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BPM 2 FARMACOLOGIA ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDES (AINES) Introdução Essa classe de fármacos corresponde aos medicamentos mais vendidos e consumidos do mundo. Por consequência disso, são os que mais causam intoxicações e representam os medicamentos com maior índice de abuso. Conceitos básicos acerca da inflamação O processo inflamatório corresponde a um processo fisiológico indispensável. Por conta disso, um medicamento anti-inflamatório não combate todo o processo de inflamação. Os anti- inflamatórios atuam diminuindo apenas os sinais e sintomas deletérios desse processo. O processo inflamatório contribui para que haja identificação, localização e resolução de possíveis agressões ao organismo, como infecções ou traumas. Exemplo de resposta vascular à inflamação: Em resposta inicial a uma injúria, é iniciado o processo de inflamação aguda na qual ocorre mudanças vasculares na região lesada, recrutamento de neutrófilos e produção de mediadores. Esse quadro pode rumar para vários caminhos diferentes como: • Resolução do problema: retorno da função normal, substituição de células danificadas, finalização do efeito de mediadores e finalização do estímulo da lesão • Cicatrização por fibrose: situação posterior à formação de um abscesso em que há cura, mas com certa perda de função • Inflamação crônica: ocorre quando a capacidade de resposta do organismo é menor que a capacidade de estímulo do trauma ou agente infeccioso. Pode durar muito tempo, até mesmo anos. Fisiopatologia da resposta inflamatória: BK: Bradicinina PGs: Prostaglandinas Mediadores inflamatórios Quando é iniciado o processo de inflamação, a enzima Fosfolipase A2 (PLA2) é ativada e cliva fosfolipídios da membrana plasmática de células afetadas, gerando o ácido araquidônico. O ácido araquidônico é substrato de duas enzimas, a Lipoxigenase (LOX) e a Ciclooxigenase (COX). Dessa forma, a degradação desse ácido pode seguir duas cascatas distintas. A atuação da LOX gera intermediários instáveis que rapidamente, por ação de diversas enzimas, são convertidos no grupo dos leucotrienos (LT), produzidos pelos leucócitos. • LTC4 e LTD4: Broncoconstrição, hiper- reatividade da musculatura lisa bronquiolar, aumento da permeabilidade vascular • LTB4: Quimiotaxia, estimula quimicamente células para que estas migrem até a região Por outro lado, por atuação da COX, há a formação de Endoperóxidos cíclicos, as prostaglandinas (PGG2 e PGH2). • PGI2 (Prostaciclina): Vasodilatação, hiperalgesia e inibe a agregação plaquetária • PGE2: Vasodilatação, hiperalgesia (sensibilizam os nociceptores, diminuem o limiar de ativação) e febre. Apenas nas plaquetas, prostaglandinas intermediárias como PGG2 e PGH2 são convertidas pela enzima tromboxanosintetase, gerando o Tromboxano A2 (TXA2) • TXA2: Vasoconstrição, efeito agregante plaquetário Sinais clássicos da resposta inflamatória • Calor → Devido ao aumento do fluxo sanguíneo, vasodilatação • Rubor → Idem • Tumor → Há um aumento de permeabilidade vascular, o que acarreta em um extravasamento de plasma do leito vascular para o interstício, gerando o edema, o inchaço, a tumefação • Dor → Dor do trauma e o aumento da sensibilidade dos nociceptores devido a ação das prostaglandinas • Perda de função → Temporária ou duradoura em caso de inflamação crônica OBS: Termos relacionados à dor Hiperalgesia → Dor exacerbada frente a um estímulo que por natureza já causa dor Alodínia → É uma dor provocada por estímulos que normalmente não gerariam dor Principais grupos de AINEs Combatem a inflamação, mas não apresentam o núcleo esteroide em sua cadeia. Salicilatos • Ácido acetilsalicílico → Em doses baixas (100 mg) inibe preferencialmente a COX plaquetária (COX-1), sendo assim é um ótimo e seguro anticoagulante • Salicilato de sódio, diflunisal, salicilamida Derivados do para-aminofenol • Paracetamol → Quimicamente é classificado como AINE, mas sua atividade anti-inflamatória é muito fraca. Sua atuação é analgésica e antipirética • Fenacetina Derivados pirazolônicos • Dipirona • Fenilbutazona, Oxifenilbutazona, Propifenazona Derivados do ácido heteroarilcético • Diclofenaco • Cetorolaco, Aceclofenaco Derivados do oxicam • Piroxicam, Tenoxicam, Meloxicam, Droxicam Derivados arilpropiônicos • Naproxeno • Ibuprofeno • Cetoprofeno, fenoprofeno, flurbiprofeno, pranoprofeno Derivados indólicos e indolacéticos • Indometacina • Sulindaco, Fentiazaco, Etodolaco, Glucametacina Derivados do ácido antranílico, fenamatos e isósteros • Ácido mefenâmico (Ponstan®, remédio contra cólicas), ácido flufenâmico, ácido tolfenâmico, etofenamato, clonixina, floctafenina Outros • Nimesulida, Nabumetona, Diacereína, Benzidamina (pastilha para garganta inflamada, também em forma de colutório), Colutório → Solução de gargarejo Mecanismo de ação Os AINEs atuam inibindo a COX de forma não seletiva, atuando tanto sobre COX 1 quanto sobre COX 2. Contudo, diferentes fármacos atuam sobre as isoformas da COX de formas diferentes. COX-1 (Fisiológica, constitutiva) → Essa isoforma é produzida a todo momento pelo organismo. Produz prostaglandinas de forma basal responsáveis pelos efeitos homeostáticos: • Proteção gástrica • Homeostasia renal • Função plaquetária COX-2 (Inflamatória, induzida) → Essa isoforma é produzida em maiores quantidades quando há um estímulo inflamatório. Gera prostaglandinas responsáveis pelos efeitos inflamatórios: • Inflamação • Dor • Febre OBS: A COX-1 atua até durante a homeostase produzindo prostaglandinas a um nível basal, ou seja, essas prostaglandinas estão sempre presentes. Contudo durante um processo inflamatório a COX-2 é induzida na região da lesão, aumentando a quantidade e a contração de prostaglandinas no local, ocasionando os sinais e sintomas da inflamação. COX-1 → PGI2 e TXA2 COX-2 → PGD2, PGE2 e PGF2 alfa (PG de papel mais inflamatório produzidas preferencialmente pela COX-2, mas não exclusivamente) Papel dos eicosanoides SCV: As alterações de pressão arterial produzidas por esses mediadores se devem a alterações produzidas no leito vascular, como vasoconstrição e vasodilatação. Como as prostaglandinas produzidas por COX-1 estão presentes em um nível basal em vários órgãos, mantendo a homeostasia, um bloqueio da atuação das PG manifestaria os efeitos contrários que antes eram balanceados pela atuação dessas moléculas. Sendo assim, a produção de ácido estomacal tende a aumentar, diurese tente a diminuir, etc. RINS: A ação dos AINEs bloqueia a função das prostaglandinas, diminuindo, então, a diurese e o fluxo renal. Por conta disso, em pacientes com função renal comprometida, a administração de AINEs diminuiria mais a função renal, podendo precipitar um grau maior de insuficiência renal. Além disso grande parte dos medicamentos é eliminada por via renal. Por conta disso, ao diminuir a diurese, os AINEs dificultariam a eliminação desses medicamentos, podendo aumentar o tempo de efeito deles. Inclusive, em fármacos com baixa margem de segurança é possível que essa excreção dificultada ocasione certa toxicidade. TGI: No estômago, tanto PGE2 quanto PGI2, atuam de forma fisiológica diminuindo a produção de ácido e aumentando a camada de muco protetora. Por conta disso, os AINEs, ao diminuírem a atuação dessas prostaglandinas, podem produzir o efeito adverso de dispepsia, desconforto gástrico. Esta é a principal queixa de quem faz uso dessa classe. Sabendo que isso acontece, a indústria farmacêutica lançou uma versão tamponada do AAS, o Bufferin®. A intenção é que a solução tampão impeça a alteração do pH gástrico, evitando a agressão ao estômago.Contudo, na prática, isso não funciona, pois a solução tampão atua no estômago apenas tempo o suficiente para proteger uma variação de pH gerada pelo contato do medicamento com a mucosa estomacal. Esse efeito não adianta de nada, uma vez que o aumento da produção de ácido e diminuição da camada de muco, não é um efeito direto do contato do medicamento com a mucosa estomacal, mas sim um efeito gerado apenas após absorção e atuação do AAS no organismo. Da mesma forma, ingerir alimentos antes da administração de um medicamento para “forrar o estômago” também não traz nenhum benefício no controle dos sintomas dispépticos. Inclusive, a presença de alimento no estomago pode diminuir a velocidade de absorção de vários medicamentos. Como tal efeito pode variar de medicamento para medicamento, não se deve generalizar. COAGULAÇÃO: Existe um equilíbrio entre as diversas ações dos eicosanoides. Dependendo da fase do processo inflamatório e do local do organismo em que ocorre, podendo haver um predomínio de um dos efeitos sobre o outro Em casos de cirurgia é necessário suspender o uso de anti-inflamatórios, isso por que, quando atuam inibindo a ação das plaquetas, inutilizam-nas irreversivelmente. A inibição da coagulação aumenta o risco de hemorragias. Por conta disso, é necessário esperar o tempo de renovação de novas plaquetas, cerca de 7 a 10 dias. Sendo assim qualquer doença hemorrágica (dengue, por exemplo) não pode ser tratada com qualquer AINE. Nesses casos o fármaco de primeira escolha para controle dos sintomas febris e de dores é o paracetamol. Paracetamol → Atividade antipirética e analgésica com baixíssima atividade anti-inflamatória (fraquíssima inibição da COX), não atuando, então, sobre a agregação plaquetária. Como foi mostrado na imagem acima, os AINEs possuem uma ação geral de inibição da atividade das ciclooxigenases. Contudo, cada família de AINE possui mecanismos acessórios que modificam a ação final o uso clínico desses medicamentos. OBS: Hemofilia é a deficiência genética dos fatores de coagulação Relação de afinidade de alguns AINEs com as diferentes ciclooxigenases: Exemplo: A razão apresentada no Nimesulida é de 0,1 o que significa que a ação desse fármaco é 10 vezes maior sobre COX-2 do que COX-1. Por conta disso, é possível administrar doses baixas de Nimesulida a pacientes para o alívio de dor ou febre, sem que haja manifestações de efeitos anticoagulantes. Ou seja, é um fármaco seguro para ser administrado a pacientes com dengue ou com outras doenças hemorrágicas. Quanto maior a atividade de um fármaco sobre COX-1, maior a probabilidade de manifestações de reações adversas (TGI, tromboembólicas e gástricas), contudo, varia entre pacientes. AINEs e dor Após lesão tecidual, há uma liberação de diversas substâncias algogênicas (que causam dor) na região, como Bradicinina, Serotonina, Histamina, Prostaglandinas, Substância P, TNF- α, Íon K+, enzimas intracelulares, etc. OBS: Diversos venenos contêm grande quantidade de K+, além de neurotoxinas, que possuem a capacidade de ativar nociceptores, contribuindo para a sensação de dor. Presente no veneno de aranhas, escorpiões e cobras. Nesse contexto, as prostaglandinas facilitam a despolarização dos nociceptores, diminuem o seu limiar de ativação, aumentando a sensibilidade à dor. Com isso pode ocorrer o fenômeno de hiperalgesia ou de alodínia. Logo, ao diminuir a atuação de prostaglandinas, os AINEs dessensibilizam os nociceptores, diminuindo a dor. Escala de ação analgésica de diferentes AINEs: O gráfico mostra a variação de escala de dor após cirurgia odontológica. O ponto 0 demonstra escala máxima de dor. Maior variação significa maior eficiência na ação analgésica. AINEs e febre A PGE2, cuja produção é secundária a um processo de infecção ou de trauma, passa a ser produzida no hipotálamo, o centro termostato do organismo. Essa prostaglandina então eleva a temperatura basal média do organismo, gerando a febre. Por conta disso, os AINEs, ao impedirem a formação dessa prostaglandina, controlam a febre Farmacocinética e doses usuais MID = 1 vez ao dia BID = 2 vezes ao dia TID = 3 vezes ao dia QID = 4 vezes ao dia Efeitos adversos dos AINEs • Náuseas, vômitos, dispepsia • Irritação gástrica, dor epigástrica, úlceras com possibilidade de sangramento oculto • Lesão renal • Reações de hipersensibilidade • Síndrome de Reye (AAS) • Agranulocitose (Dipirona) Toxicidade dos AINEs Toxicidade, a partir da incidência de lesões gastroduodenais, após 6 meses de terapia com AINEs em doses usuais. Ácido acetilsalicílico (AAS, Aspirina) Em doses baixas (100 mg) inibe preferencialmente a COX plaquetária. Sendo assim, esse fármaco é um ótimo e seguro anticoagulante, pois não desencadeia sintomas gastrointestinais nessas doses menores. Em doses maiores, porém, o AAS atua sobre COX-2, interferindo no funcionamento da PGI2 (Prostaciclina), possuindo agora efeito pró- coagulante e demais ações anti-inflamatórias O ASS é um inibidor irreversível da Ciclooxigenase. Indicações e usos clínicos: • Dor (cefaleia, osteoartrite, mialgia) • Febre • Inflamação • Prevenção de eventos tromboembólicos e doenças cardiovasculares ateroscleróticas • Prevenção de câncer colorretal (ainda discutido) Novas diretrizes estadunidenses (American College of Cardiology): • Recomenda-se que baixas doses de AAS sejam consideradas como forma de prevenção de doenças cardiovasculares ateroscleróticas apenas em pacientes entre 40-70 anos que não tenham risco de doença hemorrágica • O AAS não deve ser administrado rotineiramente para prevenção de doenças cardiovasculares ateroscleróticas em pacientes com mais de 70 anos, com risco de doença hemorrágica, com histórico de sangramento no TGI, com trombocitopenia, com coagulopatia, com doença renal crônica ou em uso de AINEs, esteroides e outros anticoagulantes Efeitos colaterais em doses antitrombóticas: Desconforto gástrico e úlceras gastroduodenais. Síndrome de Reye: Síndrome rara e frequentemente fatal em crianças, caracterizada por falência hepática e encefalopatia ocorrendo após tratamento de viroses (influenza ou varicela) utilizando salicilatos (AAS, por exemplo), principalmente em infecções pelo vírus da influenza. Coxibes São inibidores seletivos de COX-2. Na teoria, acabariam com todos os sintomas inflamatórios deletérios sem afetar o equilíbrio homeostático estabelecido por ação da COX-1. A indústria farmacêutica anunciou essa classe de medicamentos como sendo altamente eficazes e seguros, principalmente em relação a toxicidade gástrica. As vendas do Rofecoxibe renderam à Merck 2,5 bilhões de dólares em 2003. Funções fisiológicas da COX-2: • A COX-2 parece estar envolvida também com a produção de Prostaciclina no endotélio do vaso que é importante para contrabalancear os efeitos vasocons- tritores da Noradrenalina (NA), da Angiotensina II e da Vasopressina • Além disso, a COX-1 parece ser a única isoforma presente nas plaquetas. Portando, os coxibes não impedem a produção do Tromboxano, que é agregante plaquetário • A produção de PGs a partir da COX-2 parece ser importante para a cicatrização de úlceras Então os coxibes impedem uma maior produção de antiagregante plaquetários (PGI2), sem interferir na produção de agregantes (TXA2). Com isso, esses medicamentos geram altos riscos de eventos tromboembólicos. A utilização desses fármacos gerou um alto número de casos de IAM, vários óbitos foram ocasionados pelo seu uso crônico. Ainda hoje há processos contra a Merck relacionados ao lançamento desses medicamentos. Especula-se que o laboratório e seus pesquisadores já conheciam os altos riscos dessa classee mesmo assim bancaram o lançamento. No Brasil, o Celecoxibe (Celebra®) foi o primeiro coxibe a chegar no mercado nacional e ainda é comercializado com retenção de receita. O outro medicamento desse grupo ainda vendido no Brasil é o Etoricoxibe (Arcoxia®). Paracetamol ou Acetaminofeno (Tylenol®) Mecanismo de ação • É classificado como um AINE, mas seu poder inibitório sobre a COX é muito fraco • Possui baixa atividade anti-inflamatória e, então, causa menor desconforto gástrico, não atua sobre a coagulação • Ação analgésica e antipirética • Seus efeitos se devem a ativação de mecanismos de opioides endógenos Reações adversas: • Náuseas, vômitos • Dor abdominal • Hepatotoxicidade → Não exceder 4g/dia • 6g/ dia → Hepatotoxicidade • 15g/dia → Necrose hepática progressiva e letal • Nefrotroxicidade em altas doses O metabólito intermediário do paracetamol é hepatotóxico, sua presença no organismo que gera toxicidade. OBS: Não deve ser utilizado para tratar sintomas febris e de cefaleia em pacientes que fizeram o uso exagerado de álcool. Isso porque o álcool consome as reservas orgânicas de Glutationa, composto necessário para interagir com o intermediário tóxico e cessar sua toxicidade. Antídoto da toxicidade: N-acetilcisteína (Presente em vários xaropes contra tosse). Este antídoto age sobre o metabólito tóxico do Paracetamol, não sobre o Paracetamol em si. Com isso, esses fármacos podem ser administrados juntos sem perda de eficácia do Paracetamol. Dipirona ou Metamizol Mecanismo de ação: • Inibe fracamente a COX • Seus efeitos se devem à produção de opioides endógenos • Baixa atividade anti-inflamatória, menor desconforto gástrico, não atua sobre a coagulação • Ação analgésica e antipirética Reações adversas • Reações de hipersensibilidade • Redução da PA? (NÃO) • Agranulocitose → Diminuição do número de leucócitos granulócitos → Rara, mas potencialmente fatal → Foi retirada do mercado em dezenas de países A agranulocitose consiste numa redução da contagem de leucócitos a um número inferior a 2000/mm3. Essa diminuição da resposta imune acarreta um aumento da susceptibilidade a infeções oportunistas, como infecções orofaríngeas, lesões orais, dor de garganta, edema de gânglios, etc. Incidência: 1,7 a 7 casos/milhão/ano Contraindicações: • Hipersensibilidade a pirazolônicos • Gravidez • Pacientes com discrasias sanguíneas