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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................6 2. A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO BRASIL.......................................................................................................................7 2.1 Do conceito de direitos fundamentais...............................................................7 2.1 Da evolução dos direitos fundamentais..........................................................10 2.3 Da elevação dos direitos fundamentais no plano constitucional brasileiro 13 3. A SEPARAÇÃO DE PODERES NO ESTADO BRASILEIRO...........................19 3.1 Breve relato histórico da separação de poderes............................................19 3.2 A separação de Poderes no atual Plano Constitucional Brasileiro ..............24 3.2.1 Das Funções estatais.......................................................................................24 3.2.2 Da Harmonia entre os Poderes da República ..................................................29 4. O ATIVISMO JUDICIAL E SEUS LIMITES NO ESTADO BRASILEIRO ..........33 4.1 Da Função-Garantia do Poder Judiciário ........................................................33 4.2 Da Judicialização da Política............................................................................35 4.3 Os limites de atuação do judiciário .................................................................39 5. CONCLUSÃO ....................................................................................................46 REFERÊNCIAS.........................................................................................................48 6 1. INTRODUÇÃO O presente estudo teve como objetivo averiguar a interação entre o ativismo judicial e o princípio da separação dos poderes, por meio de uma pesquisa fundamentalmente bibliográfica e jurisprudencial, visando analisar em segundo plano os fundamentos e limites da atuação do poder judiciário frente à atuação do Legislativo e do Executivo. O tema é de debate contemporâneo desde a promulgação da Constituição de 1988, onde se proclamou um novo nível de atuação do judiciário em relação à proteção das garantias constitucionais. Por certo, o alargamento da proteção jurídica aos direitos humanos em forma de fundamentais foi um dos aspectos mais relevantes da discussão da matéria elencada no presente estudo, tendo em vista a nova concepção dada à dignidade da pessoa humana, que de direito passou a constituir fundamento da República (conforme artigo primeiro da Constituição). No segundo capítulo objetivou-se averiguar justamente o conceito objetivo de direitos fundamentais, bem como ressaltar aspectos históricos que levaram à conceituação e avaliação dos destes segundo a história-político constitucional brasileira. O terceiro capitulo buscou a análise do princípio da separação de poderes desde sua origem até o sentido contemporâneo, bem como traçar o seu panorama na atual conjuntura política no Brasil. Por fim, o capitulo quatro tratou da questão do ativismo judicial, a partir da averiguação da função jurisdicional protetora atribuída constitucionalmente ao Poder Judiciário, analisando-se para tanto a sua esfera de atuação, fundamentos e limites, pela perspectiva jurisprudencial e doutrinária. 7 2. A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO BRASIL Os direitos fundamentais constituíram resultado de uma busca histórica pela garantia da valorização do ser humano, que gerou gradativas evoluções até o estágio contemporâneo. O presente capítulo tem por objetivo compreender o patamar de importância dos referidos direitos no sistema jurídico vigente, a partir de uma análise histórica, a fim de compreender a posição jurídica conferidas a estes pela Carta Constitucional de 1988. 2.1 Do conceito de direitos fundamentais A definição do termo direitos fundamentais é algo que se torna dificultoso sem que se busque inicialmente diferenciá-los da expressão direitos humanos, tendo em vista que muitas vezes tais conceitos se confundem, uma vez que a natureza de seu conteúdo é em muitos pontos semelhante. Acerca do conceito de direitos humanos Castilho (2012) asseverou que expressão, em sentido amplo, designa o conjunto de ações conscientes, cuja finalidade é resguardar a dignidade do homem em todas as suas facetas. Do mesmo modo ressaltou Barretto (2014, p. 23) que “ [...] é possível definir direitos humanos como conjunto de direitos que materializam a dignidade humana; direitos básicos, imprescindíveis para a concretização da dignidade humana”. Nesse cerne, é possível perceber que a referida expressão possui um elevado valor axiológico, com vistas a proteção das prerrogativas mais básicas ao ser humano. Piovesan (2009), de outro lado, aponta que se trata de um conceito interdisciplinar, de modo que se torna dificultoso promover uma exata conceituação, tendo em vista que eles se constituem, fundamentalmente, por um universo de reivindicações. Desse modo, o atendimento e proteção destas são independentes 8 qualquer previsão legal nos ordenamentos jurídicos dos Estados nacionais, porquanto se trata de uma matéria de legítimo interesse internacional. Percebe-se, dessa forma, que se os direitos humanos possuem como principal fundamento a dignidade da pessoa humana, entende-se, então que, muito embora seja dificultoso conceituá-los, é possível ao menos caracterizá-los, como sendo os valores mais relevantes para a existência humana, cuja proteção vai muito além das barreiras impostas pelo território estatal. No que atine à distinção em relação aos direitos fundamentais, importante mencionar as lições de Sarlet (2015, p. 1-2): [...] os direitos fundamentais na condição de direitos constitucionalmente assegurados possuem uma abrangência em parte distinta dos direitos humanos, seja qual for o critério justificador de tal noção, por mais que exista uma maior ou menor convergência entre o catálogo constitucional dos direitos fundamentais e o elenco de direitos humanos, convergência que será maior quanto maior a sinergia com os níveis de positivação dos direitos humanos na seara internacional. O que se nota é que o autor caracteriza os direitos humanos como sendo um gênero mais amplo, de reconhecimento internacional, que quando positivados em uma carta constitucional de determinado Estado revestem-se de uma posição normativa diferenciada. Nessa mesma linha Castilho (2012) se posicionou ao afirmar que a principal distinção entre direitos fundamentais e direitos humanos está justamente no fato daqueles se encontrarem positivados. Dessa divagação, observa-se certa identificação dos primeiros com um traçado mais positivista ao passo que os segundos destoam linhas de natureza jusnaturalista. De outro lado, Mendes (2012) ressalta que a partir do momento em que se reconheceu a Constituição como norma suprema do ordenamento jurídico de um país surgiu também a percepção de uma nova necessidade, qual seja: a defesa dos valores fundamentais relativos à existência humana, que passaram a ser resguardados nas mais diversas cartas políticas. A par da referida ideia Sarlet (2015, p. 4) ainda se manifestou: Por isso, calha repetir: um direito fundamental é sempre um direito de matriz constitucional (sendo ou não também um direito humano) mas não se trata de um mero direito constitucional. Numa outra formulação: entre um direito fundamental e outra simples norma constitucional (a despeito da terem em comum a hierarquia superior da constituição e o fato de serem todas parâmetro para o controle de 9 constitucionalidade) situa-se um conjunto, maior ou menor,de princípios e regras que asseguram aos direitos fundamentais um status, representado por um regime jurídico, diferenciado. Desse modo, é possível compreender que os direitos fundamentais podem ser entendidos como sendo um conjunto de valores mais relevantes para os seres humanos que se encontram legalmente assegurados por uma Constituição de determinado Estado, razão pela qual possuem um regime jurídico distinto em relação a outras garantias legais, tendo em vista seu grau de primariedade. Por fim, é de se ressaltar o posicionamento de Ramos (2014) segundo o qual a evolução internacional do tema não se compatibiliza com esse tipo de distinção, porquanto tanto no sistema europeu quanto no interamericano os direitos previstos em tratados a acordos firmados podem ter sua salvaguarda cobrada, bem como os próprios Estados podem ser acionados em caso de sua inobservância. Em uma perspectiva diversa Barretto (2014, p. 24) asseverou: Em essência, não há basicamente diferença: direitos humanos e direitos fundamentais representam, muitas vezes, os mesmos direitos. Entretanto, construiu-se uma diferenciação quanto ao plano de positivação; a expressão "direitos fundamentais" ficou reservada aos direitos positivados na ordem jurídica interna do Estado, enquanto a expressão "direitos humanos" passou a ser utilizada para referir aos direitos positivados na ordem internacional. [...] É possível haver direito humano que não seja consagrado como direito fundamental e vice-versa; basta que um tratado internacional preveja um direito não previsto na ordem jurídica interna do Estado ou que ocorra o contrário. De todo modo, essa não é a regra, pois, atualmente, a maioria dos direitos previstos nas constituições têm previsão, outrossim, em documentos internacionais. Percebe-se que tanto a primeira quanto a segunda ideia (acerca da relevância ou não da distinção mencionada) aparentam compatibilidade com o texto constitucional, contudo, é de se ressaltar que a existência da referida diferenciação (entre direitos humanos e fundamentais) se demonstra válida do ponto de vista acadêmico, porquanto, o Estado, muito embora se obrigue na órbita internacional, inegavelmente é dotado do atributo da soberania, o que de fato demonstra que o cumprimento dos referidos tratados depende ainda de uma vontade interna, razão pela qual se revela uma necessidade de previsão constitucional da proteção dos referidos direitos. 10 2.1 Da evolução dos direitos fundamentais A maturação histórica dos direitos fundamentais foi buscada por diversos autores, que percorreram linhas históricas nas mais diversas perspectivas e civilizações. Alguns mencionam como marco o próprio surgimento e evolução do cristianismo, tendo em vista que o fato de a referida religião doutrinar a ideia de que Deus assumiu a condição humana para redimi-la acabou por conferir ao ser humano um alto valor, tanto que a partir de então, obrigatoriamente, tal noção passaria a orientar a própria elaboração do direito positivo (MENDES, 2012). De outro lado, apontou-se ainda por parte da doutrina como referência histórica inicial dos direitos fundamentais a Magna Carta inglesa (de 1215). Todavia, tal apontamento é rechaçado por alguns autores, sob a afirmação de que os direitos nela descritos visaram a assegurar, em sua essência, tão somente o interesse dos barões mediante a limitação dos poderes do rei (PAULO; ALEXANDRINO, 2008). De qualquer modo, é cabível ressaltar que a melhor forma de se prosseguir com o histórico de evolução dos direitos fundamentais é por meio do estudo de suas dimensões. Nesse ponto, apontam-se como de primeira dimensão os direitos relativos às liberdades individuais, sob a ótica de um absenteísmo estatal, de modo que o Estado deveria atuar em face de seus cidadãos por meio de as prestações negativas, no sentido de evitar ações violadoras dos direitos humanos (LENZA, 2012). Acerca do tema Barretto (2014, p. 40) se manifestou: No período do absolutismo monárquico a grande maioria das pessoas não titularizava direito algum, sendo mero objeto de dominação e opressão estatal, fruto do poder despótico de Reis que se afirmavam representantes de Deus na Terra (teorias do direito divino). A reação ao absolutismo político, pautada nas teorias liberais e contratualistas, em especial na doutrina de Locke e de Rousseau, culminou com as revoluções liberais na Inglaterra e na França e resultou no surgimento um novo modelo de Estado, no qual seriam reconhecidas ao povo liberdades básicas, de natureza civil e política. 11 Observa-se, nessa ótica, que a referida dimensão teve como fatores preponderantes os abusos trazidos pelo absolutismo, que resultaram na insatisfação popular, bem como na percepção da uma necessidade de limitação do poder dos governantes, a fim de garantir-se o exercício do direito de liberdade. Essa primeira dimensão pode ser observada na história: pela Magna Carta de 1215 (já mencionada); Paz de Westfália de 1648 (acordos internacionais que colocaram fim a guerra dos trinta anos na Europa); pelo Habeas Corpus Act (de 1679), visando impedir prisões arbitrárias na Inglaterra; Bill of Rights (de 1688), a fim de garantir a participação popular nas decisões políticas por meio do parlamento; a Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776), que marcou separação das treze colônias americanas do Império Britânico; e ainda pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, surgida durante a Revolução Francesa. (RAMOS, 2014). Nesse ponto, é possível compreender que as premissas históricas retratadas restaram centradas na garantia de um Estado menos intervencionista, cujo aspecto primordial é justamente a ausência de intervenção nas liberdades dos indivíduos. Em relação à segunda dimensão, seus precedentes e evolução foram apontados por Barreto (2014, p. 43): Eles representam, principalmente, uma reação ao quadro social que se desenhou durante o Estado liberal, em que alguns poucos concentravam a riqueza a grande maioria vivia excluída de condições materiais mínimas. A não intervenção do Estado no plano econômico, típica ao liberalismo, deixando a economia livre, regida pela "mão invisível do mercado", segundo a lógica do laisse faire laisse passer, propiciou aos detentores de capital uma extensão da riqueza que já possuíam, mas excluiu a maioria do acesso à riqueza, gerando um quadro socioeconômico extremamente desigual. A verdade é que as promessas do Estado liberal, de liberdade, igualdade e fraternidade, só se mostraram acessíveis aos detentores de capital, excluindo a grande maioria da população e, isso, naturalmente, começou a gerar questionamentos, que desaguaram na transformação da fisionomia do Estado, que doravante passou a assumir uma feição social, intervencionista. Nessa linha, se percebe que tal geração, devido às desigualdades sociais evidentes, desconsideradas pelo ideal liberalista, observou-se uma nova demanda, esta relativa a direitos que exigiam do Estado não mais uma postura negativa, mas sim positiva. Passou-se a exigir do ente estatal a prestação de serviços no sentido de promover a isonomia, mediante políticas públicas de caráter social. 12 De acordo com Ramos (2014) dimensão teve como referenciais históricos: a Constituição Mexicana de 1917, ao disciplinar direitos sociais (previdência social e direito ao trabalho); a Constituição alemã de 1919, (também conhecida como Constituição de Weimar), que impôs ao Estado o dever de promover a proteção dos direitos sociais; e por fim, o Tratado de Versalhes (assinado no mesmo ano de 1919), que visando a promoção da defesa das condições dos trabalhadores criou a Organização Internacional do Trabalho. De outro lado, a terceira geração, influenciada peloshorrores vivenciados pela segunda guerra mundial se traduziu na proteção da paz, mais especificamente na solidariedade entre as nações, em busca da proteção e tutela dos denominados interesses difusos, coletivos e homogêneos advindos da sociedade. Nesse ponto, destaque para a afirmação de Barreto (2014, p. 45): O ponto central da compreensão desses direitos não reside na posição do Estado em relação ao individuo, mas na maneira pela qual se compreende o ser humano em relação aos seus semelhantes. Bem por isso, sua característica central não estará relacionada com o papel do Estado, mas sim com o fato de serem direitos reconhecidos ao homem pela mera condição humana, direitos pertencentes à Humanidade, independente de qualquer condicionamento quanto à origem, etnia, sexo ou qualquer outro fator que configure uma discriminação. Essa geração visa afirmar urna visão fraternal e solidária da humanidade, uma visão de mundo isenta de qualquer tipo de preconceito e, em certa perspectiva, ela traz uma proteção especial às minorias. Sob tal percepção, os direitos retratados pela referida geração não constituiriam unicamente dever do Estado, compreendendo todos os indivíduos como seus destinatários e beneficiários. Ramos (2014), nesse ponto ressaltou que os direitos de terceira geração têm como titulares a comunidade (como por exemplo, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado) e por essa razão também são denominados como direitos de solidariedade. Estes advêm da própria percepção da ligação do homem com o planeta, aliado à noção de limitação dos recursos naturais existentes, e ainda com a distribuição absolutamente desigual das riquezas. Tal concepção notoriamente visa ressaltar e evitar fatores que constituam ameaças à sobrevivência da espécie humana, por meio da promoção de uma consciência coletiva e solidária entre seus membros. 13 Há ainda autores que apontam uma quarta e quinta gerações de direitos humanos, conforme bem apontou Sarlet (2017), no entanto, como ainda não há uma perspectiva mais concreta dos juristas a esse respeito nos limitamos a mencionar apenas as que possuem a referida convergência doutrinária. 2.3 Da elevação dos direitos fundamentais no plano constitucional brasileiro Conforme destacou Ramos (2014), o Brasil desde a primeira Constituição (a de 1824) apresentou o estabelecimento da proteção de determinados direitos relativos aos cidadãos pelo Estado. No entanto, essa primeira Carta Política não atendia os clamores sociais da referida época tendo em vista a existência da escravidão e a participação popular restrita na vida política do Estado. Sobre a referida Constituição, é interessante ressaltar alguns apontamentos: O conteúdo da Constituição de 1824 foi fortemente influenciado pelo Liberalismo clássico dos séc. XVIII e XIX, de cunho marcadamente individualista, em voga na época de sua elaboração. A orientação liberal manifestava-se claramente na enumeração expressa de direitos individuais (chamados direitos de primeira geração ou dimensão, tendo como núcleo o direito de liberdade em sua acepção mais ampla, visando a resguardar, da atuação do Estado, a esfera individual) e na adoção da separação de poderes. Quanto ao último aspecto, entretanto, impende anotar que, além dos três poderes propugnados por Montesquieu - Legislativo, Executivo e Judiciário -, foi acrescentado um poder denominado Moderador, concentrado nas mãos do Imperador. (PAULO; ALEXANDRINO, 2008) Nesse sentido, o que se percebe é que a Carta Magna acima referida claramente privilegiava as liberdades individuais, muito embora a realidade da época admitisse desigualdades gritantes (como a escravidão e o voto censitário). Já a partir da proclamação da república, a segunda Constituição brasileira, datada de 1891, continuou a garantir a proteção dos direitos individuais tendo em vista que além da ampliação do rol, garantindo, outrossim, em texto expresso a proteção de alguns direitos sociais, como o trabalho e a educação. Incluiu ainda em seu rol o direito ao voto, que deixou de ser censitário (ZAMBONE; TEIXEIRA, 2012). 14 No entanto, conforme bem ressaltou Groff (2008) tal carta política não teve grande relevância para os direitos sociais, tendo em vista que seu foco primordial era de fato a proteção das liberdades individuais. Em relação à Constituição de 1934, apontou Ramos (2014) que vários direitos sociais foram expressamente previstos. Dentre as inovações pode-se mencionar em relação aos trabalhistas: a proibição de distinção de salário para um mesmo trabalho por motivo gênero, idade ou estado civil, bem como a vedação ao trabalho de menores de 14 (quatorze) anos, a previsão de férias anuais e remuneradas, o estabelecimento de um salário mínimo e ainda de um descanso semanal. Dentre os referidos aspectos, importante ressaltar o entendimento de Paulo e de Alexandrino (2008, p. 27): Com isso, a Constituição de 1934 é apontada como marco na transição de um regime de democracia liberal, de cunho individualista, para a chamada democracia social, preocupada em assegurar, não apenas uma igualdade formal, mas também a igualdade material entre os indivíduos (condições de existência compatíveis com a dignidade da pessoa humana). Nesse cerne, se observa que a essência da constituição segue a mesma evolução temporal internacional, em relação aos direitos sociais, muito embora tenha demorado dez anos a mais que o resto do mundo para positivar tais preceitos. O citado texto maior, no entanto, não vigorou por muito tempo (por volta de três anos), tendo em vista que a ocorrência do golpe de estado promovido por Getúlio Vargas trouxe consigo uma nova constituição, que fora outorgada em 1937, e denominada de Polaca. Esta embora incluísse um rol direito fundamentais, não albergou o princípio da legalidade, nem o da irretroatividade das leis, estabelecendo, todavia, várias disposições restritivas da liberdade, inteiramente incompatíveis com um Estado Democrático de Direito (PAULO; ALEXANDRINO, 2008). Sobre o conteúdo da referida constituição, interessante mencionar os ensinamentos de Lenza (2012, p. 116): [...] não houve previsão do mandado de segurança nem da ação popular. Não se tratou dos princípios da irretroatividade das leis e da reserva legal. O direito de manifestação do pensamento foi restringido, já que, nos termos do art. 122, n. 15, “a”, com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da radiodifusão podia ser exercida, facultando- se à autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou a representação. Nenhum jornal poderia recusar a inserção de comunicados do Governo, nas dimensões taxadas em lei (art. 122, n. 15, “b”). 15 Nos termos do art. 122, n. 13 (e em sua redação determinada pela Lei Constitucional n. 1, de 16.05.1938), além dos casos previstos na legislação militar para o tempo de guerra, a pena de morte poderia ser aplicada para crimes políticos e nas hipóteses de homicídio cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade. Dos referidos apontamentos, se observa que a Carta Política de 1937, em verdade, constituiu um verdadeiro retrocesso em relação aos direitos fundamentais, porquanto, o que mais se ressalta em seu conteúdo é justamente as restrições e arbitrariedades possibilitadas ao Estado em face dos indivíduos. Por esse motivo, a compreensão do referido texto traz agora uma noção meramente secundária de proteção às liberdades e prerrogativas sociais anteriormente conquistadas, porquanto estariam elas limitadas pelo interesse estatal. Após o fim do Estado Novo, com e deposição de Vargas (durante a Segunda Guerra Mundial), surge em 1946 uma nova Constituição, desta vez guiada por ideaisdemocráticos. Esta estabeleceu ao longo de seu texto vários direitos sociais, seguindo a mesma linha da carta política de 1934 (LENZA, 2012). Acerca do referido texto, ressaltou Groff (2008, p. 119): No art. 157, foram arrolados diversos direitos sociais relativos aos trabalhadores. Os novos direitos sociais introduzidos foram: salário mínimo capaz de satisfazer conforme as condições de cada região, as necessidades normais do trabalhador e de sua família; proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da empresa; repouso semanal remunerado; proibição de trabalho noturno a menores de 18 anos; fixação das percentagens de empregados brasileiros nos serviços públicos dados em concessão e nos estabelecimentos de determinados ramos do comércio e da indústria; assistência aos desempregados; previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as conseqüências da doença, da velhice, da invalidez e da morte; obrigatoriedade da instituição, pelo empregador, do seguro contra acidentes do trabalho; direito de greve (art. 158); e liberdade de associação profissional e sindical (art. 159). Além disso, a Constituição previu um Título especial (Título VI) para a proteção à família, educação e cultura. Os direitos culturais foram ampliados: gratuidade do ensino oficial ulterior ao primário para os que provassem falta ou insuficiência de recursos; obrigatoriedade de manterem as empresas, em que trabalhassem mais de 100 pessoas, ensino primário para os servidores e respectivos filhos; obrigatoriedade de ministrarem as empresas, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores; instituição de assistência educacional, em favor dos alunos necessitados, para lhes assegurar condições de eficiência escolar. 16 Tendo em vista o explanado, se torna perceptível que a referida Carta Constitucional buscou resgatar os direitos e garantias estabelecidos pela última constituição democrática (a de 1934), incluindo, de outro lado, um rol mais amplo do que o anterior, principalmente no que atine à educação e cultura. Posteriormente, o golpe militar de 1964 resultou na promulgação da Constituição de 1967, que foi qualificada por Paulo e Alexandrino (2008) como sendo tendente a promoção de uma centralização político-administrativa na figura da União, por meio de uma elevação das prerrogativas do Presidente da República, com a notável preocupação com a segurança nacional. Sobre a referida Carta Política assinalou Groff (2008, p. 121-2): No que se refere aos direitos e garantias individuais, em comparação com a Constituição de 1946, houve as seguintes limitações: o acesso ao Poder Judiciário poderia ser limitado pela lei, que poderia condicionar esse direito a que fossem exauridas as vias administrativas; houve restrição da liberdade de publicação de livros e periódicos, ao afirmar que não seriam tolerados os que fossem considerados como de propaganda de subversão da ordem, bem como as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes; foi restringido o direito de reunião, facultando à Polícia o poder de designar o local para ela; foi estabelecido o foro militar para os civis (art. 122, 1o ); criou-se a pena de suspensão dos direitos políticos, declarada pelo STF, para aquele que abusasse dos direitos políticos ou dos direitos de manifestação do pensamento, exercício do trabalho ou profissão, reunião e associação, para atentar contra a ordem democrática ou praticar a corrupção (art. 151); e foram mantidas todas as punições, exclusões e marginalizações políticas decretadas sob a égide dos Atos Institucionais – isso só terminaria com a Anistia em 1979. [...] Em matéria de direitos sociais, houve os seguintes retrocessos: a redução para 12 anos da idade mínima de permissão de trabalho; a supressão da estabilidade, como garantia constitucional, e o estabelecimento do regime de fundo de garantia, como alternativa; as restrições ao direito de greve; e a supressão da proibição de diferença de salários, por motivo de idade e nacionalidade, a que se referia a Constituição anterior. Por outro lado, houve algumas pequenas melhorias: inclusão, como garantia constitucional, do direito ao salário-família, em favor dos dependentes do trabalhador; proibição de diferença de salários também por motivo de cor, circunstância a que não se referia a Constituição de 1946; participação do trabalhador, eventualmente, na gestão da empresa; aposentadoria da mulher, aos trinta anos de trabalho, com salário integral; e aposentadoria para o professor após trinta anos e, para a professora, após vinte e cinco anos de efetivo exercício em função de magistério, com salário integral. Nesse sentido, é possível entender que a referida Carta Constitucional trouxe redução dos direitos individuais (principalmente os atinentes à liberdade de reunião 17 e associação), e muito embora tenha apresentado algumas evoluções (no que atine ao direito dos trabalhadores, principalmente) inegavelmente entabulou a subsidiariedade dos direitos fundamentais em relação aos interesses do poder estatal. Com a redemocratização, surge a atual Constituição Federal, em 1988, constituindo, sem dúvidas, o maior marco jurídico nacional de proteção aos direitos fundamentais, tendo em vista que desde o seu preâmbulo se vislumbra a concretização daqueles como fim precípuo do próprio estado brasileiro, veja-se: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem- estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (BRASIL, 2016, p.19, grifo nosso). Observa-se no referido texto claramente que os direitos sociais e individuais (espécies de direitos fundamentais) são utilizados não apenas como objetivos, mas também como fundamento para a própria existência da República Federativa do Brasil. Importante ressaltar também que, como base precípua dos direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana alcançou o patamar constitucional de fundamento da própria existencia do Estado (consoante dispõe o art. 1º, inciso III, da Constituição Federal). Nesse ponto, Barreto (2014, p. 59) mencionou: Ao elencar a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado brasileiro, a Constituição está indicando que a dignidade é o parâmetro orientador de todas as condutas estatais, o que implica romper com um modelo patrimonialista de ordem jurídica. [...] O fato de toda a realidade estatal se desenvolver a partir da dignidade humana impõe uma releitura da ordem jurídica, no sentido de re-interpretar as normas infraconstitucionais e verificar se elas são compatíveis com esse novo modelo, e essa é uma tarefa que se projetou em todos os ramos do Direito. Nota-se que a designação constitucional da dignidade da pessoa humana como fundamento da república possui relevância ímpar no ordenamento jurídico 18 nacional, tendo em vista que a partir da vigência da Carta Magna todos os ramos do direito passaram a ser orientados sob a referida ótica. Nesse sentido, é possível compreender que as próprias relações jurídicas particulares necessariamente deverão observar o referido parâmetro, sob pena de decretação de sua invalidade, ante a provocaçãodo judiciário (conforme art.5º, inciso XXXV da Constituição, que retrata o princípio da inafastabilidade da jurisdição). Destaca-se, nesse ponto que, notoriamente, a Carta Política de 1988 alçou os direitos fundamentais ao patamar de decisão básica estatal, tendo em vista que estes marcaram um mar de perspectivas e metas sociopolíticas a serem concretizadas. E para o cumprimento de tal finalidade o constituinte incutiu nestes uma especial força expansiva, de maneira que sua aplicação tem repercussão em todo o universo constitucional, constituindo, assim, parâmetro interpretativo para todas as regras jurídicas do sistema legal brasileiro (PIOVESAN, 2009). Da evolução exposta, é possível observar que a atual Constituição Federal, seguindo todo o traçado histórico-político do país, trouxe uma perspectiva de defesa e concretização dos direitos fundamentais marcante, caracterizada pela primariedade de tais garantias, que a partir de então passaram a constituir a própria finalidade do Estado brasileiro. 19 3. A SEPARAÇÃO DE PODERES NO ESTADO BRASILEIRO A separação de poderes é um dos fatores mais característicos da democracia brasileira, o que se revela ao mesmo tempo como uma garantia contra os abusos do poder estatal, por meio da interação e limitação trazida pelo referido sistema. Nesse cerne, o presente capítulo buscará analisar a referida expressão desde sua origem, bem como traçar um apontamento acerca de seu sentido e aplicação contemporânea, com vistas a se obter a compreensão do grau de importância adquirida pela divisão de funções estatais no panorama jurídico brasileiro. 3.1 Breve relato histórico da separação de poderes A noção de separação de poderes do estado é antiga, tendo sido buscada pela doutrina desde o pensamento de Aristóteles, que em sua filosofia apresentou um esboço inicial acerca do sentido da referida expressão. Acerca da mencionada ideia Lenza (2012, p.481) explicitou: As primeiras bases teóricas para a “tripartição de Poderes” foram lançadas na Antiguidade grega por Aristóteles, em sua obra Política, em que o pensador vislumbrava a existência de três funções distintas exercidas pelo poder soberano, quais sejam, a função de editar normas gerais a serem observadas por todos, a de aplicar as referidas normas ao caso concreto (administrando) e a função de julgamento, dirimindo os conflitos oriundos da execução das normas gerais nos casos concretos. Nesse cerne, é possível compreender que Aristóteles, em verdade, focou sua ideia na descrição das funções essenciais para a solidificação e existência de qualquer governo. Sobre a referida ideia Abramovay (2010, p. 14) ainda complementou: A ideia de uma divisão de Poderes aparece já na Política de Aristóteles, com a defesa de um governo misto, pressupondo funções distintas a atores diferentes no processo político. Mas é importante entender os objetivos de Aristóteles. Sua conhecida classificação de regimes entre monarquia/tirania, aristocracia/oligarquia e democracia/demagogia pressupunha 20 uma natural degeneração dos tipos de governo e, para evitar essa degeneração, Aristóteles propõe um governo com elementos de cada tipo, um governo misto. Os controles colocados à natural tendência de abuso de poder tinham por escopo a manutenção dos regimes virtuosos. A noção de equilíbrio vinda do governo misto está, portanto, muito vinculada à ideia de manutenção de um regime, de evitar a sua degeneração. Desse modo, é possível verificar que a noção explicitada por Aristóteles indica uma maneira de otimizar a organização do poder por meio do exercício de determinadas funções estatais (o que ele denominou de governo misto), visando assegurar a própria manutenção do regime estabelecido. Nesse sentido, é possível compreender que o referido filósofo ressaltou uma descrição de atribuições necessárias à própria existência de um governo, seja ele democrático ou monárquico, com base na noção de equilíbrio entre as necessidades sociais e o poder soberano que nela subsiste. Abramovay (2010) ressalta que a referida noção de governo misto continuou a ser objeto de indagação, principalmente na Idade Média, ocasião em que o debate político passou a se focar não mais no poder secular dos reis, passando agora a se concentrar nos liames do Poder Eclesiástico, visando principalmente evitar o desvirtuamento da instituição do clero, por meio da conciliação entre as forças políticas existentes à época (religião e monarquia). Dessa forma, pode-se entender que durante a Idade Média a Igreja surgiu como uma verdadeira força política no mundo, e como tal repercutia sobre os ideais, a cultura e sobre as crenças da população de inúmeros governos, razão pela qual a busca pelo equilíbrio de poderes se apresentou como necessária naquele período, reascendendo a ideia de distribuição de funções dentro e fora dos Estados. Apontou Pires (2014) que a Revolução Gloriosa (na Inglaterra) resultou no estabelecimento da participação popular, que por intermédio do Bill of Rights passou a compartilhar o exercício do poder com o monarca por intermédio do Parlamento. Este teria a função de resguardar o interesse do povo e evitar arbitrariedades por parte do rei. Guiado por esses movimentos, posteriormente, o pensador John Locke, elaborou uma teoria na qual explicitou a existência de três poderes a fim exercer as funções básicas do governo, quais sejam um poder legiferante, um Executivo e um denominado Federativo (LOCKE, 2001). 21 Na visão do autor o Legislativo é o órgão mais importante, tendo em vista que teria ele a função de estabelecer as regras básicas para a convivência sócia ao passo que ao Executivo incumbiria a mera atribuição execução das leis internas da sociedade (LOCKE, 2001). A novidade trazida pela teoria do referido autor é o denominado poder federativo, que pode ser mais bem explicado pelas próprias palavras do filósofo: Em toda comunidade civil existe um outro poder, que se pode chamar de natural porque corresponde ao que cada homem possuía naturalmente antes de entrar em sociedade. Mesmo que os membros de uma comunidade civil permaneçam pessoas distintas em suas referências mútuas e como tais sejam governados pelas leis da sociedade, em referência ao resto da humanidade eles formam um corpo único, e este corpo permanece no estado de natureza em referência ao resto da humanidade, como cada um de seus membros estava anteriormente. Este poder tem então a competência para fazer a guerra e a paz, ligas e alianças, e todas as transações com todas as pessoas e todas as comunidades que estão fora da comunidade civil; se quisermos, podemos chamá-lo de federativo. Uma vez que se compreenda do que se trata, pouco me importa o nome que receba. (LOCKE, 2001, p. 171). O referido poder, pela compreensão do texto, seria então a vontade social dominante, pois esta teria força suficiente para promover decisões e mudanças políticas, tendo em vista que é justamente a vontade dos particulares de se agrupar em forma de sociedade que dá sentido à própria noção de Estado. Posteriormente, pode-se ressaltar o pensamento de Montesquieu, que influenciado pelo liberalismo crescente à época (século XVIII) deu nova roupagem à ideia de Aristóteles, descrevendo-a em sua consagrada obra Do Espírito das Leis. Relevante é expor o diretamente das palavras do Autor(Montesquieu, 2010, p.168-9): Há em cada Estado três tipos de poderes: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes e o poder executivo das que dependem do direito civil. Pelo primeiro, o príncipe ou o magistrado faz leis para certo tempo ou para sempre, e corrige ou ab-roga as que são feitas. Pelo segundo, declaraa paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a segurança, previne as invasões. Pelo terceiro, pune os crimes ou julga os litígios dos particulares. Chamaremos este último de poder de julgar; e o outro, simplesmente de poder executivo do Estado. [...] Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo é reunido ao poder executivo, não há liberdade; porque é de temer o que o mesmo monarca 22 ou o mesmo senado faça leis tirânicas, para executá-las tiranicamente. Tampouco há liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estiver unido ao poder legislativo será arbitrário o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos; pois o juiz será o legislador. Se estiver unido ao poder executivo, o juiz poderá ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo de principais ou de nobres ou do povo exercesse estes três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou os litígios particulares. O autor descreve os três tipos de funções estatais identificadas por Aristóteles, e, a partir delas abstrai a necessidade de o Estado dividi-las com vistas a evitar o autoritarismo e a tirania de seu governo. Tais atribuições deveriam, no seu entender, ser exercidas por organismos distintos, e cada qual dotado de uma atividade específica, visando evitar justamente o conflito de interesses entre as funções de gestão, aplicação de penas e criação de leis. Acerca dos referidos conceitos apontou Lenza (2012, p. 481-2): O grande avanço trazido por Montesquieu não foi a identificação do exercício de três funções estatais. De fato, partindo desse pressuposto aristotélico, o grande pensador francês inovou dizendo que tais funções estariam intimamente conectadas a três órgãos distintos, autônomos e independentes entre si. Cada função corresponderia a um órgão, não mais se concentrando nas mãos únicas do soberano. Tal teoria surge em contraposição ao absolutismo, servindo de base estrutural para o desenvolvimento de diversos movimentos como as revoluções americana e francesa, consagrando-se na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e Cidadão, em seu art. 16. Por meio dessa teoria, cada Poder exercia uma função típica, inerente à sua natureza, atuando independente e autonomamente. Assim, cada órgão exercia somente a função que fosse típica, não mais sendo permitido a um único órgão legislar, aplicar a lei e julgar, de modo unilateral, como se percebia no absolutismo. Tais atividades passam a ser realizadas, independentemente, por cada órgão, surgindo, assim, o que se denominou teoria dos freios e contrapesos O filósofo trouxe, dessa forma, a percepção de que para a garantia da liberdade das pessoas se fazia necessário que o Estado distribuísse as três funções essenciais (administrar, julgar e legislar) a entidades diversas, cada qual com autonomia e independência entre si. De tal maneira, as atribuições não mais se concentrariam unicamente na figura do soberano, o que representaria uma redução das prerrogativas do chefe do Poder Executivo, tendo em vista que cada órgão passaria a possuir uma função típica (exclusiva) e limitadora da atuação dos demais. 23 É de se observar, nesse sentido, que Montesquieu pretendeu em sua tese proteger as liberdades individuais das arbitrariedades do poder público, através da delimitação de competências a órgãos individuais de forma equilibrada, a fim de que nenhum deles se sobressaia sobre outro. Esta concepção é o que fez com que boa parte da doutrina atribuísse a ele o desenvolvimento da Teoria dos Freios e Contrapesos (COUCEIRO, 2011). Pires (2014) afirmou que a teoria apresentada por Montesquieu apenas em 1787 foi implantada em grau constitucional pelos Estados Unidos da América, que em sua primeira Carta Política estabeleceram a divisão das funções inerentes a cada um dos poderes. Tais disposições tiveram a finalidade de romper com modelo estabelecido na Europa à época, de modo que a referida Constituição fixou funções específicas para cada um dos poderes, que possuíam independência para atuarem em suas respectivas esferas, e autonomia para se autorregularem. Tal teoria passou a ser repensada a partir do final da Segunda Guerra Mundial, tendo em vista, que a partir dela os direitos fundamentais passaram a constituir a essência e fundamento da interpretação constitucional, de modo que o próprio legislador passou e ter de observar-los quando da elaboração das normas jurídicas. Nessa linha, o judiciário passou a constituir-se como garantidor dos preceitos constitucionais, de modo que, poderia atuar em face de outros poderes visando sanar vícios de inconstitucionalidade, por meio de seu poder decisório (PINTO, 2016). A esse respeito Messa (2011) anota: Hoje, adota-se a teoria de Montesquieu, de forma temperada, pois, numa visão constitucionalista moderna, a distribuição de funções entre os poderes não é absoluta, rígida: cada poder, além de exercer a função originária, predominantemente, que lhe dá nome, exerce outras em caráter não preponderante e próprias de outros poderes. Observa-se que o parâmetro social contemporâneo se desenvolveu de tal forma que a aplicação prática da referida teoria passou a se focar não mais na divisão de atribuições como vistas à manutenção do poder estatal, mas no exercício desses poderes de modo a garantir a garantia dos direitos fundamentais. Tal finalidade passa a ser buscada pela flexibilidade de atuação dos diferentes órgãos, com vistas a propiciar a efetividade das garantias retro mencionadas. 24 3.2 A separação de Poderes no atual Plano Constitucional Brasileiro O Brasil percorreu uma trajetória política conturbada até o atual panorama organizacional restar estabelecido, de maneira que se faz importante analisar neste tópico o modo como restaram distribuídas as competências estatais entre os poderes da república, bem como ressaltar os contornos do referido sistema de interação entre as entidades responsáveis pelas referidas funções. 3.2.1 Das Funções estatais Todos os poderes da República tem as suas funções detalhadamente delineadas pela Carta Magna de 1988, de modo que se faz interessante analisar-se no presente tópico apenas as predominantes. A primeira função a ser analisada é a legislativa, que se caracteriza em nosso sistema constitucional como o poder de criar leis e emendas à constituição (consoante artigo 44 e seguintes da Constituição Federal). Sobre o tema apontou Freire (2008, p. 36): No sistema constitucional brasileiro, a legislação é atividade característica e normal do Poder Legislativo federal (Congresso Nacional), estadual (Assembleias Legislativas), distrital (Câmara Legislativa) e municipal (Câmaras Municipais). Todavia, ela também é atribuída ao Poder Executivo (leis delegadas e medidas provisórias). O cabimento de uma ou outra espécie legislativa dependerá, basicamente, do campo próprio reservado pela Constituição para cada uma delas. É evidente que o Senado Federal não pode, por exemplo, editar uma resolução para estabelecer os requisitos necessários para o exercício de certa profissão (art. 5º, XIII). Tal ato legislativo tem pressupostos formais e materiais específicos para a sua válida edição. Observa-se, desse modo, que a função do referido poder é limitada ao próprio rol de competências fixadas na Carta Maior, de modo que, o que se ressalta é justamente que a possibilidade de criação de normas também pode ser exercida, nas situações descritas no texto constitucional, por outros órgãos (como o próprio Executivo). 25 De outro lado, o Poder Legislativo também possui funções atípicas, porquanto pode exercer a fiscalização os atos do poderexecutivo (conforme artigos 31 e 49, inciso X, da Constituição), atribuição que sem dúvidas é de caráter executório, podendo resultar inclusive em punições (perda do cargo, descrita no parágrafo único do artigo 52 do texto constitucional). Nesse ponto apontou Pinho (2006, p. 61-2, apud GOUVEIA; AMARAL, p. 16, 2008): “(...). Além da função legislativa, merece destaque a de fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo, incluídos os da Administração indireta (CF, art. 49, X). Essa fiscalização pode ser exercida das mais diversas formas: a)pedidos escritos de informações aos Ministros ou titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República, encaminhados pelas Mesas da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, devendo ser respondidos no prazo de trinta dias, sob pena de prática de crime de responsabilidade (CF, art. 50, § 2º); b)convocação de Ministros para esclarecimentos sobre assuntos de relevância de sua pasta (CF, art. 50, §1º); c) instalação de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), com poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, para apuração de fato certo por prazo determinado, com a remessa das conclusões para o Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil e criminal dos infratores (CF, art. 58, § 3º); e d) controle externo dos recursos públicos, com auxílio do Tribunal de Contas da União (CF, art. 71) e de uma Comissão Mista Permanente de orçamento (CF, arts. 166, § 1º, e 72).”. Desse modo, o referido poder possui também funções de controle externo sobre as ações do poder executivo, por intermédio da prerrogativa constitucional de fiscalização que lhe é atribuída. Sobre as referidas funções apontaram Pires e Nogueira (2004, p. 262): O controle externo pode ser dilargado e tonificado pela integração de mecanismos potentes com os quais a função fiscalizadora se realça, colocando-se em pé de igualdade com a função criadora do direito ¾ a legislativa ¾, que tradicionalmente monopoliza o esforço das casas legislativas. Esse caminho encontra amparo no art. 49, inciso X, da Constituição da República, em que se atribui expressamente ao Congresso Nacional a competência para “fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta”. Não há que subsistir, portanto, o indisfarçável desprezo, até recentemente identificado, pela função de controle político- representativo da atuação do executivo, tradicionalmente exercida com espeque em insatisfatórios dispositivos infra- constitucionais. 26 Observa-se que a função fiscal exercida pelo Legislativo sobre os atos do Executivo, vai muito além de controle orçamentário, mas também incide sobre os atos políticos, o que demonstra a sua evidente participação nas tomadas de decisão relacionadas à administração do Estado. É interessante também ressaltar a competência para resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; bem como a autorização para que o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz; a permissão para que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente; a permissão para que o Presidente e o Vice-Presidente da República a se ausentem do País por mais de quinze dias. (descritas nos incisos do artigo 49 da Carta constitucional). Nesse cerne, se observa que ao Poder Legislativo, dentre outras atribuições não mencionadas acima (constantes em outros dispositivos da Constituição), são destinadas também parcelas decisórias que normalmente competiriam ao Executivo, mas, tendo em vista a sua relevância e ainda a necessidade de se resguardar o equilíbrio e o sistema democrático é que a carta política inclui essa medida de controle às ações do governante. De outro lado, ao Poder Judiciário, incumbe a guarda da constituição e dos regramentos infraconstitucionais, atuando precipuamente mediante provocação dos particulares ou do Ministério Público, em ações que tratem de relações de caráter privado ou público (consoante se observa nos artigos 92, 105, 108, 109, 114 e 125 da Constituição Federal). No entanto, o citado órgão também detém competências diferenciadas, de predominância de outros poderes, conforme destacaram Gouveia e Amaral (p.22, 2008): Como já citadas, as funções atípicas do Poder Judiciário são de duas naturezas: Natureza Legislativa e Natureza Executiva. Tais funções são de extrema importância para a preservação da autonomia e independência desse Poder frente aos demais. A função atípica de natureza legislativa é a independência que o Poder Judiciário tem em estabelecer seu regimento interno. Aqui tal situação é mencionada de forma genérica, uma vez que cabe aos tribunais que compõe o Poder Judiciário em estabelecê-los. Quanto à função atípica de natureza executiva, atribui-se ao Poder Judiciário, administrar seus serviços e servidores, como, por exemplo, conceder licenças e férias aos seus magistrados e serventuários, conforme se denota da leitura do artigo 96, inciso I, alínea f da Constituição Federal. 27 Observa-se, desse modo, que o judiciário também possui sua dose de atribuições atípicas, tendo em vista a função normativa de se auto-organizar, de elaborar seu próprio orçamento, realizar seus próprios atos de controle interno. Estas, pois, são funções administrativas, típicas do Poder Executivo, a serem exercidas dentro dos limites legais pelo poder com atribuição predominantemente de aplicar a jurisdição. O Judiciário ainda tem a denominada autonomia financeira e funcional em razão do princípio da independência entre os poderes. Esta qualidade, conforme previsão na Carta Magna (em seu artigo 99) é analisada sob três perspectivas, quais sejam: administrativa, financeira e funcional. A esse respeito, destacou Pereira Junior (2014, p. 8): A Constituição, por outro lado, assegurou autonomia financeira ao Poder Judiciário (art. 99, §§ 1º e 2º). Nesse sentido, atribuiu competência aos tribunais para elaborarem suas respectivas propostas orçamentárias, levando em consideração os limites estipulados, conjuntamente, com os poderes Legislativo e Executivo na lei de diretrizes orçamentárias. Nesse sentido, todos os tribunais interessados serão ouvidos para a elaboração da proposta orçamentária do Poder Judiciário. Em seguida, após a aprovação dos respectivos tribunais, a proposta orçamentária será encaminhada: a) ao Congresso Nacional, no âmbito da União, pelos presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores (STJ, TSE, TST e STM); b) às Assembléias Legislativas, no âmbito dos Estados federados, pelos presidentes dos respectivos Tribunais de Justiça; c) à Câmara Legislativa, no âmbito do Distrito Federal, pelo presidente do Tribunal de Justiça (art. 99, § 2º.incisos I e II). Nesse sentido, o exercício das competências normativa e administrativa pelo judiciário é possível, mediante a apresentação de seu planejamento orçamentário, bem como pela auto-organizarão propiciada pela possibilidade de regulação de seu funcionamento por meio de regimentos internos. Em relação à autonomia funcional afirmou Pereira Junior (2014) que esta constitui garantia constitucional dos julgadores, dos litigantes e do próprio meio social, consistindo na impossibilidade de os membros do judiciário sofrerem interferência de outro poder ou pessoas quando no exercício de suas funções. O Executivo, de outro lado, é o poder responsável pelo gerenciamento do Estado, executando os preceitos legais e constitucionais, por meio da elaboração de políticas públicas voltadas à manutenção da própria sociedade. Sobre a matéria assinala Couceiro (2011, p. 5): 28 O Poder Executivono Brasil é exercido pelo Presidente da República juntamente com os Ministros que por ele são indicados. É a ele que competem os atos de chefia de Estado, quando exerce a titularidade das relações internacionais e de governo, quando assume as relações políticas e econômicas assumidas no plano interno, típico do sistema presidencialista adotado no Brasil. Dada a função precípua inerente ao poder Executivo, qual seja administrar o Estado, através da observação das regras emanadas do poder Legislativo, não raras vezes excursiona nos campos de atuação de outra esfera de poder. Dessa forma, temos o Executivo exercendo, por exemplo, a possibilidade de adoção do instituto das Medidas Provisórias, com força de Lei, conforme determina o artigo 62 da Magna Carta de 1988 Do exposto, é possível compreender que muito embora a criação de normas jurídicas seja atribuição natural dos órgãos de representação democrática dos cidadãos (no Brasil o Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais e Distrital), o Poder Executivo, por intermédio do Presidente da República detém a competência para exercer tal função, nos casos apontados pela Carta constitucional brasileira. Nesse sentido apontou Albuquerque (2011) ao afirmar que o modelo previsto no Brasil é diverso do traçado teórico traçado por Montesquieu, porquanto esta apenas atribuía ao Executivo as denominadas competências legislativas negativas, consistentes no veto de iniciativas legislativas do parlamento que contrariassem o interesse público ou a carta política. Ressalta ainda que, a título de exemplo, a lei delegada, prevista em nossa Constituição, em que ocorre verdadeiro exercício da função de legislar pelo Presidente da República, nos termos de autorização prévia e expressa e do Congresso Nacional. Destarte, é possível entender que o Poder Executivo, muito embora tenha como função predominante a execução das leis e administração do Estado tem ainda algumas atribuições inerentes a outros poderes, como é o caso das medidas provisórias a ainda da iniciativa legislativa exclusiva para algumas matérias (conforme se verifica no artigo 61, parágrafo 1º da Carta Maior). Nesse norte, se observa que o sistema de divisão de poderes existente no Brasil de fato é semelhante ao proposto por Montesquieu, todavia, possui uma diferença marcante, porquanto admite uma flexibilização na distribuição das funções dos órgãos estatais, que atuam perante a sociedade mediante atribuições típicas e atípicas, visando não apenas a garantia de solidez do sistema, mas a busca pela 29 satisfação das finalidades estatais (descritas no artigo 3º, 5º e 6º e 7º da Carta Magna). 3.2.2 Da Harmonia entre os Poderes da República A atual Constituição Federal (de 1988), em seu artigo 2º dispõe que: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (BRASIL, 2016, p.19). Extrai-se do referido preceito que a divisão de poderes tem como características a harmonia, ou seja, o equilíbrio entre as entidades detentoras das funções jurisdicional, administrativa e legislativa. Sobre a temática Pires e Nogueira (2004, p.267) teceram alguns comentários: A independência e a harmonia dos Poderes pressupõem o sistema de freios e contrapesos, cujo objetivo primordial é evitar arbítrios, desmandos e desvãos jurídicos de um Poder em face do outro; é dizer: não pode o instituto do controle parlamentar, sob pena de irreparável lesão às bases de legitimidade do sistema jurídico-político, funcionar como meio de sobreposição dos Poderes. Observa-se que novamente fica ressaltada a tese apresentada por Montesquieu, no sentido de que deve haver limitação entre as funções distribuídas com vistas a evitar o conflito entre os órgãos estatais incumbidos do exercício das referidas competências (legislativa executiva e judiciária). Nesse sentido aponta Pinto (2016, p. 17): A interpretação que se deu e se dá, no Brasil, à técnica da separação de poderes sempre foi e é muito estanque, e a prática desvirtua e promove uma divisão de funções com instituições enfraquecidas, apartadas, limitadas e fomentadora de uma inter-relação baseada em vetos recíprocos. É de premência a revisão da técnica da divisão de funções para que legitimidade, eficiência e concretização democrática da Constituição andem juntas. O que se percebe é que o sistema de separação de poderes hoje estabelecido ainda não corresponde à visão de equilíbrio elencada na tese do filósofo anteriormente mencionado, tendo em vista que a relação das forças políticas estabelecidas entre Executivo e Legislativo sempre foi complexa. Esta notoriamente é dependente de acordos e concessões entre os referidos entes, tendo em vista que 30 para que o Estado possa implementar determinadas medidas ou mesmo investimentos há a clara necessidade de harmonia entre as vontades dos referidos organismos. O sistema de distribuição de competências também foi objeto de questionamentos por Chevitarese (2015, p. 510): A separação dos poderes consagrada constitucionalmente não opera na atualidade em perfeita harmonia, se é que em algum momento isso foi possível. Ocorre que, “nossos textos legais não vieram do Olimpo, nem de seus arredores”. A experiência demonstra que o instituto da separação dos poderes, na verdade, coexiste com a interferência necessária contra o arbítrio da maioria desenfreada, porém limitada ao rule of Law, para que não se converta em um governo de juízes. Com efeito, “um judiciário politicamente fraco não estará à altura da missão constitucional de defender o povo contra a usurpação do poder, que redundará na ditadura e na tirania”. Nesse ponto, é de se ressaltar que como o esquema de separação de poderes brasileiro tem como caractere a possibilidade de interferência recíproca de um poder em outro (nos casos estritos dispostos na Constituição), o limite da intervenção é justamente a própria regra constitucional, pois as funções atípicas são delimitadas na própria Carta Maior. Lenza (2012), sobre o tema, pontua que o poder constituinte originário assegurou a independência dos Poderes entre si no exercício do percentual de competência constitucionalmente estabelecida. Dessa maneira, um órgão só poderá exercer atribuições de outro (função típica), quando houver expressa previsão constitucional (atípicas), como, por exemplo, ocorre com as leis delegadas do art. 68, cuja atribuição é delegada pelo Legislativo ao Executivo. De outro lado, há que se ressaltar que a interferência só é justificada pelo atual sistema quando o poder afetado não exerce adequadamente as suas atribuições, e, para que haja o saneamento da omissão surge o fundamento para a referida ingerência. Messa (2011, p. 141) sobre o tema destaca: A harmonia entre os poderes é concretizada através de mecanismo na Constituição Federal de vigilância e correção que um poder exerce sobre a conduta funcional do outro. A finalidade do controle recíproco é assegurar que esses órgãos estatais atuem de acordo com as normas jurídicas e o bem comum. Nessa senda, o exercício regular da finalidade de cada poder, gera, por conseguinte a impossibilidade de interferência na atuação em outras esferas, tendo 31 em vista o necessário respeito à independência e da harmonia (prevista como princípio constitucional, conforme já mencionado. Interessante é ressaltar o posicionamento de Harada (2012, p. 1) sobre o tema: Apesar das claras definições de competência de cada Poder, ultimamente, o Judiciário vem acentuando o chamado ativismo judicial, como que misturando a função técnica com a função política. Muitas vezes, tem ido bem além da simples interpretação e aplicação das leis vigentes. Têm implicado uma verdadeira inovação legislativa.É verdade que em algumas oportunidades, essas decisões criativas têm o sentido de conferir eficácia ao mandado de injunção, previsto no art. 5º, LXXI da CF, em desuso, porque inútil do ponto de vista prático. Foi o que aconteceu no caso da greve dos servidores públicos, cujo dispositivo constitucional pertinente (art. 37, VII da CF), até hoje, não foi regulamentado pelo Congresso Nacional, causando dúvidas e incertezas jurídicas. Apesar de alguns constitucionalistas modernos aprovarem a judicialização da política em nome da profunda transformação social porque passa o mundo e o nosso país nos últimos tempos, o certo é que a continuar prescrito na Carta Política o princípio da tripartição do Poder, para preservar a atuação independente e harmoniosa dos poderes do Estado (art. 2º da CF), não será possível um órgão técnico interferir em um órgão político que representa a vontade da sociedade. A soberania popular, que é fonte de direitos e garantias fundamentais, paira acima do próprio poder político do Estado. Nesse sentido, o que se observa é justamente a fragilidade em que se encontra a referida divisão de poderes, porquanto a harmonia é muitas vezes deixada de segundo plano em razão da própria objetivação de preenchimento de lacunas deixadas pelo Legislativo (no plano normativo) e pelo Executivo (no plano administrativo), de modo que surge o Judiciário como solucionador de omissões. O que se revela, então, é que o esquema de separação de poderes brasileiro possui uma clara sobreposição do Legislativo sobre o Executivo (tendo em vista a evidente função de controle externo e participação nas decisões políticas e financeiras) e do Judiciário sobre os demais (como órgão corretor de omissões). Acerca da problemática afirmou Frontini (2008, p. 75): Uma asserção pode ser feita com segurança, dentro desse contexto: o Poder Executivo não tem como impedir, afastar, suspender, ou colocar em recesso o Poder Legislativo. E nem tem força jurídica o Poder Executivo no âmbito de suas atribuições, de produzir qualquer ato jurídico que atinja esse Poder. Se o fizer, estará atentando contra o livre exercício do Poder Legislativo, o que implica crime de responsabilidade, como foi visto linhas acima. Pode-se, assim, formular um juízo de comparação entre a força, constitucionalmente legitimada, que cada um desses Poderes tem perante o outro. E a 32 conclusão é de que o Legislativo é mais forte do que o Executivo. De fato, o Legislativo é mais forte. Isso se dá na exata medida em que o Legislativo, pelo processo de crime de responsabilidade, pode afastar e impedir o Chefe do Poder Executivo, decretando sua substituição, enquanto não há como o Poder Executivo atingir integralmente o Poder Legislativo, nem deliberar o impedimento de seus dirigentes ou dos parlamentares. [..] No confronto entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário, gerando impasse institucional, em termos de decisão judicial definitiva, prevalece claramente a posição do Poder Judiciário. Em última instância, essa matéria será tratada no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Ora, o descumprimento de decisões judiciais (assim como o descumprimento de leis) caracteriza crime de responsabilidade, nos termos do art. 85 da CF, inciso VII, já referido neste estudo. Se a pendência se der entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, o desdobramento natural e final do confronto se dará em instância judicial, perante o Supremo Tribunal Federal. E a decisão final deste será definitiva. É tentador, a propósito, considerar em tese qual o desfecho de um conflito entre Poderes numa hipótese melindrosa, que agora expomos. Desse modo, o que se ressalta na referida análise é justamente que o sistema impõe uma fragilidade categórica do poder executivo, que se encontra num estreito patamar de sujeição a dois tipos de controle (o judicial e o legislativo), ao passo que no seu rol de atribuições em frente aos dois últimos apenas se ressalta a possibilidade de participação da escolha de ministros e desembargadores dos tribunais jurídicos (conforme artigo da Constituição Federal) e ainda de membros dos tribunais de contas (conforme artigos da referida Carta Maior). 33 4. O ATIVISMO JUDICIAL E SEUS LIMITES NO ESTADO BRASILEIRO O comportamento do Poder Judiciário no exercício da função jurisdicional após o advento da Carta Política de 1988 sofreu inúmeras alterações, que são relevantes para a compreensão da matéria em estudo, razão pela qual neste capítulo será analisada a referida atividade estatal, seus fundamentos, poderes e limites em face de outros poderes da república. 4.1 Da Função-Garantia do Poder Judiciário Conforme já ressaltado no capitulo anterior, para Montesquieu a divisão orgânica das funções do Estado deveria ocorrer num plano linear rígido, de forma que cada órgão pudesse atuar com independência e autonomia no exercício de sua atividade predominante. E a interação entre estes só ocorreria de maneira negativa por meio de uma limitação recíproca, com a finalidade de prevenir arbitrariedades e exageros no exercício de cada poder, o que posteriormente se denominou como técnica do checks and balances. (PINTO, 2014). Hollanda (2014) afirma que essa visão clássica do princípio da separação dos poderes é apenas correspondente a antiga lembrança decorrente de um passado distante, porquanto hoje este tipo de rigidez não responde satisfatoriamente as demandas coletivas de uma sociedade complexa como a contemporânea. Nesse cerne, as constituições da atualidade, inclusive a brasileira de 1988, estabeleceram um sistema que partiu da premissa acima elencada, todavia, foi além, porque fixou entre os três entes competências muito superiores às delineadas por Montesquieu (de natureza negativa), prevendo a possibilidade do exercício de atribuições de um poder sobre outro, agora de maneira positiva (decisória ou interventiva). Nesse mesmo sentido apontou Ferreira (2014, p. 66): A Assembleia Constituinte de 1988 deu ao Poder Judiciário matéria-prima que lhe permite adentrar em questões morais que no mais das vezes residem no campo das opções políticas e legislativas da sociedade, ou que deveriam ser desenvolvidas em um processo de amadurecimento com ampla participação dos atores sociais. Ao integrarem o bloco de 34 constitucionalidade, cláusulas abertas e princípios de conteúdo amplo, muitas vezes interpretados com alto grau de discricionariedade por aqueles a quem incumbe sua aplicação, permitem uma margem de interpretação e de opção no exercício do controle de constitucionalidade que ampliam os limites da atuação deste juris dicere. Desse modo, a distribuição de funções descrita na Carta Política vigente atribuiu ao Judiciário a possibilidade de enfrentar em sua função interpretativa os princípios e garantias individuais previstos na Carta Maior, de modo que se tornou um Poder dotado de um protagonismo único na Democracia brasileira. De Paula (2014) apontou sobre a matéria que o modelo de controle de constitucionalidade brasileiro consolidado pela Carta Magna de 1988 reforçou o papel do Poder Judiciário, porquanto aquele passou a ser efetuado também contra atos e omissões inconstitucionais dos Poderes Legislativo e Executivo, o que proporcionou a expansão da jurisdição constitucional, resultando na possibilidade de julgamento de matérias de cunho eminentemente político pelo Supremo Tribunal Federal, temáticas antes exclusivas dos outros Poderes representativos. Já Agra (2014) assenta que devido ao grande número de normas principiológicas dotadas de conteúdo denso inseridas no texto constitucional a jurisprudencialização se tornou um modo de flexibilizar o princípio da legalidade, tendo em vista a ausência de alicerces normativosprecisos (como apontados nas normas garantidoras de direitos). Desse maneira, as sentenças judiciais, por conseguinte, começaram a ser proferidas com um grau de discricionariedade elevado, o que claramente impacta o modelo de separação dos poderes existente, tendo em vista ser função basilar do Poder Legislativo o de detalhar o sentido da Constituição. Observa-se, de outro lado, que no Brasil, a proteção dos direitos fundamentais está disposta no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, onde se verifica o princípio da inafastabilidade da jurisdição, que indica que tais garantias constitucionais podem ser exigidas judicialmente. O que se compreende a partir dessa lógica é que quanto maior for o distanciamento entre a regra constitucional e a realidade maior será a possibilidade legal de o Judiciário participar do processo de implementação das políticas públicas (PEREIRA JUNIOR, 2014). Contudo, o judiciário não possui autonomia para atuar de ofício perante as situações violadoras de direitos, devendo, para tanto, ser provocado para que só 35 então possa promover a aplicação e interpretação das normas ao caso concreto (ou in abstrato, conforme a situação). Nesse sentido, aponta Scandelai (2006, p. 2): Para o Poder Judiciário entrar em ação, no Estado democrático de Direitos, como é o Brasil, há uma necessidade do mesmo ser provocado, ou seja, que ocorra ameaças ou infrigências do direito legal, do individuo ou da coletividade. E são a partir dessas ações, que o judiciário atua possuindo o objetivo de garantir a justiça social, sempre tendo como base o direito objetivo estatal, que são as leis escritas, princípios gerais de direito e equidade. Na criação do Judiciário foi objetivado que desempenhasse três funções, que são a instrumental, a política e a simbólica. A primeira, reconhece o judiciário como o local para a resolução dos conflitos sociais. A segunda, desempenha a ação de realizar o controle e a integração social e reforçar a estrutura de poder. E a terceira exerce sua função, através da garantia da justiça na vida dos cidadãos. Nesse contexto ao judiciário incumbiu precipuamente a guarda da Constituição e de suas cláusulas essenciais (pétreas), podendo para tanto atuar contra qualquer pessoa ou poder que agrida tais garantias, desde que acionado. 4.2 Da Judicialização da Política Ferreira (2014) assevera que a Constituição de 1988 surgiu como resultado de um desejo social de liberdade e de exercício de prerrogativas. Estas premissas que culminaram na presença em seu texto de inúmeras cláusulas de conteúdo principiológico e axiomático abertos, bem como na criação de mecanismos mais eficazes de controle de constitucionalidade. Tais fatores resultaram no avanço do Poder Judiciário sobre as questões políticas e legislativas, anteriormente de exercício exclusivo dos demais “Poderes”. Nessa linha Novelino (2014) destaca que mais do que mera prerrogativa, constitui dever do judiciário promover a evolução do texto constitucional em razão das exigências do presente. Observa que sua tarefa é justamente absorver os valores consensuais existentes na sociedade e imprimi-los em sua interpretação. Tal compreensão se aproxima do denominado ativismo judicial, que induz à preponderância do organismo julgador na concretização de mudanças sociais, bem como na incorporação de novas garantias constitucionais a par das já existentes. 36 Nesse ponto, Di Pietro (2014) ressalta que as decisões políticas e orçamentárias na vigência das Constituições anteriores eram insuscetíveis de interpretação jurisdicional. Todavia, principalmente após a promulgação da Carta Política de 1988, as garantias e direitos fundamentais nela dispostos foram alçadas a um patamar de primariedade visando a concretização do bem estar social e democrático, o que gerou uma intervenção mais incisiva pelo judiciário nas parcelas de decisões dos Poderes Executivos dos entes federados. Observa Agra (2014) que o Poder Judiciário começa a desempenhar uma função de ativismo judicial a partir do momento em que ultrapassou a prerrogativa tradicional de simplesmente aplicar os a regra jurídica aos casos trazidos à sua apreciação, atuando de maneira praeter legem(principalmente com base na jurisprudência). Desse modo, a Constituição que anteriormente teve como atributo o detalhamento de seus termos por meio de instrumentos normativos, construídos por organismos formados a partir da soberania popular, passa a ser determinada por decisões judiciais (o que se nomeou de jurisprudencialização), tendo em vista que o foco das decisões advém da incidência exclusiva de uma escolha política que incide no âmbito jurídico por intermédio das decisões do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, é que se inicia a discussão sobre o denominado ativismo judicial, que segundo pontuou Vitório (2011, p.16): Constata-se, prima facie, que o ativismo judicial, que também visa minimizar os dilemas supramencionados, tem suas raízes na jurisprudência norte-americana. Traduz, em linhas gerais, uma interpretação proativa e progressista do ideário Constitucional, redimensionando o seu real sentido e seu verdadeiro alcance. Em regra, é invocado sobretudo em casos de inércia do Poder Legislativo, que provoca a desarmonia entre a classe política e a sociedade civil, fato que, historicamente tem impedido a solução efetiva de gritantes demandas sociais. Essa nova postura detida pelo órgão judicial, como visto, tem como fundamento a resolução de um conflito advindo de duas condutas, quais sejam, a ação ou omissão (legislativa ou administrativa) dos outros dois poderes. A respeito do tema pontuou Lenza (2012, p. 1056): Por todo o exposto, parece-nos que, diante da inércia não razoável do legislador, o Judiciário, em uma postura ativista, passa a ter elementos para suprir a omissão, conforme se verificou nos vários exemplos, fazendo com que o direito fundamental possa ser realizado. Não se pode admitir que temas tão importantes, como o direito de greve dos servidores públicos, por exemplo, possam ficar 37 sem regulamentação por mais de 20 anos. O Judiciário, ao agir, realiza direitos fundamentais, e, nesse sentido, as técnicas de controle das omissões passam a ter efetividade. Naturalmente, saindo da inércia, a nova lei a ser editada pelo Legislativo deverá ser aplicada, podendo, é claro, no futuro, vir a ser questionada no Judiciário. Essa a nova perspectiva. Não se incentiva um Judiciário a funcionar como legislador positivo no caso da existência de lei, mas, havendo falta de lei e sendo a inércia desarrazoada, negligente e desidiosa, dentro dos limites das técnicas de controle das omissões, busca-se a efetivação dos direitos fundamentais, seja pelo mandado de injunção (MI), seja pela ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO). O que se percebe é que a Carta da República de 1988 proporciona ao Judiciário os instrumentos (mandados de segurança e injunção, ações diretas de constitucionalidade, ou mesmo nas vias ordinárias em caso de violação de prerrogativas constitucionais) e os fundamentos (direitos e garantias fundamentais) necessários para a intervenção do mesmo na atuação de outros poderes. Nesse sentido apontou Pereira Junior (2014, p. 4): Podemos, assim, ante a clara determinação constitucional, concluir que todos os atos lesivos (por ação ou omissão) praticados pelos demais poderes estão sujeitos ao controle jurisdicional. Nenhuma entidade pública, assim como nenhuma autoridade ou agente público, está imune a esse controle. Destarte, o Controle judicial é aquele exercido privativamente pelos órgãos do Poder Judiciário, sobre os atos administrativos do Poder Executivo, do Legislativo e do próprio Judiciário quando este realiza atividades administrativas.