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Edna Liz Prigol na Transversalidade Educação Ed na Liz P rigo l Transversalidade n a Educação Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6632-2 9 7 8 8 5 3 8 7 6 6 3 2 2 Código Logístico 59382 Se somos criativos, inovadores, afetivos, racionais, interativos, curiosos, questionadores e, ainda, sociais, políticos e históricos, a educação deve superar a transmissão de conteúdos disciplinares. É necessário que escola e vida caminhem juntas, pois estudar não é reproduzir os conteúdos definidos apenas no currículo escolar. A educação deve permitir a relação dialógica, a interatividade, a troca e a visão multidimensional das coisas e das pessoas, desenvolvendo no estudante habilidades, competências e atitudes para que possa exercer sua cidadania, bem como aprender a viver em harmonia com as demandas constituídas da relação sociedade, indivíduo e natureza. Com base nessas percepções e entendendo a necessidade de mudança paradigmática na vida e na educação, esta obra se propõe a discutir temas relacionados à transversalidade na educação. Embora os temas aqui tratados não sejam novos, ainda não foram incorporados no processo educativo. Dessa maneira, a transversalidade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade são bases epistemológicas e metodológicas que devem compor os saberes docentes, para lembrar que educar está relacionado com a vida e envolve múltiplas dimensões para o desenvolvimento do ser, fazer, conhecer e conviver nesse mundo planetário. Transversalidade na Educação Edna Liz Prigol IESDE BRASIL 2020 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: wavebreakmedia/Halfpoint/ESB Professional/Halfpoint/Iakov Filimono/Olena Yakobchuk/ Rawpixel.com/maroke/Lightspring/ Shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ P849t Prigol, Edna Liz Transversalidade na educação / Edna Liz Prigol. - 1. ed. - Curitiba [PR]: IESDE, 2020. 154 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6632-2 1. Educação. 2. Abordagem interdisciplinar do conhecimento na educação. I. Título. 20-63579 CDD: 370.1 CDU: 370.1 Edna Liz Prigol Pós-doutoranda em Educação na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Doutora e mestra em Educação, pela PUCPR, na linha de Teorias e Práticas Educacionais e Formação de Professores. Especialista em Educação Infantil, também pela PUCPR. Graduada em Pedagogia pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Gestora de instituição da educação básica durante 25 anos. Atuação na área de Gestão de pessoas. Coaching Educacional. Consultora Pedagógica. Docente da educação superior desde 2001. Temas de investigação: formação continuada, prática pedagógica, saberes docentes, tecnologia educacional, complexidade e transdisciplinaridade. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 Educação do passado, do presente e do futuro 9 1.1 Revisitando as concepções pedagógicas 10 1.2 A visão da complexidade na educação 16 1.3 A educação do futuro 24 2 Caminhos da transversalidade na educação 31 2.1 Mas o que é transversalidade? 31 2.2 Marcos regulatórios 36 2.3 BNCC e os temas contemporâneos transversais (TCTs) 46 3 Transversalidade: metodologia de trabalho 54 3.1 A interdisciplinaridade 55 3.2 O pensamento transdisciplinar 66 3.3 Prática pedagógica intradisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar 75 4 Transversalidade e currículo 84 4.1 Evolução histórica do currículo 85 4.2 Currículo e transversalidade: desafios contemporâneos 91 4.3 Transversalidade no currículo e no planejamento pedagógico 95 4.4 O currículo organizado por projetos 100 5 Os Temas Contemporâneos Transversais na prática pedagógica 111 5.1 Temas Contemporâneos Transversais 112 5.2 Cidadania e Civismo 116 5.3 Ciência e Tecnologia 126 5.4 Economia 128 5.5 Meio ambiente 131 5.6 Multiculturalismo 134 5.7 Saúde 137 5.8 Temas Contemporâneos Transversais no planejamento 140 Gabarito 147 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! A realidade atual do mundo e de nosso contexto brasileiro mostra que vivemos em um tempo incerto, com contradições e desafios a serem resolvidos. São tempos fluidos, sujeitos ao imprevisto, ao inesperado e com problemas globais e locais. Essa é uma realidade complexa a qual aponta para a necessidade de entender que os processos não se desenvolvem de maneira linear, determinada e pautada em certezas. Então, qual é o papel da educação diante dessa percepção? A educação ainda está estruturada em um paradigma cartesiano mecanicista, que incita um processo educativo pautado na disciplinaridade e na racionalização; além disso, separou a razão do sentimento e a alma do conhecimento. Esse modelo promove um processo de ensino e aprendizagem no qual predomina a fragmentação dos conhecimentos e, consequentemente, o fechamento das fronteiras disciplinares. Isso impede a interação entre as diversas áreas e disciplinas e de se ver além delas, navegando por outros níveis de realidade e percepção. Se somos criativos, inovadores, afetivos, racionais, interativos, curiosos, questionadores e, ainda, sociais, políticos e históricos, a educação deve superar a transmissão de conteúdos disciplinares. É necessário que escola e vida caminhem juntas, pois estudar não é reproduzir os conteúdos definidos apenas no currículo escolar. A educação deve permitir a relação dialógica, a interatividade, a troca e a visão multidimensional das coisas e das pessoas, desenvolvendo no estudante habilidades, competências e atitudes para que possa exercer sua cidadania, bem como aprender a viver em harmonia com as demandas constituídas da relação sociedade, indivíduo e natureza. Com base nessas percepções e entendendo a necessidade de mudança paradigmática na vida e na educação, o primeiro capítulo possibilitará recordar as concepções pedagógicas educacionais para entender como elas influenciaram e ainda interferem na prática pedagógica. Serão apresentados alguns temas fundamentais que estruturam o pensamento complexo de Edgar Morin e auxiliam no desenvolvimento de uma educação integral. O segundo capítulo buscará tecer conhecimentos para levar à compreensão do significado da transversalidade, bem como dos temas transversais na educação. Para isso, serão revisitados alguns marcos teóricos legais e autores que discutem o tema, finalizando com a análise dos Temas Contemporâneos Transversais da BNCC. APRESENTAÇÃO No Capítulo 3, propõe-se ampliar os conhecimentos acerca da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade, entendendo como devem ser usadas na construção do currículo e na prática pedagógica. Também, serão tratadas as orientações da BNCC relacionadas às viões intradisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar para organização do processo educativo. O currículo e a transversalidade são propostos no Capítulo 4, sendo realizada umaretrospectiva histórica para contextualizar os temas de maneira que você possa reconhecer a importância da inovação curricular como forma de atribuir significado às necessidades de aprendizagem na contemporaneidade. Com o intuito de compreender a inserção da inter e da transdisciplinaridade no processo educativo, busca-se trazer algumas informações sobre o currículo organizado na proposta de projetos de trabalho. No último capítulo, propõe-se navegar em cada um dos 15 Temas Contemporâneos Transversais para ressignificar velhos conceitos e buscar novas compreensões teórico-práticas, dando novos olhares para a construção de propostas educativas. Embora os temas aqui tratados não sejam novos, ainda não foram incorporados no processo educativo. Dessa maneira, a transversalidade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade são bases epistemológicas e metodológicas que devem compor os saberes docentes, para lembrar que educar está relacionado com a vida e envolve múltiplas dimensões para o desenvolvimento do ser, fazer, conhecer e conviver nesse mundo planetário. Bons estudos! Educação do passado, do presente e do futuro 9 1 Educação do passado, do presente e do futuro Buscando fazer uma retrospectiva relacionada às abordagens educacionais que fundamentaram a educação no Brasil desde a década de 1920, este capítulo revisita conceitos já conhecidos para repensar as ações pedagógicas da atualidade. As inquietações e indagações em relação à prática peda- gógica estão presentes no meio educacional, desencadeando e impulsionando reflexões sobre o agir docente na busca de alternativas para as incoerências presentes na atuação em sala de aula na contemporaneidade. O professor, hoje, precisa não apenas ter domínio de con- teúdos específicos de sua área, mas também relacionados às questões didático-pedagógicas e ligados ao contexto local no qual atuará. Além disso, deve ter conhecimentos globais para que os educandos apropriem-se do conteúdo, transformando-o em saberes a fim de que possam se preparar para agir como cidadãos do mundo, aptos a enfrentar os desafios da socieda- de contemporânea. Dessa maneira, faremos uma introdução, ou revisão, sobre o pensamento complexo de Edgar Morin. O capítulo será finalizado com um texto cujo objetivo é estimular a reflexão sobre a educação contemporânea. 10 Transversalidade na Educação 1.1 Revisitando as concepções pedagógicas Vídeo As concepções educacionais e sua influência na prática pedagógica são conhecimentos que devemos ter para que possamos compreender o processo histórico da educação. Para isso, leia o estudo de caso a se- guir, que demonstra a estratégia utilizada por uma professora. Uma professora de uma turma do 3º ano do Ensino Fundamental propôs para seus alunos um desafio: Trabalhar com a temática “reciclagem de lixo nas cidades”. Para iniciar os estudos, ela propôs uma roda de conversa em sala de aula a fim de saber o que os alunos já conheciam sobre o tema e, depois disso, eles fizeram uma lista de questionamentos sobre o assunto, surgindo as seguintes perguntas: O que é lixo? Por que produzimos tanto lixo? Como funciona a coleta do lixo em seu bairro? O que é coleta seletiva? Quem é responsável pela coleta seletiva? Quanto tempo o lixo “dura”? O que é reciclagem de lixo? O que é reaproveitamento do lixo? Qual é a relação do lixo com o meio ambiente? Entre outras. Com esses questionamentos, o professor solicitou aos alunos que pesquisassem sobre o assunto e coletassem informações para que juntos pudessem buscar respostas. Durante o bimestre, com a temática e material trazido pelos alunos, foi possível trabalhar diversos conteúdos disci- plinares. Por exemplo, durante as aulas de Português, pôde-se trabalhar com leitura, escrita, compreensão de texto, leitura e interpretação iconográfica, tipos diferentes de textos, e sinônimo e antônimo. Na disciplina de Geografia, Matemática e Ciências, foram utilizados mapas, gráficos, dados quantitativos e qualitativos, imagens, infográficos, e sites de prefeituras, de ONGs e do governo para coletar dados, dessa forma, trabalhando medidas do tempo e dinheiro, estatísticas, as quatro operações, passado, presente e futuro, fatos históricos, diferentes paisagens, noções de espaço, lateralidade, cidadania, reações e produtos químicos, e muitos outros conteúdos curriculares. Estudo de caso Esse estudo de caso mostra uma prática docente transversal que supera ações reducionistas, fragmentadas e lineares no processo de ensino e aprendizagem. Você já ouviu sobre a importância de superar o paradigma newtoniano-cartesiano na educação para podermos ter uma prática pedagógica inovadora que prepare os alunos para resolver os proble- mas da sociedade na contemporaneidade? Esse paradigma influenciou a educação com ideias para o desenvol- vimento de um currículo rígido com conteúdo predefinido, absoluto e inquestionável, instigou o pensamento linear e fragmentado, estimu- lou trabalhar com a racionalização, além do aprendizado passar a ser Com o início da Idade Moderna, o conhecimento se tornou mais estruturado e voltado para a técnica e ciência experimental, alterando as formas de pensar e agir na ciência por meio de comprovações empíricas. A par- tir das descobertas de Copérnico (1473 -1543) com a Teoria do Heliocentrismo; Galileu Galilei (1546-1642) afirmando que a natureza é governada por leis cujas fórmulas são matemática; Francis Bacon (1561-1626) com o método empírico sobre o procedimento da indução; René Descartes (1596-1650) com o Discurso do Método e a ideia da compartimentalização e Isaac Newton (1642-1727) com a Lei da Gravidade, o conhecimento precisou passar a ser explicado com exatidão por meio de leis, sendo utilizadas técnicas de maneira mais racional. A junção dessas teorias e métodos caracteriza o paradigma newtoniano-cartesiano. Curiosidade Educação do passado, do presente e do futuro 11 visto como um produto, priorizando a memorização dos conteúdos, com metodologia fundamentada no “escute, leia, decore e repita”. No entanto, o professor não pode ficar estagnado com convicções defasadas ou voltado para ações pedagógicas geradas por pensamen- tos incontestáveis. Para superar os obstáculos da docência é inegável trilhar novos caminhos, dialogar com novos conhecimentos, mas para isso é necessário rever ações, repensar paradigmas e romper com pa- drões predominantes de um modelo estereotipado em um determina- do contexto e tempo. Sendo assim, é preciso se desvincular de paradigmas na maneira de pensar, ver, sentir e agir, isto é, reformar o pensamento, como sugere Morin (2007, p. 121-122), pois: o pensamento simples resolve os problemas simples sem problemas de pensamento. O pensamento complexo não re- solve ele próprio os problemas, mas constitui uma ajuda à estratégia que pode resolvê-los. [...] A Complexidade situa-se num ponto de partida para uma ação mais rica, menos muti- ladora. Creio profundamente que quanto menos um pensa- mento for mutilador, menos mutilará os humanos. É preciso lembrar os estragos que as visões simplificadoras fizeram, não apenas no mundo intelectual, mas na vida. Muitos dos sofrimentos que milhões de seres suportam resultam dos efeitos do pensamento parcelar e unidimensional. Sintetizando, pode-se afirmar que no paradigma conservador de influência cartesiana impera a transmissão, a memorização, a repe- tição, a separatividade, a exclusão, a hierarquia e o autoritarismo. Esse paradigma incita um fazer pedagógico instrumental, mecânico e reprodutor de verdades absolutas, dissociando os conhecimentos escolares da realidade do mundo, impossibilitando o desenvolvi- mento de pessoas que possam enfrentar e se adaptar aos proble- mas emergentes, e conviver com as incertezas e situações ambíguas e conflituosas do mundo contemporâneo. No Brasil, esse pensamento consolidou-se na abordagem tradicional. Dessa maneira, relembramos,no quadro a seguir, algumas característi- cas dessa escola que ainda influencia nossa prática pedagógica. 12 Transversalidade na Educação Quadro 1 Características da escola tradicional Para Paulo Freire, educação bancária é quando o professor conduz seus alunos à memo- rização mecânica do conteúdo, tornando-os recipientes que serão enchidos pelo educador. “Eis aí a concepção bancária da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos e arquivá-los” (FREIRE, 1975, p. 68). 1 bi or av en /S hu tte rs to ck Tem um papel sistematizador e a reprodução é identificada como um compromisso social que prepara os alunos para reproduzir modelos prontos para viver na sociedade. É o transmissor de conteúdos. Coloca- -se como o dono da verdade irrefutável, é autoritário e rigoroso. A relação professor-aluno é vertical, o professor detém o poder de decisão sobre o ensino. É visto como espectador passivo, subordinado a uma aprendizagem em que somente o professor detém o saber absoluto e transmite o conteúdo a ser memorizado, surgindo o conceito de educação bancária 1 . Escola Professor Aluno Valorizava-se como estratégia de ensino a aula expositiva e demonstrativa, apresentando grande variedade e quantidade de conteúdo, tarefas padronizadas, rotinas para fixação dos conteúdos e exercícios de repetição, aplicação e recapitulação. Eram conhecimentos de cultura universal, acumulados pelas gerações adultas e repassados como verdades absolutas. Predomínio de provas escritas e orais. Ensino Conteúdos Avaliação Fonte: Elaborado pela autora. Educação do passado, do presente e do futuro 13 É importante ressaltar que essa ação educacional estruturada no escutar, ler, decorar e repetir mecânico do aluno é recriminada por Morin (2008, p. 21), porque para ele “uma cabeça bem cheia é óbvio: é uma cabeça onde o saber é acumulado, empilhado, e não dispõe de um princípio de seleção e organização que lhe dê sentido”. O autor defende uma cabeça bem feita, ou seja, um pro- cesso educativo no qual o aluno é protagonista e tem autonomia para construir seus conhecimentos. Além da abordagem Tradicional, surgiu também a Tecnicista, com ênfase nos anos 1970 no Brasil, a qual influenciou a escola para que assumisse a responsabilidade de ser uma agência modelado- ra do comportamento humano, utilizando o treino para garantir a transmissão de conhecimentos, habilidades e atitudes. Como a escola era responsável pela formação de mão de obra qualificada para su- prir as necessidades da sociedade, a educação do aluno foi vinculada a um sistema produtivo, apoiada nos princípios da eficiência, da eficá- cia e da produtividade. Para isso, a instrução programada, o estudo di- rigido e o microensino eram utilizados como procedimentos de ensino. Com isso, devido aos recursos educacionais serem muito impor- tantes, temos o surgimento de apostilas e livros pedagógicos com o objetivo de auxiliar no processo de ensino e aprendizagem. A ava- liação deveria permitir o controle dos resultados de maneira quan- titativa, realizada, principalmente, por intermédio de testes e provas exigindo a resposta exatamente como estava nas apostilas e manuais. Os conteúdos eram organizados em pequenas unidades com sequên- cias curtas e totalmente fragmentados. Voltando para a década de 1930, identificamos algumas experiên- cias educacionais que refutavam a abordagem tradicional. Dessa ma- neira, surge o movimento da Escola Nova, em que vários autores se destacaram, como Jean-Jacques Rousseau, Johann Heinrich Pestalozzi, John Dewey, Maria Montessori e Friedrich Froebel. A ideia fundamen- tal é de que a ênfase da educação não está nos conteúdos e sim no processo da aprendizagem, o qual deve ser permeado pela experiên- cia, sendo o aluno protagonista e ativo nesse processo, defendendo uma escola pragmatista. O vídeo D-01 – Escola Nova, publicado pelo canal Univesp, faz uma excelente síntese da abordagem da Escola Nova. Vale a pena assistir! Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=Lr5xe2LXoqs. Acesso em: 2 mar. 2020. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=Lr5xe2LXoqs https://www.youtube.com/watch?v=Lr5xe2LXoqs 14 Transversalidade na Educação Muitas foram as contribuições da Escola Nova, usadas até hoje. Podemos ver algumas delas na figura a seguir: Figura 1 Características da Escola Nova Biw3ds/ wavebreakmedia/goodluz/ESB Professional/ Monkey Business Images/Tyler Olson/ Rawpixel.com/ Shutterstock Pesquisa, método de solução de problemas, e estudo do meio natural e social. O aluno como ator principal, centro do processo de ensino e aprendizagem, e sujeito ativo. Valorizar os conhecimentos do aluno. Aprender a aprender e aprender fazendo. O professor com papel secundário, facilitador da aprendizagem. Adequar as necessidades individuais ao meio social, retratando a vida por meio de experiências. Escola Nova Fonte: Elaborada pela autora. Outro grande movimento foi a abordagem Crítica (SAVIANI, 1991), também conhecida como Progressista (LIBÂNEO, 1985), representada pelas tendências das pedagogias a seguir: i. A pedagogia libertadora, com Paulo Freire, acredita que a educação é um ato político, uma ferramenta que busca a transformação da sociedade. ii. Na pedagogia libertária voltada para a autogestão o aluno tem liberdade para escolher o que e como quer estudar. O professor é um orientador que ajuda o aluno e o grupo a aprender e se desenvolver. iii. A pedagogia crítico-social dos conteúdos, representada por Libâneo, e a pedagogia histórico-crítica, com o professor Dermeval Saviani, buscam socializar conhecimentos e saberes universais como meio de instrumentalizar o indivíduo para ser um cidadão atuante. O vídeo Seminário 20 anos do Insituto Paulo Freire, publicado pelo canal iPF.Tv, trata sobre o legado de Paulo Freire para a educação. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=Bw8Ojkq-aS0. Acesso em: 2 mar. 2020. Vídeo No site Dia a Dia Educação, da Secretaria de Educação, você encontra uma tabela que apresenta as principais características da Tendên- cia Pedagógica Libertária. Disponível em: http://www.gestaoescolar. diaadia.pr.gov.br/modules/ conteudo/conteudo. php?conteudo=358. Acesso em: 2 mar. 2020. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=Bw8Ojkq-aS0 https://www.youtube.com/watch?v=Bw8Ojkq-aS0 http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=358 http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=358 http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=358 http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=358 Educação do passado, do presente e do futuro 15 O desenvolvimento dessas abordagens, a partir da década 1980, proporcionou um repensar da prática pedagógica pautada na peda- gogia racionalista, com predominância na transmissão, reprodução, fragmentação e disciplinaridade. A abordagem Progressista difundiu o pensamento de que a instituição de ensino poderia auxiliar na trans- formação da sociedade, uma vez que a educação deve contribuir para a formação de indivíduos cada vez mais humanizados, capazes, inclusive, de modificar a realidade em que vivem. Observe a seguir características da abordagem Progressista. Figura 2 Características da abordagem Progressista Autonomia e Autogestão Transformação Dialogicidade Erro é um caminho para o acerto Politicidade Socialização do saber Prática emancipadora se am us s/ Sh ut te rs to ck Fonte: Elaborada pela autora. Para acompanhar as constantes mudanças atuais, a educação deve ir além da transmissão de saberes historicamente produzi- dos de maneira disciplinar e descontextualizada. É preciso dialogar com pensamentos possibilitadores de uma educação que promova a produção do conhecimento e revitalize o processo educativo eas práticas pedagógicas. O vídeo Desafios futuros, publicado pelo canal SINPROSP, apresenta uma fala do professor José Carlos Libâneo sobre a educação e a função da escola. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=bERxLjM7G0I. Acesso em: 2 mar. 2020. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=bERxLjM7G0I https://www.youtube.com/watch?v=bERxLjM7G0I 16 Transversalidade na Educação 1.2 A visão da complexidade na educação Vídeo O mundo contemporâneo está em um processo de rápida trans- formação, exigindo um novo paradigma educacional que supere ações e pensamentos reducionistas e simplificadores, permitin- do ultrapassar as barreiras que determinam práticas limitadas, fragmentadoras e lineares. Mas quais seriam os pressupostos teóricos que possibilitariam a re- novação das práticas pedagógicas para atender aos desafios da reali- dade atual de problemas relacionados às questões ambientais, ecológicas, sociais, éticas, econômicas e tecnológicas? Sabemos que há muitas maneiras de ver, compreender e convi- ver, um pluralismo e uma heterogeneidade de ideias, valores, opiniões, hábitos e pontos de vista, influenciados por nossas concepções. Na educação não é diferente, como já abordado, foram muitas concepções educacionais que fundamentaram o pro- cesso educativo, em diferentes momentos históricos, e que ainda regem nossa ma- neira de pensar e agir, e o modo como usamos a lógica em nosso raciocínio. Para exemplificar, usaremos um caso real (JOVEM..., 2020), sobre um jo- vem de 17 anos que estava com seus amigos na praia e para se divertirem resolveram fazer uma brincadeira: enterrar um deles deixando apenas os pés para fora. Como resultado disso, o rapaz que ficou enterrado na areia se as- fixiou, teve que ser resgatado pelo corpo de bombeiros e levado ao hospital, mas não sofreu consequências graves. Essa foi uma notícia muito di- vulgada pela imprensa nacional, levando a população a falar e refletir sobre o ato desses jovens. Sendo assim, o que pen- sar, o que sentir, o que deverá ser feito? Esse caso permite fazer uma análise para identificar o que pode- ria surgir de pensamentos nas pessoas a partir de alguns paradigmas. Escola Tradicional Tecnicismo Escola Nova Pedagogia histórico-crítica Abordagem libertadora Concepção libertária Fonte: Elaborada pela autora. Figura 3 Síntese das concepções educacionais Educação do passado, do presente e do futuro 17 Dessa maneira, vamos olhar para isso sob perspectivas diferentes, se- gundo o raciocínio feito por Moraes e Torre (2004): a. Na visão do Paradigma Positivista, essa notícia seria descrita em termos de fatos concretos, exaltando o objeto como única realidade a ser investigada. Dessa maneira, seriam destacados: hora e local do acidente; características da pessoa acidentada; tipos de pessoas que se envolveram na situação; idade dos jovens etc. A análise feita na perspectiva positivista seria de uma imagem da situação que mostrasse concretamente o fato ocorrido, e os itens que poderiam ser observáveis e mensurados. b. Na visão do Paradigma Interpretativo, esse mesmo incidente teria outra análise, avaliada com base no reflexo que a situação produz nas pessoas afetadas, direta ou indiretamente. Aqui o importante não é a questão quantitativa e concreta, mas o que pensam e sentem as pessoas de acordo com o envolvimento ou não na situação, logo, o que impera é a subjetividade. Dessa forma, a análise seria relacionada aos sentimentos envolvidos nos jovens que propuseram a brincadeira, o que sentem e pensam os familiares, quais são as percepções das pessoas que estavam no local e visualizaram o acidente, entre outros questionamentos. Sendo assim, identificamos que podemos ter respostas diversificadas a esses questionamentos, pois a situação é examinada sob perspectivas e concepções pessoais. c. Na visão do Paradigma Sociocrítico, diferentemente das abordagens anteriores, seria feita uma análise sob o ponto de vista do contexto sociocultural, tentando entender e dar legitimidade ao ocorrido, identificando o impacto e as consequências sociais do fato educativo. Logo, nesse paradigma surgiriam os seguintes questionamentos: por que ocorre esse tipo de situação? O que acontece para que jovens não percebam as consequências de algumas atitudes? Qual é a relação da sociedade com esse tipo de evento? d. Na visão do Paradigma Complexo, a situação e suas especificidades seriam analisadas como uma unidade global, por ser uma ação complexa. A análise seria feita como um sistema interativo e dinâmico, no qual as observações das visões paradigmáticas anteriores seriam consideradas, porém é necessária uma visão de inter-relação entre sujeito, objeto e contexto, concebendo as relações, as conexões e as diversas 18 Transversalidade na Educação dimensões envolvidas para compreender o fenômeno. Para exemplificar a visão desse acidente sob o olhar desse paradigma, seriam feitas as seguintes questões: se tivesse variado a hora, o tipo de areia, a posição do jovem enterrado, será que os efeitos seriam diferentes? Se os jovens tivessem uma educação e cultura diferentes, teriam atuado de outra maneira? No paradigma da complexidade o importante é ver o ocorrido de maneira global e parcial para identificar as interações ocorridas. Figura 4 Paradigma Complexidade Positivista SociocríticoInterpretativo Observação e Mensuração Subjetividade Contexto sociocultural Fonte: Elaborada pela autora. A complexidade leva o indivíduo a observar e analisar por meio de outra lógica e outros níveis de realidade, a fim de que se possa ver além daquilo que está sendo revelado em um primeiro momento, bus- cando uma visão sistêmica em oposição à fragmentação. Devemos entender como pensamento complexo tudo aquilo que é tecido junto (MORIN; LE MOIGNE, 2000). Assim, essa teoria busca trazer construtos que auxiliam a pensar melhor. Mas o que seria tecer junto? Significa entender que um fenômeno não é isolado, que para compreendê-lo é necessário substituir algumas maneiras de raciocinar, isto é, reunir o que está separado e fragmen- tado, respeitando a diversidade sem deixar de reconhecer a individua- Educação do passado, do presente e do futuro 19 lidade. Para Morin (2000), isso seria a relação entre o diverso e o uno. Em outras palavras, quando pensamos no ser humano, cada indivíduo é único, uma unidade que vive com outros humanos na diversida- de. Mas também devemos compreender a diversidade na unidade, o que Morin (2000, p. 55) denominou de Unitas Multiplex, ou seja, compreender que “é preciso conceber a unidade do múltiplo, a multiplicidade do uno”. A seguir falaremos um pouco sobre os construtos propostos por Morin (2000), que auxiliam na reforma do pensamento para que possamos pensar melhor. 1. Quando isolados, uma informação, um dado ou um fato, não são suficientes para que sejam compreendidos e tenham sentido, sendo assim há necessidade de contextualizá-los. Veja o exemplo da palavra manga na figura a seguir: Figura 5 Exemplo de contextualização YuriyZhuravov/Anja W./Maks Narodenko/Shutterstock Em algumas situações, é sempre importante ter uma carta na manga. Palavra: MANGA. Gosto muito do sabor da manga quando está madura. Fonte: Elaborada pela autora. Para saber o significado da palavra manga em cada contexto é necessário ler a frase toda e compreender seu sentido. Portanto, a complexidade nos mostra a importância da contextualização. 2. Se olharmos, por exemplo, para uma sala de aula tentando compreender o processo de ensino e aprendizagem, poderemos ter uma visão parcial, pois é fundamental ampliar o campo de percepção, isto é, saber em qual escola está localizada esta sala, para saber como pensa a educação. Isso também seria verdadeiro se quiséssemos conhecer o processo educativo da escola, para tal, além de conhecer o que a instituição pensa e faz, é necessário identificar cada movimento feito nas 20 Transversalidade na Educaçãosalas de aula. Esse princípio é identificado como sistêmico ou organizacional, que afirma a impossibilidade de conhecer as partes sem conhecer o todo, assim como conhecer o todo sem conhecer as especificidades que constituem as partes. Figura 6 Princípio sistêmico ou organizacional PARTES Salas de aula TODO Escola gpointstudio/Shutterstock Vladim ir Nenezic/Shutterstock Fonte: Elaborada pela autora. 3. Usando o mesmo exemplo anterior, podemos, ainda, dizer que o que se faz em cada sala de aula é único, porém as ações ali realizadas contêm a visão de educação da escola, bem como os pressupostos teóricos metodológicos por ela definidos. Isso foi denominado como princípio hologramático, pois em uma organização complexa podemos identificar que não só a parte está no todo, mas também o todo está na parte. 4. Ainda usando o exemplo da sala de aula, podemos identificar o princípio de retroatividade, em que além da causa agir sobre o efeito, o efeito também retroage sobre a causa de modo informacional, possibilitando que o sistema tenha autonomia Educação do passado, do presente e do futuro 21 organizacional. Na prática seria dizer que as ações não são lineares (causa efeito), mas sim circulares. Se o professor, por exemplo, utiliza de uma metodologia para ensinar um conteúdo, a resposta é a aprendizagem total, parcial ou a não aprendizagem do conteúdo pelo aluno. Conforme a resposta do aluno/turma, o professor poderá ou não alterar sua prática pedagógica para alcançar o seu objetivo de ensinar o conteúdo. Figura 7 Princípio da retroatividade Professor Ensinar Uso de metodologia Aluno Professor mantém sua metodologia Professor modifica sua metodologia Aprende Não aprende Aprende parcialmente Informação do resultado da ação Fonte: Elaborada pela autora. 5. No princípio da recursividade o exemplo anterior é mantido, porém ampliado, pois aprender ou não aprender pelo aluno é um efeito ou um produto extremamente necessário para que a nova ação do professor aconteça. Sendo assim, entende-se que essa aprendizagem, ou não, é causadora e produtora do 22 Transversalidade na Educação próprio processo, no qual o resultado final é imprescindível para a geração dos estados iniciais. Figura 8 Princípio da recursividade Não aprende Aprende parcialmente Efeitos ou Produtos Causadores e Produtores Professor Ensinar Uso de metodologia Professor modifica sua metodologia Professor mantém sua metodologia Aluno Informação do resultado da ação Aprende Fonte: Elaborada pela autora. 6. Outro construto fundamental da complexidade é em relação ao princípio de autonomia/dependência, que traz a ideia, por exemplo, de que um professor é independente para ensinar e isso só ocorre porque ele tem múltiplas dependências relacionadas a conhecimentos específicos da sua área e associadas à questão didático-pedagógica. Essa relação lhe dá autonomia na prática pedagógica. Desse modo, esse princípio nos mostra que para toda autonomia têm-se múltiplas dependências. 7. O princípio dialógico ajuda a pensar lógicas que se complementam e se excluem, mesmo que estas sejam antagônicas, opostas ou concorrentes. Segundo Morin (2008, p. 96), “a dialógica permite assumir racionalmente a inseparabilidade de noções contraditórias para conceber um mesmo fenômeno complexo” que são complementares em sua dinâmica processual. Se pensarmos no professor que organiza sua aula e que durante ela surgem algumas dúvidas não previstas dos alunos, mas são questionamentos importantes, a aula acaba sendo desestruturada Educação do passado, do presente e do futuro 23 em relação ao plano inicial, porém, com algumas ações, o professor consegue reorganizar e finalizá-la, apesar de ter tomado novo rumo, fundamental para a compreensão do conteúdo pelos alunos. Podemos sintetizar que ocorreu uma ordem/desordem/ organização, entidades opostas que podem colaborar e produzir a organização de um fenômeno. 8. Outra ideia-chave do pensamento complexo é entender que toda ação pode ser modificada, invertida ou até retroceder de algo previamente pensado ou delimitado, ou seja, escapar de sua intenção inicial. Estamos falando da ecologia da ação, a qual Morin (2003, p. 53) explica “o fato de que toda ação, uma vez iniciada, entra num jogo de interações e retroações no meio em que é efetuada, que podem desviá-la de seus fins e até levar a um resultado contrário ao esperado”. Assim é fundamental compreender e aprender a enfrentar as incertezas, tanto nas ações como no conhecimento. 9. Substituir a visão unidimensional pela multidimensionalidade faz entender, por exemplo, que o ser humano é ao mesmo tempo biológico, psíquico, social, afetivo, espiritual e racional. Se falarmos da educação, podemos compreendê-la pelas dimensões didáticas, históricas, filosóficas, sociológicas, políticas, religiosas, entre outras. Isso nos mostra que a inteligência parcelada, compartimentada, disjuntiva e reducionista enaltece a fragmentação, fracionando os problemas, rompendo com o complexo do mundo e, naturalmente, produzindo inúmeros erros e ilusões, impedindo de apreender o que está tecido junto. O breve estudo acima, sobre a complexidade, possibilita entender a importância de transformar a maneira de pensar, sentir e agir, pois isso auxilia o professor a ter atitudes de curiosidade que permitam dia- logar com novas ideias e identificar a existência de caminhos diversifi- cados que podem ser visualizados com base em percepções que levem a aprendizagem do pensar por outra lógica. Figura 9 Para compreender o princípio dialógico Imagem do Yin Yang, representado pelo feijão e pelo arroz, possibilitando ver que dois elementos opostos podem se complementar. frank60/ Shutterstock 24 Transversalidade na Educação É necessário que a prática pedagógica da atualidade transcenda a visão disciplinar, elimine ideias redutoras e excludentes, bem como busque articulações, dialogando com pensamentos que possibilitem a diversidade, o confronto, a reconstrução, além de conhecer o outro nível de realidade do processo do conhecimento, por meio de uma ra- cionalidade aberta, dialógica, intuitiva e global. 1.3 A educação do futuro Vídeo Foi a partir dos acontecimentos do Renascimento que surgiu a ins- tituição de ensino da forma que conhecemos: dividida em áreas, com currículo contemplando várias disciplinas, algumas com carga maior que outras, e com prática pedagógica que considera o repasse dos con- teúdos e a memorização pelos alunos. Isso ocorreu porque a ciência naquela época demandava a divisão das áreas e necessitava da racio- nalidade e da experiência para comprovar os novos conhecimentos, e essa forma influenciou a estrutura curricular disciplinar. Mais que nunca, necessitamos de uma nova organização da ins- tituição de ensino para a produção do conhecimento, pois vivemos em uma sociedade que amplia e diversifica os espaços, o tempo e a forma para a construção do pensamento. O conhecimento precisa ultrapassar o limite de uma área específica, é esperado o diálogo, a troca e a interação para responder aos questionamentos que a con- temporaneidade nos impõe. Diante do mundo atual, descrito como Sociedade do Conhecimen- to (HARGREAVES, 1995), Era da Informação (CASTELLS, 1992) ou ainda Sociedade da Aprendizagem (POZO, 2002), em que o fluxo de informa- ções é intenso, as barreiras de tempo e espaço não são mais estreitas para as interações e há múltiplas possibilidades de aprender, “o conhe- cimento ficou disponível na rede informatizada, nas redes de comuni- cação televisadas. Portanto, o acesso ao conhecimento não está mais localizado numa única instituição, mas sim, em toda a aldeia global” (BEHRENS, 2005, p. 81). O mundo tem passado por profundas transformações de manei- ra muito acelerada. Alterações no campo social, econômico, cul- tural e tecnológico, que têm abalado muitas certezas e levado as Educação do passado, do presente e do futuro 25pessoas a conviverem com a provisoriedade, a mudança e a de- sordem. Tempos de incertezas que possibilitam o surgimento de novas tendências pelo rompimento de paradigmas que se tornam obsoletos. Além disso, identifica-se que esse cenário incita para a superação de práticas pedagógicas voltadas à fragmentação e à padronização, necessitando desenvolver uma educação que cor- responda às necessidades contemporâneas e futuras. A tecnologia mudou a maneira de aprender, as interações não são mais lineares e, sim, em redes, em conexões que permitem o imediatis- mo, mas também o aprofundamento. A era digital possibilita o uso de novos recursos tecnológicos na prática pedagógica, o que permite o en- sino dos conteúdos de diversas formas e induz novos comportamentos de aprendizagem, impondo novos ritmos ao ensino e à aprendizagem e levando o professor a se atualizar permanentemente e se adaptar às inovações tecnológicas. As novas tecnologias e a internet são recursos importantes para mu- dar o processo educativo e possibilitam a promoção da aprendizagem, tanto do ponto de vista quantitativo, quanto qualitativo. As tecnologias tornam possível o acesso de muito mais pessoas à educação, à forma- ção e à aquisição de informação, pois permitem a superação de bar- reiras físicas e temporais, possibilitando aprender não somente nos espaços formais de educação, mas ampliando para outros novos, como o lar, os locais de trabalho e lazer, os museus, os centros culturais etc., surgindo, assim, novos cenários educacionais. Essa potencialização vem modificando os cenários educacionais tradicionais e, ao mesmo tempo, viabilizando o aparecimento de novos, inclusive os relacionados à educação a distância. Outro ponto importante para compreender a educação do presente e do futuro está relacionado à proposta da Unesco, quando encomen- dou a Edgar Morin a criação de um material reflexivo que servisse como eixo norteador para repensar a educação contemporânea, surgindo então a obra Os sete saberes necessários à educação do futuro (MORIN, 2000). Esse livro propõe um conjunto de saberes fundamentais a se- rem ensinados na escola, que, conforme Petraglia (2012, p. 130), “não se trata de conteúdos disciplinares específicos; trata-se de saberes re- levantes e necessários ao bem viver”. Esses saberes, segundo o próprio autor, são transdisciplinares, com o propósito de religá-los, pois desa- 26 Transversalidade na Educação fiam os educadores a superar a visão de dualidade e religar ciência e religião, razão e emoção, entre outras. (6) ensinar a compreensão para a tolerância, generosidade e bem-estar comum; (5) enfrentar as incertezas, que traz a possibilidade de ir além e avançar o conhecimento; (7) a ética do gênero humano, a fim de ensinar a democracia e cidadania, resgatando a relação indivíduo, sociedade e espécie. (4) ensinar a identidade terrena, atentando à sustentabilidade e compreensão planetária; (3) ensinar a condição humana, compreendendo a multidimensionalidade e diversidade humana; (2) os princípios do conhecimento pertinente, para superar a fragmentação e rearticular as disciplinas de modo a religar o conhecimento; (1) as cegueiras do conhecimento: erro e ilusão, para compreender o erro como possibilidade a outros caminhos, não deixando a ilusão cegar; Figura 10 Síntese dos sete saberes necessários à educação do futuro Fonte: Elaborada pela autora com base em Morin, 2000. As informações contidas nos sete saberes propostos por Morin (2000) permitem ver a prática pedagógica e a relação dos conteúdos por uma nova perspectiva. Educação do passado, do presente e do futuro 27 O primeiro saber é denominado as cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão. Esses elementos apontam que se deve compreen- der a natureza do conhecimento, saber de onde ele vem e por quê. Esse saber mostra que qualquer conhecimento apresenta risco do erro e da ilusão, para isso é reforçada a questão da importância relaciona- da ao conhecimento do ato de conhecer, esta deve ser a primeira ne- cessidade da educação. Para Morin (2000, p. 20) “o conhecimento, sob forma de palavra, de ideia, de teoria, é o fruto de uma tradução/recons- trução por meio da linguagem e do pensamento e, por conseguinte, está sujeito ao erro”. O autor acrescenta ainda que “este conhecimento, ao mesmo tempo tradução e reconstrução, comporta a interpretação, o que introduz o risco do erro na subjetividade do conhecedor, de sua visão do mundo e de seus princípios de conhecimento”. Outro saber são os princípios do conhecimento pertinente, que deixa clara a importância do contexto, ou seja, de localizar e integrar as partes com o todo. Esse princípio leva o professor a pensar simultanea- mente sobre a superação da fragmentação dos conteúdos e dos conhe- cimentos para poder preparar os alunos para enfrentar “as realidades ou problemas cada vez mais multidisciplinares, transversais, multidi- mensionais, transnacionais, globais e planetários” (MORIN, 2000, p. 36). Ensinar a condição humana é o terceiro saber, que se refere ao objetivo essencial do ensino: o sentimento de pertencer à espécie humana, compreender que somos seres planetários, mas ao mesmo tempo temos nossas especificidades, pois “estamos simultaneamente dentro e fora da natureza” (MORIN, 2000, p. 48). O quarto saber está relacionado com ensinar a identidade terre- na, que busca mostrar sobre a importância de ensinar nossos alunos a compreender o processo da mundialização e da globalização, para que possamos “conceber a insustentável complexidade do mundo no sentido de que é preciso considerar a um só tempo a unidade e a diver- sidade do processo planetário, suas complementaridades ao mesmo tempo que seus antagonismos” (MORIN, 2000, p. 68). O quinto saber é enfrentar as incertezas, para compreender que nenhum conhecimento é definitivo, pois estamos sujeitos a muitos im- previstos que mudam o rumo dos acontecimentos, sendo surpreen- didos pelo inesperado. Faz-se necessário aprender a conviver com as incertezas da vida. Como afirmado por Morin (2000, p. 92): No vídeo Sete Saberes Necessários para Educação do Futuro Edgar Morin, publicado pelo canal Pro- fessor Marcos L Souza, o Prof. Edgar de Assis faz um breve relato sobre os sete saberes necessá- rios para a educação do futuro, por meio de uma linguagem bem acessível e apresenta muitos exemplos. Vale a pena assitir! Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=Dc96Crh_wps. Acesso em: 25 maio 2020. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=Dc96Crh_wps https://www.youtube.com/watch?v=Dc96Crh_wps 28 Transversalidade na Educação na história, temos visto com frequência, infelizmente, que o pos- sível se torna impossível e podemos pressentir que as mais ricas possibilidades humanas permanecem ainda impossíveis de se realizar. Mas vimos também que o inesperado torna-se possível e se realiza; vimos com frequência que o improvável se realiza mais do que o provável; saibamos, então, esperar o inesperado e trabalhar pelo improvável. Temos ainda o saber ensinar a compreensão, para que a educação do presente e do futuro ajude os estudantes a supe- rar a grande dificuldade do mundo, a falta de compreensão, pois os homens despojam-se no egocentrismo e no etnocentrismo. Buscar trabalhar a aceitação, o respeito, a amorosidade para supe- rar as ideias arbitrárias, a autojustificação e a arrogância, que são as causas e as consequências das piores incompreensões. Por fim, Morin (2000) aborda a ética do gênero humano, ou antropoética, ancorada em três elementos: o indivíduo, a sociedade e a es- pécie. Esses elementos são, segundo o autor, inseparáveis e coprodutores um do outro, eles se nutrem e, sendo assim, devem ser compreendidos nas suas especificidades e na interação. A escola deve buscar construir um ambiente visto como local de produção de conhecimento, priorizando a reconstrução crítica, criati- va e reflexiva. Ambientes acolhedores intelectual e emocionalmente,permeados pelo diálogo, pelo compartilhamento e pelas trocas, permi- tindo a pluralidade de olhares, de referências e de múltiplas leituras e visões na busca constante de soluções aos conflitos emergentes. CONSIDERAÇÕES FINAIS Atualmente, a sociedade exige que os profissionais sejam autônomos, tenham a capacidade de resolver os problemas com competência, con- sigam trabalhar em grupo de maneira cooperativa e colaborativa, respei- tando a individualidade, tenham a capacidade de ver o todo e as partes, desenvolvendo a responsabilidade e a solidariedade, e ainda se aperfei- çoem constantemente, pois o conhecimento é provisório e não está pronto e acabado, mas sim em constante transformação. Para isso, é necessário superar pensamentos e ações conservadoras, lineares, fragmentadas, ab- solutas e autoritárias que impossibilitam a compreensão da complexidade da realidade e de suas relações e inter-relações com o todo. Educação do passado, do presente e do futuro 29 Nosso estudo, neste capítulo, possibilitou compreender a impor- tância de reformar o pensamento. Essa ação deverá superar o pen- samento que fragmenta por um que une, possibilitando assim ter visão e percepção ampliadas, corrigindo a rigidez da lógica linear e unidirecional pela visão multidimensional, buscando trabalhar com o diálogo, concebendo a diversidade, os antagonismos e as comple- mentariedades, portanto, entendendo o todo e, também, as partes para compreender o mundo no qual vivemos. Para abdicar de uma docência racional, que leva muitas vezes à fragmentação do conhecimento e da aprendizagem, é necessário reco- nhecer que o pensamento complexo nos leva a pensar nas relações, nas conexões e nos vínculos. Isto é, reconhecer a multidimensionalidade do indivíduo, pois o ser humano não tem apenas pensamentos e ações ra- cionais, mas também um raciocinar e fazer intuitivo, cognitivo e afetivo. ATIVIDADES 1. Leia a descrição abaixo. Mariana é uma professora formada na década de 1970 no curso de Pedagogia. Hoje ela está aposentada do Estado e iniciando uma nova jornada em uma escola da rede privada, em que atuará com os primeiros anos do Ensino Fundamental. Ao chegar na escola, foi orientada em relação à concepção educacional, que fundamenta o processo de ensino e aprendizagem. A coordenadora explicou-lhe que a metodologia utilizada é a Pedagogia de Projetos, que possibilita aprender os conteúdos curriculares por meio da resolução de problemas contemporâneos e que o uso das tecnologias é fundamental para a realização do trabalho educativo. Mariana teve certa dificuldade, pois sua formação tem base no paradigma newtoniano-cartesiano. Atualmente, a professora está totalmente integrada e adaptada à escola, desenvolvendo um excelente trabalho. Agora, descreva duas características que ela possivelmente superou, relacionadas ao paradigma newtoniano-cartesiano, para se tornar uma boa professora nessa escola. 30 Transversalidade na Educação 2. Leia a citação abaixo. Hoje, necessita mais de um professor que tenha, além de uma prática reflexiva e crítica, também uma escuta sensível e uma consciência mais elaborada; um sujeito mais atento aos proces- sos auto-organizadores de seus alunos, capaz de olhar para eles e identificar suas necessidades básicas, de intuir suas angústias e de converter tudo isto em subsídios para as atividades de ensino e aprendizagem (MORAES, 2007, p. 17). Para ser esse professor que o autor descreve é necessário ter conhecimento de qual paradigma? Descreva dois princípios que o regem. 3. De que maneira os saberes compreenssão e condição humana podem ser inseridos no currículo escolar? Cite uma dica prática. REFERÊNCIAS BEHRENS, M. A. O paradigma emergente e a prática pedagógica. Petrópolis: Vozes, 2005. CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1992. FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. HARGREAVES, A. O ensino na sociedade do conhecimento: educação na era da insegurança. Porto Alegre: Artmed, 1995. JOVEM soterrado após brincadeira na praia tem quadro estável. R7, 2020. Disponível em: https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/jovem-soterrado-apos-brincadeira-na-praia-tem- quadro-estavel-09012020. Acesso em: 3 mar. 2020. LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública. A pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1985. MORAES, M. C. A formação do educador a partir da complexidade e da transdisciplinaridade. Revista Diálogo Educacional, Curitiba: Champagnat, v. 7, n. 22, p.13-38, set./dez. 2007. MORAES, M.C.; TORRE, S. Sentipensar: fundamentos e estratégias para reencantar a educação. Petrópolis: Vozes, 2004. MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2000. MORIN, E. Educar na era planetária: O pensamento complexo como método da aprendizagem no erro e na incerteza humana. São Paulo: Cortez, 2003. MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. 3 ed. Porto Alegre: Sulina. 2007. MORIN, E. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. MORIN, E.; LE MOIGNE, J. L. A Inteligência da Complexidade. São Paulo: Peirópolis, 2000. PETRAGLIA, I. Educação e complexidade: os sete saberes na prática pedagógica. In: MORAES, M. C.; ALMEIDA, M.C. (org.). Os sete saberes necessários para a educação do presente: Por uma educação transformadora. Rio de Janeiro: Wak, 2012. POZO, J. I. Aprendizes e mestres: a nova cultura da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2002. SAVIANI, D. Pedagogia histórico crítica: primeiras aproximações. São Paulo: Autores Associados, 1991. Caminhos da transversalidade na educação 31 2 Caminhos da transversalidade na educação Transversalidade é um tema que a comunidade educativa tem estudado há muitos anos e sobre o qual têm surgido muitas inquie- tações, gerando dúvidas sobre como inseri-lo no currículo escolar e trabalhá-lo na prática pedagógica. Ao nos lembrarmos de John Dewey (1859-1952), identifica- mos que a questão da transversalidade já era apontada nessa época de maneira indireta, pois esse filósofo educador falava sobre a importância da relação entre a educação, experiência e história de vida, afinal a escola, como um espaço democrático, possibilita o intercâmbio de pensamentos e situações de coo- peração para o desenvolvimento integral do aluno. John Dewey e outros educadores da Escola Nova foram muito estudados pelos professores; suas ideias e princípios orientaram ações pedagógicas, mas nunca se pensou que essas ideias esta- vam relacionadas com a transversalidade. Dessa maneira, não devemos temer, e sim buscar mais conhe- cimentos com o objetivo de desenvolver competências para utilizar a transversalidade e os temas transversais no processo de ensino e aprendizagem. Assim, neste capítulo, buscamos trazer um pouco de teoria e alguns exemplos para que você possa refletir sobre o assunto e desenvolver sua própria concepção. 2.1 Mas o que é transversalidade? Vídeo O paradigma newtoniano-cartesiano influenciou algumas aborda- gens educacionais no Brasil e, consequentemente, imprimiu fortemen- te pensamentos e ações estruturados na fragmentação, na visão linear, na reprodução, na acriticidade e na racionalização. 32 Transversalidade na Educação Essa maneira de conceber a educação fez com que se enaltecessem a disciplinaridade e a propagação de conteúdos por áreas, impossibili- tando a interação entre os conhecimentos. É importante ainda lembrar que, nesse paradigma newtoniano- -cartesiano, prevalecia no processo avaliativo do aluno a contagem de erros e acertos daquilo que foi transmitido pelo professor e do conteú- do que deveria ser lembrado pelo estudante. A subjetividade não era concebida e, desse modo, o conteúdo deveria ser decorado em vez de compreendido e aplicado em um contexto específico. Outro ponto para reflexão é o fato de o currículo disciplinar ter favorecido algumas disciplinas em detrimento de outras. Frequen- temente encontravam-se gradescurriculares escolares compostas de aulas de matemática e língua portuguesa diárias, mas com ape- nas alguns dias ou uma vez na semana para as demais disciplinas. O que mais importava era a difusão de uma listagem de conteúdos de cada disciplina por parte do professor, enquanto ao aluno cabia a memorização, os outros temas que não faziam parte do conteúdo, geralmente, só eram trabalhados em atividades extracurriculares. Mas por que estamos falando disso? Porque a aprendizagem escolar deve(ria) fazer parte da vida de qual- quer indivíduo, pois é garantida pela Constituição da República Federa- tiva do Brasil no artigo 205 e reafirmada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei n. 9.394/1996, artigo 2º. Ambas as leis definem que a educação é um direito de todas as pessoas e, para que ela aconteça, é necessário que tanto a família como o Estado se responsabilizem por isso, promovendo o desenvolvimento pleno do indivíduo. Quando falamos de adquirir conhecimentos especificamente na es- cola, referimo-nos ao que a Constituição e as leis educacionais definem como um espaço no qual o indivíduo possa aprender para se desenvol- ver como pessoa e profissional, nos aspectos cognitivos, afetivos, psi- comotores, procedimentais e atitudinais, podendo, assim, viver como cidadão ou, ainda, como cidadão planetário. Entretanto, a escola que ainda domina a sociedade contemporânea é aquela herdada da cultura tradicional, estruturada nos princípios de René Descartes, enaltecendo a fragmentação de acordo com os precei- tos do filósofo, o qual defendia: “dividir cada uma das dificuldades que devesse examinar em tantas partes quanto possível e necessário para Para saber mais sobre a Constituição Federal no que se refere ao direito à educação, recomen- damos a leitura do texto dos artigos 205 a 214 na íntegra. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/setec/ arquivos/pdf_legislacao/superior/ legisla_superior_const.pdf. Acesso em: 6 abr. 2020. Lei Para saber mais sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 9.394/1996, no que se refere ao direito à educação, recomenda- mos a leitura do texto na íntegra. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 6 abr. 2020. Lei http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf_legislacao/superior/legisla_superior_const.pdf http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf_legislacao/superior/legisla_superior_const.pdf http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf_legislacao/superior/legisla_superior_const.pdf http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm Caminhos da transversalidade na educação 33 resolvê-las” (2002, p. 31), nascendo, assim, a disciplina, com a necessi- dade de especializar cada uma das áreas do conhecimento. Outro ponto importante do cartesianismo é o reducionismo, pois, com base no princípio de que “conduzir por ordem os meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para chegar, aos poucos, gradativamente, ao conhe- cimento dos mais compostos” (DESCARTES, 2002, p. 32), institui-se o método indutivo como caminho para a aprendizagem. Dessa for- ma, acredita-se que os alunos só conseguem aprender quando par- tem do mais simples para chegar a uma conclusão geral. Trata-se da busca pela simplificação para alcançar a aprendizagem. Conteúdo B Conteúdo A ... 1º semestre 2º semestre Disciplina 1 Disciplina 2 ...2º ano 1º ano ... Escola Figura 1 Representação do reducionismo; da fragmentação; da simplificação Fonte: Elaborada pela autora. Essa escola conteudista – transmissora de fatos, dados, princípios e conceitos – ensina de maneira descontextualizada, e seus alunos aprendem conteúdos soltos e isolados, enaltecendo-se a disciplinari- dade no processo educativo e separando o que deveria ser visto de maneira interligada (MORIN, 2008). Uma saída para superar esse tipo de educação é trabalhar com a transversalidade. Para Moreno (1998), essa abordagem possibi- lita superar pensamentos e ações estruturados no mecanicismo e na reprodução, sendo, também, um caminho para romper com ações pedagógicas reducionistas. 34 Transversalidade na Educação Por meio da transversalidade é possivel trabalhar os temas transversais inseridos no curriculo escolar e na prática pedagógica, com isso, se faz necessário analisar conceitos de alguns autores. Assim sendo, iniciamos com Yus (1998, p. 17), que se posiciona afir- mando que esses temas: são um conjunto de conteúdos educativos e eixos conduto- res da atividade escolar que, não estando ligados a nenhu- ma matéria particular, pode-se considerar que são comuns a todas, de forma que, mais do que criar novas disciplinas, acha-se conveniente que seu tratamento seja transversal num currículo global da escola. Esse autor mostra didaticamente que, em relação ao currículo es- colar, os temas transversais fazem parte do todo, não devendo ser entendidos como mais uma disciplina ou conteúdo, mas um eixo que atravessa todas as áreas a serem estudadas. Continuando nossa análise, chegamos em Busquets (2000, p.13), que apresenta uma visão bastante interessante: Entende que os conteúdos curriculares tradicionais formam um eixo longitudinal do sistema educacional e, em torno dessas áreas do conhecimento, devem circular ou perpassar, transversalmen- te, esses temas, mais vinculados ao cotidiano da sociedade. Assim, nessa concepção, se mantêm as disciplinas que estamos chamando de tradicionais do currículo (Matemática, as Ciências e a Língua), mas os seus conteúdos devem ser impregnados com os temas transversais. De acordo com Busquets (2000), as disciplinas são importantes e é fundamental que seus conteúdos sejam compreendidos; no entanto, há a necessidade de ampliar esses conhecimentos por meio de temas transversais. Transferindo o conceito de Busquets para a prática, entenderíamos, por exemplo, que, na disciplina de Ciências, o professor pode inserir no planejamento, além dos conteúdos relacionados à sua área, um tema diretamente relacionado com o dia a dia dos alunos. Se estamos falan- do de uma turma de 5º ano do Ensino Fundamental, eles podem ter dúvidas, curiosidades e dificuldades sobre o aumento da oleosidade da pele e o aparecimento de acne, ou aumento da sudorese e dos maus odores – temas que poderiam ser inseridos e trabalhados transversal- mente, sendo relacionados com a puberdade, conteúdo da disciplina. Caminhos da transversalidade na educação 35 Seguindo a análise, Gavídia (2002) nos faz entender que não existe um conceito único de transversalidade, mas que o tempo e o contexto a complementam e adequam conforme a necessidade. A construção do conceito de transversalidade foi realiza- da em pouco tempo, com contribuições diversas que foram acrescentando significados novos ao termo. Esses significados foram aceitos rapidamente, enriquecendo a representação que temos hoje. Se antes transversal significava certos conteú- dos a serem considerados nas diversas disciplinas escolares – a higiene, o recibo de luz, a moradia, etc. –, agora representa o conjunto de valores, atitudes e comportamentos mais im- portantes que devem ser ensinados. (GAVÍDIA, 2002, p. 15-16) Quando consideramos a legislação educacional brasileira, no do- cumento Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), entendemos que a transversalidade “diz respeito à possibilidade de se estabelecer, na prática educativa, uma relação entre aprender na realidade e da rea- lidade conhecimentos teoricamente sistematizados (aprender sobre a realidade) e as questões da vida real e sua transformação (aprender na realidade e da realidade)” (BRASIL, 1997, p. 31). Essa conceituação permite compreender a necessidade de contextualizar os conteúdos disciplinares, trazendo-os para o dia a dia do estudante. Para finalizar nossa análise, trazemos o posicionamento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) sobre os Temas Contemporâneos Transversais (TCTs):Educar e aprender são fenômenos que envolvem todas as di- mensões do ser humano e, quando isso deixa de acontecer, pro- duz alienação e perda do sentido social e individual no viver. É preciso superar as formas de fragmentação do processo peda- gógico em que os conteúdos não se relacionam, não se integram e não se interagem. Nesse sentido, os Temas Contemporâneos Transversais (TCTs) têm a condição de explicitar a ligação entre os diferentes componentes curriculares de forma integrada, bem como de fazer sua conexão com situações vivenciadas pelos es- tudantes em suas realidades, contribuindo para trazer contexto e contemporaneidade aos objetos do conhecimento descritos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). (BRASIL, 2019) Identifica-se claramente que, nesse documento, busca-se romper com o paradigma cartesiano-newtoniano, procurando disseminar o en- tendimento de que a formação do estudante deve ser integral. Dessa maneira, as ações e os pensamentos fundamentados na fragmentação, 36 Transversalidade na Educação na disciplinaridade, na redução e na linearidade devem ser superados por uma educação que religue, contextualize e busque desenvolver o indivíduo na sua integralidade. 2.2 Marcos regulatórios Vídeo O mundo tem passado por mudanças em muitas áreas, entre elas a educação, que é diretamente influenciada pelas questões sociais, polí- ticas, econômicas, culturais internas e externas de cada época. Assim, vamos fazer uma retrospectiva histórica sobre a legislação nacional brasileira para entender quando, como e por que surgiu a transversali- dade na educação. Nosso ponto de partida será a elaboração da primeira Lei de Dire- trizes e Bases da Educação (LDB), que representa a construção de uma legislação para regulamentar o sistema educacional brasileiro. 2.2.1 Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei n. 4.024/1961 Essa lei foi pensada em 1948, quando foi encaminhado ao Congres- so Nacional um anteprojeto de lei, no entanto, com os conflitos sociais e econômicos, esse projeto ficou parado e foi retomado somente em 1959, sendo aprovado em 20 de dezembro de 1961. Com relação à política, no período da Quarta República – República Populista, referente aos anos de 1959 a 1961 –, tivemos quatro presi- dentes. Em 1959, momento de retomada do projeto da LDB, tínhamos como presidente Juscelino Kubitschek, que buscava a industrialização e o desenvolvimento econômico. No momento da aprovação da lei, o presidente era João Goulart, que tinha como bandeira política as refor- mas de bases agrária e tributária que buscavam medidas para abran- dar as desigualdades sociais no Brasil. Quanto à LDB Lei n. 4.024/1961, ela já tinha sido pensada na Constituição de 1934, no artigo 5º, que definia a elaboração de dire- trizes nacionais da educação, e no artigo 150, que designava a fixa- ção do plano nacional de educação. Em relação à sua filosofia, havia a disputa entre dois grupos, estatistas e liberalistas, para definir a base para escrever a LDB. Quais eram as ideias desses grupos? Caminhos da transversalidade na educação 37 Os estatistas, de partidos de esquerda, defendiam que o Estado ti- nha responsabilidade pela educação. Sendo assim, a escola privada só poderia existir como uma concessão do poder público. Os liberalistas, de partidos de centro e direita, defendiam os direitos naturais do indivíduo, bem como que o Estado deveria res- peitar e não impor normas sobre a educação. Desse modo, a liber- dade de escolha na educação era da família. Em boa parte do texto dessa lei, predominaram as ideias dos estatistas. Observe, a seguir, alguns pontos da lei, demonstrados também como comparação entre as ideias. Quadro 1 Análise comparativa da Lei n. 4024/1961 Art. 1º. Domínio dos recursos científicos e tecnológicos como competências na preparação do indivíduo para atuar na sociedade. Art. 9º. Atribuições do Conselho Federal de Educação sobre a incumbência dessa área, indicando disciplinas obrigatórias para o Ensino Médio e estabelecendo a duração e o currículo mínimo dos cursos do ensino superior. Art. 35. Refere-se ao ginasial e ao colegial, que deverão ter disciplinas e práticas educativas, obrigatórias e optativas. Art. 40. Descreve que os conselhos são responsáveis por organizar a distribuição das disciplinas obrigatórias e trata da prioridade do ensino da língua portuguesa. Art. 38. Dá a orientação para a formação moral e cívica. Art. 39. Dispõe sobre as avaliações, que devem ser realizadas com provas e exames organizados pelo professor; nas escolas particulares, os exames devem ter fiscalização da autoridade competente. Questões mais conservadoras Art. 2º. Diversidade de métodos para o processo de ensino de acordo com as especificidades de cada região ou grupo social; trata do aperfeiçoamento da prática pedagógica por meio de novas experiências. Art. 22. Obrigatoriedade da educação física. Art. 25. Referente à educação primária, cuja finalidade é o desenvolvimento do raciocínio, da expressão da criança e a sua integração nos meios físico e social. Art. 97. Ensino religioso facultativo. Art. 38. Orientação para atividades complementares de iniciação artística. Art. 39. Dispõe sobre as avaliações, que devem ser realizadas durante o ano letivo. Questões menos conservadoras Art. 104. Trata da organização de cursos e escolas experimentais, ou seja, com propostas pedagógicas próprias, mas sua aprovação deveria ter autorização legal. Fonte: Elaborada pela autora com base no texto da Lei n. 4.024/1961. Acesse o link a seguir para poder ler o texto da LDB Lei n. 4.024/1961. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/L4024.htm. Acesso em: 6 abr. 2020. Saiba mais http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4024.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4024.htm 38 Transversalidade na Educação Como pode ser observado, a transversalidade não é apontada em nenhum momento nessa lei. Podemos inferir, também, que existe um leve direcionamento à busca de novos métodos, ao desenvolvimento da expressão e da iniciação artística, aos currículos voltados para a di- versidade de cada contexto e, ainda, a preocupação da integração do estudante ao meio físico e social. É relevante lembrar que essa lei foi usada tanto no final da Repú- blica Populista como no período de ditadura militar; por isso, sabemos que sua interpretação e sua execução consideram o contexto e as ideo- logias de cada momento histórico. 2.2.2 Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei n. 5692/1971 A partir de 1964, acontece um novo ciclo político no Brasil: a ditadu- ra militar. Então, em 12 de setembro de 1969, é aprovado o Decreto-Lei n. 869, que institui a obrigatoriedade de duas disciplinas no currículo: Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil. Essas disciplinas tinham a finalidade de transmitir valores cívicos e morais em conformidade com os valores governamentais da época. O artigo Disciplinar o país: formação política em livros de educação moral e cívica, de Maria Regina dos Santos, trata dos materiais didáticos referente às disciplinas de educação moral e cívica e organização social e política do Brasil. Acesso em: 7 abr. 2020. http://www.congressohistoriajatai.org/anais2014/Link%20(170).pdf Artigo Em 11 de agosto de 1971, durante o governo do presidente Emilio Garrastazu Médici, a Lei n. 5.692 é aprovada, estabelecendo diretrizes para o ensino de primeiro e segundo graus, denominado, na lei ante- rior, cursos primário, ginasial e colegial. A finalidade dessa lei encontra-se definida no artigo 1º, que determi- na que “o ensino de 1º e 2º grau tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas poten- cialidades como elemento de auto realização, qualificação para o traba- lho e preparo para o exercício consciente da cidadania” (BRASIL, 1971). http://www.congressohistoriajatai.org/anais2014/Link%20(170).pdf Caminhos datransversalidade na educação 39 Outro ponto a ser destacado nessa lei diz respeito à organização do currículo voltado à preparação do estudante para que ele atue no mercado de trabalho. O artigo 4º afirma que “a preparação para o trabalho, como elemento de formação integral do aluno, será obri- gatória no ensino de 1º e 2º graus e constará dos planos curricula- res dos estabelecimentos de ensino” (BRASIL, 1971). A preocupação com uma educação mais técnica e profissionalizante foi acentuada nessa reforma do ensino com a finalidade de preparar mão de obra qualificada para o trabalho. Desse modo, educação deveria ser mais prática, pautada no aprender fazendo. Observe, a seguir, a figura que ilustra a organização do currículo nessa lei. Figura 2 Organização do currículo Faz a interseção entre as matérias Base comum Ensino religioso Programa de Saúde Educação Artística Educação Moral e Cívica Educação Física Composta por matérias Comunicação e expressão Ciências Estudos Sociais Língua Portuguesa Geografia História Organização Social e Política Brasileira Matemática Ciências físicas e biológicas Composta pela disciplina: Composta pelas disciplinas: Composta pelas disciplinas: Para atender às peculiaridades locais, aos planos dos estabelecimentos de ensino e às diferenças individuais dos alunos conforme as necessidades e as possibilidades concretas Parte diversificada Currículo Fonte: Elaborada pela autora com base na Lei n. 5.692/1971. Destaca-se, na Figura 2, que a base comum é composta por três matérias que representam uma grande área, e cada uma delas pos- 40 Transversalidade na Educação sui disciplinas para a definição dos conteúdos a serem estudados. Os Estudos Sociais, por terem uma característica mais humanística, buscavam focar nas questões sociais. Assim, essa matéria fazia o papel de integradora entre as demais, colocando o indivíduo como centro do processo educativo. Essa característica é identificada no Parecer n. 853/1971: Com efeito, na medida em que se cogite de uma divisão do conhecimento, e só nessa medida, os Estudos Sociais consti- tuem um elo a ligar as Ciências e as diversas formas de Co- municação e Expressão: têm uma abordagem mais científica do que estas últimas, ao mesmo tempo em que para muitos chegam a confundir-se com elas, e sobretudo colocam no centro do processo a preocupação do Humano. [...] as maté- rias, diretamente ou por seus conteúdos particulares, devem conjugar-se entre si e com outras que se lhe acrescentem. (BRASIL, 1972, p.75-76) Identificamos, ainda, a palavra conjugar-se no sentido de que as disciplinas, ou os conteúdos, devem se inter-relacionar e comple- mentar, gerando um aspecto de interdisciplinaridade no processo metodológico do ensino. Os Estudos Sociais cujo objetivo é a integração espacio-temporal e social do educando em âmbitos gradativamente mais amplos. Os seus componentes básicos são a Geografia e a História, fo- calizando-se na primeira a Terra e os fenômenos naturais refe- ridos à experiência humana, e, na segunda, o desenrolar dessa experiência através dos tempos. O fulcro do ensino, a começar pelo “estudo do meio”, estará no aqui-e-agora do mundo em que vivemos e, particularmente, do Brasil e do seu desenvolvimento. (BRASIL, 1972, p. 80) A transversalidade não é apontada diretamente, mas percebe-se a intenção da interação entre os conteúdos das disciplinas para propor- cionar uma aprendizagem mais global, situando o indivíduo no mundo. 2.2.3 Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei n. 9.394/1996 Essa Lei foi aprovada em 20 de dezembro de 1996, no período em que Fernando Henrique Cardoso foi presidente no Brasil – momento da Nova República com uma nova fase democrática no país. Caminhos da transversalidade na educação 41 A Lei n. 9.394/1996, também conhecida Lei Darcy Ribeiro – em ho- menagem ao educador político brasileiro que ajudou a elaborá-la –, tem como pilar a Constituição Federal de 1988, que trouxe muitos avanços aos direitos dos cidadãos brasileiros e, principalmente, à educação. No capítulo da educação, a escolaridade é ampliada com a incorporação da educação infantil e assegura o atendimento es- pecializado para alunos com deficiência. Outro ponto importante é que a educação, além de ser garantida como direito a todos, preci- sa ser de qualidade (BRASIL, 1988). A LDB de 1996 trouxe um novo olhar para educação, propon- do algumas mudanças em relação às leis anteriores, com princí- pios relacionados ao desenvolvimento integral do educando para o exercício da cidadania, assim como prepará-lo para o trabalho (BRASIL, 1996). O foco, nessa lei, é a construção dos conhecimentos por meio da compreensão da cidadania, promovendo um modo diferente de pensar a escola. Alguns pontos importantes que a lei (BRASIL, 1996) aponta para o processo educativo: a. direcionamento para a liberdade de aprender; b. compreensão da sociedade em sua multidimensionalidade; c. valores humanos pautados na solidariedade e na tolerância recíproca; d. que o aprender vai além dos muros da escola, sendo desenvolvido na família, na convivência, no trabalho, na sociedade e nas manifestações culturais; e. diversidade de ideias e de abordagens pedagógicas; f. prática pedagógica que tenha a articulação com as famílias e a comunidade; g. disseminação de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática. Com relação ao currículo, essa lei aponta a necessidade de integra- ção entre os conteúdos para a compreensão do todo, bem como de estudá-los em suas especificidades. De maneira geral, ela traz infor- mações relacionadas aos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia; ao estudo da língua portuguesa e da matemática; ao conhecimento do 42 Transversalidade na Educação mundo físico e natural e da realidade social e política; ao ensino da arte e da educação física; ao ensino da história do Brasil com sua diversi- dade cultural e étnico-racial; ao estudo das múltiplas linguagens: artes visuais, dança, música e teatro; aos conteúdos referentes aos direitos humanos e à prevenção de todas as formas de violência contra a crian- ça e o adolescente; à educação alimentar e nutricional. Essa lei aponta, também, a transversalidade na educação, na qual “a integralização curricular poderá incluir, a critério dos sis- temas de ensino, projetos e pesquisas envolvendo os temas trans- versais de que trata o caput” (BRASIL, 1996, art. 26). Entende-se que o processo de ensino e aprendizagem deve utilizar temas trans- versais, apontando para a organização da prática pedagógica por meio de um eixo unificador, com a finalidade de que as disciplinas não trabalhem seus conteúdos de modo descontextualizado e pro- movendo o rompimento das fronteiras disciplinares. 2.2.4 Parâmetros Curriculares Nacionais Um ano após a promulgação da Lei n. 9.394/1996, são apresenta- dos os Parâmetros Curriculares Nacionais, documento que auxilia na elaboração do projeto pedagógico da escola e do plano curricular. Os Parâmetros são compostos por 10 volumes, sendo eles: • Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais; • Língua Portuguesa; • Matemática; • Ciências Naturais; • História e Geografia; • Arte; • Educação Física; • Apresentação dos Temas Transversais e Ética; • Meio Ambiente e Saúde; • Pluralidade Cultural e Orientação Sexual. Os temas transversais estão organizados nos três últimos volumes; aquele referente à Apresentação dos Temas Transversais e Ética traz toda informação sobre como deve ser entendida a transversalidade na edu- cação, apontando que as disciplinas são importantes, pois são compos- Caminhos da transversalidade na educação 43 tas de conhecimento socialmente acumulado pela humanidade, mas que sozinhas não conseguem trabalhar com o eixo estruturador da educação escolar. Esse eixo foi definido, na Lei n. 9.394/1996, pela cida- dania, tema que possibilita