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Se toca, Vera Lucia C. França Ilustrações Roberto França isso é TOC! Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro SERVIÇO DE PSIQUIATRIA PROF. JORGE ALBERTO COSTA E SILVA Se toca, isso é TOC! Vera Lucia C. França Ilustrações Roberto França 2008 Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro SERVIÇO DE PSIQUIATRIA PROF. JORGE ALBERTO COSTA E SILVA Meu nome é Guilherme. Vou contar para você a minha história. Tenho 12 anos e estou na 6ª série. Moro com meus pais, que me ajudam muito. Minha vida era legal até eu começar a fazer umas coisas estranhas. Eu não me lembro, mas minha mãe acha que começou quando eu estava na 2ª série, depois que aconteceu uma coisa que me deixou muito chateado. Um dia, quando cheguei na sala de aula, não vi que haviam derramado alguma coisa melada na minha carteira. Sentei e tudo come- çou a grudar, minhas mãos, minhas pernas, meu material. Fiquei com muito nojo e com muita vergonha, pois meus colegas riram de mim. Não sei se foi por causa disso, mas comecei a ter uns pensamentos que não saíam da minha cabeça. Ficavam indo e vindo, me obrigando a fazer coisas que não tinham nada a ver. Não podia tocar em nada que achava que ia ficar doente, que ia me contaminar, que tudo estava sujo. Eu ficava muito nervoso e tinha que fazer algo para que os meus pensa- mentos parassem. Eu tinha que lavar as mãos ou tomar banho. Não me contentava em lavar as mãos só uma vez, tinha que ser várias vezes. E o banho? Nossa! Ficava horas debaixo do chuveiro, lavando várias vezes o corpo e os cabelos. Minha mãe reclamava dessas minhas “manias”, dizia que eu gastava muito shampoo e sabonete cada vez que tomava banho, fora o tempo que eu perdia. Ir ao banheiro fora de casa era um sufoco. Como podia tocar na tá- bua do vaso sanitário ou nas torneiras das pias, “onde habitavam milhões de vírus e bactérias”? Sem falar na maçaneta da porta, onde todo mundo pegava com a mão suja. 4 5 Quando essas coisas começaram, eu ainda era pequeno e tentava usar papel ou uma toalha para tocar as coisas, mas eu cresci e isso ficou difícil de fazer. Então o meu sofrimento aumentou. Como esconder esses meus medos dos colegas? Se eles descobrissem, como iriam me tratar? Será que achariam que eu era maluco? Eu já estava achando que era, porque não conhecia ninguém que era obrigado a fazer as mesmas coisas que eu. Perder um tempo enorme tomando banho, lavando as mãos, não pegando nem tocando em certas coisas. Sabia que não estava certo, mas não conseguia parar de fazer e parece que cada vez mais, tinha que fazer mais vezes. Algo na minha cabeça não deixava que eu parasse. Achava que era minha culpa, não conseguir parar com isso. Tentava esconder de todo mundo, até dos meus pais, mas era muito di- fícil. Na escola e nos outros lugares, me esforçava muito para não fazer, mas em casa tinha que fazer o que minha cabeça mandava, senão, não agüentava o sofrimento. Para aumentar ainda mais o meu sofrimento, conheci a Aninha. Ah! a Aninha. Você quer saber quem era ela? Era a menina mais bonita e mais inteligente do colégio. Queria muito namorá-la, mas ficava pensan- do, se eu tivesse que beijá-la, “quantas bactérias ela não iria passar para mim”? E se ela descobrisse os meus medos, o que iria pensar? Desisti da idéia do namoro, mas sofri muito com isso. Será que eu serei sempre assim? Será que não terei jeito? 6 7 Dr Samuel era médico psiquiatra. Ele conversou comigo e me fez um monte de perguntas, sobre o que eu pensava, sentia e o que eu fa- zia. Depois disse a mim e aos meus pais, que eu tinha o Transtorno Ob- sessivo-Compulsivo. A psicóloga Miriam nos explicou o que era esse transtorno. Disse que o TOC aparecia devido a algo no cérebro que não funcionava direito. Era como se o cérebro estivesse sempre com soluço, então os pensamentos se repetiam, levando a pessoa a fazer certas coisas, que ela chamou de “rituais”. Mesmo que a pessoa quisesse parar, não conseguiria, porque o TOC não deixaria. Nos contou também, que o TOC não aparece só como o medo de se contaminar, de pegar doenças, como era o meu. Existem pessoas que pre- cisam verificar várias vezes, se as portas, janelas, torneiras, o gás estão realmente fechados. Outras colecionam objetos sem valor. Fazem conta- gem, colocam coisas alinhadas, repetem palavras, e um monte de outras coisas estranhas. Explicou como seria o tratamento e como meus pais participariam dele, me ajudando a vencer o TOC. Na semana de ciências, uma psicóloga e um médico foram na escola dar uma palestra sobre um problema com um nome estranho, chamava-se Transtorno Obsessivo-Compulsivo, mas poderia ser chama- do de TOC. Eles disseram que o TOC era aquelas “manias” que as pes- soas têm e que causavam sofrimento, porque elas não conseguem parar de fazê-las. Os médicos disseram também, que muitas pessoas apresenta- vam este transtorno e que não tinha idade para aparecer. Podia ser criança ou adulto. Mas que tinha tratamento. Eles iam falando e eu pensava nas minhas “manias” e como eu sofria por causa delas. Quando cheguei em casa, fui logo falando à minha mãe sobre a palestra e como tudo aquilo que eu tinha ouvido, se parecia com que eu sentia e fazia. Minha mãe conversou com meu pai e resolveram me levar até a clínica dos médicos que haviam feito a palestra na escola. 8 9 Conforme eu ia escutando o que estavam falando, fui vendo que eu não era maluco e que poderia me livrar desses pensamentos que invadiam a minha cabeça. Comecei o tratamento e conheci outras pessoas que também tinham TOC. Foi muito bom saber que eu não estava sozinho. Que aquelas “ma- nias” não aparecem ou desaparecem só porque você quer, mas que existe uma causa e que pode ser tratada. Aprendi que eu NÃO SOU o problema, mas que EU TENHO um problema que se chama Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Que existem várias formas de me livrar do TOC, de conseguir vencê-lo. Hoje, eu sei que sou capaz. Se você tem essas “manias”, sofre muito por causa delas e não consegue se livrar, achando que tudo é culpa sua. “Se toca, isso é TOC”. Procure ajuda. Você também poderá vencê-lo. Ah! Você lembra da Aninha? Estamos namorando e beijar é muito BOM!!!!!!!!!!! 10 11 EQUIPE DE TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO – SETOR DE PSIQUIATRIA INFANTIL DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DO RIO DE JANEIRO MÉDICOS: Fábio Barbirato Gabriel Bronstein SUPERVISORES: Lucia Marmulsztejn Alice de Castro Loredana Zubcich ASSISTENTES: Ana Paula Gester Fernanda Caetano Janaína Casaes Márcia Votre Olga Souto Patrícia Braga Vera Lucia França