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Existem três formas pelas quais uma ferida pode cicatrizar, que dependem da quantidade de tecido lesado ou danificado e da presença ou não de infecção: primeira intenção, segunda intenção e terceira intenção (fechamento primário retardado). ❖ Primeira intenção: → Ocorre quando as bordas são apostas ou aproximadas, havendo perda mínima de tecido, ausência de infecção e mínimo edema → A formação de tecido de granulação não é visível → Resposta inflamatória rápida → Menor incidência de complicações, os bordos são aproximados por suturas e a cicatriz apresenta menor índice de defeitos → Exemplo: ferimento suturado cirurgicamente. ❖ Segunda intenção: → Perda excessiva de tecido com a presença ou não de infecção. → A aproximação primária das bordas não é possível por sutura → O período cicatricial é mais prolongado devido a resposta inflamatória intensa → Há maior incidência de defeitos cicatriciais (cicatriz hipertrófica e queloide) → As feridas são deixadas abertas e se fecharão por meio de contração e epitelização. ❖ Terceira intenção: → Designa a aproximação das margens da ferida (pele e subcutâneo) após o tratamento aberto inicial. Isto ocorre principalmente quando há presença de infecção na ferida, que deve ser tratada primeiramente, para então ser suturada posteriormente. → A ferida pode ser tratada, inicialmente, com desbridamento cirúrgico, curativos, antibioticoterapia e, após o controle da infecção, ser fechada com sutura. Quanto à profundidade: ❖ Superficial: pode pegar uma parte da musculatura e fáscia, mas de forma superficial. Em geral, apenas pele e subcutâneo. Não tem lesão de nada que seja nobre. ❖ Profunda: afeta órgãos nobres ou profundos, como vasos, nervos, tendões, artérias. Quanto ao agente causal: ❖ Incisas ou cirúrgicas: são produzidas por um instrumento cortante. As feridas limpas são geralmente fechadas por suturas. Agentes: faca, bisturi, lâmina, etc. ❖ Contusas: são produzidas por objeto rombo e caracterizadas por traumatismo das partes moles, sem sangramento vivo e com edema. ❖ Corto-contuso: bordos irregulares e contundidos, fundo irregular, não tem forma estrelada. Produzido por instrumento cortante não muito afiado (Ex. facão). ❖ Lácero-contuso: ferimento contuso que criou retalhos. ❖ Lacerantes: São ferimentos com margens irregulares e com mais de um ângulo. O mecanismo da lesão é por tração: rasgo ou arrancamento tecidual. Um exemplo clássico é a mordedura de cão. ❖ Perfurantes: são caracterizadas por pequenas aberturas na pele. Há um predomínio da profundidade sobre o comprimento. Exemplos: bala ou ponta de faca. ❖ Pérfuro-contuso: orifício de entrada com forma oval ou circular, com bordos triturados ou equimóticos. ❖ Pérfuro-cortante: lesão mista. Ex. punhal ❖ Abrasivas: ralado. Quanto a complexidade ❖ Simples: sem perda tecidual, contaminação grosseira ou presença de corpo estranho. ❖ Complexo: perda de tecido, esmagamento, queimadura, avulsão, deslocamento de tecidos ou implantação de corpos estranhos. Quanto ao grau de contaminação: ❖ Limpas: são as que não apresentam sinais de infecção e em que não são atingidos os tratos respiratório, digestivo, genital ou urinário. Probabilidade de infecção é baixa, em torno de 1 a 5 %. Exemplo: feridas produzidas em ambiente cirúrgico. ❖ Limpa-contaminadas: são os ferimentos que apresentam contaminação grosseira, em acidente doméstico por exemplo ou em situações cirúrgicas em que houve contato com os tratos respiratório, digestivo, urinário e genital, porém em situações controladas. O risco de infecção é cerca de 10%. ❖ Contaminadas: no ambiente cirúrgico são consideradas contaminadas as em que a técnica asséptica não foi devidamente respeitada. Os ferimentos são considerados contaminados quando o tempo de trauma ultrapassa 6 horas (golden period) até a abordagem cirúrgica e/ou apresente sujidade no leito da lesão. Os ferimentos contaminados, incluindo os causados por mordedura de cães e gatos, podem ser suturados após receber cuidados especiais de limpeza do leito da ferida. Exceção reservada aos ferimentos perfurantes (projétil de arma de fogo e prego), que mesmo nas situações em que não apresentem sinais de contaminação, não devem ser suturados, porque estes instrumentos levam partículas potencial mente contaminadas para a profundidade da lesão. ❖ Infectadas: são aquelas que apresentam sinais nítidos de infecção (pus, secreções). Ao receber um paciente com ferimento de superfície, o médico da UBS/UPA deverá estar capacitado a: ❖ A) Controlar a hemorragia e estabilizar o paciente caso haja sinais de choque hipovolêmico; ❖ B) Avaliar a extensão e a gravidade da lesão; ❖ C) Realizar o tratamento definitivo dos ferimentos superficiais; ❖ D) Em casos graves e complexos, envolvendo cartilagens, tendões, nervos, vasos sanguíneos de grande calibre e ossos, realizar o tratamento inicial na unidade e encaminhar o paciente a um centro de referência secundária ou terciária, de urgência ou eletivamente. Na anamnese: ❖ Determinar o tempo do trauma: toda ferida é considerada contaminada após 6 horas do trauma!!! ❖ Determinar o mecanismo do trauma. ❖ Verificar a presença de comorbidades que podem afetar a cicatrização: hipertensão arterial, diabetes mellitus, uso de corticoide e imunossupressores e uso de ácido acetilsalicílico (AAS) e anticoagulantes. ❖ Pesquisar a situação vacinal. Exame físico: ❖ Avaliar a presença de dor, parestesia e perda de função. ❖ Avaliar a extensão e a profundidade da lesão. ❖ Avaliar o grau de contaminação, examinando minuciosamente o leito da ferida à procura de corpos estranhos. ❖ Avaliar a presença de lesão nervosa, vascular, de tendões, ósseas (com fratura exposta ou não) e de cartilagens. Ferida limpa e contaminada ❖ Analgesia: é medida fundamental para garantir o conforto do paciente durante as etapas do atendimento. As drogas mais frequentemente disponíveis nas unidades de saúde, para o controle da dor, são dipirona, cetoprofeno, tramadol e dolantina. ❖ Lavar o ferimento e as áreas subjacentes à lesão com água corrente e solução degermante com auxílio de gaze estéril, sem esfregar. A seguir, a solução degermante deve ser removida do leito da ferida. ❖ Antissepsia ampla da pele ao redor da lesão com clorexidina ou polivinilpirrolidona (PVPI) tópicos sem penetrar no leito da lesão. ❖ Anestesia: o anestésico mais frequentemente usado nos procedimentos ambulatoriais é a lidocaína, com ou sem epinefrina. As vantagens do uso da epinefrina incluem: início mais rápido de analgesia, longa duração, maior controle da dor pós-operatória, redução do uso de torniquetes ou de outras manobras para controle de sangramento, menor absorção sistêmica e menor quantidade de anestésico necessário. ❖ Hemostasia: os sangramentos pequenos podem ser resolvidos por compressão. Já os sangramentos maiores podem ser estancados por ligaduras ou por eletrocauterização (se houver bisturi elétrico disponível na unidade). ❖ Não suturar um ferimento sem controle do sangramento, evitando-se a formação de hematomas e, consequentemente, infecção e deiscência. ❖ O desbridamento de tecidos desvitalizados e a remoção de corpos estranhos (pelos, vidro, fragmentos de madeira, espinhos, fragmentos de asfalto, terra, entre outros) são fundamentais para se evitar infecção e deiscência. De forma geral: ❖ Ferimento aberto superficial: lavar com água e sabão neutro e em seguida cobrir com gaze ou pano limpo para evitar contaminação. ❖ Ferimento aberto profundo: cobrir o local com gaze ou pano limpo. Na presença de sangramento fazer compressão local sobre o curativo. Se o ferimento estiver localizado no braço ou na perna elevar o membro ferido acima do nível do tórax se essa manobra não causar dor. Observar se a vítima apresenta sinais de choque e encaminhar a um hospital para realização de procedimentoindicado, provavelmente uma sutura cirúrgica. Escolha do fio de sutura: ❖ Os fios monofilamentares não absorvíveis como o náilon têm os menores índices de infecção e são os mais utilizados. Fios sintéticos absorvíveis monofilamentares, como o vicryl, são os mais indicados para suturas de subcutâneo, fáscias e músculos. Geralmente não há fio vicryl na maioria das UBSs e UPAs, então pode ser usado fio categut cromado em suturas que envolvam o plano subcutâneo e náilon nas suturas de fáscias, que demandam maior resistência. ❖ Os fios são numerados conforme seu diâmetro: quanto maior a numeração, mais fino é o fio. De modo geral, o fio 6.0 é empregado nas suturas da face e áreas estéticas importantes, os fios 5.0 e 4.0, em tronco, membros e dedos, e o fio 3.0, em couro cabeludo e região plantar. Os fatores gerais estão relacionados às condições clínicas do paciente, e estas podem alterar a capacidade do paciente de cicatrizar com eficiência. ❖ Infecção: é provavelmente a causa mais comum de atraso na cicatrização. Se a contagem bacteriana na ferida exceder 105 microorganismos/g de tecido ou se qualquer estreptococo B-hemolítico estiver presente, a ferida não cicatriza por qualquer meio, como suturas primárias, enxertos ou retalhos. ❖ Idade: quanto mais idoso o paciente, menos flexíveis são os tecidos. Há uma diminuição progressiva de colágeno. ❖ Hiperatividade do paciente: a hiperatividade dificulta a aproximação das bordas da ferida. O repouso favorece a cicatrização. ❖ Oxigenação e perfusão dos tecidos: doenças que alteram o fluxo sanguíneo normal podem afetar a distribuição dos nutrientes das células, assim como a dos componentes do sistema imune do corpo. Essas condições afetam a capacidade do organismo de transportar células de defesa e antibióticos, o que dificulta o processo de cicatrização. O fumo reduz a hemoglobina funcional e leva à disfunção pulmonar, o que reduz o aporte de oxigênio para as células e dificulta a cura da ferida. ❖ Nutrição: uma deficiência nutricional pode dificultar a cicatrização, pois deprime o sistema imune e diminui a qualidade e a síntese de tecido de reparação. As carências de proteínas e de vitamina C são as mais importantes, pois afetam diretamente a síntese de colágeno. ❖ Diabetes: a diabetes melito prejudica a cicatrização de ferida em todos os estágios do processo. O paciente diabético com neuropatia associada e aterosclerose é propenso à isquemia tecidual, ao traumatismo repetitivo e à infecção. ❖ Medicamentos: os corticosteróides, os quimioterápicos e os radioterápicos podem reduzir a cicatrização de feridas, pois interferem na resposta imunológica normal à lesão. ❖ Estado imunológico: nas doenças imunossupressoras, a fase inflamatória está comprometida pela redução de leucócitos, com conseqüente retardo da fagocitose e da lise de restos celulares. Pela ausência de monócitos a formação de fibroblastos é deficitária.