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Michelle Almeida da Silveira; Luis Carlos dos Passos Martins | 107 simbólica da sociedade mais próximas às posições que podem ocupar com base em seu capital econômico, cultural, social, e/ou na sua condição de gênero, de origem étnica, etc. Para Bourdieu, nenhum desses elementos de hierarquização têm sentido próprio e necessário. São as lutas de repre- sentação que estabelecem o significado e a hierarquia entre eles e, dessa forma, constroem a posição dos grupos no mundo social ao estabelecer quem é mais legítimo (valores positivos) e mais ilegítimo (estigmas) para dominar a sociedade (BOURDIEU, 1979). Para o autor, os campos de produção dos bens simbólicos, mesmo na mais ampla autonomia, oferecem uma série de produtos culturais que con- tribuem com este processo. E isso tanto pela oferta de bens culturais hierarquizados e que hierarquizam os seus consumidores em direção a dois polos possíveis - os cultos e refinados e os incultos e grosseiros -, quanto pela disponibilização de símbolos e de representações que podem ser apropriadas pelos grupos sociais em seu processo de legitimação (BOURDIEU, 1987). Entretanto, embora haja essa premência nos campos de produção cultural para estabelecer hierarquias sociais, a “recepção” dos produtos culturais está longe de ser homogênea e/ou passiva. Ao contrário, para os autores, o “consumo” das obras culturais é sempre um processo ativo e não obrigatoriamente conduzido e determinado pela produção (CHARTIER, 1999; BOURDIEU, 1987). Esse consumo ativo de um bem cul- tural pode fazer com que a leitura de um livro ou a assistência a um filme produza interpretações completamente diferentes das possíveis “intensões dos autores”, sempre a partir do ponto de vista dos “receptores” ou, como argumentam algunsestudiosos, dos co-enunciadores (MAINGUENEAU, 2020). É esse processo que Chartier, junto com outros pesquisadores, con- ceitua como apropriação (CHARTIER, 1986; DE CERTEAU, 1994): ou seja, o papel ativo dos “consumidores/receptores” na interpretação e no uso dos 108 | Histórias Antigas: entre práticas de ensino e pesquisa produtos culturais, cujos significados passam a variar conforme o seu con- texto de recepção e não apenas com base no contexto de produção (MAINGUENEAU, 1989). Importante, porém, salientar que, para ambos os autores, a apropriação, embora possa dar novas interpretações a um bem cultural e, assim, novos sentidos , não é uma atividade plenamente “livre” por parte do “consumidor” (BOURDIEU, 1979). Ao contrário, as condições de recepção também dependem das condições sócio-históricas dos receptores: quem são (gênero, etnia, renda, formação educacional, profissão exercida, etc.), quais os seus prováveis interesses no consumo, por quais meios acessa o produto, etc. (BOURDIEU, 1979; 1989). No nosso caso, iremos analisar a apropriação da figura de Alexandre, O Grande, em postagens na internet, logo, os dois processos estarão ne- cessariamente imbricados. Em outras palavras, os nossos agentes estão fazendo leituras do tema em questão com base em diferentes fontes de informação e, ao mesmo tempo, expressando essas interpretações de forma pública pelos seus lugares de fala no mundo virtual. Em síntese, apropriação e representação estão necessariamente associadas, o que, na verdade, ocorre na maioria das vezes, , mas, no nosso, podemos contar, através do uso das postagens na internet, com expressões públicas dessas “leituras” ativas, o que, normalmente, fica no universo do privado dos nos- sos leitores. Ainda sobre Alexandre Magno e sua vida afetiva Como salientamos, o tema da vida amorosa de Alexandre Magno ga- nhou espaço na discussão historiográfica especializada e no público de não iniciados há cerca de 50 anos, notadamente no que se refere às interpre- tações sobre o relacionamento de Alexandre III e seu amigo Heféstion.