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Mário Eduardo Viaro DLCV/FFLCH-USP NEHiLP/PRP-USP Nos manuais, compêndios de gramática histórica do português e em dicionários etimológicos: (1) latim vulgar salīvam > português seiva - consonantização do –v- *[w] > [v] - apócope do –m do acusativo (caso lexicogênico) - hiperbibasmo (salívam > *sáliva) - síncope do –l- intervocálico (*saliva > *sáiva) - ditongação e dois alçamentos *[ˈsaiva] > *[ˈsajva] > *[ˈsɛjva] > [ˈsejva] (2) latim clássico salīva ► português saliva DOUBLETS: seiva e saliva (1) português seiva < latim *salīvam ~ salīva ► português saliva (2) português seiva “líquido vegetal”< latim *salīvam ~ salīva “cuspe” ► português saliva “cuspe” • A palavra seiva seria herdada: acusativo lexicográfico, leis fonéticas, mas tem uma irregularidade (hiperbibasmo). • A palavra saliva é um cultismo e não segue as leis fonéticas (portanto é uma adaptação do nominativo). • Há mudanças semânticas DOUBLETS: seiva e saliva seg. HOUAISS & VILLAR (2001 sv) fr. sève (sXII) 'seiva', do lat. sapa,ae 'vinho reduzido pela cocção'; em port. o voc. francês sève teria sofrido infl. do ant. saiva (< lat. saīva 'saliva'); f.hist. sXV seyua, 1552 seiba, 1836 seiva INTERPRETAÇÃO DA INFORMAÇÃO: (1) Há um erro na forma “lat. saīva”; (2) Supõe-se que houve uma forma *seva antes do século XV; (3) “Seyua” é a grafia de seiva no século XV; (4) Havia uma variante seiba no português antigo HIPÓTESE: latim sapam > francês sève ► galego-português *seva ( saiva < latim salivam) > português antigo seiva ≈ seiba. Uma outra proposta etimológica para “seiva” MEYER-LÜBKE: (7585) sapa “Saft” - logudorês saba, francês sève, provençal/catalão/espanhol saba, cf. Diez 677; português seiva < 7541 salīva, como italiano saliva/scialiva, logudorês salía, friulano/francês salive, provençal/catalão/espanhol saliva, português antigo saiva, português moderno seiva, galego saíva, mas diz que a hipótese *sapia, de Brüch, não é possível do ponto de vista das leis fonéticas. Diz ainda que espanhol sabia é uma forma notável (“auffällig”). Romanisches etymologisches Wörterbuch Para Corominas, o castelhano savia (grafia antiga sabia) é empréstimo do catalão saba ou do francês sève, por meio do galego- português seiva, sálvia, com analogia de saiva, “este complicado proceso migratorio explica la i castellana, que de otro modo sería incomprensible” (saliva é raro na Idade Média). Aceita que saiva, seiva no português vêm de salīva, mas associa savia com latim sapa “vinho cozido”: Carolina Michaelis (e também A. Coelho, J. Cortesão) propõe um *sapĕa ou *sapĭa. Descarta a possibilidade de uma explicação por meio da dialetação (ou do leonês). Para ele, seria um empréstimo do catalão saba: “La aparición de una i irregular, tratándose de un préstamo, pued explicarse por mil circunstancias que no importaría mucho detallar, quizá una contaminación con vocablo preexistente, en nuestro caso quizá lluvia, puesto que sin lluvias no hay savia. Pero el portugués hay que explicarlo de otro modo.” Diccionario crítico etimológico de la lengua castellana • GALEGO: seiva ≈ saiva < latim sapam “vinho cozido” (Gran Dicionario Xerais da Lingua, mas outros dicionários não trazem “seiva”, mas “savia”, forma não preferível, cf. Gran Diccionario Cumio da Lingua Galega) mas Corominas menciona formas dialetais como sálbea, sálvea (atestadas no dicionário de Marcial Valladares Núñez 1884) e o salmantino salvia. Cita também o verbo seibar “mojar el lino al hilar”, mas, por outro lado, há a variação saliva ≈ saíva. • DIALETOS PORTUGUESES e formas antigas: Bluteau registra seiba. Leite de Vasconcelos e Nunes, segundo Corominas, registram seibar, com o sentido galego. A forma do norte de Portugal é séiva (“saliva” em Cinfães, Penafiel e Marco, segundo Opúsculos II, 510) e saleiva (no Minho, como em Baião, Opúsculos II, p. 91) • ASTURIANO: savia ≈ salvia (mas saliva ≈ salima) (PRIETO GARCÍA, Luis A. Diccionario de sinónimos y equivalencias castellano-asturiano) • ARAGONÊS: saba ≈ sapia (ANDOLZ, R. Diccionario aragonés); não atesta as derivações de saliva, • CATALÃO: saba, mas saliva (cf. Diccionari manual Vox, como o valenciano, cf. LACREU, Josep et alii. Diccionari d’aula) Latim sapa e saliva Ibero-românico • Francês sève “seiva”, mas salive (sobre dialetação vide Walter von Wartburg, FEW) • Provençal saba “sève”, mas saliva (Levy, Émile. Petit dictionnaire provençal- français) • Italiano sapa “mosto concentrato mediante cottura, che serve come condimento o per preparare mostarde” (Zingarelli 1996), mas saliva ≈ scialiva† ≈ sciliva† • Logudorês e campidanês saƀa “mosto cotto dolce” (Wagner, Max L. Dizionario etimologico sardo, v.2, 1962) “=SAPA (REW 7585) ha conservato il significado originario latino e non significa ‘Fruchtsaft’ (come nel REW e in altri dialetti romazi, cfr. anche Brüch IF XL, 216)”, mas salía (dialetal: S. Vito ṡiءía, Muravera ṡaءía) “forse italianismo o spagnolismo”. Não há nem em Corominas, nem em Wagner informações do artigo de [Joseph] Brüch, exceto sua obra de 1913 (Der Einfluß der germanischen Sprachen auf der Vulgärlatein). IF seria a revista Indogermanische Forschungen, citada em Meyer Lübke? Latim sapa e saliva para além do ibero-românico Pertence ao mesmo molde fônico: SÁLVIA - erva aromática e medicinal, desde a Antiguidade, amplamente usada na Idade Média: Provençal salvia “sauge” (isto é, salva < latim salvĭam, forma culta sálvia): espanhol salvia, catalão sàlvia, galego sarxa ≈ xarxa ≈ salvia, aragonês saubia, provençal (REW 7558) saubja, francês sauge (para dialetos, consultar FEW), português salva ≈ sálvia. Basco sobia (LOPEZ MENDIZÁBAL. Diccionario castellano-basco) Alemão Salbei < mhd salbeie ≈ salveie < ahd salbeia ≈ salveia ≈ salveghe < latim salviam (KLUGE, Friedrich. Etymologisches Wörterbuch der deutsche Sprache), cf. inglês sage, holandês salie, sueco salvia, dinamarquês salvie, norueguês salvie). UMA OUTRA EXPLICAÇÃO? Salvia officinalis Linnaeus, 1758 S0 – Do latim comum à koiné latina (séc. I a.C. - V d.C.); S1 – Do latim arcaico ao iberorromânico geral (séc. III a. C. - V d.C.); S2 – Do iberorromânico geral ao iberorromânico do NO (séc. VI - IX); S3 – Do iberorromânico do NO ao galego-português (séc. X - XIII); S4 – Do galego-português ao português antigo (séc. XIV - XVII); S5 – Do português antigo ao português moderno (séc. XVIII - XXI). S-1 – Do latim arcaico ao latim comum (séc. III a.C. - I. d.C.); S-2 – Do itálico ao latim arcaico (séc. VIII a.C. - IV a.C.); S-3 – Do indo-europeu à formação do itálico (4000 a.C. – séc. IX a.C.); S-4 – O período indo-europeu (8000 e 4000 a. C.). Sincronias S0 > S1 > S2 > S3 > S4 > S5 S0 sapam > S5 saba S0 salīvam > S3 *saíva > S5 saíva S0 sálĭvam > S3 *[ˈs ̪aeva] > S5 [ˈsɛva] ≈ [ˈsajva] S0 salvĭam > S2 *[ˈs ̪ɛjva] > S3 seiva S0 salvĭam > S2 *[ˈs ̪ɔwvja] > S3 souva ≈ soiva S0 salvĭam > S3 salva Análise em sincronias A lei fonética ai > ei só faz sentido em S3 para palavras como primarium > primeiro, pois a metátese do –ri- e –si-, que gera o ditongo –ai- vem antes (S2) de outras metáteses (S3 -pi-, S4 -ssi- etc). primarĭum > S2 *[pɾiˈmajɾo] ≈ *[pɾiˈmɛjɾo] > S3 primeiro basĭum > S1 *[ˈbaz ̪jʊ] > S2 *[ˈbaʒjʊ] ≈ *[ˈbajʒʊ] > S2 *[ˈbɛjʒo] > S3 beijo Mas: bassĭum > S3 *[ˈbaʃjo] > S4 baixo sapĭam > S3 saiba (cf. espanhol sepa) Embora haja equivalência semântica entre lat. sapa e seiva, há dificuldades fônicas no eixo diacrônico. Embora haja proximidade semântica entre lat. salīva e seiva, também há dificuldades fônicas no eixo diacrônico. Por não haver relações semânticas evidentes entre lat. salvĭa e seiva, não se estipula o étimo salvĭam para seiva. No entanto, há possibilidade de atuação analógica dos moldes fônicos nos desenvolvimentos fonéticos tanto do lat. salvĭa quanto o do lat. de salīva sobre os desenvolvimentos do lat. sapa em português (e também em outras línguas românicas da Península Ibérica). SAPAM, SALĪVAM ou SALVĬAM? Português: ▪ seiva (grafia antigaseyua) ≈ seiba ≈ saiva ▪ saliva ≈ séiva ≈ saleiva ▪ (planta: salva ≈ sálvia) Cognatos: • galego saiva ≈ seiva ≈ savia ≈ sálbea ≈ sálvea ≈ salvia e saliva ≈ saíva ~ seibar (planta: salvia ≈ sarxa ≈ xarxa) • asturiano savia ≈ salvia e saliva ≈ salima (planta: sem informações) • espanhol saba ≈ savia ≈ sabia e saliva (planta salvia) • aragonês saba ≈ sapia e saliva? (planta: saubia) • basco (planta: sobia) • catalão/valenciano saba e saliva (planta: sàlvia) • provençal saba e saliva (planta: salvia, saubja) • francês sève e salive (planta: sauge) • antigo alto alemão (planta: salbeia ≈ salveia ≈ salveghe) cf. alemão moderno Salbei VOLTANDO AOS DADOS Latim ibérico sapam ≈ *sapĭam > S1 *sabia > S4 *saiba ≈ saiva ≈ *[ˈsεjva] > seiva CONCLUSÕES PARCIAIS: O aragonês sapia é uma possível comprovação da existência do latim *sapĭam A analogia com salīva ou com salvĭa talvez só estejam presentes em formas dialetais galegas sálbea, sálvea, salvia e no asturiano salvia, como provam a manutenção do -l- ▪ Latim ibérico *sapĭam > S1 *sabia ( salvia < latim salvĭam) > S4 galego salvia Inversamente, o português dialetal saleiva parece ser uma forma que sofreu analogia de seiva, provando a constelação formal desses itens lexicais no Noroeste Ibérico. • Latim salīva ► S5 saliva ( seiva) > saleiva O galego saíva e o português dialetal séiva são formas herdadas de salīvam. O hiperbibasmo de séiva “saliva” se explica por analogia com *seiva “seiva” Latim salīvam > S1 *saíva > S5 português dialetal séiva ( *[ˈsεjva] < latim ibérico *sapĭam) UMA POSSÍVEL SOLUÇÃO: a variante *sapia em latim ibérico