Buscar

EVOLUCAO HISTORICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Prévia do material em texto

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO 
A Responsabilidade do Estado diz respeito às obrigações extracontratuais decorrentes dos atos lesivos lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos das pessoas jurídicas que o integram. Desta forma, sempre que o Poder Executivo, Poder Legislativo ou o Poder Judiciário, através de seus agentes, que desempenham a função pública em nome do Estado, acabam ocasionando danos a terceiros, não se imputa a responsabilidade do agente que praticou determinado ato, nem tampouco se fala em responsabilidade civil da administração pública, pois essa não possui personalidade jurídica para tanto. É o Estado o responsável pelos atos de seus agentes, e caso seja comprovado o dolo ou culpa do funcionário público que gerou prejuízos ao erário, decorrente de ato que gerou uma indenização pecuniária a terceiro prejudicado, o Estado poderá promover ação de regresso em desfavor do agente público.
Assim, quem responde pelos atos dos agentes públicos no exercício da função não é o agente em primeiro lugar, mas a pessoa jurídica da qual faz parte.
Diante da delimitação do tema, faz-se necessário abordar a evolução histórica da responsabilidade civil, analisando os ensinamentos doutrinários sobre a criação de teorias que ditaram regras de imputação de responsabilidade por eventuais danos causados durante a história da humanidade, até se chegar à teoria adotada pelo Direito brasileiro na atualidade.
A evolução da responsabilidade civil do Estado, que interessa para o presente trabalho, passa a ser abordada desde a idade média, iniciando com a teoria da irresponsabilidade.
Teoria Da Irresponsabilidade
Durante os períodos em que os Estados eram monárquicos absolutistas, isto é, quando a figura do rei era indissociável da personalidade do Estado e todo o poder estava centralizado nele, a teoria predominante em relação à responsabilidade civil do Estado era a da irresponsabilidade.
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, essa teoria se baseava na soberania do Estado sobre seus atos, não havendo responsabilização por eventuais danos causados por seus agentes, uma vez que naquela época acreditava-se que o Estado não errava e, portanto, não se cogitava responsabilizá-lo pelas ações de seus agentes.
A teoria da irresponsabilidade do Estado, ao ser apresentada, revela uma tremenda injustiça e desequilíbrio na distribuição de poder e responsabilidade que predominava naquela época. Isso acabou resultando na deterioração dessa teoria, pois ela não abrangia as ações dos agentes públicos passíveis de responsabilização e reparação em nome de terceiros, incluindo representantes do Estado, e até mesmo os atos prejudiciais do rei.
Na sociedade da época, o Estado detinha uma autoridade absoluta sobre seus súditos, zelando pela justiça e, dessa maneira, não podendo ser questionado. Daí surgiram os princípios de que o rei não poderia cometer erros e de que as vontades do príncipe tinham força de lei. Qualquer tentativa de responsabilizar o Estado equivaleria a equipará-lo ao cidadão comum, o que representaria uma afronta à sua soberania.
Sergio Cavalieri Filho leciona que:
A teoria da irresponsabilidade era a própria negação do direito. De fato, se no Estado de Direito o Poder Público também se submete à lei, a responsabilidade estatal é simples corolário, consequência lógica e inevitável dessa submissão. Como sujeito de personalidade, o Estado é capaz de direitos e obrigações como os demais entes, inexistindo motivos que possam justificar a sua irresponsabilidade. Se o Estado é o Guardião do Direito, como deixar ao desamparo o cidadão que sofreu prejuízos por ato próprio do Estado?
Perante da injustiça que essa teoria pregava, não levou muito para que novas correntes teóricas derrubassem a irresponsabilidade buscando uma melhor distribuição do direito, dando lugar às teorias que aos poucos foram inserindo o Estado na responsabilidade, desenvolvendo-se, desta maneira, as teorias civilistas, com resquícios da irresponsabilidade em alguns casos.
Teorias Civilistas
No século XIX, a teoria da irresponsabilidade do Estado foi ultrapassada. Contudo, ao reconhecer a possibilidade de responsabilização do Estado, os princípios do direito civil eram empregados, tendo como base a ideia de culpa. Dessa forma, surgiram na história as teorias civilistas da culpa aplicada à responsabilidade civil do Estado.
Com a superação da antiga teoria que sustentava a ideia da irresponsabilidade civil do Estado, passou-se a aceitar que o Estado seria responsável pelos danos causados por seus agentes no exercício de suas funções públicas, desde que houvesse culpa. No entanto, era necessário distinguir entre os diversos tipos de atos do Estado para determinar quais seriam passíveis de responsabilização e quais não acarretariam obrigação de indenizar. Foi assim que, pelas teorias civilistas, surgiu a classificação dos atos de império e dos atos de gestão.
O ato do império não era passível de responsabilidade, pois eram conhecidos por suas características e prerrogativas de poderes especiais para manutenção da ordem estatal, em que o poder público utilizava medidas coercitivas e impostas com atribuição legal como forma de preservação da soberania. Por outro lado, os atos de gestão, ou seja, os praticados para a preservação, a prestação do serviço público e as práticas de desenvolvimento dos bens públicos, quando, pela ação dos seus agentes, por culpa, tenham causado danos a terceiros privados. derivam da ilegalidade e do nexo causal da obrigação do Estado de compensar.
Essa diferenciação foi criada com o intuito de suavizar a ideia de que o monarca era isento de responsabilidade por danos causados a terceiros. Passou-se a reconhecer a responsabilidade civil quando advinda de atos de administração e a excluí-la nos danos resultantes de atos de governo. Era feita uma distinção entre a figura do Rei (considerado infalível - the king can do no wrong), que realizava os atos de governo, e a figura do Estado, que realizava os atos de administração por meio de seus representantes.
Diante disso, houve uma forte resistência com o objetivo de responsabilizar o Estado e acabar com a diferenciação entre os atos soberanos e os atos administrativos, argumentando que é impossível separar a personalidade do Estado, sendo necessário considerar todas as ações do Estado como administrativas, realizadas exclusivamente para a gestão do patrimônio público.
TEORIAS PUBLICISTAS
Seguindo a evolução da responsabilidade civil do Estado, a jurisprudência da França trouxe uma abordagem inovadora sobre o assunto por meio do renomado e trágico caso Blanco, que impactou a concepção da responsabilidade civil do Estado. A doutrina estava atrelada aos fundamentos do Direito Civil, até que o Tribunal de Conflitos, no caso ocorrido em 1873, ao acatar o pedido de compensação em benefício do pai de Agnes Blanco, mudou o cenário da responsabilidade civil estatal, marcando o início de uma nova etapa para o instituto.
Veja-se as palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro sobre o tema:
a menina Agnes Blanco, ao atravessar uma rua da cidade de Bordeaux, foi colhida por uma vagonete da Cia. Nacional de Manufatura do Fumo; seu pai promoveu ação civil de indenização, com base no princípio de que o Estado é civilmente responsável por prejuízos causados a terceiros, em decorrência de ação danosa de seus agentes. Suscitado conflito de atribuições entre a jurisdição comum e o contencioso administrativo, o Tribunal de Conflitos decidiu que a controvérsia deveria ser solucionada pelo tribunal administrativo, porque se tratava de apreciar a responsabilidade decorrente de funcionamento do serviço público. Entendeu-se que a responsabilidade do Estado não pode reger-se pelos princípios do Código Civil, porque se sujeita a regras especiais que variam conforme as necessidades do serviço e a imposição de conciliar os direitos do Estado com os direitos privados.
Tornando-se o marco do desenvolvimento das teorias publicistas, segundo os princípios básicos do direito públicoe serviu de impulso para a inclusão total do Estado na responsabilidade civil, dando início ao surgimento da teoria da culpa do serviço ou da culpa administrativa e a teoria do risco, desdobrada, por alguns autores, em teoria do risco administrativo e teoria do risco integral.
Teoria da culpa do serviço
Também conhecida como teoria da culpa administrativa ou acidente administrativo, procura desvincular a responsabilidade do Estado da ideia de culpa do funcionário, passando a falar em culpa do serviço público.
O doutrinador Carvalho Filho assim leciona:
A falta do serviço podia consumar-se de três maneiras: a inexistência do serviço, o mau funcionamento do serviço ou o retardamento do serviço. Em qualquer dessas formas, a falta do serviço implicava o reconhecimento da existência de culpa, ainda que atribuída ao serviço da Administração. Por esse motivo, para que o lesado pudesse exercer seu direito à reparação dos prejuízos, era necessário que comprovasse que o fato danoso se originava do mau funcionamento do serviço e que, em consequência, teria o Estado atuado culposamente. Cabia-lhe, ainda, o ônus de provar o elemento culpa[10].
Resumida em três situações em que o serviço público prestado é capaz de gerar a reparação por parte do Estado: a) o serviço público não funcionou (omissão), b) funcionou atrasado ou c) funcionou mal. Havendo qualquer das hipóteses mencionadas, apesar de culpa do funcionário público que praticou ou deixou de praticar o ato quanto deveria, a responsabilidade é do Estado.
Teoria do risco administrativo
Hely Lopes Meirelles leciona que tal teoria, baseia-se no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar dano a certos membros da comunidade, impondo-lhes um ônus não suportado pelos demais. Para corrigir essa desigualdade individual, todos os outros componentes da coletividade devem concorrer para a reparação do dano, através do erário, representado pela Fazenda pública.
No sistema jurídico do Brasil, foi adotada a doutrina do risco administrativo. Não é preciso provar a intenção maliciosa ou negligência do governo. Basta que a vítima mostre a ocorrência de um acontecimento administrativo, a presença de um prejuízo e a ligação causal entre o acontecimento administrativo e o dano.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
De acordo com o professor Carvalho Filho:
No risco administrativo, não há responsabilidade civil genérica e indiscriminada: se houver participação total ou parcial do lesado para o dano, o Estado será responsável no primeiro caso e, no segundo, terá atenuação no que concerne a sua obrigação de indenizar. Já no risco integral, a responsabilidade sequer depende do nexo causal e ocorre até mesmo quando a culpa é da própria vítima[14].
A teoria do risco administrativo possui excludentes de responsabilidades sendo comprovadas, não ensejarão a obrigação do Estado indenizar por eventuais danos. 
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, diz que além das excludentes de responsabilidade, temos causas atenuantes e equiparativas de responsabilidade. Como o nexo de causalidade é o elemento essencial para caracterizar a responsabilidade civil, esta será excluída quando o dano for resultado de força maior, culpa exclusiva da vítima ou culpa de terceiros. No entanto, quando o resultado se der por caso fortuito haverá atenuação da responsabilidade.
Força maior é acontecimento imprevisível, inevitável e estranho à vontade das partes, como uma tempestade, um raio ou um terremoto. Não sendo imputável à Administração, não pode incidir a responsabilidade do Estado; não há nexo de causalidade entre o dano e o comportamento da Administração.
Já o caso fortuito, que não constitui causa excludente da responsabilidade do Estado, ocorre nos casos em que o dano seja decorrente de ato humano ou de falha da Administração; quando se rompe, por exemplo, uma adutora ou um cabo elétrico, causando dano a terceiros, não se pode falar em força maior, de modo a excluir a responsabilidade do Estado.
Teoria do risco integral
O Estado será responsabilizado por eventuais danos causados, mesmo sem a existência de dolo ou culpa. Existem hipóteses previstas na Constituição de 1988 em que a teoria do risco integral é aplicada, como exceção à teoria adotada no país, e as situações estão dispostas no artigo 21, inciso XXIII, alínea d:
	d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa.
Segundo Carvalho Filho:
no risco integral a responsabilidade sequer depende do nexo causal e ocorre até mesmo quando a culpa é da própria vítima. Assim, por exemplo, o Estado teria que indenizar o indivíduo que se atirou deliberadamente à frente de uma viatura pública. É evidente que semelhante fundamento não pode ser aplicado à responsabilidade do Estado, só sendo admissível em situações raríssimas e excepcionais.
Direito de regresso
Com a promulgação da Constituição de 1988, em vigor até os dias atuais, cuidou em dispor o legislador no artigo 37, § 6º, o seguinte:
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Dessa forma, a Constituição Federal de 88 estabeleceu que o Estado responderá objetivamente pelos atos de seus agentes e, que os agentes responderão ao Estado subjetivamente.
Assim, os atos lícitos ou ilícitos que causarem danos a particulares, independentemente de dolo ou culpa, gerarão o dever do Estado indenizar, salvo se estiverem presentes as causas excludentes ou atenuantes de responsabilidade.
As hipóteses de exclusão de responsabilidade civil do Estado são: caso fortuito, fato e terceiro e culpa exclusiva da vítima.
Já em relação aos agentes, estes responderão, por força do Direito de regresso, se a Administração pública provar que a conduta lesiva do agente contra o particular foi praticada mediante dolo ou culpa, uma vez que a responsabilidade dos agentes públicos para com o Estado é subjetiva.
Nesse sentido ensina Hely Lopes Meirelles:
O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão. Firmou, assim, o princípio da responsabilidade sem culpa pela atuação lesiva dos agentes públicos e seus delegados[24].
A respeito do direito de regresso, Elias Freie assim leciona:
Em decorrência da responsabilidade subjetiva do agente público, é assegurado ao Poder Público o direito de regresso no sentido de dirigir sua pretensão indenizatória contra o agente responsável pelo dano, desde que este tenha agido com culpa ou dolo[25].
Pode-se dizer que a evolução histórica da responsabilidade civil do Estado desde os tempos dos Estados absolutistas foi gradativa em relação à proteção do particular diante de atos do Poder Público, sendo a doutrina, no mesmo passo, aperfeiçoada, a fim de equilibrar a relação entre as partes, visando a melhorar aplicação do direito e da justiça.
[1] NOTA: A despeito de em regra a responsabilidade civil do Estado ser objetiva, pois responde independentemente de dolo ou culpa, nos casos em que se verificar que o agente teve dolo ou culpa para o resultado danoso, poderá a Administração Pública, mediante a adoção teoria do risco administrativo e da teoria da responsabilidade subjetiva do agente ajuizar ação regressivapara cobrar do servidor os valores despendidos com a indenização.
[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 31. ed. rev. atual e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 889.

Mais conteúdos dessa disciplina