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36 | CIÊNCIAHOJE | VOL. 47 | 280 humanidade pode viver sem produtos químicos? Sim, mas a vida seria mais curta, menos saudável, menos agradável e prazerosa. E mais arriscada. Em resumo, a vida seria pior. A indústria química fabrica uma ampla lista de produ- tos e de matérias-primas para variados setores industriais. Entre os produtos estão os usados para proteger as casas (tintas), para manter a saúde de homens e animais (me- dicamentos e vacinas) e para obter mais e melhores alimentos (fertilizantes e defensivos agrícolas). Entre as matérias-primas destacam-se as ne- cessárias à fabricação de tintas (solventes, pigmen- tos e resinas), de medicamentos (os princípios ativos – fár- macos), de produtos de limpeza e cosméticos, de brinquedos e artigos de uso doméstico (polímeros como polietileno, po- licloreto de vinila – PVC, poliestireno), de garrafas e emba- lagens (politereftalato de etileno – PET) e de artigos de cama, mesa e banho e roupas (fibras sintéticas, como náilon, poli- éster e acrílico). Outros produtos da indústria química são Os produtos químicos, presentes hoje em todos os segmentos da indústria de transformação, na agri- cultura e no consumo doméstico, são obtidos princi- palmente a partir de matérias-primas fósseis, mas insumos renováveis vêm sendo crescentemente utili- zados em sua fabricação. Como a demanda de pro- dutos químicos no Brasil tem sido cada vez mais atendida por importações, a indústria química brasi- leira – a sétima do mundo, em vendas, em 2009 – apresenta grande potencial de crescimento. Pedro Wongtschowski Grupo Ultra INDÚSTRIA QUÍMICA 36 | CIÊNCIAHOJE | VOL. 47 | 280 280 | ABRIL 2011 | CIÊNCIAHOJE | 37 Q U Í M I C A >>> PODEMOS VIVER SEM ELA? os usados para purificar a água, para tratar efluentes do- mésticos e industriais e até para permitir o melhor apro- veitamento da energia do Sol e dos ventos. Matérias-primas do setor_Os reinos mineral, vegetal e animal são fontes de matérias-primas para a in- dústria química. O aproveitamento desses insumos vem se alterando historicamente, de acordo com o desenvol- vimento tecnológico. No início do século 19, eram usados materiais oriundos do reino mineral, principalmente o car- vão, os minérios, o cloreto de sódio e o salitre. As matérias- -primas de origem vegetal e animal eram aproveitadas no setor em menores quantidades. O alcatrão, subproduto do processamento do carvão destinado à siderurgia, ocupa um lugar especial na história da indústria química. Esse composto tornou-se a principal matéria-prima para a fa- bricação de corantes, sobre a qual se desenvolveram, na segunda metade do século 19, tanto a indústria química inglesa quanto a alemã. No início do século 20, materiais obtidos de vegetais, como o látex, o etanol e os óleos vegetais, passaram a fazer parte dos insumos da indústria química. Na mesma época, descobriu-se o petróleo, que revolucionaria o setor – no início deslocando o carvão, ao dar origem aos derivados combustíveis e, depois, na segunda metade do século 20, tomando espaço dos materiais de origem vegetal, com o de- senvolvimento dos produtos petroquímicos. O crescimento da produção de petróleo estimulou a de gás natural, e o etano contido nesse gás tornou-se nas últimas décadas uma matéria-prima importante para a indústria petroquímica. Mais recentemente, as preocupações decorrentes dos ‘choques do petróleo’ (os aumentos súbitos dos preços internacionais, em 1973 e 1979/1980) e a crescente per- cepção dos problemas associados à emissão de gases que contribuem para o aquecimento global levaram a socie- >>> 280 | ABRIL 2011 | CIÊNCIAHOJE | 37 IL US TR AÇ ÕE S M AR IO B AG 38 | CIÊNCIAHOJE | VOL. 47 | 280 Figura 1. Vendas globais da indústria química em 2009 (em bilhões de dólares). O total mundial alcançou US$ 3,4 trilhões Figura 2. Distribuição, por segmentos, dos US$ 100,9 bilhões de faturamento líquido da indústria química brasileira em 2009 (em bilhões de dólares) PRODUTOS QUÍMICOS DE USO INDUSTRIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46,2 PRODUTOS FARMACÊUTICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15,4 HIGIENE PESSOAL, PERFUMARIA E COSMÉTICOS . . . . . . . . . . . . . . 11,4 ADUBOS E FERTILIZANTES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9,7 DEFENSIVOS AGRÍCOLAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6,6 SABÕES E DETERGENTES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6,1 TINTAS, ESMALTES E VERNIZES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 FIBRAS ARTIFICIAIS E SINTÉTICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 OUTROS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1,5 dade mundial a defender a adoção de critérios de susten- tabilidade em todos os setores produtivos. Na indústria química, esses critérios incluem a substituição das maté- rias-primas convencionais por outras, renováveis, em es- pecial aquelas obtidas do reino vegetal, como açúcar, óleos vegetais, álcool (etanol) e outros. Produtos e aplicações_Os produtos da indústria química estão presentes – na forma de matérias-primas, de produtos de consumo ou de bens duráveis – direta ou indi- retamente, em praticamente todas as atividades humanas. Amônia e ureia, obtidas a partir de gás natural, e áci- do sulfúrico, ácido fosfórico e cloreto de potássio consti- tuem a base da indústria de fertilizantes. Outros pro - dutos derivados de materiais minerais, como a soda cáus- tica e os sais e óxidos metálicos, também são de grande importância na indústria química. Os petroquímicos bá- sicos (hidrocarbonetos como eteno, propeno, benzeno, tolueno e xilenos) são utilizados na elaboração de pro- dutos químicos intermediários (óxido de eteno, óxido de propeno, cloreto de vinila, estireno e ácido tereftálico) e finais (resinas termoplásticas, resinas termofixas, ten- soativos, solventes). As indústrias químicas também produzem matérias- -primas para outros setores, como fibras sintéticas (usadas pelas indústrias têxteis), borracha sintética e filamentos (destinados às indústrias de pneus e outros artefatos), agroquímicos diversos (utilizados na agricultura), resi- nas e solventes (que permitem a fabricação de adesivos, selantes, tintas e revestimentos), e diferentes compostos destinados aos fabricantes de produtos de higiene e lim- peza, de cosméticos, de medicamentos e até de alimentos. Além disso, alguns desses compostos (em especial va- riados tipos de resinas plásticas) são matérias-primas para produtos de transformação obtidos por meio de processos como moldagem térmica, sopro e injeção. Dessa forma são fabricados filmes plásticos, embalagens, estruturas (para móveis, televisores, computadores e variados apa- relhos), utensílios domésticos, brinquedos, calçados etc. A página da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) na internet registra cerca de 1.500 produtos químicos produzidos em escala industrial. A indústria química mundial_Após quase um século de predominância da Europa, a indústria química migrou para outras regiões do mundo. Entre 1880 e a Pri- meira Guerra Mundial, a Alemanha dominava o setor, mas hoje a liderança cabe aos Estados Unidos. Após a Segunda Guerra Mundial, a indústria química teve grande cresci- mento no Japão, que se tornou, nas três últimas décadas do século 20, o segundo maior produtor mundial (figura 1). Após os choques do petróleo, os países do Oriente Médio, em particular os que integram a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), mais o Canadá e a Venezuela, ampliaram sua participação na produção da indústria química mundial, como fabricantes de derivados do etano extraído do gás natural. Recentemente, a China, FONTE: ABIQUIM FONTE: ABIQUIM ESTADOS UNIDOS . . . . . . 674 CHINA . . . . . . . . . . . . . . . 635 JAPÃO . . . . . . . . . . . . .. . 286 ALEMANHA . . . . . . . . . . . 213 FRANÇA . . . . . . . . . . . . . . 135 ITÁLIA . . . . . . . . . . . . . . . 105 COREIA DO SUL . . . . . . . . 104 BRASIL . . . . . . . . . . . . . . 101 REINO UNIDO . . . . . . . . . . 97 ÍNDIA . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 OUTROS . . . . . . . . . . . . . . 957 Q U Í M I C A 280 | ABRIL 2011 | CIÊNCIAHOJE | 39 como o país emergente de maior crescimento econômico, passou a ser grande exportadora de produtos químicos. As vendas totais da indústria química mundial, em 2009, atingiram cerca de US$ 3,4 trilhões. Desse total, quase 37% correspondem a ‘produtos químicos básicos’, 30% a ‘produtos das ciências da vida’ (fármacos e agroquí- micos), 23% a ‘especialidades’ (como tintas e cosméticos) e os restantes 10% a produtos de consumo. No mesmo ano, o Produto Interno Bruto mundial foi estimado em cerca de US$ 70 trilhões – assim, a indústria química global representa algo em torno de 4,8% do PIB mundial. A indústria química brasileira_No início do sé- culo 19, já existiam no Brasil substâncias e materiais pro- duzidos com base em processos químicos, como açúcar, aguardente, medicamentos, potassa, barrilha, salitre, clo- reto de amônio e cal. Esse quadro mostrava uma expansão de atividades fabris iniciadas desde o período colonial. Riquezas naturais químicas também eram extraídas, como sal, drogas medicinais e resinas vegetais. Ainda na primei- ra metade do século 19, foram fundadas no país cinco fá- bricas de pólvora, 30 fábricas de sabões e velas e 10 fábri- cas de produtos químicos diversos. De meados do século 19 até cerca de 1960 o Brasil ganhou mais de 150 unidades industriais nesse setor. Es- ses empreendimentos abrangeram os mais diversos ramos de atividade: extração mineral e vegetal, refino de petró- leo e produção de fertilizantes, produtos químicos inor- gânicos, papel, cimento, vidro, fármacos, explosivos, açú- car e álcool, produtos alcoolquímicos e outros. A partir de 1965, a indústria química brasileira se modernizou, em especial com a implantação de três polos petroquímicos e de unidades fabris com tecnologia mais avançada. Em 2009, o faturamento líquido da indústria química brasileira atingiu US$ 100,9 bilhões (figura 2), correspon- dendo a 3% das vendas da indústria química mundial. O crescimento atual da economia brasileira e a perspectiva de continuação desse bom momento apresentam, para a indústria química, importantes desafios e imensas opor- tunidades. Ao longo das duas últimas décadas, porém, os investimentos setoriais mantiveram-se aquém das neces- sidades do país. Sugestões para leitura ABIQUIM. Pacto Nacional da Indústria Química. São Paulo, Abiquim, 2010. LE COUTEUR, P. e BURRESON, J. Os botões de Napoleão – As 17 moléculas que mudaram a história. Rio de Janeiro, Zahar, 2003. WONGTSCHOWSKI, P. Indústria química – Riscos e oportunidades. São Paulo, Editora Edgard Blücher, 2002. Inovação e pesquisa O autor do artigo é formado em engenharia química na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, com mestrado e douto- rado na mesma área e na mesma instituição. Fez sua carreira no setor privado, desde 1972, e hoje é diretor presidente do Grupo Ultra, que atua na distribuição de combustíveis, na indústria química e em logística. A empresa química do grupo, a Oxiteno, recebeu vários prêmios de inovação tecnológica e investe 2% de sua receita anual em pesquisa e desenvolvimento, inclusive em parceria com universidades e centros de pesquisa. O Brasil apresenta déficit comercial no setor químico: em 2009, as importações superaram as exportações em US$ 15,7 bilhões. Portanto, as oportunidades para o cres- cimento da indústria nacional existem. Seu aproveita- mento, porém, dependerá do estabelecimento de meca- nismos que restituam as condições de competitividade que o setor tinha no passado, entre eles estímulos ao de- senvolvimento científico e tecnológico, incentivos à plena utilização dos recursos naturais do país e redução do cha- mado ‘custo Brasil’ – o conjunto de dificuldades (custos financeiros, impostos, burocracia, encargos trabalhistas e outros) que afeta a eficiência do setor produtivo no país. O desafio da sustentabilidade_A maioria dos produtos químicos é fabricada, hoje, a partir de maté rias- -primas fósseis, como carvão, petróleo e gás natural. No entanto, é crescente a demanda para que o setor utilize ma térias-primas obtidas de fontes renováveis. Assim, açú- car, etanol e óleos vegetais vêm sendo cada vez mais usados co mo fonte de carbono para essa indústria. O Brasil par- ticipa dessa transformação: polímeros (polietileno e ou tros), solven tes (alcoóis, acetatos etc.) e diversos intermediários químicos já são produzidos, no país, com matérias-primas naturais. O cenário econômico atual, de transformações, englo- ba tendências como globalização, concentração, especia- lização e descentralização geográfica. É nesse quadro que a indústria química mundial tem que enfrentar seus de- safios tradicionais, como a competição crescente, a ma- turidade dos mercados, a necessidade de inovação e a redução continuada de sua rentabilidade. A todos esses aspectos somam-se as questões da sustentabilidade e do uso de matérias-primas de origem natural, tornando mais complexos os desafios da indústria química, mas também contribuindo para seu contínuo desenvolvimento.