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30 representantes, de questioná-los a respeito de tais atos e de responsabilizá-los. Caso os cidadãos não detenham conhecimentos necessários para interagir com as informações disponibilizadas, não há como efetivar a accountability, o que também ocorrerá se não dispuserem de mecanismos para responsabilizar aqueles que feriram o interesse público. Além da informação, outro elemento primordial a ser considerado para viabilizar a accountability é o tempo. Arato (2002, p. 94) afirma que a “accountability se dá em função do tempo, pois dado tempo suficiente, as ações pelas quais um indivíduo pode ser responsabilizado podem ser esquecidas ou compensadas”. Com isso, temos que a accountability consiste na relação dialógica entre atores accountable e accounting, ambos empoderados, sendo que os primeiros detêm o poder de fazer, enquanto os últimos o poder de controlar. Para o exercício da accountability é necessário que transitem informações entre estes atores, cuja avaliação poderá levar a sanções impostas pelos accounting aos accountable. E para que essa avaliação seja adequada é preciso que o lapso temporal entre o exercício do poder e sua avaliação seja pouco extenso. 2.2 ABORDAGENS DO CONCEITO DE ACCOUNTABILITY Diversos autores têm buscado a classificação conceitual de accountability, ora focados nos atores envolvidos, ora nas características fundamentais que a configuram. Algumas dessas abordagens têm assumido maior relevância na literatura do tema, especialmente as modalidades estabelecidas por O’Donnell (1998) e as dimensões propostas por Schedler (1999), além dos enfoques de Peruzzotti e Smulovitz (2000), que tratam da societal accountability e também de Mainwaring (2003), que procura associar a accountability à efetividade do Estado na prestação dos serviços públicos. Essas abordagens serão objeto de discussão a partir de agora para embasar o conceito de accountability que será adotado neste trabalho. 31 2.2.1 Abordagem das modalidades horizontal e vertical Guillermo O’Donnell, cientista político argentino, sistematiza o conceito de accountability em modalidades horizontal e vertical (O’DONNELL, 1998). A distinção entre as modalidades pode ser feita de acordo com os papéis que cumprem os atores envolvidos: a vertical refere-se ao controle que os cidadãos exercem diretamente sobre os agentes públicos, enquanto que a horizontal é intraestatal, ou seja, ocorre dentro do âmbito do estado. Ou, como entendem Pinho e Sacramento (2009, p. 1351), “a dimensão vertical pressupõe uma ação entre desiguais – cidadãos versus representantes – a dimensão horizontal pressupõe uma relação entre iguais”. Essa igualdade ou desigualdade, porém, não pode ser entendida como de poder, pois, como é repisado na literatura, os poderes de instituições ou órgãos que compõem o estado ou da própria sociedade não são facilmente comensuráveis, portanto, não são comparáveis. Na interpretação da metáfora que O'Donnell (1998) faz uso para adjetivar as modalidades, um dos elementos primordiais da desigualdade entre os atores reside na disponibilidade de informações8. De fato, “constata-se que esses autores adotam a assimetria informacional como uma premissa praticamente inquestionável na relação governo/cidadãos” (PINHO e SACRAMENTO, 2009, p. 1352). Ainda assim, não se pode caracterizar uma hierarquia entre os atores, pois o empoderamento alterna-se: enquanto ao longo de um mandato o representante pode, de certa forma, estar investido de maior poder que o cidadão comum, no momento de um sufrágio, essa relação se inverte, pois o poder de decidir reside então no voto. Por consequência dessa assimetria de informações, explica Przeworski (1998, p. 12) que: Ou governantes seguem políticas que proporcionam o bem estar dos eleitores, mesmo desviando de seus mandatos, ou eles aderem aos seus mandatos mesmo sabendo que ao implementá-los resultados sub-ótimos _______________ 8 Em novembro de 2011, portanto no transcorrer desta pesquisa, foi sancionada a Lei nº 12.527, que propõe incisivas mudanças no paradigma de acesso à informação pela sociedade, o que traz reflexos ao objeto desta pesquisa e fortalece o entendimento de Hirano (2006, p. 12) de que “é necessário que representantes e representados sejam idealmente considerados como possuidores de um patamar mínimo de igualdade no nível do conhecimento e da informação”. De todo modo, como os efeitos desta nova norma serão sentidos ao longo do tempo, não será possível incluí-los em nosso escopo. 32 para os eleitores emergirão. Se os eleitores não estiverem certos sobre quais políticas melhor serviriam aos seus interesses, eles não podem ter certeza se o governo está agindo no sentido de seus melhores interesses quando o governo implementa ou trai suas promessas. E, desde que os governos sabem que os eleitores não sabem, eles dispõem de uma enorme janela para fazer coisas que eles, e não os eleitores querem. Em relação à modalidade vertical que, conforme Manin’s, Przeworski e Stokes (1999), consiste especificamente em uma avaliação retrospectiva, afirma O'Donnell que: Evidentemente, o que pode ser definido como o canal principal de accountability vertical, as eleições, ocorre apenas de tempos em tempos. Além disso, não está claro até que ponto elas são efetivas como mecanismos de accountability vertical. (1998, p. 28-29) O autor frisa ainda que “um político que não se candidata a novas eleições torna-se politicamente (ainda que não legalmente) livre de ser avaliado por seu último mandato” (ARATO, 2002, p. 94). Além disso, é preciso considerar que fogem do alcance da modalidade vertical de accountability as “autoridades de baixo escalão e não responsabilizáveis perante o processo eleitoral” (O'DONNELL, 1998, p. 41). Em razão destas limitações, O'Donnell é levado a afirmar que não há evidências de que a accountability vertical seja efetiva por meio dos pleitos eleitorais. Já a accountability horizontal, na abordagem de O'Donnell, é caracterizada pela: Existência de agências estatais que têm o direito e o poder legal e que estão de fato dispostas e capacitadas para realizar ações, que vão desde a supervisão de rotina a sanções legais ou até o impeachment contra ações ou omissões de outros agentes ou agências do estado que possam ser qualificadas como delituosas [...]. (O'DONNELL , 1998, p. 40) Note-se que um dos principais mecanismos da accountability horizontal são agências estatais, ou seja, instituições criadas e mantidas pelo próprio Estado. Por isso, pode-se dizer que a criação ou não de tais agências serve como um indício da disposição ou não do Estado em tornar seus agentes accountable. Em relação à accountability horizontal, O'Donnell sugere que: [...] para que esse tipo de accountability seja efetivo deve haver agências estatais autorizadas e dispostas a supervisionar, controlar, retificar e/ou punir ações ilícitas de autoridades localizadas em outras agências estatais. As primeiras devem ter não apenas autoridade legal para assim proceder, mas também de facto, autonomia suficiente com respeito às últimas. Esse é, 33 evidentemente, o velho tema da divisão dos poderes e dos controles e equilíbrios entre eles 9 . Esses mecanismos incluem as instituições clássicas do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, mas nas poliarquias contemporâneas também se estende por várias agências de supervisão, como os ombudsmen e as instâncias responsáveis pela fiscalização das prestações de contas. (O’DONNELL, 1998, p. 42-43) Também a accountability horizontal, como se vê, é um mecanismo complexo, não restrito a uma entidade ou um instrumento. Por isso, O'Donnell (1998, p. 46) afirma que “a efetividade da accountability horizontal depende não apenas de agências isoladas lidando com questões específicas, mas com uma rede dessas agências que incluitribunais comprometidos com o apoio a esse tipo de accountability”. Em suma, O'Donnell sintetiza a accountability como bidirecional. Por um lado, é uma espécie de avaliação que o cidadão faz de seus representantes (vertical). Por outro lado, é a avaliação que agentes específicos – delegados pelo próprio Estado – fazem da ação de outros agentes (horizontal). Assim, sinaliza o autor, aqueles que representam e agem em nome do interesse público devem estar submetidos ao controle e aos juízos tanto dos cidadãos – que têm o poder de deliberar sobre tudo que julgarem pertinente – quanto de agências (ou agentes) a quem o Estado atribui essa competência, e que possuem a qualificação necessária para avaliar e deliberar acerca das decisões evidenciadas. É desse modo que aqui se entende a abordagem de O'Donnell: accountability como avaliação e juízos bidirecionais. Na modalidade vertical, o próprio cidadão é accounting, diretamente. Na modalidade horizontal, os atores accounting são também representantes, ou seja, não é o cidadão diretamente que exerce esse papel. _______________ 9 Quando O’Donnell menciona tratar-se do “tema da divisão dos poderes e dos controles e equilíbrios entre eles”, abre margem para que outros autores, como faz Hirano, citem que ele equipara a accountability aos Check and Balances, ou mecanismos de freios e contrapesos, como comumente são conhecidos. Entretanto, em nosso juízo, o fato de ele reconhecer que a accountability horizontal faz parte do tema da tripartição dos poderes, de Montesquieu, não permite deduzir que o autor toma por sinôninos os assuntos. 34 2.2.2 Abordagem das dimensões da accountability Andreas Schedler, também nome necessário ao estudo do conceito de accountability, focado na accountability política, ocupou-se com as dimensões características da accountability, ou seja, com os elementos necessários para evidenciar que ela está presente (SCHEDLER, 1999). Este autor afirma que: [...] em essência, clama-se que a noção de accountability política carrega duas conotações básicas – answerability, a obrigação de funcionários públicos informar e explicar o que eles estão fazendo, e enforcement, a capacidade de agências accounting de imporem sanções em detentores de poder que tiverem violado suas obrigações públicas. Essa estrutura bidimensional de significados faz do conceito algo amplo e que inclui vários significados que dentre seus limites vastos e flexíveis compreende muitos outros termos [...] 10 . (SCHEDLER, 1999, p. 1) A concepção bidimensional, como explica Schedler (1999, p. 2), “sugere que o poder seja submetido à ameaça de sanções; obrigando que ele seja exercido de maneira transparente, e forçando os agentes a justificar seus atos”11. Assim, o autor indica que em sua concepção “três aspectos juntos – enforcement, monitoramento (de informações) e justificação – tornam a accountability política uma iniciativa multifacetada que permite lidar com uma considerável variedade de reais e potenciais abusos de poder”12. Na abordagem apresentada por Schedler, segue-se a lógica de que para existir accountability é necessário que: 1) o agente público A tenha a obrigação de dispor informações a B; 2) aquele que receber a informação pode questionar, ou seja, B pode inquirir A, exigindo-lhe justificativas por suas escolhas, e A possui a obrigação de responder; e 3) a falta da informação, da resposta, ou sua insuficiência _______________ 10 “in essence, it claims that the notion of political accountability carries two basic connotations – answerability, the obligation of public officials to inform about and to explain what they are doing, and enforcement, the capacity of accounting agencies to impose sanctions on powerholder who have violated their public duties. This two-dimensional structure of meaning makes the concept a broad and inclusive one which within its wide and loose boundaries embraces (or at least overlaps with) lots of other terms.” (SCHEDLER, 1999, p. 1) 11 “ “implies subjecting power to the threat of sanctions; obliging it to be exercised in transparent ways; and forcing it to justify its acts” – (SCHEDLER, 1999, p. 2) 12 “three aspects together – enforcement, monitoring, and justification – turn political accountability into a multi-faceted enterprise which allow to cope with a considerable varity of actual and potencial abuses of power” (op cit) 35 deverá levar a uma sanção. Satisfeitas essas condições, pode-se dizer que A é accountable, que B é accounting, e que está presente a accountability. Schedler considera que a obrigação de prestar informações e justificar-se em face de questionamentos são atributos da dimensão da answerability. A outra dimensão é chamada por ele de enforcement, que podemos associar ao poder de aplicar sanções ou premiações. Disso depreende-se que Schedler (1999) não apenas observa características do conceito em estudo, mas critérios para que um mecanismo possa ou não ser entendido como sendo de accountability. E ainda que o autor não cite expressamente, ele sugere que o grau de evidenciação das dimensões indica a graduação em que determinado mecanismo enquadra-se no conceito de accountability. 2.2.3 Abordagem da accountability eleitoral e societal Peruzzotti e Smulovitz (2000) preocuparam-se em distinguir elementos da accountability vertical de O’Donnell (1998), com isso dividem-na em eleitoral e agrupam as demais formas no conceito de societal accountability, definida como um mecanismo de controle não eleitoral, que se utiliza de instrumentos institucionais e não institucionais, e inclui as denúncias de mídia, a participação social em instâncias de controle e as ações que atores que não estão na máquina estatal podem mover contra agentes públicos. O'Donnell (1998), ao discorrer sobre sua noção de accountability vertical, deixa claro que o principal instrumento dessa modalidade é a eleição, não se preocupando em adentrar à discussão sobre outras formas desse exercício. Mesmo assim, é possível concluir que a accountability societal é tratada por O'Donnell (1998) como parte da accountability vertical. Tal enquadramento é claro, por exemplo, quando o autor questiona outros mecanismos de accountability vertical, além da eleição, e refere-se à ação parcial da mídia na denúncia de possíveis delitos e seus responsáveis, com o que a própria mídia contribuiria para que determinadas autoridades fossem culpadas e outras poupadas, o que não necessariamente ocorre com base no quão envolvidas estão com a deturpação (O‘DONNELL, 1998), 36 podendo inclusive haver a condenação pública de inocentes e indiferença a culpados13. É precisamente este espaço que é qualificado como societal, onde estão inclusos todos os esforços que visam a expor os desvios do governo, a levar determinada questão à agenda governamental e influenciar nas decisões que são adotadas. Vejamos abaixo o quadro relativo aos tipos de accountability vertical, incluindo a proposta da societal accountability, conforme sistematização de Peruzzotti e Smulovitz (2000). Quadro 1: Tipos de Accountability Vertical Quem controla O que é controlado Atores Políticos Burocratas Societal Associações civis, ONGs e movimentos sociais Mobilização social e denúncia pública Denúncia por agências de vigilância Definição de planejamento Mobilização social e denúncia pública Denúncia por agências de vigilância Definição de planejamento Processo (ação judicial) Mídia Investigação e denúncia pública Definição de planejamento Investigação e denúncia pública Definição de planejamento Eleitoral Cidadãos Votação Fonte: Peruzzotti e Smulovitz (2000, p. 27), adaptado. Pelo quadro acima, os autores esclarecem que enquanto o espaço eleitoral é onde os cidadãos exercem, individualmente, sua participação, a accountability societalrefere-se especialmente à ação coletiva e da mídia. Com isso, esses autores têm o mérito de invadir um espaço onde as ações são ainda mais difusas e cuja mensuração dos impactos é ainda mais desafiadora. É exatamente por isso que a grande crítica à viabilidade de estudo do conceito proposto reside na carência ou imprecisão do elemento sancionador que esse tipo de accountability pode evidenciar e, ainda, quanto à adequação das penalidades aplicadas. _______________ 13 Esse alerta condiz com a postura de Campos, ao referir-se ao Brasil ainda do final da década de 1980: “a imprensa não tem desempenhado o papel de vigilante, que geralmente lhe cabe nas sociedades politicamente avançadas” (1990, p. 9) 37 2.2.4 Abordagem da aproximação entre accountability e efetividade Mainwaring (2003) apresenta uma abordagem que considera como accountability apenas aquela ação desempenhada por agências ou agentes oficialmente imbuídos de controlar e sancionar outros agentes. Assim, este autor adota um recorte oposto àquele apresentado por Peruzzotti e Smulovitz (2000), pois ele exclui taxativamente da accountability o espaço identificado como societal. Das ações extra-estatais, não é afastada do conceito de accountability apenas a ação do voto, dado que os cidadãos são legalmente incumbidos de votar. Particularidade interessante na teoria de Mainwaring (2003) é o estreitamento da relação entre a accountability e a efetividade da ação do Estado. Trata o autor, direcionando à nossa região: A tarefa que democratas latino-americanos enfrentam não é simplesmente de construir mecanismos de accountability mais eficazes. Enquanto a accountability é um atributo desejável em sistemas políticos, também o é a efetividade governamental, que frequentemente se encontra em conflito com a accountability [...] Propor a existência de um potencial compromisso entre accountability e a performance do governo não implica em uma soma zero do conflito entre esses dois elementos. Governos não accountable podem produzir terríveis políticas e governos accountable podem produzir excelentes resultados. Poderosos mecanismos de accountability tornam mais fácil impedir governos de implementar políticas desastrosas. (MAINWARING, 2003, p. 4- 5) 14 Nessa ótica, Mainwaring (2003) fala em objetivos duais, designando a interligação da accountability com os resultados das políticas. É nesse ponto que surge a maior contribuição do autor para este estudo, haja vista que ele ultrapassa a regra de que é preciso garantir que os representantes atendam aos interesses dos representados, e se funda na necessidade de que as políticas públicas sejam _______________ 14 “The task facing Latin American democrats is not simply how to build more effective mechanisms of accountability. For while accountability is a desirable feature in political systems, so is governmental effectiveness, which often is in tension with accountability.” […] “Positing the existence of a potential tradeoff between accountability and government performance does not imply a zero sum conflict between these two desiderata. Unaccountable governments can produce terrible policy results, and accountable governments can produce excellent results. Powerful mechanisms of accountability make it easier to block governments from implementing disastrous policies.” (MAINWARING, 2003, p. 5) 38 efetivas, o que implica no atendimento ao interesse público, não na atenção às vontades15 individuais dos eleitores. Mainwaring preocupa-se em explicar, para esclarecer seu conceito, que: Excluir relações não legalizadas do conceito de “accountability” não significa que as relações fora desse limite são menos importantes das que estão dentro dele. A questão é uma demarcação conceitual, não significação política. Conforme conceituada aqui, accountability implica não apenas na possibilidade de resposta, mas também na obrigação legal de responder ou no direito institucionalizado de um agente de accountability de impor sanções em agentes públicos [...] Essa definição exclui como agentes de accountability a imprensa e organizações da sociedade civil que investigam e denunciam abusos e transgressões de agentes públicos. (MAINWARING, 2003, p. 7) 16 O autor justifica seu recorte, pois "ainda que incluamos todas as formas de vigilância pública ou responsabilização de atores, o conceito se torna tão elástico que pode não ser útil” (MAINWARING, 2003, p. 8)17. Assim, o autor propõe a classificação de accountability em eleitoral e intraestatal. Tal terminologia, da mesma forma que ocorre em O'Donnell (1998), pretende distinguir se a relação se dá entre cidadão (locado na sociedade) e o agente público (locado no Estado) ou entre agentes públicos (ambos locados no Estado). 2.3 MATRIZ DE CLASSIFICAÇÃO CONCEITUAL DA ACCOUNTABILITY Pelas abordagens vistas, percebe-se que o conceito de accountability não é totalmente uniforme nas discussões que se constroem na literatura especializada. De fato, o termo exprime um entendimento altamente sugestivo, capaz de abarcar _______________ 15 Aqui utilizamos o termo “interesse” de forma similar ao entendimento que Rousseau atribuiu à expressão “vontade geral” n”O Contrato Social”, enquanto por “vontade” entendemos aquilo que Rousseau tratou como “vontade particular” (ROUSSEAU, 1989) 16 “Excluding non-legalized relationships from the concept of 'accountability' does not means that relationships outside this boundary are less important than those that fall within it. The issue is one conceptual demarcation, not political significance. As conceptualized here, accountability implies not only answerability, but also the legal obligation to answer or the institutionalized right of an agent of accountability to impose sanctions on public officials. […] This definition excludes as agents of accountability the press and civil society organizations that investigate and denounce abuses and wrongdoings by public officials.” (MAINWARING, 2003, p. 7) 17 “Yet if we include all forms of public oversight or holding actors responsible, the concept becomes so elastic that it may not be useful” (MAINWARING, 2003, p. 8) 39 grande amplitude de atores, de institutos e de ações. Todas as discussões evidenciam que não é difícil incluir elementos no conceito, difícil é esgotá-lo. Por isso, os próprios autores citados não exprimem essa pretensão, dedicando-se a tratar de aspectos mínimos necessários para caracterizar ou qualificar um mecanismo como sendo de accountability, com a devida adjetivação. Nesse contexto, determinados autores preocupam-se com a posição que ocupam os atores accountable e accounting envolvidos no processo de accountability; este é o caso de O'Donnell (1998), e sua classificação em vertical e horizontal, a qual, embora muito criticada, é repisada e amplamente utilizada para caracterizar os processos. Já Schedler (1999) preocupou-se com as dimensões necessárias para caracterizar a accountability, e além de considerarmos sua abordagem fundamental para avaliar se determinado mecanismo enquadra-se ou não no conceito, temos que sua teoria não invalida de forma alguma a classificação de em modalidades: as dimensões podem ser avaliadas e os mecanismos podem ser classificados em horizontal e vertical. Na busca por uma melhor qualificação do conceito no que se refere a participação social no controle de seus representantes, Peruzzotti e Smulovitz (2000) propõem a inclusão da accountability societal como um subgrupo da accountability vertical, composta também pela accountability eleitoral. Nesse caso, da mesma forma, não estão afastadas as dimensões propostas por Schedler (1999). As abordagens distintas, como se vê, não são mutuamente exclusivas. Em todos os casos, caminha-se na direção de que para que exista accountability, é necessário que exista a obrigação de prestarinformações e a possibilidade da sanção, e os recortes se dão mais pela amplitude dos atores que atuam como accounting. Assim, não nos cabe refutar qualquer das propostas conceituais, mas compreendê-las e distingui-las a fim de que seja possível, ao final da pesquisa, conhecermos qual das abordagens, se alguma, evidencia-se em nosso objeto de estudo. Com o alargamento da discussão a partir das diversas abordagens tratadas, defino então o conceito que será utilizado para o desenrolar deste estudo: Accountability refere-se, por um lado, ao cumprimento por agentes públicos de obrigações de prestar informações e responder a questionamentos para os cidadãos, diretamente ou por meio de representantes incumbidos dessa tarefa. Por outro lado, refere-se ao usufruto da prerrogativa dos cidadãos - diretamente ou por