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2023 - Etimologia - AULA 10 - TERCEIRO EXEMPLO (seiva e saliva)

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Mário Eduardo Viaro
DLCV/FFLCH-USP
NEHiLP/PRP-USP

Nos manuais, compêndios de gramática histórica do português e em
dicionários etimológicos:
(1) latim vulgar salīvam > português seiva
- consonantização do –v- *[w] > [v]
- apócope do –m do acusativo (caso lexicogênico)
- hiperbibasmo (salívam > *sáliva)
- síncope do –l- intervocálico (*saliva > *sáiva)
- ditongação e dois alçamentos
*[ˈsaiva] > *[ˈsajva] > *[ˈsɛjva] > [ˈsejva]
(2) latim clássico salīva ► português saliva
DOUBLETS: seiva e saliva
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(1) português seiva < latim *salīvam ~ salīva ► português
saliva
(2) português seiva “líquido vegetal”< latim *salīvam ~ salīva
“cuspe” ► português saliva “cuspe”
• A palavra seiva seria herdada: acusativo lexicográfico, leis
fonéticas, mas tem uma irregularidade (hiperbibasmo).
• A palavra saliva é um cultismo e não segue as leis
fonéticas (portanto é uma adaptação do nominativo).
• Há mudanças semânticas
DOUBLETS: seiva e saliva

seg. HOUAISS & VILLAR (2001 sv)
fr. sève (sXII) 'seiva', do lat. sapa,ae 'vinho reduzido pela cocção'; em port. o voc. francês
sève teria sofrido infl. do ant. saiva (< lat. saīva 'saliva'); f.hist. sXV seyua, 1552 seiba, 1836
seiva
INTERPRETAÇÃO DA INFORMAÇÃO:
(1) Há um erro na forma “lat. saīva”;
(2) Supõe-se que houve uma forma *seva antes do século XV;
(3) “Seyua” é a grafia de seiva no século XV;
(4) Havia uma variante seiba no português antigo
HIPÓTESE:
latim sapam > francês sève ► galego-português *seva ( saiva < latim salivam) > português
antigo seiva ≈ seiba.
Uma outra proposta etimológica 
para “seiva”

MEYER-LÜBKE: 
(7585) sapa “Saft” - logudorês saba, francês sève,
provençal/catalão/espanhol saba, cf. Diez 677;
português seiva < 7541 salīva, como italiano
saliva/scialiva, logudorês salía, friulano/francês salive,
provençal/catalão/espanhol saliva, português antigo
saiva, português moderno seiva, galego saíva, mas diz
que a hipótese *sapia, de Brüch, não é possível do ponto
de vista das leis fonéticas. Diz ainda que espanhol sabia
é uma forma notável (“auffällig”).
Romanisches etymologisches
Wörterbuch

Para Corominas, o castelhano savia (grafia antiga sabia) é
empréstimo do catalão saba ou do francês sève, por meio do galego-
português seiva, sálvia, com analogia de saiva, “este complicado
proceso migratorio explica la i castellana, que de otro modo sería
incomprensible” (saliva é raro na Idade Média). Aceita que saiva,
seiva no português vêm de salīva, mas associa savia com latim sapa
“vinho cozido”: Carolina Michaelis (e também A. Coelho, J.
Cortesão) propõe um *sapĕa ou *sapĭa. Descarta a possibilidade de
uma explicação por meio da dialetação (ou do leonês). Para ele,
seria um empréstimo do catalão saba: “La aparición de una i
irregular, tratándose de un préstamo, pued explicarse por mil
circunstancias que no importaría mucho detallar, quizá una
contaminación con vocablo preexistente, en nuestro caso quizá
lluvia, puesto que sin lluvias no hay savia. Pero el portugués hay
que explicarlo de otro modo.”
Diccionario crítico etimológico 
de la lengua castellana

• GALEGO: seiva ≈ saiva < latim sapam “vinho cozido” (Gran Dicionario Xerais da
Lingua, mas outros dicionários não trazem “seiva”, mas “savia”, forma não
preferível, cf. Gran Diccionario Cumio da Lingua Galega) mas Corominas menciona
formas dialetais como sálbea, sálvea (atestadas no dicionário de Marcial Valladares
Núñez 1884) e o salmantino salvia. Cita também o verbo seibar “mojar el lino al hilar”,
mas, por outro lado, há a variação saliva ≈ saíva.
• DIALETOS PORTUGUESES e formas antigas: Bluteau registra seiba. Leite de
Vasconcelos e Nunes, segundo Corominas, registram seibar, com o sentido galego. A
forma do norte de Portugal é séiva (“saliva” em Cinfães, Penafiel e Marco, segundo
Opúsculos II, 510) e saleiva (no Minho, como em Baião, Opúsculos II, p. 91)
• ASTURIANO: savia ≈ salvia (mas saliva ≈ salima) (PRIETO GARCÍA, Luis A.
Diccionario de sinónimos y equivalencias castellano-asturiano)
• ARAGONÊS: saba ≈ sapia (ANDOLZ, R. Diccionario aragonés); não atesta as
derivações de saliva,
• CATALÃO: saba, mas saliva (cf. Diccionari manual Vox, como o valenciano, cf.
LACREU, Josep et alii. Diccionari d’aula)
Latim sapa e saliva
Ibero-românico

• Francês sève “seiva”, mas salive (sobre dialetação vide Walter von Wartburg, 
FEW)
• Provençal saba “sève”, mas saliva (Levy, Émile. Petit dictionnaire provençal-
français)
• Italiano sapa “mosto concentrato mediante cottura, che serve come
condimento o per preparare mostarde” (Zingarelli 1996), mas saliva ≈
scialiva† ≈ sciliva†
• Logudorês e campidanês saƀa “mosto cotto dolce” (Wagner, Max L.
Dizionario etimologico sardo, v.2, 1962) “=SAPA (REW 7585) ha
conservato il significado originario latino e non significa ‘Fruchtsaft’ (come
nel REW e in altri dialetti romazi, cfr. anche Brüch IF XL, 216)”, mas salía
(dialetal: S. Vito ṡiءía, Muravera ṡaءía) “forse italianismo o spagnolismo”.
Não há nem em Corominas, nem em Wagner informações do artigo de
[Joseph] Brüch, exceto sua obra de 1913 (Der Einfluß der germanischen Sprachen
auf der Vulgärlatein). IF seria a revista Indogermanische Forschungen, citada em
Meyer Lübke?
Latim sapa e saliva
para além do ibero-românico

Pertence ao mesmo molde fônico:
SÁLVIA - erva aromática e medicinal, desde a Antiguidade, amplamente
usada na Idade Média:
Provençal salvia “sauge” (isto é, salva < latim salvĭam, forma culta sálvia):
espanhol salvia, catalão sàlvia, galego sarxa ≈ xarxa ≈ salvia, aragonês saubia,
provençal (REW 7558) saubja, francês sauge (para dialetos, consultar FEW),
português salva ≈ sálvia.
Basco sobia (LOPEZ MENDIZÁBAL. Diccionario castellano-basco)
Alemão Salbei < mhd salbeie ≈ salveie < ahd salbeia ≈ salveia ≈ salveghe < latim
salviam (KLUGE, Friedrich. Etymologisches Wörterbuch der deutsche Sprache), cf.
inglês sage, holandês salie, sueco salvia, dinamarquês salvie, norueguês salvie).
UMA OUTRA EXPLICAÇÃO?
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Salvia officinalis Linnaeus, 1758
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S0 – Do latim comum à koiné latina (séc. I a.C. - V d.C.);
S1 – Do latim arcaico ao iberorromânico geral (séc. III a. C. - V d.C.);
S2 – Do iberorromânico geral ao iberorromânico do NO (séc. VI - IX);
S3 – Do iberorromânico do NO ao galego-português (séc. X - XIII);
S4 – Do galego-português ao português antigo (séc. XIV - XVII);
S5 – Do português antigo ao português moderno (séc. XVIII - XXI).
S-1 – Do latim arcaico ao latim comum (séc. III a.C. - I. d.C.);
S-2 – Do itálico ao latim arcaico (séc. VIII a.C. - IV a.C.);
S-3 – Do indo-europeu à formação do itálico (4000 a.C. – séc. IX a.C.);
S-4 – O período indo-europeu (8000 e 4000 a. C.).
Sincronias

S0 > S1 > S2 > S3 > S4 > S5
S0 sapam > S5 saba
S0 salīvam > S3 *saíva > S5 saíva
S0 sálĭvam > S3 *[ˈs ̪aeva] > S5 [ˈsɛva] ≈ [ˈsajva]
S0 salvĭam > S2 *[ˈs ̪ɛjva] > S3 seiva
S0 salvĭam > S2 *[ˈs ̪ɔwvja] > S3 souva ≈ soiva
S0 salvĭam > S3 salva
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Análise em sincronias
A lei fonética ai > ei só faz sentido em S3 para palavras como
primarium > primeiro, pois a metátese do –ri- e –si-, que gera o
ditongo –ai- vem antes (S2) de outras metáteses (S3 -pi-, S4 -ssi-
etc).
primarĭum > S2 *[pɾiˈmajɾo] ≈ *[pɾiˈmɛjɾo] > S3 primeiro
basĭum > S1 *[ˈbaz ̪jʊ] > S2 *[ˈbaʒjʊ] ≈ *[ˈbajʒʊ] > S2 *[ˈbɛjʒo] > S3 beijo
Mas:
bassĭum > S3 *[ˈbaʃjo] > S4 baixo
sapĭam > S3 saiba (cf. espanhol sepa)

Embora haja equivalência semântica entre lat. sapa e seiva, há
dificuldades fônicas no eixo diacrônico.
Embora haja proximidade semântica entre lat. salīva e seiva,
também há dificuldades fônicas no eixo diacrônico.
Por não haver relações semânticas evidentes entre lat. salvĭa e
seiva, não se estipula o étimo salvĭam para seiva. No entanto,
há possibilidade de atuação analógica dos moldes fônicos
nos desenvolvimentos fonéticos tanto do lat. salvĭa quanto o
do lat. de salīva sobre os desenvolvimentos do lat. sapa em
português (e também em outras línguas românicas da
Península Ibérica).
SAPAM, SALĪVAM ou 
SALVĬAM?

Português:
▪ seiva (grafia antigaseyua) ≈ seiba ≈ saiva
▪ saliva ≈ séiva ≈ saleiva
▪ (planta: salva ≈ sálvia)
Cognatos: 
• galego saiva ≈ seiva ≈ savia ≈ sálbea ≈ sálvea ≈ salvia e saliva ≈ saíva ~ seibar (planta: 
salvia ≈ sarxa ≈ xarxa)
• asturiano savia ≈ salvia e saliva ≈ salima (planta: sem informações)
• espanhol saba ≈ savia ≈ sabia e saliva (planta salvia)
• aragonês saba ≈ sapia e saliva? (planta: saubia)
• basco (planta: sobia)
• catalão/valenciano saba e saliva (planta: sàlvia) 
• provençal saba e saliva (planta: salvia, saubja)
• francês sève e salive (planta: sauge)
• antigo alto alemão (planta: salbeia ≈ salveia ≈ salveghe) cf. alemão moderno Salbei
VOLTANDO AOS DADOS
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Latim ibérico sapam ≈ *sapĭam > S1 *sabia > S4 *saiba ≈ saiva ≈ *[ˈsεjva] > seiva
CONCLUSÕES PARCIAIS:
O aragonês sapia é uma possível comprovação da existência do latim *sapĭam
A analogia com salīva ou com salvĭa talvez só estejam presentes em formas dialetais
galegas sálbea, sálvea, salvia e no asturiano salvia, como provam a manutenção do -l-
▪ Latim ibérico *sapĭam > S1 *sabia ( salvia < latim salvĭam) > S4 galego salvia
Inversamente, o português dialetal saleiva parece ser uma forma que sofreu analogia de
seiva, provando a constelação formal desses itens lexicais no Noroeste Ibérico.
• Latim salīva ► S5 saliva ( seiva) > saleiva
O galego saíva e o português dialetal séiva são formas herdadas de salīvam. O
hiperbibasmo de séiva “saliva” se explica por analogia com *seiva “seiva”
Latim salīvam > S1 *saíva > S5 português dialetal séiva ( *[ˈsεjva] < latim ibérico *sapĭam)
UMA POSSÍVEL SOLUÇÃO: 
a variante *sapia em latim ibérico

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