências potenciais da hiperuricemia em cada indivíduo, são os principais fatores na decisão do seu tratamento. A quantificação da excreção de ácido úrico pode ser utilizada para determinar se a hiperuricemia é causada por produção excessiva ou excreção reduzida de uratos. Com uma dieta sem purinas, o homem normal excreta menos de 600 mg de ácido úrico por dia. Assim, um paciente com hiperuricemia submetido a uma dieta sem purinas que excreta mais de 600 mg de ácido úrico por dia provavelmente apresenta superprodução de uratos; enquanto um paciente, nas mesmas condições, que excreta menos de 600 mg de ácido úrico por dia é mais provável de apresentar excreção diminuída. Caso esse estudo seja realizado com o paciente em dieta livre, um nível de 800 mg pode ser utilizado como valor discriminatório. Alguns fatores que interferem na interpretação dos resultados são a insuficiência renal e a administração de agentes uricosúricos tais como os glicocorticóides, os salicilatos e o ácido ascórbico. Na presença de insuficiência renal, como a filtração glomerular está diminuída, uma concentração urinária baixa de ácido úrico não descarta, necessariamente, a ORTOPEDIA E REUMATOLOGIA - 38 superprodução de uratos. Por outro lado, um valor elevado indica forte evidência de superprodução. Hiperuricemia assintomática Antigamente, o desconhecimento sobre a evolução da hiperuricemia fez com que os médicos prescrevessem agentes redutores de uratos para a hiperuricemia assintomática. Hoje em dia, não há dados indicativos de que o tratamento da hiperuricemia assintomática seja benéfica, com exceção de indivíduos com doença neoplásica prestes a receber terapia citolítica, que correm o risco de nefropatia por ácido úrico. Embora os indivíduos hiperuricêmicos estejam em risco de vir a apresentar artrite gotosa, especialmente aqueles com níveis séricos de uratos mais elevados, o tratamento da hiperuricemia assintomática não é indicado porque muitas pessoas hiperuricêmicas nunca chegam a sofrer gota. Além disso, não parece haver danos orgânicos até que ocorra um primeiro surto de gota. Assim, exceto para a prevenção da nefropatia por ácido úrico, não se justifica o tratamento rotineiro da hiperuricemia assintomática. De fato, a avaliação de rotina não é recomendada para a hiperuricemia assintomática. Se, entretanto, a hiperuricemia for diagnosticada, é preciso pesquisar a sua causa, devendo-se