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1 2 3 NADERE REFORMATIE PUBLICAÇÕES ____________________________________________ Título Original: Presbyterians Do Not Celebrate Holy-days [Presbiterianos não celebram Dias Santos] Samuel Miller Professor de História Eclesiástica e Governo da Igreja no Seminário Teológico de Princeton, Nova Jersey 1835 Disponível em: https://www.covenanter.org/reformed/2017/1/3/presbyteri ans-do-not-celebrate-holy-days Título e-book em Português: Por que presbiterianos não celebram dias santos Um trecho da obra Presbyterianism, the Truly Primitive and Apostolical Constitution of the Church of Christ. Todas as citações bíblica foram conforme a versão Almeida Revista e Atualizada, exceto casos de indicação contrária. ______________________________________________ Editor: Christopher Vicente Tradutor: Christopher Vicente Revisor: Christopher Vicente MILLER, Samuel. Por que presbiterianos não celebram dias santos. Natal: Nadere Reformatie Publicações, 2020. 4 5 SUMÁRIO PREFÁCIO ....................................................................................................... 7 PARTE I O CULTO PRESBITERIANO .................................................................. 9 PARTE II PRESBITERIANOS NÃO CELEBRAM DIAS SANTOS ............................ 13 APÊNDICE A - CALVINO, WESTMINSTER E A CELEBRAÇÃO DE DIAS SANTOS . 21 APÊNDICE B - ALGUMAS OBJEÇÕES RESPONDIDAS E UMA PALAVRA DE CARIDADE .................................................................................................... 33 6 7 PREFÁCIO Samuel Miller (1769–1850) foi um dos grandes ministros do evangelho que o Senhor levantou em Sua Igreja, entre os séculos XVIII-XIX, no presbiterianismo norte-americano. Um dos grandes que trabalhou pela fidelidade da Igreja à Palavra. Ele escreveu uma majestosa obra sobre o governo presbiteriano, Presbyterianism, the Truly Primitive and Apostolical Constitution of the Church of Christ [Presbiterianismo, a verdadeira, primitiva e apostólica constituição da Igreja de Cristo], publicada em 1835. Queira o Senhor que, um dia, essa obra seja publicada completa. O trecho, aqui, traduzido, neste e-book, trata da introdução do capítulo sobre a doutrina presbiteriana do culto, sob o título, Culto da Igreja Presbiteriana [Worship of the Presbyterian Church]. Após, brevemente, tratar do Princípio Regulador, ele traz algumas implicações e aplicações (em forma de sessões), uma delas é: o porquê de, como presbiterianos, não guardarmos ou celebrarmos outros dias santos, além do semanalmente ordenado - o Dia do Senhor. Ele argumenta, biblicamente, contra a manutenção dessa prática. É de grande utilidade o material. Publicamos o e-book na semana que, no Ocidente, celebra-se a festa judaica da Páscoa. No entanto, a publicação deste e-book, nem de longe, tem por objetivo discórdia ou (como chamamos, aqui, no Nordeste) picuinha. Desencorajamos o uso soberbo e imaturo, o qual toma a verdade para agredir irmãos em Cristo que estejam em posição contrária ao que, aqui, é refutado. Em uma de suas cartas, Calvino menciona que “não se passa um ano sem que haja algum tipo de briga e discussão; o povo estava dividido ao ponto de desembainharem as suas espadas”.[1] E, parece que, nisso também, não há nada novo debaixo do Sol nos dias atuais. Porém, cremos que isso não é resolvido fingindo que não há problema. Alguém pode questionar que, se realmente, nosso objetivo não fosse causar discussão, porque publicamos, ainda mais nesse período. Como dissemos, não cremos que o problema é resolvido não tratando, mas tratando- o de forma honrosa, madura, piedosa e sem ofensas mútuas. Por isso, o objetivo da publicação é suscitar a reflexão por meio de um dos teólogos que é contado entre os mais sóbrios, piedosos, maduros e sérios, no presbiterianismo histórico. E, por crermos que essa é a correta posição, a despeito de cultura, de 1 Carta, de março de 1555, para os Magistrados de Berna. Extraída de: http://tempora- mores.blogspot.com/2006/12/calvino-contra-o-natal.html?m=1. Acesso em: 06 de abril de 2020. 8 usos e fins (geo)políticos ou de tradicionalismo, objetivamos, também, um clamor para que se abrace a verdade e nos aproximemos de uma prática verdadeira. Queremos “conversar”, por meio de um respeitado teólogo. A fonte é destacável, aqui, visto que, normalmente, os proponentes da celebração de dias santos do calendário “cristão” tendem a tratar os atuais contrários de extremados ou de lunáticos ou de neologismo afins. Eis, aqui, um excelente, entre os gigantes, sóbrio e centrado, não do séc. XVI ou XVII, mas do XIX, cujo presbiterianismo é inquestionável e cuja coerência interna é extraordinária, para nos ajudar nessa reflexão. Podemos pensar mais com sobriedade sem taxações - e isso de ambos os lados. Esse e-book contém o recorte da obra de Samuel Miller, dois apêndices do editor, um sob o título “Calvino, Westminster e a celebração de dias santos”; e outro sob o título “algumas objeções respondidas e uma palavra de caridade”. Creio que vale destacar, aqui, que mais de 50% do volume do e-book foi destinado aos apêndices, pois, citam trechos e mais trechos de fontes primárias. Reafirmamos, caro leitor, se você já crê no que, aqui, é ensinado ou, por meio desse material, for convencido da verdade (o que desejamos), não use dela para guerrear contra seus irmãos, nem lhes agredir. Não cause problema em sua igreja local, caso ela “celebre dias santos”. Não se levante contra seus presbíteros. Mas, junte-se a nós no clamor para que Deus reforme Sua igreja por completo. Ele, não nós, é o Senhor da Igreja e fará o que lhe aprouver no tempo que lhe aprouver. Não sejamos pedras de tropeço, mas instrumentos dEle. Conforme Calvino falou: “a restauração da Igreja é obra de Deus, e que, tal como a ressurreição dos mortos ou qualquer outro tipo de milagres, Ele não depende das esperanças e opiniões”.[2] Christopher Vicente 04 de abril de 2020. Natal-RN. 2 CALVINO, João. A Necessidade de Reformar a Igreja. As Obras de João Calvino (Vol. 1). Recife: CLIRE, 2017. p. 253. 9 PARTE I O CULTO PRESBITERIANO Um princípio fundamental da Igreja Presbiteriana, em seu padrão “Diretório para o Culto a Deus” é que, nesse ponto, como em todas as demais coisas, a Escritura é o único guia seguro. Um dos erros mais comuns que ganhou espaço, no meio da comunidade cristã, foi a adoção do princípio de que os ministros da religião podem, legalmente, fazer adições, ao seu prazer, de ritos e cerimônias da Igreja. Em consequências da admissão desse erro, Agostinho reclamou, logo no início do quinto século, que para um único mandamento de Deus, dez homens entraram na igreja e formaram um fardo maior, em alguns aspectos, do que os judeus e pagãos na administração cerimonial na igreja. Muitos ritos e cerimônias foram adotados de ambos [dos judeus e pagãos], para que se sentissem mais à vontade nas assembleias cristãs. Esse mal aumentou até que, antes da Reforma, alcançou uma quantidade revoltante de superstição que, agora, distingue a Igreja de Roma. Foi em referência a esse ponto que nossos pais, tanto na Escócia quanto na Inglaterra, tiveram muitos conflitos, quando suas respectivas igrejas, em seus países, foram organizadas e estabelecidas no século XVI. Por um lado, os prelados e outros clérigos da corte eram a favor de rituais esplêndidos; e inclinaram-se a reter uma grande quantidade de cerimônias, as quais estava em largo uso na Igreja de Roma. Por outrolado, os puritanos, na Inglaterra e seu correspondente na Escócia, lutavam dizendo que, sendo a Escritura a única infalível regra de fé e prática, nenhum rito ou cerimônia fora da Escritura, poderia ter um lugar no culto público a Deus, o qual é ordenado na Escritura, tanto por um preceito direto ou exemplo, quanto por boa e suficiente consequência.[3] Na Escócia, os advogados da primitiva simplicidade prevaleceram e estabeleceram em sua igreja nacional o mesmo modo de culto, o qual nós cremos ter existido na Era Apostólica; e que, agora, prevalece na Igreja Presbiteriana naquele país e nos Estados Unidos da América. Na Inglaterra, 3 “Boa e suficiente consequência” é a expressão inglesa para o que, em português, ficou traduzido e difundido como “lógica e claramente deduzido” [Nota do Editor]. 10 nossos pais, os puritanos, não foram tão felizes no sucesso de estabelecer o mesmo sistema escriturístico. Sob a influência da monarquia e da corte de clérigos, eles foram vencidos. Ainda assim, é indubitavelmente certo que uma grande parte do devotado clero da Igreja da Inglaterra, durante o reinado da rainha Elizabeth, e alguns de seus dignitários mais dignos, quando o caráter daquela igreja, sob seu regime reformado, foi, finalmente consertado, alegaram, importunamente, que se deixasse de lado, no culto público, tudo o que os presbiterianos, atualmente, objetam, como não tendo garantia nas Escrituras. E apesar de terem falhado em garantir seu objetivo na igreja nacional, ainda assim, os descendentes dos puritanos, tanto naquele país quanto no nosso, foram autorizados a realizar seus desejos quanto à maioria dos detalhes em que insistiam. Em alguns dos principais desses particulares, proponho-me, agora, falar mais; e designar, em relação a cada um, nossas razões para seguir nossos pais em nosso sistema de adoração. Mas, antes de prosseguirmos com esse detalhe, pode ser útil oferecer uma ou duas observações gerais, que servirão para mostrar por que nos opomos a todas as invenções e acréscimos humanos na adoração a Deus. 1. Cristo é o único Rei e Cabeça da Igreja. Sua Palavra é a Lei dessa Casa. Claro que a Igreja não deve considerar a si mesma como possuindo algum poder que essa Palavra não garante. Se, portanto, ela não pode encontrar na Escritura, nem autoridade, nem direção, nem justa implicação para julgar o que for pretendido, então, ela não possui essa autoridade. 2. Nós pensamos que cada invenção ou adição são, expressamente, proibidas na Escritura. A significante questão foi respondida por Deus ao Seu antigo povo, quando, falando sobre esse mesmo assunto, disse em Isaías 1.12: “Que requereu isso das mãos de vocês?” - isso parece ser decisivo. “Ensinando, pois, doutrina e mandamentos de homens”, é falado, em Mateus 15.9, pelo nosso bendito Salvador como altamente ofensivo a Ele. Parece tácito sugerir que somos mais sábios que Deus e compreendemos melhor os interesses da Igreja do que Sua Cabeça e Senhor. 3. Se nós abrirmos uma vez essa porta, quando e como ela será fechada? A igreja, nos dizem [os romanistas], tem poder para decretar ritos e cerimônias; isto é, a maioria dos poderes dirigentes da igreja tem poder 11 para, a qualquer momento, por capricho, amor ao espetáculo, superstição ou qualquer outro motivo que possa motivar, adicionar rito após rito e cerimônia após cerimônia, ao bel prazer, na adoração a Deus. Agora, se esse poder é, realmente, herdado pela Igreja, qual limite nós daremos a essa prática? Se ela tem poder para adicionar dez ou vinte novas ordenanças ao seu ritual, não teria ela poder para adicionar cem ou quinhentos, se a maioria de seus ministros se sentirem inclinada para tal? E, não foi, precisamente, por essa estrada e sob esse princípio, que a enorme massa de superstição, a qual caracteriza o Papado, gradualmente, foi acumulada? Sem dúvida, o poder sustentado, sem nenhum limite, mas por capricho humano; que foi (e tem sido) tão, manifesta e chocantemente, abusado em eras passada, de forma alguma, deve ser reivindicado ou exercido na Igreja de Deus. Agora, sejamos mais específicos - aplicando a uma questão. 12 13 PARTE II PRESBITERIANOS NÃO CELEBRAM DIAS SANTOS Acreditamos e ensinamos, em nossos formulários públicos, que “sob a dispensação do Evangelho, não há dia em que se ordene que se santifique, exceto o dia do Senhor, que é o sábado cristão”. Acreditamos, de fato, e declaramos, na mesma fórmula, que é tanto bíblico quanto racional, observar dias especiais de jejum e ação de graças, como as extraordinárias dispensações da Divina Providência podem direcionar. Mas estamos convencidos de que a manutenção desses dias, quando são feitas observâncias declaradas, recorrente e claras, em determinados momentos [pré-estabelecidos], seja qual for o aspecto da Providência, é calculada para promover formalidade e superstição, em vez da edificação de o corpo de Cristo. Nossas razões para adotarmos essa opinião são as seguintes: I A ESCRITURA NÃO ORDENA Estamos convencidos de que não há garantia escriturística para tais observâncias, seja por preceito ou por exemplo. Não há indícios, no Novo Testamento, de que tais dias foram observados ou recomendados pelos apóstolos ou por qualquer uma das igrejas em seu tempo. A menção da Páscoa, em Atos 12.4, não tem aplicação para esse assunto. Herodes era judeu, não cristão; e, é claro, não toleraria uma solenidade cristã. O verdadeiro significado da passagem é (a menor inspeção do original satisfará todo leitor inteligente): “Pretendendo, após a Páscoa, trazê-lo adiante ao povo”. II A ESCRITURA CONDENA Acreditamos que as Escrituras, não apenas, não garantem a observância de tais dias, mas que a negam positivamente. Que qualquer um pesquise, imparcialmente: Colossenses 2.16; Gálatas 4.9-11; e depois diga se essas passagens não indicam, evidentemente, que o apóstolo inspirado desaprovou a observância de tais dias. 14 III A FUNÇÃO DAS FESTAS SANTAS NA ANTIGA ALIANÇA É INÚTIL NA NOVA A observância de Jejuns e Festas, por direção divina, sob a economia do Antigo Testamento, não falou nada a favor de tais observâncias sob a dispensação do Novo Testamento. Essa economia não era mais vinculativa, ou mesmo lícita, após a criação da Igreja do Novo Testamento. Era tão razoável implorar, pelo uso atual da Páscoa, do incenso e das ofertas queimadas da antiga administração, que foram, confessadamente, destruídas pela vinda de Cristo, como argumentar a favor de invenções humanas, com alguma semelhança a eles, como vinculativo à Igreja Cristã. IV A HISTÓRIA DE SUA CRIAÇÃO DEPÕE CONTRA A PRÁTICA A história da introdução de Jejuns e Festas declarados pelos primeiros cristãos fala muito contra suas obrigatoriedades e seu caráter edificante. Sua origem era ignóbil. Eles foram trazidos, principalmente, pela política carnal, com o objetivo de atrair para a Igreja judeus e gentios, que estavam acostumados a festas e dias santos. E, a partir do momento de sua introdução, eles se tornaram o sinal de conflito, ou os monumentos de expedição mundana e superstição degradante. Não havia dias santos, exceto o Dia do Senhor, observados na igreja cristã, enquanto os apóstolos viviam. Também, nenhum vestígio é dado de que eles achassem algo desejável a ser feito. Portanto, não encontramos nenhum indício de tal observância ter sido adotada até o final do segundo século. Então, a celebração da Páscoa deu origem a uma controvérsia: os cristãos asiáticos, implorando por sua observância no mesmo período do ano em que foi prescrito a Páscoa judaica, e sustentando que eles eram apoiados pela tradição apostólica; enquanto a Igreja ocidentaldisputava sua celebração declarada em um determinado domingo e instou, com igual confiança, a tradição apostólica em favor de seu plano. No que diz respeito a essa controvérsia feroz e imutável, Sócrates, o historiador eclesiástico, que escreveu logo após a época de Eusébio, inicia sua história 15 onde este último encerra sua narrativa, falando sobre a controvérsia relativa à Páscoa. Assim ele se expressa: nem os antigos nem os pais de épocas posteriores, ou seja, aqueles que favoreceram o costume judaico, tiveram motivos suficientes para contender tão ansiosamente sobre festa da Páscoa; pois não consideravam, em si mesmos que, quando a religião judaica foi transformada em cristianismo, a observância literal da lei mosaica e os tipos de coisas que estavam por vir cessaram totalmente. E isso traz consigo evidências próprias. Pois nenhuma das leis de Cristo permite que os cristãos observem os ritos dos judeus. Não, o Apóstolo o proibiu, em palavras simples, onde ele revoga a circuncisão e nos exorta a não discutir sobre festas e dias santos. Pois, escrevendo para os gálatas, ele os aconselha a não observar dias, meses, tempos e anos. E, para os colossenses, ele é tão claro quanto possível, declarando que a observância de tais coisas era apenas uma sombra. Nem os apóstolos nem os evangelistas determinaram aos cristãos a observância da Páscoa; mas deixaram a lembrança à livre escolha e discrição daqueles que foram beneficiados por esses dias. Os homens guardam dias santos, porque desfrutam do descanso do trabalho e do labor. Portanto, acontece que em todos os lugares eles celebram, por vontade própria, a lembrança da paixão do Senhor. Mas nem nosso Salvador nem Seus apóstolos nos mandaram observá-lo.[4] Aqui, então, está um eminente escritor cristão, que floresceu no início do século V, que fez da História da Igreja seu estudo particular; que declara, explicitamente, que nem Cristo nem Seus apóstolos deram ordem, nem mesmo prestaram atenção à observância dos dias de festa; que foi trazido para a Igreja por costume; e que, em diferentes partes da Igreja, havia diversidade de práticas em relação a esse assunto. Em relação à Páscoa, em particular, essa diversidade foi impressionante. Logo que ouvimos falar de sua observância, começamos a ouvir de uma disputa e uma interrupção da comunhão cristã por causa disso. Alguns citando a autoridade dos apóstolos para manter este festividade em um dia; e outros, 4 Sócrates, Livro 5, capítulo 21. 16 com a mesma confiança, citando a autoridade de outros apóstolos para a seleção de um dia diferente - demonstrando, claramente, que havia algum erro e tornando, altamente, provável que todas as partes estivessem erradas e que nenhuma dessas observâncias, eram obrigatórios para os cristãos. O festival da Páscoa, sem dúvida, foi introduzido no século II, no lugar da Páscoa e em acomodação ao mesmo preconceito judaico que foi dito, mesmo durante a era apostólica: “A não ser que seja circuncidado, à maneira de Moisés, não podeis ser salvos”. Por isso, era, geralmente, chamado de pascha e pasch, em conformidade com o nome da festa judaica, cujo lugar ocupava. Parece ter recebido o título de Páscoa na Grã-Bretanha, pelas circunstâncias, que, quando o cristianismo foi introduzido naquele país, um grande festival pagão celebrado na mesma estação do ano, em homenagem à deusa pagã Eostre, cedeu seu lugar para o festival cristão, que recebeu, substancialmente, o nome da divindade pagã.[5] Acredita-se que o título da Páscoa, raramente, seja usado, mas pelos britânicos e seus descendentes. Poucos festivais são celebrados na Igreja Romana e em algumas igrejas protestantes, com mais interesse e zelo, do que o Natal. No entanto, quando Orígenes, em meados do século III, dá uma lista dos jejuns e festivais que foram observados em seus dias - ele não faz menção ao Natal. A partir deste fato, Peter King, em seu “Inquérito sobre a Constituição e o culto, etc. da Igreja Primitiva”, infere que esse festival não foi observado e acrescenta: “Parece improvável que eles celebrem o nascimento de Cristo, quando discordam sobre o mês e o dia em que Cristo nasceu”. Todo mês do ano é designado por diferentes partes e escritores da Igreja Cristã como o tempo do nascimento de nosso Senhor; e a localização final dessa data, bem como de outros dias sagrados, no calendário eclesiástico, foi ajustada mais a princípios astronômicos e matemáticos do que a quaisquer cálculos sólidos da história. V A ORIGEM E RAZÕES DEPÕEM CONTRA A PRÁTICA Mas os motivos e a maneira de introduzir o Natal na Igreja Cristã falam mais fortemente contra ele. Sua verdadeira origem era esta, como muitas outras 5 A palavra inglesa, língua original dessa obra, para Páscoa é easter. O autor está associando a grafia desse nome ao nome da deusa, Eostre, e de sua festa idólatra e pagã que foi substituída pela “páscoa cristã”. 17 observâncias, foi emprestado dos pagãos. O conhecido festival pagão entre os romanos, distinguido pelo título de Saturnália (porque instituído em homenagem à sua divindade lendária, Saturno), foi celebrado por eles com o maior esplendor, extravagância e devassidão. Foi, durante sua continuidade, uma estação de liberdade e igualdade; o mestre deixou de governar e o escravo de obedecer; o primeiro esperando em sua própria mesa o último e submetendo-se à suspensão de toda ordem e ao reinado de divertimento universal. A cerimônia desse festival era aberta no dia 19 de dezembro, iluminando uma profusão de velas de cera no templo de Saturno; e suspendendo, em seu templo e em todas as suas habitações, ramos de louro e vários tipos de sempre-verdes.[6] A Igreja cristã, vendo a infeliz influência moral deste festival; percebendo com frequência seus próprios membros participando de sua licenciosidade; e desejosa de, se possível, efetivar sua abolição, nomeou um festival, em homenagem ao nascimento de seu mestre, quase na mesma época, com o objetivo de substituí-lo. Ao fazer isso, a política era reter o maior número possível de hábitos que prevaleciam na Saturnália que poderiam, de alguma forma, ser reconciliados com a pureza do cristianismo. Eles fizeram seu novo festival, portanto, uma estação de relaxamento e alegria, de visitas alegres e presentes mútuos. Assim, a Igreja Romana pediu emprestada aos pagãos algumas de suas observâncias mais importantes; e, assim, algumas observâncias dessa origem foram adotadas e continuadas pelos protestantes. VI O PRECEDENTE PARA OUTRAS INVENÇÕES E SUPERSTIÇÕES Sendo evidente, então, que jejuns e festivais declarados não têm garantia divina, e que seu uso, sob a administração do Novo Testamento, é uma mera invenção humana, então, podemos perguntar àqueles que são amigáveis com sua observância, que limites devem ser estabelecidos para sua adoção e uso na Igreja Cristã? Se é lícito introduzir cinco desses dias para a observância deles, por que não dez, vinte ou cem? Um pequeno número foi, em um período inicial, posto em uso por homens sérios, que pensavam que estavam prestando serviço a Deus e estendendo o reino da religião. Mas, um após o outro, foi 6 Provavelmente, “sempre-verdes” faz referência à uma planta ou ramos dela [Nota do Editor]. 18 acrescentado, à medida que a superstição aumentou, até o calendário ficar sobrecarregado com duzentos ou trezentos jejuns e festivais, ou dias de santo, a cada ano; interferindo assim, materialmente, com as reivindicações da indústria secular e carregando a adoração a Deus com uma massa de observâncias supersticiosas, igualmente hostis aos interesses temporais e eternos dos homens. Permita-se admitir o princípiode que os dias declarados de observância religiosa (que Deus, em nenhum lugar, os ordenou), possam ser, adequadamente, introduzidos no ritual cristão e, por paridade de raciocínio, todo aquele que, por bons motivos, puder efetuar a introdução de um novo festival religioso, tem a liberdade de fazê-lo. Sobre esse princípio, foi construída a enorme massa de superstição que, agora, distingue e corrompe a Igreja Romana. VII DIAS SANTOS INVENTADOS INTERFEREM NA SANTIFICAÇÃO DO ÚNICO DIA SANTO ORDENADO Constata-se que a observância de dias santos não ordenados interfere na devida santificação dos Dias do Senhor. Acrescentar, às nomeações de Deus, é superstição. E superstição já foi considerada hostil à obediência genuína. Seus devotos, como os judeus da antiguidade, já foram considerados mais tenazes de suas próprias invenções, de sonhos tradicionais, do que do código de dever revelado por Deus. Por conseguinte, talvez, não exista um fato mais universal e inquestionável do que o fato de que os observadores zelosos de jejuns e festivais declarados sejam, caracteristicamente, frouxos na observância daquele dia que Deus, eminentemente, separou para Si e na santificação da qual todos os interesses vitais da religião prática estão suspensos. Assim foi entre os israelitas da antiguidade. Já, no século V, Agostinho reclama que a observação supersticiosa de ritos não ordenados traiu muitos, em seu tempo, em um espírito de irreverência e negligência em relação aos que foram divinamente designados. Assim é, notoriamente, entre os romanistas nos dias atuais. E assim, sem qualquer quebra de caridade, pode-se dizer que está em todas as comunidades religiosas em que prevalece o zelo pela observância de dias santos não-ordenados. 19 É verdade, muitas dessas comunidades nos dizem que a observância dos dias santos, dedicada a pessoas e eventos particulares, na História da Igreja, tem uma tendência manifesta e forte para aumentar o espírito de piedade. Mas, se assim for, podemos esperar encontrar muito mais piedade das Escrituras na Igreja Romana do que em qualquer outra, uma vez que os dias santos são dez vezes mais numerosos nessa denominação do que no sistema de qualquer Igreja Protestante. Mas é assim? Que aqueles que têm olhos para ver e ouvidos para ouvir decidam. CONCLUSÃO Se as alegações anteriores são, de alguma forma, bem fundamentadas; se não há garantia na Palavra de Deus para quaisquer observâncias desse tipo; se, pelo contrário, as Escrituras os desencorajam expressamente; se a história de sua introdução e aumento marcam uma origem inalterada; se, uma vez que abrimos a porta para tais invenções humanas, ninguém pode dizer como ou quando pode ser fechada; e se alguma vez a observância de dias, não designada por Deus, exerce uma influência hostil na santificação daquele Dia santo que Deus designou, certamente, não precisamos de mais provas do que é prudente descartá-las de nossos sistema eclesiástico. [Diante de tudo isso, por que quais razões insustentáveis continuamos comemorando ou lutando pela manutenção de tais coisas?]. 20 21 APÊNDICE A CALVINO, WESTMINSTER E A CELEBRAÇÃO DE DIAS SANTOS 1. CALVINO E A CELEBRAÇÃO DE DIAS SANTOS Comumente, menciona-se Calvino como argumento a favor da prática de celebração dos dias que são considerados como dias santos para o Romanismo. Embora a opinião de teólogos particulares nos sejam muito útil para crescimento, amadurecimento e compreensão da teologia histórica, o peso maior em questões da prática da igreja não cai sobre a opinião deles, mas da Igreja de Cristo representada em Concílios. Porém, ainda assim, desejamos, nesse apêndice, tratar tanto de Calvino quanto dos Padrões de Westminster - dando o peso devido de autoridade maior a essas últimas. Calvino é um honrado e majestoso pastor, mestre e teólogo que Deus levantou para o bem de Sua Igreja. Sua opinião deve ser ouvida e considerada. Ele, em duas de suas cartas, menciona o seguinte: Antes da minha chamada à cidade, eles não tinham nenhuma festa exceto no dia do Senhor. Desde então eu tenho procurado moderação a fim de que o nascimento de Cristo seja celebrado (carta ao pastor da cidade de Berna, Jean Haller, de 2 de janeiro de 1551). Quanto ao restante, meus escritos testemunham os meus sentimentos nesses pontos, pois neles declaro que uma igreja não deve ser desprezada ou condenada porque observa mais festivais do que outras. A recente abolição de dias de festas resultou apenas no seguinte: não se passa um ano sem que haja algum tipo de briga e discussão; o povo estava dividido ao ponto de desembainharem as suas espadas (Carta aos Magistrados de Berna, de março de 1555).[7] Esses dois trechos são, comumente, citados para mostrar que Calvino apoiava (ou, pelo menos, não era contra) a celebração de dias dessa natureza. Porém, a luz de outras obras e cartas suas, não se pode concluir que, necessariamente, ele apoiasse, mas que estamos diante de um homem pastoral, paciente, que preza pelo amor entre os irmãos e com um senso do tempo devido para todas 7 Ambos os trechos foram tirados de: Calvino Contra o Natal? Disponível em: < http://tempora- mores.blogspot.com/2006/12/calvino-contra-o-natal.html?m=1 >. Acesso em: 060 de abril de 2020. 22 as coisas. Veja, por exemplo, essa sua fala sobre a celebração do Natal em um sermão de Miquéias: Vejo que há mais pessoas, aqui, hoje, do que costuma haver nos outros sermões. Por que isso? Porque é dia de Natal. E quem disse-lhes tal coisa? Pobres bestas. Isso é um eufemismo adequado para todos que vieram, aqui, hoje, honrar o natal. Pensam que honram a Deus? Considerem que tipo de obediência a Deus tens demonstrado? Em suas mentes, estão celebrando um dia santo para Deus, ou transformando-o em um. Na verdade, vocês têm sido, frequentemente, admoestados que, é bom separar um dia do ano, no qual, lembramos de todo o bem ocorrido por causa no nascimento de Cristo no mundo, ouvimos a história de seu nascimento sendo recontada, o que acontecerá no domingo. Porém, se vocês acham que Jesus Cristo nasceu hoje, são tão loucos, quanto bestas selvagens. Quando, você engrandece somente um dia com o propósito de adorar a Deus, você, simplesmente, transforma-o em um ídolo. Na verdade, vocês insistem que têm feito assim para a honra de Deus, contudo, honram mais ao diabo. [...] quando, insistimos em criar uma prática baseada em nossos caprichos, blasfemamos contra Deus, e criamos um ídolo, apesar de, termos feito isso tudo, em nome de Deus. [...] Portanto, vamos prestar atenção ao que Miquéias [5:7-14] está dizendo aqui, que Deus, não apenas despojará coisas que são más em si mesmas, como também, eliminará qualquer coisa que promova superstição. Entendendo isso, não acharemos estranho, o natal não ser celebrado, hoje, todavia, no domingo, celebraremos a Ceia do Senhor e recitaremos a história do nascimento do nosso Senhor Jesus Cristo.[8] Percebamos que, aqui, Calvino critica a postura dos crentes de Genebra na forma como lidam com o Natal, considerando ser um dia especial ou ser o dia do nascimento de Cristo. Embora, ele afirme que eles foram recomendados ter um dia para lembrar “de todo o bem ocorrido por causa no nascimento de Cristo no mundo, ouvimos a história de seu nascimento sendo recontada”, 8 Calvino sobre o dia chamado natal. Disponível em: < http://igrejapuritana.blogspot.com/2012/11/joao- calvino-sobre-o-dia-chamado-natal.html >. Acesso em: 07 de abril de 2020. Ao fazermos referência a esse link, não aprovamos, com isso, o grupo responsável. Apenas fazemos uso do excelente serviço que prestaram traduzindoessa porção do livro de sermões em Miquéias de Calvino. [Nota do Editor]. 23 ainda assim recrimina a superstição, comemoração (como se honrasse a Deus com isso) ou a atribuição do nascimento de Cristo naquele dia. Sobre coisas semelhantes aos dias santos (dias escolhidos, aleatoriamente, para representarem questões religiosas e espirituais), as cerimônias e superstições, Calvino diz (cito apenas um exemplo, não é difícil encontrar falas semelhantes nas Institutas e em outros escritos seus). Sobre o Princípio Regulador, ele diz: O Senhor, a fim de asseverar seu pleno direito de domínio, ordena estritamente o que Ele quer que façamos e prontamente rejeita todos os inventos humanos que se encontram em divergência com seu mandamento. [...] Deus desaprova todos os modos de culto que não estejam expressamente estabelecidos por Sua Palavra.[9] Mais a frente, na mesma obra, fala sobre o que é criado pelos homens e imposto para a prática da igreja: “os ritos, fundamentos meramente na autoridade humana, têm sido postos em pé de igualdade com os mistérios instituídos por Cristo e recomendados por sua autoridade divina”.[10] Perceba com que firmeza Calvino condena os mesmos dias santos ou questões de mesma natureza (instituições inventadas por homens sendo colocada para a prática da igreja) em outras obras. E, por último, sobre o que foi inventado pelos homens e as consequentes superstições que advirão disso, ele diz: Estando o culto divino viciado por tantas opiniões falsas e pervertido por tantas superstições ímpias e torpes, a santa majestade de Deus é insultada com atroz afronta, seu Santo Nome é profanado, e a sua glória não é só pisoteada. [...] reinam mil superstições.[11] Mas, ainda assim, mesmo com essa posição, Calvino recomenda o que foi visto na carta ao pastor da cidade de Berna, Jean Haller, já mencionada. A fala de Calvino sobre o assunto não parou ali. Mais à frente, ele continuou: 9 CALVINO, João. A Necessidade de Reformar a Igreja. As Obras de João Calvino (Vol. 1). Recife: CLIRE, 2017. p. 158. 10 CALVINO, João. A Necessidade de Reformar a Igreja. As Obras de João Calvino (Vol. 1). Recife: CLIRE, 2017. p. 246. 11 CALVINO, João. A Necessidade de Reformar a Igreja. As Obras de João Calvino (Vol. 1). Recife: CLIRE, 2017. p. 295. 24 Embora eu não tenha tomado a iniciativa nem tenha instigado isso, ainda assim, desde que a decisão foi tomada, não lamento por isso. [...] se você conhecesse o estado da Igreja tão bem quanto eu conheço, você não hesitaria em subscrever meu julgamento[...]. Se dependesse de mim, eu não teria apoiado a decisão a que se chegou. Não obstante, não há razão para que as pessoas se sintam tão provocadas, se usamos da nossa liberdade, conforme a edificação da igreja requer (grifo nosso).[12] Perceba o grifo destacado. Abertamente, Calvino diz: “Se dependesse de mim, eu não teria apoiado a decisão a que se chegou”. Mas ainda, permita-me citar, nesse mesmo sentido, um trecho de uma outra carta, pois, sua fala é útil para a tese aqui sustentada: Ninguém provido de são juízo negará que velas acesas, crucifixos e outras bugigangas da mesma espécie decorrem da superstição. Por isso tenho por certo que, quem espontaneamente conserva essas coisas, não anela senão por beber refugo contaminado. Também não vejo por que uma igreja deva ser sobrecarregada com essas cerimônias perniciosas, frívolas e inúteis, para não as chamar por seu nome verdadeiro, quando uma ordem de culto simples e pura está à nossa disposição.[13] Sua opinião é clara sobre tais coisas, sua convicção do grave erro e engano delas também. Mas, logo em seguida, ele chega ao ponto: que se entristece por haver discórdia entre esses irmãos. Em outra carta a Knox, ele reflete o mesmo espírito quanto às questões semelhantes aos dias santos, dizendo: Com respeito às cerimônias, tenho certeza de que você moderará o seu vigor, ainda que desagrade a muitos. Você tem, certamente, o dever de providenciar para que a igreja seja expurgada de todas as contaminações advindas do erro e da superstição. Pois nos cumpre lutar diligentemente para que os mistérios de Deus não sejam poluídos pela mescla de ritos burlesco ou repulsivo. Mas, à exceção disso, você bem sabe que certas coisas deveriam ser toleradas, ainda que não as aprove totalmente. Aflige- 12 Pr. Paulo Anglada, em um comentário a um post. Disponível: < http://tempora- mores.blogspot.com/2006/12/calvino-contra-o-natal.html >. Acesso em: 09 de abril de 2020. 13 CALVINO, João. Cartas de João Calvino. São Paulo: 2009. p. 126. 25 me profundamente, como bem pode crer, que os nobres da sua nação estejam divididos em facções [...]” (grifo nosso).[14] Para finalizar a sustentação da tese, aqui, apresentada sobre a relação de Calvino com esses dias, eis mais uma carta, datada de 25 de dezembro de 1557, na qual ele é claríssimo sobre sua opinião e intenções: No que diz respeito às cerimônias e, acima de tudo, à observância dos dias santos [ofereço o seguinte]: Embora existam alguns que desejam, ansiosamente, permanecer em conformidade com essas práticas, eu não sei como eles podem fazê-lo sem desconsiderar a edificação da igreja, nem sei como eles podem prestar contas a Deus por ter feito avançar o mal e impedido sua solução. No entanto, como temos que suportar uma série de imperfeições, quando não podemos corrigi-las, sou da opinião de que nenhum irmão deve permitir que o acima seja a causa de sua saída da igreja, a menos que a maioria apoie o contrário (grifo nosso).[15] Percebe-se que, em todos esses trechos, há diversas afirmações que nos levam a crer que, realmente, Calvino era contra tais práticas. Não é imprópria essa conclusão. Além disso, se com coisas que, claramente, são mais essenciais e importante, Calvino, mesmo sendo ferrenho opositor, orientou paciência e cautela; então, sem dúvida, o mesmo pode ter ocorrido com sua posição no tocante à manutenção dos Dias Santos dentro da Igreja.[16] Ou seja, não há, necessariamente, uma concordância, mas uma tolerância. Havia um desejo de não se perder em lutas por com coisas que, embora importantes, não eram urgentes. Eles estavam lutando contra um sistema totalmente corrompido (basta ser a obra A Necessidade de Reformar a Igreja que isso ficará claro); estavam sofrendo diversas pressões, internas e externas. “Brigar” por tais coisas, naquele momento, não seria sábio. Questões mais 14 Ibid., p. 170. 15 COLDWELL, Chris. John Calvin and Holy Days. Disponível em: < https://purelypresbyterian.com/2016/11/21/john-calvin-and-holy-days/ >. Acesso em: 07 de abril de 2020. 16 Aliás, não somos os primeiros a argumentar nesse sentido. George Gillispie, em sua obra “Dispute Against English-Popish Ceremonies”, tentou mostrar a relação da posição de Calvino e outros pastores em Genebra em diversas ocasiões que pareciam se posicionar de forma incoerente em diferentes ocasiões - conforme os autores deste (http://reformedpresbyterianveritasdocuments.blogspot.com/2009/01/war-against-christmas- on-thursday.html) site destacam. 26 prementes estavam chamando e rugindo com mais necessidades de atenção. Conforme Paulo Anglada conclui: O conteúdo geral das cartas de Calvino sobre a questão da observância dos dias santos parece indicar claramente que, embora ele estivesse pronto para TOLERAR essas celebrações controvertidas para não prejudicar o avanço da Reforma, ele mesmo não as aprovava e estranhava que outros se sentissem tão ofendidos com as reformas litúrgicas levadas a efeito em Genebra relacionadas à abolição dos dias santos.[17] *** Por isso, diante dessa exposição, há duas lições aos dois partidos: os reformadosque querem usar Calvino, para dizer que o mesmo considerava lícito tais comemorações, contra os reformados que se opõem a tal prática, devem ter mais cautela. A intenção de Calvino e sua opinião sobre a matéria e questões afins, em sua obra, não permite isso. Porém, os que querem, com isso, condenar ao fogo do inferno e heresia os irmãos que, por qualquer motivo, em sã consciência, ainda defendem isso, devem ter mais cautela e imitar não apenas o zelo de nosso irmão Calvino, mas seu espírito manso e cuidado com a não manutenção de discórdias desnecessárias entre os irmãos. Não é negar que há o erro ou fazer o possível, em certa medida, para que ele não seja perpetrado no seio da Igreja. Mas sim, é fazer isso com um espírito e ânimo fraternal. A verdade estabelecida em amor; ganhar o irmão, não o destruir. Ainda que se, seguramente, concluíssemos que Calvino defendesse como devido e correto a manutenção da celebração de tais dias inventados pela tradição e opinião humanos (o que seria uma incoerência com o todo de sua obra em questões similares), ainda assim, mesmo sendo útil analisarmos sua opinião e de outros, mais vale a confessionalidade de uma igreja, em especial, a da que fazemos parte. 17 Pr. Paulo Anglada, em um comentário a um post. Disponível: < http://tempora- mores.blogspot.com/2006/12/calvino-contra-o-natal.html >. Acesso em: 09 de abril de 2020. 27 2. WESTMINSTER E DIAS SANTOS A Confissão de Fé de Westminster nada fala, diretamente, sobre o tópico. Mas, indiretamente, pode-se inferir o seguinte, a luz dos respectivos trechos. ● Santifica-se, apenas, o Dia do Senhor. CFW XXI.7: “Como é lei da natureza que, em geral, uma devida proporção do tempo seja destinada ao culto de Deus, assim também em sua palavra, por um preceito positivo, moral e perpétuo, preceito que obriga a todos os homens em todos os séculos, Deus designou particularmente um dia em sete para ser um sábado (descanso) santificado por Ele; desde o princípio do mundo, até a ressurreição de Cristo, esse dia foi o último da semana; e desde a ressurreição de Cristo foi mudado para o primeiro dia da semana, dia que na Escritura é chamado Domingo, ou dia do Senhor, e que há de continuar até ao fim do mundo como o sábado cristão” (grifo nosso). ● As festas judaicas foram ab-rogadas em Cristo, como Páscoa, Festa da Colheita ou Primícias, etc. Não devem ser mais praticadas. CFW XIX.8: “Além dessa lei, geralmente chamada lei moral, foi Deus servido dar ao seu povo de Israel, considerado uma igreja sob a sua tutela, leis cerimoniais que contêm diversas ordenanças típicas. Essas leis, que em parte se referem ao culto e prefiguram Cristo, as suas graças, os seus atos, os seus sofrimentos e os seus benefícios, e em parte representam várias instruções de deveres morais, estão todas ab-rogadas sob o Novo Testamento” (grifo nosso). ● É proibido acrescentar algo ao culto de Deus sem a ordenação da Palavra, isso no tocante à igrejas que fazem “culto de natal”, “culto da ressurreição”, “culto de páscoa”: CMW 109. Os pecados proibidos no segundo mandamento são - o estabelecer, aconselhar, mandar, usar e aprovar de qualquer maneira qualquer culto religioso não instituído por Deus; o fazer qualquer imagem de Deus, de toda e qualquer das três pessoas, quer interiormente no espírito, quer exteriormente em qualquer forma de imagem ou semelhança de criatura alguma; toda a adoração dela, ou de Deus nela ou por meio dela; o fazer qualquer imagem de deuses imaginários e todo o culto ou serviço a eles pertencentes; todas as invenções supersticiosas, corrompendo oculto de Deus, acrescentando ou tirando dele, quer sejam inventadas e adotadas por nós, quer recebidas 28 por tradição de outros, embora sob o título de antiguidade, de costume, de devoção, de boa intenção, ou por qualquer outro pretexto; a simonia, o sacrilégio; toda a negligência, desprezo, impedimento e oposição ao culto e ordenanças que Deus instituiu” (grifo nosso). Demais, nada é falado. E, talvez, não se devesse esperar que se falasse. Porém, outro documento da mesma Assembleia, o Diretório de Culto de Westminster, embora, hoje, não sendo subscrito por muitas igrejas presbiterianas, lança luz sobre a visão da Assembleia de Westminster no tocante a isso: “Na Bíblia não há nenhum dia que seja ordenado para ser guardado como santo sob o Evangelho, senão o Dia do Senhor, que é o Sábado Cristão. Os dias de festa, comumente chamados de dias Santos, não tendo base na Palavra de Deus, não devem ser continuados” (grifo nosso).[18] Além disso, as Minutes of the Sessions of the Westminster Assembly of Divines nos dão uma precisa compreensão da posição da Assembleia, resolvido na sessão 325, em 19 de novembro de 1644: Ordenado: que, no diretório do dia do Sabbath [o Dia do Senhor, Domingo], algo seja expresso contra festas da paróquia, comumente chamado pelo nome rushbeatrings,[19] Festa do Pentecostes [whitsunales], Wakes,[20] como profano e supersticioso. Alguns movimentos foram feitos sobre os dias santos, para expressar algo contra eles.[21] 18 Escócia, Teólogos de Westminster e comissários da Igreja da. Diretório de Culto de Westminster: Um Diretório para o Culto Público a Deus nos Três Reinos: Inglaterra, Escócia e Irlanda. Recife: Os Puritanos. Edição do Kindle 19 Festa Britânica dedicada aos santos aos quais cada paróquia era dedicada. [Nota do Editor]. 20 Lancashire Wakes Weeks, festa religiosa britânica. “A origem dos Lancashire Wakes Weeks, em certa medida, ainda está envolta em mistério, embora pareça provável que eles tenham sido originalmente destinados a comemorar o aniversário de uma igreja ou capela sendo fundada na área local. No entanto, no século XIX, as vigílias tiveram poucas conotações religiosas, embora as procissões de “pressa” para a igreja local continuassem em algumas paróquias por muitas décadas” (HARLING, Nick. The History of Wakes Weeks and the Easter Fair. Disponível em: < http://www.cottontown.org/Culture%20and%20Leisure/Leisure/Pages/Fairs- and-Wakes.aspx#2 >. Acesso em 09 de abril de 2020. [Nota do Editor~]. 21 Minutes of the Sessions of the Westminster Assembly of Divines. Disponível em: < https://books.google.com.br/books?id=mopVAAAAYAAJ&printsec=frontcover&hl=pt- BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q=%22christmas%22&f=false >. Acesso em: 09 de abril de 2020. p. 3 29 Ordenado: sendo um único dia santo sob o novo testamento a ser mantido de pé por todas as igrejas de Cristo. Considere algo relacionado aos dias santos e aos lugares sagrados, [...] todos os outros costumes supersticiosos: [nome dos que foram designados para tratar do assunto].[22] Na sessão 329, em 25 de novembro de 1664, foi lido o relatório sobre o tema.[23] E, na sessão 347, da Assembleia, debateu-se o que resultou no texto que temos do Diretório de Culto de Westminster.[24] Nada consta, nas Minutes, sobre a Páscoa e, quanto ao Natal, apenas menções indiretas: uma sobre uma correspondências vinda de York pedindo orientação da Assembleia sobre a celebração do Natal;[25] outra menção sobre o jejum no dia do Natal. Mas, nada deliberativo ou que expresse a visão da Assembléia.[26] Não bastasse esse documento paralelo, oriundo dos mesmos teólogos que escreveram os Padrões de Westminster, lançando luz sobre quais aplicações pretendiam com as proposições doutrinárias, temos também um relato de John Brown,[27] no dia 8 de junho de 1647, descrevendo um dos processos no 22 Minutes of the Sessions of the Westminster Assembly of Divines. Disponível em: < https://books.google.com.br/books?id=mopVAAAAYAAJ&printsec=frontcover&hl=pt- BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q=%22christmas%22&f=false>. Acesso em: 09 de abril de 2020. p. 3 23 Minutes of the Sessions of the Westminster Assembly of Divines. Disponível em: < https://books.google.com.br/books?id=mopVAAAAYAAJ&printsec=frontcover&hl=pt- BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q=%22christmas%22&f=false >. Acesso em: 09 de abril de 2020. p. 11. 24 Minutes of the Sessions of the Westminster Assembly of Divines. Disponível em: < https://books.google.com.br/books?id=mopVAAAAYAAJ&printsec=frontcover&hl=pt- BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q=%22christmas%22&f=false >. Acesso em: 09 de abril de 2020. p. 23. 25 Minutes of the Sessions of the Westminster Assembly of Divines. Disponível em: < https://books.google.com.br/books?id=mopVAAAAYAAJ&printsec=frontcover&hl=pt- BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q=%22christmas%22&f=false >. Acesso em: 09 de abril de 2020. p. 167. 26 Minutes of the Sessions of the Westminster Assembly of Divines. Disponível em: < https://books.google.com.br/books?id=mopVAAAAYAAJ&printsec=frontcover&hl=pt- BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q=%22christmas%22&f=false >. Acesso em: 09 de abril de 2020. p. 21. 27 Esse John Brown assina como Cler. Parliamentum. Não foi possível obter mais informações sobre ele. [Nota do Editor]. 30 parlamento, fala sobre a decisão concernente aos “festivais chamados Dias Santos”, a saber, que “não são mais observados”.[28] Ele diz: Desde que as Festas da Natividade de Cristo, Páscoa e Festa do Divino Espírito Santo, e outros festivais comumente chamados Dias Santos, até agora, foram, supersticiosamente, usados e observados. Que seja ordenado pelos Senhores e Comuns no Parlamento reunido, que as referidas Festas da Natividade Páscoa de Cristo, e a Festa do Divino Espírito Santo, e todos os outros dias do festival, comumente chamados de dias santos, não são mais observados como festivais ou dias santos, neste reino da Inglaterra e no domínio de Gales, por meio de qualquer lei, estatuto, costume ou cânone para isso, a fim de que haja um tempo conveniente destinado a estudiosos, aprendizes e outros servidores, para sua recreação, seja ordenado pela autoridade acima mencionada, [...]. Ordenada pelos Senhores reunidos no Parlamento, para que esta Portaria seja impressa e publicada imediatamente. Considerando que, no período registrado, as questões concernentes à religião e prática religiosa, antes de subirem à Casa dos Comuns, era discutida na Assembleia de Westminster, esse documento, solicitando a suspensão da comemoração dos dias santos (da Páscoa, Natal e Descida do Espírito), mostra a compreensão dos membros dessa Assembleia.[29] CONCLUSÃO Portanto, a luz de Calvino, da luta escocesa e dos Padrões de Westminster, podemos concluir o seguinte: faz todo sentido ver nossos irmãos, como Calvino, serem cautelosos por bens maiores; mas a coerência. Dito isso, nossa reflexão, então, vai no seguinte sentido: Os protestantes e reformados (séc. XVI-XVII) toleraram até mesmo a presença de apócrifos nas suas versões de Bíblias a fim de não gerar grande confusão na Igreja; porém, assim que possível 28 Historical Collections of Private Passages of State: Volume 6, 1645-47. Originally published by D Browne, London, 1722. Disponível em: < https://www.british-history.ac.uk/rushworth-papers/vol6/pp545-604#h2-0005 >. Acesso em: 08 de abril de 2020. 29 Agradecemos ao pastor Ewerton B. Tokashiki, tanto pelo trecho quanto pela descrição dos trâmites processuais nesse período. 31 os retiraram totalmente.[30] Da mesma forma, compreendemos a manutenção de tais coisas por um tempo. Entretanto, depois de verdades mais essenciais estabelecidas, continuar-se-á a praticar aquilo que não é o melhor nem o mais maduro? Seria como manter os apócrifos nas versões da Bíblia (com suas devidas ressalvas da matéria tratada). Se necessário for caminhemos mais duas milhas! Porém, que não neguemos os perigos que há, em diversas igrejas, na manutenção de tais coisas não ordenadas. Celebremos a alegria das festas de final de ano, a ceia “de Natal”, a família junta, até mesmo os presentes. Mas, não atribuamos a isso algum caráter religioso de celebração do nascimento de Cristo ou requeiramos que as igrejas locais se organizem em torno disso. Aos que já não creem na prática da comemoração dos dias santos e na manutenção desses dias, no meio da Igreja (como eu não o creio), pelos mesmos exemplos históricos, pode ser recomendada paciência e amor para com os irmãos que ainda insistirem na prática de tais coisas. Não vale a pena condenar o irmão por algo que, embora importante, não nos é essencial para participarmos da redenção - a menos que se defendesse isso no mesmo tom que os judaizantes o fazem (que é o caso dos romanistas). Que Deus nos abençoe e dê paz à Igreja. 30 Conforme explica o Dr. Hermisten Maia (COSTA, Hermisten Maia P. da. A inspiração e inerrância das Escrituras. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. p. 55-57). 32 33 APÊNDICE B ALGUMAS OBJEÇÕES RESPONDIDAS E UMA PALAVRA DE CARIDADE Nessa porção final, procuramos responder algumas objeções que podem prevalecer mesmo após os argumentos de Samuel Miller ou que não foram contemplados por ele. OBJEÇÃO I: Se você discordar da celebração e manutenção desses dias, está discordando e atacando os fatos históricos a eles associados ou que eles pretendem rememorar. RESPOSTA: Discordar, por exemplo, da “comemoração” do chamado “Natal, 25 de dezembro”, como pretensa alusão ao nascimento de Cristo não é, de forma alguma, ser contra o fato histórico do nascimento de Cristo - como alguns parecem sugerir. Isso é uma falácia chamada de “ladeira escorregadia” ou a “falsa ligação”. Os que querem insistir nisso cometem a dolorosa agressão aos seus irmãos discordantes da celebração de uma dada inventada pelos homens para o nascimento de Cristo ao os acusarem de terem o mesmo espírito de Herodes, o qual não queria que Cristo nascesse. Tal sugestão é gravíssima, além de, como dito, falaciosa. Ainda: a Escritura não ordena separar uma data de comemoração pelo nascimento de Cristo. Mas, dia do Senhor após dia do Senhor, ou diariamente, louvar a Cristo por toda a Sua Obra completa, que inclui seu nascimento. Seu nascimento não é mais importante, na Sua obra, que cada dia vivido em obediência à Lei, do que Sua morte e Sua ressurreição. Todos atos de Sua obra foram necessários, fundamentais e igualmente maravilhosos para a salvação do Seu povo e são, igualmente, dignos de louvor. Se a Escritura não ordena; e esse é o contexto da obra de Cristo, então, não devemos fazer. Agora, se opor ao Dia do Senhor, sim, é se levantar contra o que ele representa - pois, o Senhor fez essa associação e ligação inseparável. 34 OBJEÇÃO II: É bonito comemorar tais datas. Damos um testemunho ao mundo sobre esse fato do evangelho (Natal, nascimento de Cristo; Páscoa, a morte de Cristo). RESPOSTA: A não-ordenação de tal forma de testemunho já seria suficiente para não ser sustentado. Todavia, se o Natal comemora o “nascimento de Jesus”, mas Cristo não nasceu na data estabelecida, isso não é testemunhar da verdade, mas de parte da verdade. O Natal, como tal, é uma festa criada pelo Romanismo em anexação à datas e à práticas pagãs, como uma forma ilegítima de “cristianizar”. Na Modernidade, foi novamente paganizada (papai Noel, compras, árvores, etc.). Sua origem e uso atual são devidos argumentos para a não prática como se fosse algo piedoso fazê-lo e não piedoso não o fazer. O testemunho do evangelho é a pregação e evangelização, não festas religiosas. OBJEÇÃO III: A festa do purim estabelecida em Ester, não é umafesta ordenada na Lei Mosaica e Cristo e os apóstolos celebravam (João 5). Por que não celebrar uma festa que, na história da Igreja, sem autoridade apostólica, foi estabelecida, mas remete a um fim piedoso? RESPOSTA: Usar o exemplo da festa do Purim, na prática de Jesus, não é sustentável, pois: (1) Não é certo que a festa em João 5 faça referência ao Purim (Calvino mesmo não era dessa opinião);[31] (2) mesmo que não- ordenado na Lei, foi ordenado em um livro canônico em contexto de aprovação e revelação de Ato Redentor da parte de Deus. Então, deve ser praticado. Não é o caso do Natal e outras festas romanistas. OBJEÇÃO IV: É a oportunidade que temos de falar da encarnação. RESPOSTA: A oportunidade de falarmos da encarnação de Cristo deve ser toda pregação pública, todo testemunho privado, toda evangelização, pois, é parte essencial do Evangelho a encarnação de Cristo. Os apóstolos não tinham “um Natal” para ter uma melhor oportunidade de falar da encarnação de Cristo o tempo todo. O problema - possa ser - é que somos envergonhamos para falar desse milagre maravilhoso e precisamos de um pretexto para isso. OBJEÇÃO V: O pecado é transformar a comemoração em dia santo, não o celebrar em si. 31 CALVINO, João. Evangelho segundo João (Vol. 1). São Paulo: Fiel, 2015. p. 199-200. 35 RESPOSTA: De todas, essa me parece ser a mais sóbria das objeções, pois parece fazer uma separação entre o “comemorar” e o “guardar como santo”, tal qual os romanistas o fazem. Ainda assim, no tocante a coisas religiosas, que envolvem a doutrina e a prática da igreja, é, se não há ordenação que nos ampare, lançar-nos em uma prática, exatamente, igual aos que santificam - e não teremos base autoritativa para distinguir. Qualquer observador dirá: não há tanta distinção entre os reformados e os romanistas. Além disso, a razão da prática da celebração de dias como sentido religioso é um dos modos de santificação dele. OBJEÇÃO VI: Pelas mesmas razões, então, não podemos celebrar os aniversários de organização de nossas igrejas locais. Não há ordenação para tais eventos.[32] RESPOSTA: São duas questões distintas. Quanto aos aniversários de igrejas locais: primeiro, celebrações de aniversário de organização de uma igreja local é um momento da comunidade local, fazer uma “festa de aniversário” é o natural; segundo, não tem peso de sacralização (histórica) pelo dia, sugestionando alguma piedade especial ou devida em separar o dia - tanto que, muitas igrejas, nem fazem eventos no dia exato da organização; terceiro, ninguém tenta santificar e exigir que as demais igrejas comemorem aquele fato local. Quanto aos dias santos: primeiro, é algo generalizado; segundo, coloca-se valor religioso e sacro afetando o culto e a prática a partir de uma doutrina, gerando superstições; terceiro, comumente, constrange-se todas as igrejas locais a santificarem e terem aquele dia como especial. UMA PALAVRA DE CAUTELA E AMOR Tendo afirmado tudo acima, deve-se, entretanto, relegar o âmbito de liberdade cristã aos que quiserem praticar em família tais comemorações. Tais irmãos não devem ser desprezados, mas suportados e amados e respeitados. A base dessa orientação está na postura do apóstolo Paulo que orientou os gentios a terem paciência com os judeus e judaizantes que ainda queriam praticar para si as festas e dietas judaicas (Romanos 14.1ss). 32 Agradeço ao Pr. Heliomar Dias que, não apenas leu os apêndices, como também contribuiu com a sugestão de acrescentar essa objeção. 36 O problema está em os aprovadores da prática querem impor sobre a Igreja de Cristo ou brigarem com os que, corretamente, não permitem que isso ocorra na igreja. Por isso, os que guardam tais festividades não-ordenadas não devem atacar os discordantes, nem querer impor sua prática à Igreja de Cristo como um todo. Os que são contra à prática da igreja local, não devem condenar os que são a favor dela na vida privada. Mas, nisso, registra-se a fala de Calvino: “Embora existam alguns que desejam, ansiosamente, permanecer em conformidade com essas práticas, eu não sei como eles podem fazê-lo sem desconsiderar a edificação da igreja, nem sei como eles podem prestar contas a Deus por ter feito avançar o mal e impedido sua solução”.[33] E, por último, deve-se haver o devido respeito por santos teólogos e sóbrios concílios de igrejas reformadas que aprovaram, no contexto da Reforma, a prática para a igreja local. Sabendo que a história tem mostrado que, comumente, os teólogos reformados o fizeram visando, não a aplicação de uma verdade (“não há problema celebrarmos isso”), mas pela necessidade de evitar brigas e desunião na igreja quando coisas mais importantes estavam em jogo. Outras igrejas reformadas o fizeram, formalmente, pelas decisões do Magistrado Civil e não dos concílios, estritamente, teológicos e pastorais. Reafirmamos: não vale a pena condenar o irmão por algo que, embora importante, não nos essenciais para participarmos da redenção - a menos que se defendesse isso no mesmo tom que os judaizantes o fazem (que é o caso dos romanistas). Que Deus nos abençoe e dê paz à Igreja. 33 COLDWELL, Chris. John Calvin and Holy Days. Disponível em: < https://purelypresbyterian.com/2016/11/21/john-calvin-and-holy-days/ >. Acesso em: 07 de abril de 2020.