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A liberdade infinita como possibilidade da transição da essência a existência Paul Tillich

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Instituto Bíblico Betel Brasileiro
Disciplina: Antropologia/Hamartologia.
Professor: José Alves.
Aluno: Francisco José da Cunha Cavalcanti.
A liberdade finita como possibilidade da transição da essência a existência.
A transição da essência para a existência resulta em culpa pessoal e tragédia universal. Paul Tillich. 
A criação é o início da queda e a queda é o término da criação. (idem)
 O relato de Gênesis capítulo 1 a 3, ..., pode orientar nossa descrição da transição do ser essencial ao ser existencial (como se deu a queda humana). 
Esse relato é a expressão mais profunda e mais rica da consciência que o ser humano possui de sua alienação existencial e nos oferece o esquema no qual se pode discorrer sobre a transição da essência à existência! 
Aponta primeiro para a possibilidade da queda; 
Segundo para seus motivos; 
Terceiro para o evento em si; 
E quarto para as suas consequências.
Na parte intitulada “O Ser e Deus” discutimos a polaridade (aspectos opostos) de liberdade e destino em relação ao ser como tal (em relação a todo ser existente, vivo ou não) e em relação aos seres humanos. 
À base da solução lá apresentada podemos responder agora a questão de como é possível a transição da essência à existência em termos de “liberdade”, que está sempre em unidade polar com destino (liberdade e destino estão sempre em união embora representem aspectos opostos da existência: cada ato livre tem relação para com o destino, ao propósito determinado por Deus, seja indo à seu encontro ou afastando o indivíduo dele. E quando acontece a realização deste destino, ainda que seja de forma fragmentária/parcial, esta realização, de alguma forma, colabora à liberdade de se decidir em favor do seu destino, não, que a liberdade irá necessariamente sempre decidir em favor dele, mas estará sobre esta influência, sobre esta direção de Deus!).
Mas esse é apenas o primeiro passo para a resposta.
 Descrevemos a consciência do ser humano a respeito da sua finitude (da sua própria finitude) e da finitude universal (da finitude do universo no qual está inserido) e analisamos a situação de estar, ao mesmo tempo, relacionado com o Infinito e excluído d’Ele. 
Isso constitui o segundo passo para uma resposta.
Não se trata da liberdade como tal, mas da liberdade finita (liberdade que só pode se decidir conforme algumas condições nas quais ela existe, liberdade condicionada). 
Em contraste com todas as outras criaturas o ser humano tem liberdade! 
As outras criaturas possuem analogia com a liberdade, porém não a liberdade em si. 
Mas o ser humano é finito, excluído da Infinitude a qual pertence!
 Pode-se dizer que a natureza é necessidade finita, Deus é liberdade infinita e o ser humano liberdade finita.
É a liberdade finita que torna possível a transição da essência (o fundamento do qual ele se deriva) à existência (a distorção da sua essência, o que ela se tornou após a queda). [E esta transição é o que se chamou de ‘A Queda Do Homem’!]
O ser humano (1) é livre na medida em que tem linguagem. Graças à sua linguagem, ele dispõe dos universais (conceitos como amor, paz, bem, mal, etc.) que o libertam do cativeiro à sua situação concreta a que estão sujeitos até mesmo os animais superiores (esses conceitos dão ao homem uma orientação e motivação de agir segundo os valores que exprimem e para além da situação imediata na qual o ser está inserido, está existindo). 
O ser humano é (2) livre na medida em que é capaz de formular perguntas a respeito do mundo que o rodeia e o inclui e de penetrar em níveis cada vez profundos da realidade (capaz de refletir sobre o cosmos no qual toma consciência). 
O ser humano é (3) livre na medida em que é capaz de receber imperativos incondicionais de ordem moral e lógica que indicam que ele pode transcender as condições que determinam todo ser finito (valores e o sentido intuitivo que o condiciona a agir segundo paradigmas diferentes dos condicionantes sociais cotidianos. Tais paradigmas são valores morais, éticos de cunho sociais, altruístas ou metafísicos que o levam a agir racionalmente negando o hedonismo egoísta). 
O ser humano é (4) livre na medida em que tem o poder de deliberar e decidir, rompendo assim os mecanismos de estímulo e resposta (tal qual os animais em experimentos científicos). 
O ser humano é (5) livre na medida de quem pode brincar e construir estruturas imaginárias por cima das estruturas reais as quais ele como todos os seres está sujeito (criações meramente imaginativas, possivelmente abstratas, até sem uma lógica definida).
O ser humano é (6) livre na medida em que possui a faculdade de criar mundos acima do mundo concreto, de criar o mundo dos instrumentos e dos produtos técnicos, o mundo das expressões artísticas, o mundo das estruturas teóricas e das organizações práticas (segundo a arte, filosofia, física quântica, leis astronômicas que se supõe em perspectiva mas não se conhece na práxis; estruturas que organizam o labor pessoal ou em corporações; criações da física e matemática: tudo que exige uma criatividade prévia à sua criação). 
. Finalmente o ser humano é (7) livre na medida em que tem o poder de contradizer a si mesmo e a sua natureza essencial (contradizer o Bem de onde essencialmente provem, p. ex., em todos os crimes praticados contra a humanidade). 
O ser humano é (8) livre até mesmo frente à sua liberdade, isto é, ele pode renunciar a sua humanidade (no suicídio ou em um estilo de vida sub-humano). 
Essa qualidade final de sua liberdade é o terceiro passo rumo a uma resposta para a pergunta de como é possível a transição da essência à existência (como é possível a queda humana).
A liberdade do ser humano é uma liberdade infinita. [Pois] todas as potencialidades que constituem sua liberdade se acham limitadas pelo pólo oposto, seu destino (o destino de certa forma conduz a liberdade em cada escolha por ser sempre “o pano de fundo” na qual ela atuará). 
Na natureza, o destino tem caráter de necessidade. Apesar das analogias ao destino humano, Deus é seu próprio destino. Isto significa que transcende a polaridade de liberdade e destino (Deus não decide dentro um plano já planejado a Se. Ele não tem destino nenhum a cumprir: é o único Ser cuja realidade Ele mesmo a delibera, a faz! Glória a DEUS por esta majestade!).
No ser humano, liberdade e destino se limitam mutuamente, pois o ser humano é liberdade finita.
 Isso é verdadeiro de todo ato da liberdade humana (em cada ato humano liberdade e destino atuam em interação embora tenham características opostas, no entanto estão ligados e isto é tem caráter paradoxal); também é verdadeiro da qualidade final da liberdade humana, a saber do poder de renunciar sua liberdade (no suicídio liberdade e destino atuam)!
Até mesmo a liberdade de autocontradizer-se é limitada pelo destino porque, como liberdade infinita, ela é possível só dentro do contexto da transição universal da essência à existência (a liberdade só é possível dentro de um contexto de queda pois a liberdade está “escravizada” pela existência caída, está distorcida, e assim limitada, por esta).
Não existe uma queda individual.
 No relato de Gênesis, os dois sexos e a natureza, representada pela serpente, atuam em conjunto.
A transição da essência à existência é possível, porque a liberdade finita está inserida no quadro de um destino universal; esse é o quarto passo rumo à formulação de uma resposta (o homem tem seu destino atrelado ao mundo no qual é criado e este mundo participa com ele dessa transição, dessa queda).
A teologia tradicional discutiu a possibilidade da queda em termos de potuit peccari de Adão - sua liberdade para pecar.
 Não se via essa liberdade em unidade com a estrutura total de sua liberdade e, portanto, ela era considerada como um dom divino questionável (isto é, Adão tinha ou não liberdade de pecar sem a tentação da serpente, pecar por se próprio?).
 Calvino acreditava que a liberdade para cair era uma fraqueza do ser humano, lamentável do ponto de vista da sua felicidade, já que significava condenação eterna para a maioriados seres humanos (p. ex., para todos os pagãos)!
Esse dom somente é compreensível do ponto de vista da glória divina, do fato de que Deus decidiu revelar Sua majestade não só através da salvação dos seres humanos, mas também através de sua condenação (só é compreendido segundo a dupla predestinação pois, algo tão mal quanto a condenação eterna, só seria compreensível se colaborasse a um benefício maior, no caso, aprofundar a percepção da Majestade Infinita de Deus)!
Mas a liberdade para se afastar de Deus é uma qualidade da estrutura da liberdade como tal (todo ser que tem liberdade, inevitavelmente, se afastará da Divindade, isto é, inevitavelmente cairá, pois tomará alguma decisão livre e contrária ao Criador, embora essa decisão é condicionada por um contexto prévio)!
 A possibilidade da queda depende de todas as qualidades da liberdade humana consideradas em sua unidade. 
Simbolicamente falando, é a imagem de Deus no ser humano que possibilita a queda (só quem decide e não age por impulso, quem não age por necessidade, semelhantemente, à Divindade, poderá cair) !
 Só aquele que é imagem de Deus tem o poder de separar-se de Deus (só quem é imagem de Deus tem capacidade de deliberar ainda que dentro de uma constelação prévia de fatores condicionantes). 
Sua grandeza é, ao mesmo tempo, sua fraqueza (nossa dignidade nos traz nossa miséria, isto é um grande paradoxo da existência) !
 Nem mesmo Deus poderia eliminar uma sem eliminar a outra (cognitivamente falando o Ser não pode aniquilar suas características sem, concomitantemente, nessa aniquilação, indo perdendo qualidades de ‘Ser o mesmo Ser’. Aquilo que se modifica, por definição, já não é o mesmo na medida da modificação e, no caso, a Divindade é caracteristicamente livre: ser imagem de Deus é ser livre, semelhantemente a esta imagem)! 
E se o ser humano não tivesse recebido essa possibilidade, ele teria sido uma coisa entre outras coisas, incapaz de servir a glória divina, seja na salvação ou na condenação (um objeto ao qual coloque-o nos céus ou nas trevas: onde o colocar aí ficará não colaborando em nada a este destino final!). 
Por isso, a doutrina da queda sempre foi tratada como a doutrina da queda do ser humano, embora também tenha sido considerada como um evento cósmico (a queda humana, ocorreu em um universo no qual estava inserida a imperfeição e contingência criatural. A queda do cosmos é evento transcendente, pois este deve ter existência autônoma, separado, mas não independente, do Criador. Suscitando uma dinâmica dos objetos com estados e movimentos autônomos, embora finitos, limitados e condicionados a leis prévias. Mudanças e deterioração progressivas, e isto caracteriza toda criação: a dinâmica própria dos seres, separada da atuação Divina. Esta caracteriza a queda transcendente da criação e neste contexto está correlacionada à queda humana!).
Tillich, Paul. Teologia Sistemática, 6ª Ed. Revista, 2005. Vol. 2: A existência e o Cristo; Parte 3: A existência e o Cristo, Cap. I: Tomo B: A transição da essência a existência e o símbolo da “queda”, parte 2: A liberdade infinita como possibilidade da transição da essência a existência, págs.: 326-328.
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