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BECHARA_ModernaGramaticaPortuguesa-15

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“É verdade que a gente, às vezes, tem cá as suas birras” [AH.4, II, 158].
5.ª) Ainda continuam vivos em Portugal vós, vosso.
 
Pronomes possessivos
Pronomes possessivos – São os que indicam a posse em referência às três pessoas do
discurso:
Singular: 1.ª pessoa: meu minha meus minhas
 2.ª pessoa: teu tua teus tuas
 3.ª pessoa: seu sua seus suas
 
Plural: 1.ª pessoa: nosso nossa nossos nossas
 2.ª pessoa: vosso vossa vossos vossas
 3.ª pessoa: seu sua seus suas
 
Pronomes demonstrativos
Pronomes demonstrativos – São os que indicam a posição dos seres em relação às três
pessoas do discurso.
Esta localização pode ser no tempo, no espaço ou no discurso:
1.ª pessoa: este, esta, isto 42
2.ª pessoa: esse, essa, isso
3.ª pessoa: aquele, aquela, aquilo
Este livro é o livro que está perto da pessoa que fala; esse livro é o que está longe da
pessoa que fala ou perto da pessoa com quem se fala; aquele livro é o que se acha distante da
1.ª e da 2.ª pessoa.
Nem sempre se usam com este rigor gramatical os pronomes demonstrativos; muitas vezes
interferem situações especiais que escapam à disciplina da gramática.
São ainda pronomes demonstrativos o, mesmo, próprio, semelhante e tal.
Considera-se o pronome demonstrativo, de emprego absoluto, invariável no masculino e
singular quando funciona com o valor “grosso modo” de isto, isso, aquilo ou tal:
Não o consentirei jamais.
“Arquiteto do mosteiro de S. Maria, já o não sou” [AH apud FB.1, 195].
“Se os olhos corporais estavam mortos, não o estavam os do espírito” [AH.4, I, 226].
“(...) residia uma viúva, que o era de um fidalgo da casa de Azevedo” [CBr apud MBa.3, 343].
Pode aludir a extensos enunciados:
Prometeu-me que sairia comigo nas próximas férias, mas não o fez.
O pronome o, perdido o seu valor essencialmente demonstrativo e posto antes de
substantivo claro ou subentendido, expressão substantivada inclusive oração –, como adjunto,
recebe o nome de artigo definido. Assim é que, no exemplo seguinte, consideramos o primeiro
os e o segundo o artigo definido:
“Os homens de extraordinários talentos são ordinariamente os de menor juízo” [MM].
Mesmo, próprio, semelhante e tal têm valor demonstrativo quando denotam identidades ou
se referem a seres e ideias já expressas anteriormente, e valem por esse, essa, aquele, isso,
aquilo:
“Depois, como Pádua falasse ao sacristão baixinho, aproximou-se deles; eu fiz a mesma coisa” [MA.4, 87].
“Não paguei uns nem outros, mas saindo de almas cândidas e verdadeiras tais promessas são como a moeda
fiduciária...” [MA.4, 202].
É proibido dizeres semelhantes coisas.
Alguns estudiosos, por mera escolha pessoal, têm-se insurgido contra o emprego anafórico
do demonstrativo mesmo, substantivado pelo artigo, precedido ou não de preposição, para
referir-se a palavra ou declaração expressa anteriormente. Não apresentam, entretanto, as
razões da crítica:
“Os diretores presos tiveram habeas corpus. Apareceu um relatório contra os mesmos, e contra outros...” [MA apud
MMc.1, 274].
“Costuma-se escrever dentro dos livros, na folha de guarda, palavras alusivas aos mesmos” [E. Frieiro apud MMc.1].
Para estes críticos, o mesmo, etc., deve ser substituído por ele, etc. Talvez por isso E.
Frieiro, na 2.ª edição, alterou seu texto para: “Costuma-se escrever dentro dos livros, na folha
de guarda, palavras a eles alusivas”.
Mesmo e próprio aparecem ainda reforçando pronomes pessoais:
Ela mesma quis ver o problema.
Nós próprios o dissemos.
“Tal faço eu, à medida que me vai lembrando e convindo à construção ou reconstrução de mim mesmo” [MA.4, 203].
 
Pronomes indefinidos
Pronomes indefinidos – São os que se aplicam à 3.ª pessoa quando têm sentido vago ou
exprimem quantidade indeterminada.
Funcionam como pronomes indefinidos substantivos, todos invariáveis: alguém, ninguém,
tudo, nada, algo, outrem.
“Ninguém mais a voz sentida
Do Trovador escutou!” [GD].
São pronomes indefinidos adjetivos, todos variáveis com exceção de cada: nenhum, outro
(também isolado), um (também isolado), certo, qualquer (só variável em número: quaisquer),
algum, cada:
“As tiras saem-lhe das mãos, animadas e polidas. Algumas trazem poucas emendas ou nenhumas” [MA.2, 274].
“A vida a uns, a morte confere celebridades a outros” [MM].
Aplicam-se a quantidades indeterminadas os indefinidos, todos variáveis, com exceção de
mais e menos: muito, mais, menos, pouco, todo, algum, tanto, quanto, vário, diverso:
Mais amores e menos confiança. (nunca menas!)
Com pouco dinheiro compraram diversos presentes.
Isto é o menos que se pode exigir.
Muito lhe devo.
Erraste por pouco.
Quantos não erraram neste caso!
Observações:
1.ª) O pronome indefinido um pode ser usado como substantivo, principalmente nas locuções do tipo cada um, qualquer um.
Como adjunto, recebe o nome de artigo indefinido.
2.ª) Também os pronomes indefinidos mais e menos podem substantivar-se em expressões do tipo o mais dos homens, o mais
das vezes, o mais deles, o menos. Por atração, o mais pode aparecer num giro derivado da construção original e concordar
com o gênero e número do substantivo ou pronome pessoal que entra na expressão: o mais dos homens ou os mais dos
homens; o mais das vezes ou as mais das vezes; o mais deles ou os mais deles, etc.
As duplas quem... quem, qual... qual, este... este, um... outro com sentido distributivo
também são pronomes indefinidos:
“Qual se abisma nas lôbregas tristezas,
Qual em suaves júbilos discorre,
Com esperanças mil nas ideias acesas” [BBo].
Isto é: um se abisma... outro discorre.
Observação: Sobre o uso de um e outro, um do outro em referência a pessoas de sexos diferentes.
Muitas vezes a posição da palavra altera seu sentido e sua classificação:
Certas pessoas (pron. indef.) não chegam na hora certa (adjetivo), mas em certas horas (pron. indef.).
Algum livro (= certo livro). Livro algum (= nenhum livro).
Em outras épocas, algum podia ter sentido afirmativo ou negativo independente de sua
posição:
“Desta gente refresco algum tomamos” [LC.1, V, 69].
Refresco algum = algum refresco
“Vós a quem não somente algum perigo
Estorva conquistar o povo imundo” [LC.1, VII, 2].
Algum perigo = nenhum perigo
Locução Pronominal Indefinida – É o grupo de palavras que vale por um pronome
indefinido. Eis as principais locuções: cada um, cada qual, alguma coisa, qualquer um,
quem quer, quem quer que, o que quer que, seja quem for, seja qual for, quanto quer que, o
mais (hoje menos frequente que a maior parte, a maioria):
“As verdades não parecem as mesmas a todos, cada um as vê em ponto diverso de perspectiva” [MM].
 
Pronomes interrogativos
Pronomes interrogativos – São os pronomes indefinidos quem, que, qual e quanto que se
empregam nas perguntas, diretas ou indiretas:
Quem veio aqui?
Que cabeça, senhora?
Que compraste?
Qual autor desconhece?
Qual consideras melhor?
Quantos vieram?
Quantos anos tens?
Em lugar de que pode-se usar a forma enfática o que:
“Agora por isso, o que será feito de frei Timóteo?! Era naquele tempo um frade guapo e alentado! O que será feito
dele?” [AH.4, II, 135].
Quem refere-se a pessoas, e é pronome substantivo. Que refere-se a pessoas ou coisas, e é
pronome substantivo (com o valor de que coisa?) ou pronome adjetivo (com o valor de que
espécie?).43 Qual e também que, indicadores de seleção, normalmente são pronomes
adjetivos:
Em qual livraria compraremos o presente?
Em que livraria compraremos o presente?
Ressalta-se ainda a seleção antepondo ao substantivo no plural a expressão qual dos, qual
das:
Em qual dos livros encontraste o exemplo?
Observação: Estes interrogativos saem normalmente dos pronomes indefinidos e por isso costumam ser chamados
indefinidos interrogativos. Aparecem ainda nas exclamações, e neste caso o que adquire sentido francamente intensivo:
Que susto levei! (Compare-se com: que cabeça, senhora!).
Diz-se interrogação direta a pergunta que termina por ponto de interrogação e se
caracteriza pela entoação ascendente:
Quem veio aqui?
Interrogação indireta é a pergunta que: a) se faz indiretamente e paraa qual não se pede
resposta imediata; b) é proferida com entoação normal descendente; c) não termina por ponto
de interrogação; d) vem depois de verbo que exprime interrogação ou incerteza ( perguntar,
indagar, não saber, ignorar, etc.):
Quero saber quem veio aqui.
Eis outros exemplos de interrogação indireta começados pelos pronomes interrogativos já
citados:
Ignoro que cabeça, senhora.
Indagaram-me que compraste.
Perguntei-te por que vieste aqui.
Não sei qual autor desconhece.
Desconheço qual consideras melhor.
Indagaram quantos vieram.
 
Pronomes relativos
Pronomes relativos – São os que normalmente se referem a um termo anterior chamado
antecedente:
Eu sou o freguês que por último compra o jornal.
O que se refere à palavra freguês.
O pronome relativo que desempenha dois papéis gramaticais: além de sua referência ao
antecedente como pronome, funciona também como transpositor de oração originariamente
independente a adjetivo e aí exercer função de adjunto adnominal deste mesmo antecedente.
No exemplo, a oração O freguês compra por último o jornal é degrada a função de adjunto
adnominal na oração complexa: Eu sou por último compra o jornal].
 
O transpositor pronome relativo que difere do transpositor conjunção integrante porque
este não exerce função sintática na oração em que está inserido, enquanto o relativo exerce
sempre função sintática.
Os pronomes relativos são: qual, o qual (a qual, os quais, as quais) , cujo (cuja, cujos,
cujas), que, quanto (quanta, quantos, quantas), onde.
Quem se refere a pessoas ou coisas personificadas e sempre aparece precedido de
preposição. Que e o qual se referem a pessoas ou coisas. Que e quem funcionam como
pronomes substantivos. O qual aparece como substantivo ou adjetivo:
As pessoas de quem falas não vieram.
O ônibus que esperamos está atrasado.
Não são poucas as alunas que faltaram.
Este é o assunto sobre o qual falará o professor.
Não vi o menino, o qual menino os colegas procuram.
A casa onde moro é espaçosa.
Cujo, sempre com função adjetiva, reclama, em geral, antecedente e consequente expressos
e exprime que o antecedente é possuidor do ser indicado pelo substantivo a que se refere:
Ali vai o homem cuja casa comprei
 anteced. conseq.
 (a casa do homem)
Observação: Em autores modernos de gosto arcaizante, de vez em quando ocorre cujo sem consequente, como em: “(...) a
obra cujo comentador eu sou”, em lugar de: “de que sou comentador” ou “cujo comentador sou”.
Quanto tem por antecedente um pronome indefinido (tudo, todo, todos, todas, tanto):
Esqueça-se de tudo quanto lhe disse.
Pronomes relativos sem antecedente – Os pronomes relativos quem e onde podem
aparecer com emprego absoluto, sem referência a antecedentes:
Quem tudo quer tudo perde.
Dize-me com quem andas e eu te direi quem és.
Moro onde mais me agrada.
Quem, assim empregado, é considerado como do gênero masculino e do número singular:
Quem com ferro fere com ferro será ferido.
Observação: Os relativos sem antecedentes também se dizem relativos indefinidos . Muitos autores preferem, neste caso,
subentender um antecedente adaptável ao contexto. Interpretando quem como a pessoa que, onde como o lugar em que
assim substituem:
Quem tudo quer tudo perde = a pessoa que tudo quer tudo perde
Este duplo modo de encarar o problema tem repercussões diferentes na classificação das orações subordinadas, conforme
veremos em Orações subordinadas resultantes de substantivação: as interrogativas e exclamativas .
Emprego dos Pronomes
Emprego dos Pronomes
 
Pronome pessoal
Pronome pessoal
Pronome e termos oracionais
Pronome e termos oracionais – A rigor, o pronome pessoal reto funciona como sujeito e
predicativo, enquanto o oblíquo como complemento:
Eu saio. Eu não sou ele. Eu o vi. Não lhe respondemos.
Entre os oblíquos, a forma átona vem desprovida de preposição, enquanto a tônica exige,
no português moderno, esta partícula:
Eu o vi. Referiu-se a ti.
Casos há, entretanto, em que esta norma pode ser contrariada. Assim é que pode ocorrer a
forma reta pela oblíqua:
a) quando o verbo e o seu complemento nominal estiverem distanciados, separados por pausa:
Subiu! E viu com seus olhos.
Ela a rir-se que dançava [GD].
b) nas enumerações e aposições, também com distanciamento do verbo e complemento:
Depois de muita delonga o diretor escolheu: eu, o Henrique e o Paulinho.
c) precedido de todo, só e mais alguns adjuntos, pode aparecer ele (e flexões) por o (e
flexões); cf. adiante.
d) quando dotado de acentuação enfática, no fim de grupo de força:
Olha ele! [EQ].
e) em coordenações de pronomes ou com um substantivo introduzidos pela preposição entre:
entre eu e tu (por entre mim e ti); entre eu e o aluno, entre José e eu.
Já há concessões de alguns gramáticos quando o pronome eu ou tu vem em segundo lugar:
Entre ele e eu. Entre o José e eu.
A língua exemplar insiste na lição do rigor gramatical, recomendando, nestes casos, o uso
dos pronomes oblíquos tônicos:
Entre mim e ti. Entre ele e mim.
Um exemplo como Entre José e mim dificilmente sairia hoje da pena de um escritor
moderno.
Este desvio da norma encontra paralelo em outras línguas românicas, como o espanhol e o
italiano [MLk.1, III, 76 e 80].
Também depois de expressões comparativas e exceptivas, a língua denuncia certa
vacilação no emprego do pronome pessoal, havendo aqui forte divórcio entre a língua literária
e a coloquial, escrita ou falada:
Não tenho outro amigo senão tu. Não sou como tu.
Não tenho outro amigo senão a ti. Não sou como a ti.
 
Emprego de pronome tônico pelo átono
Emprego de pronome tônico pelo átono – Os pronomes tônicos preposicionados a ele, a
ela, a mim, a ti, a nós, a vós podem aparecer, na língua exemplar, nos seguintes casos, em vez
das formas átonas (lhe, me, te, nos, vos):
a) quanto anteposto ao verbo:
A ele cumpria encher as guias.
b) quando composto:
Remeti livros a ele e ao tio.
c) quando reforçado:
O dinheiro foi entregue a ele mesmo.
Darei as joias só a ela.
d) quando pleonástico:
Devolvi-lhe a ele as máquinas.
e) quando complemento relativo:
Atirou-se a ele. Gosto dela.
f) quando objeto direto preposicionado:
Nem ele entende a nós nem nós a ele [JO.3, 345].
Em geral, o português omite o pronome sujeito quando constituído por eu, tu, nós e vós:
“Não me lembra o que lhe disse” [MA.1, 65].
O aparecimento do pronome sujeito de regra se dá quando há ênfase ou oposição de
pessoas gramaticais:
“Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás, obedecendo ao que eu faço e mando...” [MA.2,
230].
“Há entre nós um abismo: tu o abriste; eu precipitei-me nele” [AH.1, 295].
Estando perfeitamente conhecido pela situação linguística, pode-se calar o pronome
complemento do verbo; esta linguagem é correta, apesar da censura que lhe faziam os
gramáticos de outrora. Muitas vezes deve-se o fenômeno ao que o estilista alemão Leo Spitzer
chamou “linguagem-eco”, constituída de repetição de uma parte da oração, destinada a
reforçar a própria declaração, como no seguinte trecho de A. Herculano:
“Disse já que tinha de fazer uma explicação ao leitor. Tenho; e é indispensável” [AH.4, II, 261].
Em casos de ênfase costuma-se repetir:
a) o pronome átono pela sua respectiva forma tônica, precedida de preposição:
“Mas qual será a tua sorte quando na hora fatal os algozes, buscando a sua vítima, só te encontrarem a ti?” [AH.3,
277].
b) o complemento expresso por um nome pelo pronome átono conveniente ou vice-versa:
Ao avarento nada lhe peço.
“Ainda hoje estão em pé, mas ninguém as habita, essas choupanas execrandas...” [CBr.8, 43].
Usa-se o pronome o (os) em referência a nomes de gêneros diferentes, por neutralização:
“A generosidade, o esforço e o amor, ensinaste-os tu em toda a sua sublimidade” [AH.1, 35].
 
Ele como objeto direto
Ele como objeto direto – O pronome ele, no português moderno, só aparece como objeto
direto quando precedido de todo ou só (adjetivo) ou se dotado de acentuação enfática, em
prosa ou verso:
“No latim eramquatro os pronomes demonstrativos. Todos eles conserva o português” [PL.1, 398].
“Subiu! – e viu com seus olhos/ Ela a rir-se que dançava...”
[GD apud SS].
“Olha ele!” [EQ apud SS].
 
Ordem dos pronomes pessoais
Ordem dos pronomes pessoais – Na sequência dos pronomes pessoais sujeitos, o
português normalmente apresenta ordem facultativa deles: eu e tu, tu e eu; eu e ele, ele e eu;
eu e o senhor, o senhor e eu, etc.:
– Porque nós vamos lá jantar na segunda-feira.
– Nós... Nós, quem?
– Nós. Eu e tu, tu e eu. A condessa convidou-me no comboio [EQ.3, 382].
É evidente que nas circunstâncias em que há necessidade de superpor à expressão
linguística traços de polidez, urbanidade ou, no polo oposto do convívio social, modéstia,
pode o falante ou escritor inverter a ordem, dando a primazia da primeira referência ao seu
interlocutor, quer manifestado por pronome, quer por substantivo. Esta é, por exemplo, a
prática da cortesia entre franceses e espanhóis.
É o que se percebe, por exemplo, na seguinte preferência de Camilo, no início do romance
O Senhor do Paço de Ninães:
Estamos no Minho, o leitor e eu.
O passo da cortesia linguística não para na ordem dos pronomes; invade o domínio da
concordância, como a realizou Rui Barbosa neste conhecido trecho de uma carta:
“(...) e S. Exc.ª respondera, declarando aceitaria, sob a condição de anuírem o Barão do Rio Branco e eu”.
A concordância gramatical, pela presença de pronome de 1.ª pessoa, exigiria o verbo
flexionado na 1.ª do plural: anuirmos. Todavia, em razão da urbanidade, a polidez se reflete
não só na ordem dos pronomes, mas ainda na flexão verbal.
 
O pronome se na construção reflexa
O pronome se na construção reflexa 44 – Eis aqui um bom exemplo pelo qual se
patenteia que um significado gramatical unitário, significado de língua, se pode desdobrar em
outras acepções, conforme as unidades linguísticas com que se acha combinado e o entorno
situacional.
A reflexividade consiste, na essência, na “inversão (ou negação) da transitividade da ação
verbal”. Em outras palavras, significa que a ação denotada pelo verbo não passa a outra
pessoa, mas reverte-se à pessoa do próprio sujeito (ele é, ao mesmo tempo, agente e
paciente):
1.a) João se banha
A nossa experiência do mundo admite a hipótese de João banhar a si mesmo ou banhar uma
outra pessoa: João banha o filho pela manhã.
Só que, na reflexividade “própria”, ocorre a primeira hipótese:
 
 
Já na oração
1.b) João e Maria se amam,
o significado do verbo amar e a nossa experiência do mundo que, em geral, tratando de duas
pessoas, supõem o amor de alguém A dirigido a outro alguém B, permitem-nos dar outra
acepção, contextual, ao originário significado unitário de “reflexividade”; acreditamos que a
oração quer expressar que “João ama Maria” e que “Maria ama ao João”. Então, não mais se
trata de “reflexividade pura”, mas de “reflexividade recíproca”:
 
 
A interpretação de reflexivo recíproco não mudará se se tratar de verbo transitivo que se
constrói com objeto indireto ou complemento relativo:
João e Maria se escrevem. (um escreve ao outro)
João e Maria se gostam. (um gosta do outro)
As unidades léxicas comprometidas na construção determinam a interpretação. Se dizemos
João e Maria se miram, a interpretação mais natural seria a de um reflexivo recíproco; mas se
acrescentarmos João e Maria se miram no espelho, mais natural nos parecerá a interpretação
de reflexivo “próprio”. Portanto, são interpretações contextuais, e não valores de língua.
Mudando as unidades linguísticas que se combinam com o pronome se, poderemos ter:
2) O banco só se abre às dez horas.
No presente exemplo, banco é um sujeito constituído por substantivo que, por inanimado,
não pode ser agente da ação verbal; por isso, a construção é interpretada como “passiva”: é o
que a gramática chama voz “média” ou “passiva com se”:
 
 
Repare-se que a interpretação da “passiva com se” depende só do léxico, isto é, do
significado lexical do verbo. A prova disto é que esta interpretação prevalece ainda nas
orações cujo sujeito não é inanimado, portanto, passível de executar a ação verbal. Só que há
certos verbos que denotam ações que a nossa experiência sabe que não são praticadas pelo
termo que lhe serve de sujeito, como ocorre nos verbos chamar (= ter nome):
Ele se chama João.
A última acepção a que poderemos chegar nas construções do pronome se é a da oração:
3) Abre-se às dez.
Temos aqui um se na construção em que não aparece substantivo, claro ou subentendido,
que funcione como sujeito do conteúdo predicativo. Interpreta-se a construção como
impessoal.
Diante desta exposição, podemos dizer que o se nas construções estudadas e assemelhadas
exerce as seguintes funções sintáticas em face das unidades léxicas que com o pronome
concorrem:
1) Objeto direto:
Ele se feriu.
Eles se cumprimentaram.
2) Objeto indireto:
Ela se arroga essa liberdade.
3) Complemento relativo:
Eles se gostam.
4) Índice de indeterminação do sujeito:
Vive-se bem.
Lê-se pouco entre nós.
Precisa-se de empregados.
É-se feliz.
Observações finais: Pelos exemplos acima, o se como índice de indeterminação de sujeito – primitivamente exclusivo em
combinação com verbos não acompanhados de objeto direto –, estendeu seu papel aos transitivos diretos (onde a interpretação
passiva passa a ter uma interpretação impessoal: Vendem-se casas = ‘alguém tem casa para vender’) e de ligação (É-se feliz).
A passagem deste emprego da passiva à indeterminação levou o falante a não mais fazer concordância, pois o que era sujeito
passou a ser entendido como objeto direto, função que não leva a exigir o acordo do verbo:
Vendem-se casas (= ‘casas são vendidas’) Õ Vendem-se casas (= ‘alguém tem casa para vender’) Õ Vende-se
casas.
“Vende-se casas e frita-se ovos são frases de emprego ainda antiliterário, apesar da já multiplicidade de exemplos. A
genuína linguagem literária requere vendem-se, fritam-se. Mas ambas as sintaxes são corretas, e a primeira não é
absolutamente, como fica demonstrado, modificação da segunda. São apenas dois estágios diferentes de evolução. Fica também
provado o falso testemunho que levantaram à sintaxe francesa, que em verdade nenhuma influência neste particular exerceu
em nós...” [MAg.2, 181-183].
Pode ainda o pronome se juntar-se a verbos que indicam:
1) sentimento: indignar-se, ufanar-se, atrever-se, admirar-se, lembrar-se, esquecer-se,
orgulhar-se, arrepender-se, queixar-se.
2) movimento ou atitudes da pessoa em relação ao seu próprio corpo: ir-se, partir-se,
sentar-se, sorrir-se.
No primeiro caso, não se percebendo mais o sentido reflexivo da construção, considera-se
o se como parte integrante do verbo, sem classificação especial.
No segundo, costumam os autores chamar ao se pronome de realce ou expletivo.
 
Concorrência de si e ele na reflexividade
Concorrência de si e ele na reflexividade – A partir do português contemporâneo (séc.
XVIII para cá), nasceu a possibilidade de o pronome tônico si, nas construções reflexas, ter a
concorrência do pronome ele, também preposicionado, em orações do tipo:
“(...) perguntou Glenda, sentindo que a pergunta não era dirigida apenas a Pablo, mas também a ela própria” [RBn.2,
23].
“[a amante] viu diante dela o meu eugênico amigo” [MB apud RBn.2]. 45
A construção não encontra respaldo nas nossas melhores gramáticas, apesar do emprego
largo na literatura moderna brasileira a partir, segundo Barbadinho, de José de Alencar. Nos
exemplos acima, a norma gramatical pediria: a si própria, diante de si, como rezam as
passagens onde o pronome se refere ao sujeito do verbo:
“Simeão por si mesmo escolheu o deserto que lhe convinha (...).”
[JR.2, 35]
“O espetáculo da beleza é bastante por si mesmo.” [JR.2, 199]
“Depois mudava-se o teatro, e via-se a si mesmo (...).” [JR.2, 299]
Note-se a curiosa concorrência das duas sintaxes neste exemplo de Guimarães Rosa, citado
por Barbadinho:
“E o Menino estava muito dentro dele mesmo, em algum cantinho de si.”
Esta novidade de sintaxe tem contra si o fato de às vezesfazer perigar a interpretação da
oração, que só se resolve pela ajuda do contexto:
João levou o livro para ele.
 
Combinação de pronomes átonos
Combinação de pronomes átonos – Ocorrem em português as seguintes combinações de
pronomes átonos, notando-se que o que funciona como objeto direto vem em segundo lugar:
As formas o, a, os, as procedem das antigas lo, la, los, las:
mo = me + o; ma = me + a; mos = me + os; mas = me + as;
to = te + o; ta = te + a; tos = te + os; tas = te + as;
lho = lhe + o; lha = lhe + a; lhos = lhe + os; lhas = lhe + as;
no-lo = nos + (l)o; no-la = nos + (l)a; no-los = nos + (l)os; no-las = nos + (l)as;
vo-lo = vos + (l)o; vo-la = vos + (l)a; vo-los = vos + (l)os; vo-las = vos + (l)as;
lho = lhe(s) + o; lha = lhe(s) + a; lhos = lhe(s) + os; lhas = lhe(s) + as.
se me -se-me se nos -se-nos
se te -se-te se vos -se-vos
se lhe -se-lhe se lhes -se-lhes
“Se dizeis isso pela que me destes, tirai-ma: que não vo-la pedi eu.”
[AH.4, I, 267]
“E como, a pouco e pouco, se foram exaurindo os cascalhos e afundando os veleiros, o banditismo franco impôs-se-lhes
como derivativo à vida desmandada” [EC.1, 218].
	As Unidades no Enunciado
	A�
	4 – Pronome
	Pronomes possessivos
	Pronomes demonstrativos
	Pronomes indefinidos
	Pronomes interrogativos
	Pronomes relativos
	Emprego dos Pronomes
	Pronome pessoal
	Pronome e termos oracionais
	Emprego de pronome tônico pelo átono
	Ele como objeto direto
	Ordem dos pronomes pessoais
	O pronome se na construção reflexa
	Concorrência de si e ele na reflexividade
	Combinação de pronomes átonos

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