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BIOTECNOLOGIA Isabele Cristiana Iser Marson Genes e medicamentos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever as aplicações da biotecnologia na modificação de genes. Reconhecer a contribuição da biotecnologia na farmacologia. Relacionar os principais medicamentos produzidos por processos biotecnológicos. Introdução A biotecnologia é uma disciplina ampla na qual processos biológicos, organismos, células ou componentes celulares são explorados para de- senvolver novas tecnologias. Em outras palavras, a biotecnologia estuda formas de usar organismos vivos a fim de solucionar algum problema ou para criar algum produto útil à humanidade, tanto na pesquisa, agricultura, indústria ou medicina. Neste capítulo, você vai aprender como a biotecnologia pode ser uti- lizada na engenharia genética e na manipulação de genes para produzir fármacos e medicamentos úteis à nossa vida. As aplicações da biotecnologia na modificação de genes Você, provavelmente, já consumiu ou utilizou algum produto sintetizado a partir de técnicas de biotecnologia — o que acontece é que, muitas ve- zes, nós nem prestamos atenção nisso. Por mais improvável que pareça, a seleção e a utilização de organismos com características interessantes para nós ocorre desde tempos mais antigos, há milhares de anos, como, por exemplo, a utilização da fermentação de grãos e cereais para a produção de pães e bebidas alcóolicas, como a cerveja e o vinho. Nesse processo, fungos e bactérias são utilizadas para “transformar” esses alimentos em outros. Apesar de a humanidade utilizar a biotecnologia há muitos anos, foi apenas no fi nal do século XX que esse campo da ciência avançou, permitindo o surgimento de técnicas mais elaboradas, como a engenharia genética (BRUNO, 2015). Engenharia genética é a manipulação direta do genoma de um organismo vivo com a utilização de biotecnologia para produzir plantas modificadas, ani- mais ou outros organismos e moléculas. Assim, é possível remover, modificar ou adicionar genes de uma molécula de DNA a fim de alterar as informações nele contidas. Um exemplo do qual você provavelmente já tenha ouvido falar é a ovelha Dolly, a primeira ovelha clonada, nascida no ano de 1997 graças a técnicas de modificação gênica (BRUNO, 2015). As descobertas das enzimas de restrição e da DNA ligase foram essenciais para que os trabalhos em engenharia genética pudessem acontecer e surgisse, assim, a tecnologia do DNA recombinante. As enzimas de restrição podem ser isoladas de bactérias (nas quais são naturalmente sintetizadas) e são responsáveis por cortar o DNA em pontos determinados. Essas enzimas são capazes de reconhecer uma sequência específica de nucleotídeos do DNA e fazem o corte da molécula naquele ponto. Elas são altamente específicas: cada tipo de enzima reconhece e corta apenas uma determinada sequência de nucleotídeo. Já a enzima DNA ligase facilitará a união de fragmentos de DNA cortados pelas enzimas de restrição, formando, assim, uma nova molécula de DNA, chamada de DNA recombinante. Desse modo, com o uso dessas enzimas, pode-se cortar pedaços de uma molécula de DNA e uni-los a uma outra molécula de DNA (Figura 1) (ZAHA; FERREIRA; PASSAGLIA, 2014). Genes e medicamentos2 Figura 1. As enzimas de restrição reconhecem uma sequência de bases específicas no DNA e cortam ambas as fitas da hélice. As enzimas mais utilizadas geram fragmentos com extremidades de fita simples complementares que possuem afinidade entre si, sendo denominadas extremidades coesivas. Os fragmentos de DNA gerados pela ação das enzimas de restrição podem ser unidos pela enzima DNA ligase. Desse modo, pode-se criar novas moleculas de DNA, o DNA recombinante. Fonte: Orbit Biotech (2018, documento on-line). Esse DNA recombinante pode, então, ser inserido em outro organismo vivo a fim de alcançar as características desejadas ou eliminar as indesejadas. Uma vez que o gene de interesse é isolado utilizando enzimas de restrição, ele é ligado a um vetor, ou seja, uma molécula capaz de transportar um frag- mento de DNA de um organismo para outro. Esse vetor pode ser um plasmídeo (fragmentos de DNA de forma circular existentes em bactérias), que é, então, inserido em uma bactéria. Quando estiver dentro da bactéria, o plasmídeo é replicado toda vez que a bactéria se divide, gerando várias cópias do gene de 3Genes e medicamentos interesse. Essas cópias de DNA são, a seguir, inseridas em células animais a partir de técnicas para transferência gênica, como microinjeção, uso de vetores virais ou vetores não virais (ZAHA; FERREIRA; PASSAGLIA, 2014). Vetores de transferência gênica O uso de um vetor adequado e eficiente para transferência gênica é uma etapa crucial para o sucesso das terapias de DNA recombinante. Em geral, os vetores são classificados em dois grupos: vetores virais e não virais. Nos vetores virais, o gene de interesse se insere permanentemente no DNA do hospedeiro (organismo-alvo). Com o uso desses vetores, os pesquisadores se aproveitam do sistema de infecção viral para transduzir (infecção por meio de vetores virais) células do organismo-alvo. Para a produção desses vetores, é feita, primeiramente, a remoção máxima de genes virais que possam causar doença em humanos; posteriormente, esse genoma viral é inserido num vetor plasmidial, no qual também serão inseridos os genes terapêuticos (de interesse). Em seguida, é feita a transfecção (método não viral de transferência de genes para as células) desse vetor em células empacotadoras de vírus. Essas células irão dividir-se e, a cada divisão, serão produzidos vírus contendo o gene de interesse em seu interior. Esses vírus modificados serão, então, purificados e utilizados para infectar (transduzir) as células de interesse. No caso dos vetores não virais, a transferência gênica é mais fácil, bem como a manipulação e a purificação em larga escala. Entretanto, são um pouco menos eficientes que os vetores virais. Esse tipo de vetor não se integra no DNA do hospedeiro, o que aumenta a segurança do seu uso. O mais conhecido é o vetor plasmidial, que pode ser aplicado diretamente no organismo (o plasmídeo entra nas células via endocitose) ou por meio de métodos como eletroporação e biobalística. Desse modo, as técnicas de DNA recombinante permitiram que organismos pudessem produzir outros produtos de interesse, como proteínas recombinantes, por exemplo, e não apenas aqueles produzidos por eles próprios naturalmente. Além disso, possibilitou a regulação de genes, estudo de doenças hereditárias, desenvolvimento de vacinas e o surgimento dos transgênicos e da terapia gênica. Você certamente já deve ter ouvido falar em transgênicos, uma vez que muitos dos alimentos que consumimos hoje em dia são produtos transgênicos, como, por exemplo, a batata, o milho, a soja, o arroz, o feijão, entre outros tantos. Em geral, esses alimentos são modificados para que as plantas possam resistir a pragas, ao uso de herbicidas ou para que possuam maior teor nutritivo ou se adaptem melhor a ambientes desfavoráveis — desse modo, reduzindo drasticamente os custos de produção e favorecendo a agropecuária e indústria Genes e medicamentos4 (CENTRO..., 2018). Existem, também, os animais transgênicos, que podem ser produzidos por meio da injeção de um gene clonado em um ovo fertilizado. Esse gene irá integrar-se ao DNA e estará presente na linhagem germinativa do animal resultante, podendo ser passado de geração em geração. Cabras e vacas transgênicas podem, hoje, ser produzidas para gerar proteínas humanas, como fatores de coagulação do sangue ou até mesmo insulina em seus leites. A terapia gênica consiste na transferência de genes sadios em células de pacientes a fim de curar doenças. Essa transferência pode ter como objetivo recuperar a função de um gene defeituoso, atribuir uma nova atividade gênica ou aumentar a atividade de genes ativos. Atualmente,existem inúmeros en- saios clínicos utilizando terapia gênica para tratar diversas doenças — entre as principais, estão o câncer, doenças monogênicas e doenças infecciosas (GINN et al., 2018). Para saber mais sobre os impactos do uso de transgênicos e da terapia gênica na vida e na saúde das pessoas, acesse os links a seguir. https://goo.gl/Udo7R https://goo.gl/cveYyu https://goo.gl/gV9PB8 A seguir, você vai descobrir como essas técnicas de biotecnologia podem ser aplicadas para a produção de fármacos que contribuem para a saúde humana. As contribuições da biotecnologia para a produção de fármacos Um dos grandes marcos do desenvolvimento da biotecnologia foi a descoberta da penicilina, feita por Alexander Fleming em 1928. Fleming observou que uma de suas culturas de bactérias de Staphylococcus aureus que ele estava estudando havia sido contaminada por um fungo e que, ao redor das colónias desse fungo, não havia mais bactérias. Então, o pesquisador isolou esse fungo, 5Genes e medicamentos o Penicillium notatum, e descobriu que ele produzia uma substância capaz de matar muitas bactérias. Assim, foi descoberta a penicilina, o primeiro antibiótico utilizado com sucesso até os dias de hoje e que já salvou milhares de vidas (BRUNO, 2015). Essa foi a primeira grande contribuição da biotecnologia para a produção de fármacos; a partir daí, tem aumentado exponencialmente o número de fármacos produzidos por processos biotecnológicos. A utilização da técnica de DNA recombinante permitiu introduzir em vetores específicos um segmento de material genético capaz de codificar uma substância de interesse, que pode ser proteínas, enzimas, hormônios, etc., formando, assim, uma verdadeira “fábrica biológica”. A clonagem do gene da insulina humana, em 1978, por exemplo, permitiu o desenvolvimento do primeiro medicamento produzido por engenharia genética: a insulina recombinante. Durante muito tempo, a insulina foi purificada a partir do pâncreas de suínos e bovinos; entretanto, devido às diferenças entre a insulina animal e humana, provocou alergias graves e risco de vida para os pacientes. Para a produção da insulina recombinante, o gene para a insulina humana é isolado por enzimas de restrição e ligado pela enzima ligase a um vetor de clonagem (plasmídeos, bacteriófagos ou cosmídeos), que, por sua vez, será in- serido dentro de uma célula hospedeira, na qual o DNA recombinante contendo o gene de interesse irá replicar-se. Nesse caso, a célula hospedeira é a bactéria Escherichia coli, que, ao se dividir, irá replicar também o gene de interesse, gerando, assim, inúmeras cópias desse gene e grandes quantidades de insulina. Entretanto, antes de ser comercializada, a insulina resultante deve passar por um processo de purificação para eliminar a possibilidade de contaminantes ou agentes infecciosos que possam estar presentes nas proteínas purificadas de ani- mais. Essa mesma técnica utilizada para produzir e purificar a insulina humana também pode ser empregada para a obtenção de outras moléculas, proteínas e hormônios, como, por exemplo, o hormônio do crescimento (LOPES et al., 2012). As técnicas de biotecnologia também podem ser utilizadas para a obtenção de vacinas de DNA ou gênicas. Nessas vacinas, pode-se tanto usar a tecnologia Genes e medicamentos6 do DNA recombinante para produzir proteínas do patógeno que serão usadas como antígenos para a imunização quanto gerar microorganismos atenuados com maior segurança. Esses vírus ou bactérias atenuados produzidos por biotecnologia são incapazes de causar doença, mas são eficazes na imunização da população. As vacinas gênicas que mais têm sido estudadas nos últimos anos se propõem ao controle de patógenos de replicação intracelular, como os vírus, algumas bactérias e certos tipos de câncer (DINIZ; FERREIRA, 2010). Uma das vacinas produzidas pelo Instituto Butantan, aqui no Brasil, é a vacina recombinante contra o vírus da hepatite B. Antes do surgimento das vacinas recombinantes para hepatite B, a produção da vacina era feita por partículas do vírus (antígeno) isoladas e purificadas do plasma de pacientes com infecção crônica da hepatite. Entretanto, o alto custo, a necessidade de doadores de plasma e a possibilidade da presença de agentes contaminantes, como o vírus HIV, sempre foram grandes limitantes do uso dessas vacinas. Por outro lado, as vacinas recombinantes, como a produzida pelo Instituto Butan- tan, também são produzidas a partir de antígenos oriundos do próprio vírus, mas não mais retirados do plasma de pacientes (INSTITUTO BUTANTAN, 2018). As vacinas recombinantes são produzidas pela inserção de genes que codificam proteínas virais em células de leveduras. Essas leveduras, por sua vez, são cultivadas em fermentadores, para que se multipliquem, e, por fim, lisadas para a liberação do antígeno, que passa por processo de purificação, gerando o produto final, a vacina. Você já ouviu falar em biofá bricas? Atualmente, fármacos recombinantes podem ser produzidos não apenas em bactérias, leveduras ou outros microorganismos, mas também dentro de plantas, como milho, tabaco e batata. A vantagem é que, desse modo, essas substâncias podem ser produzidas em maior escala e de forma muito mais barata em comparação ao processo de extração utilizando microorganismos. https://goo.gl/PWgURe Uma das ferramentas biotecnológicas que surgiu em 2012 e revolucionou a ciência da edição gênica foi o chamado sistema CRISPR-Cas9. Esse sistema foi descoberto a partir da observação de que algumas bactérias possuíam uma região incomum em seu genoma. Essa região era uma sequência altamente 7Genes e medicamentos variável intercalada por uma sequência repetida sem função co nhecida. Mais tarde, descobriu-se que essas sequências variáveis eram oriundas de vírus que as infectaram no passado, funcionando, assim, como um mecanismo de memória para que as bactérias pudessem defender-se contra infecções futuras causadas por esses mesmos vírus. No caso de uma segunda infecção pelo mesmo agente, a bactéria sintetiza moléculas-guia de RNA, que localizam o DNA invasor em pontos específicos e, por meio da enzima Cas9, cortam e inativam o gene viral, impedindo que ele se replique e causando a sua morte. Com base nesse mecanismo natural das bactérias, foi criado o sistema CRISPR, que permite manipular qualquer gene de interesse do genoma de qualquer organismo e inserir genes de interesse (Figura 2). Figura 2. O sistema CRISPR-Cas9 funciona pela aç ã o da enzima Cas9, responsá vel pela clivagem do DNA dupla fita; de um RNA-guia, que guia o complexo até o gene alvo; e do DNA-alvo. Fonte: Adaptada de Gonçalves e Paiva (2017). Genes e medicamentos8 Diante dessa tão inovadora ferramenta, os pesquisadores já estão estudando meios para criar medicamentos à base de CRISPR. Recentemente, cientistas obtiveram sucesso na correção do gene da hemoglobina, que origina anemia falciforme. Em estudo pré-clínico, foram utilizadas células CD34+ de pacientes portadores de anemia falciforme editadas por CRISPR-Cas9. Os resultados demonstraram bons níveis de sucesso na correção do gene mutado (DEWITT et al., 2016). Saiba mais sobre a tecnologia de CRISPR nos links a seguir, que apresentam matérias sobre a utilização dessa tecnologia para a geração de porcos resistentes a viroses, mosquitos resistentes à malária e trigo resistente a fungos. https://goo.gl/mxVS5L https://goo.gl/96ehvU https://goo.gl/TLvckP Outro tipo de forma biofarmacêutica que tem sido amplamente estudada e aplicada para o tratamento de diversas doenças, entre elas o câncer, são os anticorpos monoclonais. Esses anticorpos são produzidos por técnicas de biotecnologia e sua principal vantagem é que são dirigidos especificamente às células tumorais, poupando as células sadias do paciente. Nos tratamentos tradicionais para câncer, como quimioterapia e radioterapia, isso não ocorre, uma vez que todas as células do indivíduo, inclusive assadias, são atingidas pelo tratamento, o que gera diversos efeitos colaterais. Esse tipo de anticorpo se origina de somente um linfócito B selecionado artificialmente; desse modo, esse anticorpo se liga a somente um epítopo de um antígeno. Entretanto, os linfócitos B que sintetizam anticorpos não crescem nem se dividem em cultivo no laboratório. Para resolver esse problema, os pesquisadores combinaram dois tipos de células, os linfócitos B com células de mieloma (tumores de linfócitos B), fusionando as duas e formando células híbridas, que têm a capacidade de se reproduzir indefinidamente em cultura, produzindo grandes quantidades do anticorpo desejado. A essa técnica os pesquisadores deram o nome de hibridoma ou fusão celular (BRUNO, 2015). 9Genes e medicamentos Como podemos perceber, a biotecnologia tem sido cada vez mais utilizada na produção de fármacos, e isso se deve, principalmente, a algumas vantagens em relação às tecnologias convencionais, como: Produção de fármacos mais eficazes e específicos, diminuindo as chan- ces de efeitos colaterais. Maior controle no processo de produção dos fármacos, reduzindo o risco de contaminação por agentes infecciosos. Um exemplo é a vacina contra hepatite B, cujo antígeno, antigamente, era extraído do plasma de pacientes. Os fármacos produzidos por biotecnologia são também mais específi- cos, sendo possível, inclusive, fazer terapias personalizadas para cada paciente, como é o caso de terapias para alguns tipos de câncer. Os novos métodos biotecnológicos empregados atualmente também permitem que os agentes terapêuticos sejam produzidos em larga escala, como a insulina, por exemplo, diminuindo custos e gerando um lucro maior para a indústria farmacêutica. A seguir, você conhecerá quais são os principais medicamentos produzidos por processos biotecnológicos e quais são as suas principais aplicações. Principais medicamentos produzidos por processos biotecnológicos Produtos biofarmacêuticos são fármacos produzidos por técnicas de biotec- nologia voltados para o tratamento de doenças importantes, como câncer, diabetes, hepatite, esclerose múltipla, hemofi lia, entre outras. A insulina artificial ou recombinante foi o primeiro produto da tecno- logia do DNA recombinante comercializado mundialmente. De lá para cá, diversos novos biofármacos surgiram. Para se ter uma ideia, em 2010, 58 biofármacos foram aprovados na Europa e nos EUA — 30 hormônios e fatores de crescimento, 13 anticorpos monoclonais, 4 proteínas sanguíneas, 2 vacinas e 9 outros produtos, como enzimas terapêuticas (WALSH, 2010). Atualmente, existem diferentes grupos de biofármacos, incluindo: antibi- óticos, fatores sanguíneos, hormônios, fatores de crescimento, citosinas, enzimas, vacinas e anticorpos monoclonais. A seguir, saiba mais sobre alguns desses biofármacos. Genes e medicamentos10 Antibióticos Os antibióticos constituem o maior grupo em termos de importância econômica entre os produtos obtidos por fermentação. Exemplos de antibióticos cuja síntese envolve microorganismos são: penicilina produzida pelo fungo Penicilium notatum, cefalosporinas a partir do gênero Streptomyces, cloranfenicol a partir Streptomyces venezuelae, estreptomicina a partir do Streptomyces griséus (ALMEIDA; AMARAL; LOBAO, 2011). Fatores sanguíneos A defi ciência na produção dos fatores VIII e IX da coagulação sanguínea leva a uma doença chamada hemofi lia. Esses fatores circulam no nosso sangue e são ativados em caso de hemorragia. Em pessoas com hemofi lia, quando uma parte do corpo é lesada, não há a correta formação do coágulo, que faz com que o sangramento cesse; desse modo, o hemofílico sangra mais do que o normal. Esses dois fatores são atualmente produzidos por técnicas de DNA recombinante em células de murinos (ALMEIDA; AMARAL; LOBAO, 2011). Hormônios Em 1982, a FDA (Food and Drug Administration) aprovou a primeira forma farmacêutica conquistada por biotecnologia: a insulina humana obtida por técnicas de DNA recombinante. Atualmente, a insulina recombinante é dispo- nível em diferentes concentrações, sob diferentes formas de ação (ação lenta ou rápida) e para diferentes formas de aplicação (intramuscular, subcutânea, etc.). A somatropina é o hormônio do crescimento humano recombinante tam- bém aprovado para uso em crianças cujo organismo não produz quantidades suficientes do hormônio (ALMEIDA; AMARAL; LOBAO, 2011). Você sabia que, entre as décadas de 1960 e 1980, o hormônio do crescimento era obtido a partir da hipófise de cadáveres humanos? Esse processo limitava muito sua utilização devido ao risco de contaminação e à dificuldade de obtenção. Atualmente, com a tecnologia do DNA recombinante, o gene do hormônio do crescimento humano é inserido em bactérias do tipo E. coli, que produzem o hormônio em grandes quantidades. 11Genes e medicamentos Fatores de crescimento A eritropoetina é uma proteína produzida pelo rim e que tem como função regular a proliferação e a diferenciação de células hematopoiéticas da medula óssea. Em casos de falha renal, como em pacientes com câncer ou doença renal crônica, a eritropoetina recombinante pode ser utilizada (ALMEIDA; AMARAL; LOBAO, 2011). Enzimas Diversas enzimas são produzidas pela técnica de DNA recombinante, como a enzima dornase alfa, que é fabricada na forma de inalante respiratório e é utili- zada no tratamento de fi brose cística (ALMEIDA; AMARAL; LOBAO, 2011). Vacinas As vacinas recombinantes têm sido formuladas a fi m de ativar, de forma efi caz, específi ca e duradoura, células imunes do nosso organismo, capazes de reconhecer e destruir células de patógenos de origem viral, bacteriana ou parasitária. Nos últimos anos, também têm sido empregados muitos esforços para a produção de vacinas antitumorais que sejam mais efi cazes e menos invasivas que os tratamentos convencionais disponíveis no mercado. Tumores de origem infecciosa, como o de fígado e o cervical, associados à infecção pelo vírus da hepatite B e pelo papiloma vírus humano (HPV), respectivamente, são alvos mais propícios para uma abordagem terapêutica utilizando vacinas. Contudo, vale lembrar que outros tipos de câncer tam- bém podem ser tratados com imunoterapia: os cientistas podem modifi car proteínas encontradas nos tumores, de forma que o sistema imune do pa- ciente se torne mais efi caz em sua resposta ao câncer, ou modifi car células tumorais do próprio paciente, para que produzam substâncias específi cas (imunomoduladores) que estimulem as células de defesa do organismo a eliminar o tumor. Existe uma enorme diversidade de vacinas recombinantes disponíveis no mercado, como as vacinas contra o vírus infl uenza sazonal (vírus da gripe), hepatite A e B, câncer cervical e vírus H1N1 (ALMEIDA; AMARAL; LOBAO, 2011). A vacina contra a dengue também tem sido um grande avanço, em termos de saúde pública, para a população brasileira. A incidência de infecção pelo vírus da dengue no país é tão alta que, somente no ano de 2017, foram regis- Genes e medicamentos12 trados 251.711 casos prováveis de dengue (BRASIL, 2018). A doença atinge, principalmente, os países de clima tropical, como o Brasil, especialmente devido ao calor e à umidade, o que favorece a proliferação do mosquito trans- missor do vírus, o Aedes aegypti. O primeiro grande avanço em relação ao combate da dengue se deu pela empresa francesa Sanofi Pasteur, que produziu uma vacina tetravalente contendo vírus recombinantes atenuados. A vacina Dengvaxia® foi a primeira a se mostrar eficaz, sem causar efeitos colaterais importantes e, por isso, já foi aprovada para uso em diversos países. Aqui no Brasil, essa vacina teve seu registro concedido pela Anvisa no ano de 2015 e está disponível para a população que já tenha entrado em contato com o vírus previamente (AGÊNCIA..., 2018). A Dengvaxia® foi elaborada a partir da cepa 17D utilizada na vacina de febre amarela. Para tal, os genes que codificam as proteínas pré-membrana(prM) e do envelope (E) foram substituídos pelos genes de cada um dos quatro sorotipos de dengue. O produto final é uma vacina combinada que contém as quatro cepas recombinantes em uma única preparação (Figura 3). Figura 3. Desenvolvimento da vacina contra o vírus da dengue, que contém as quatro cepas recombinantes do vírus. Fonte: Guy et al. (2011). 13Genes e medicamentos Mais recentemente, o Instituto Butantan, aqui do Brasil, desenvolveu, em parceira com o Instituto de Saúde dos Estados Unidos (NIH), outra vacina contra a dengue. Na vacina brasileira, os vírus atenuados foram obtidos por deleção de segmentos gênicos virais. Essa vacina também é tetravalente e deverá proteger contra os quatro tipos de vírus da dengue. Apesar de já estar em fase final de estudo clínico, ela ainda não está disponível no mercado (INSTITUTO BUTANTAN, 2018). Anticorpos monoclonais Os anticorpos monoclonais são biofármacos com alta especifi cidade e, por isso, têm ganhado cada vez mais atenção dos pesquisadores. Esses agentes são uma promessa terapêutica para diversas doenças graves, como o câncer. No Quadro 1, você encontra uma lista de exemplos de anticorpos monoclonais aprovados pela FDA e já comercializados para o tratamento de diferentes doenças (ALMEIDA; AMARAL; LOBAO, 2011). Fonte: Adaptado de Almeida, Amaral e Lobão (2011). Anticorpo Substância ativa Indicações terapêuticas Herceptin® Trastuzumab Câncer de mama Mabthera® Rituximab Linfoma MabCampath® Alemtuzumab Leucemia Trudexa® Adalimumab Artrite reumatoide Erbitux® Cetuximab Câncer colorretal metastático Avastin® Bevacizumab Câncer colorretal, de mama e de pulmão Tysabri® Natalizumab Esclerose múltipla Quadro 1. Exemplos de anticorpos monoclonais com indicação terapêutica Genes e medicamentos14 ALMEIDA, H.; AMARAL, M. H.; LOBAO, P. Drugs obtained by biotechnology pro- cessing. Brazilian journal of pharmaceutical sciences, v. 47, n. 2, p. 199-207, jun. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984- -82502011000200002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 13 out. 2018. 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