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Morfo-anatomia do sistema subterrâneo de Calea verticillata (Klatt) Pruski e Isostigma megapotamicum (Spreng ) Sherff - Asteraceae

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Revista Brasil. Bot., V.29, n.1, p.39-47, jan.-mar. 2006
Morfo-anatomia do sistema subterrâneo de Calea verticillata (Klatt) Pruski
e Isostigma megapotamicum (Spreng.) Sherff – Asteraceae1
DIVINA A.A. VILHALVA2 e BEATRIZ APPEZZATO-DA-GLÓRIA3,4
(recebido: 7 de outubro de 2004; aceito: 29 de dezembro de 2005)
ABSTRACT – (Morpho-anatomy of the subterranean system of Calea verticillata (Klatt) Pruski and Isostigma megapotamicum
(Spreng.) Sherff – Asteraceae). Several herbaceous species from “cerrado” (savana like vegetation) have thickened subterranean
systems, which may be of root and/or stem nature. These systems have bud shoot-forming potential, providing the sprout of
new shoots after an adverse period, like a severe drought or a burning. The verification of the subterranean systems nature is
extremely important to the correct terminology usage. This work aimed to present information about subterranean systems
morphology and anatomy of Calea verticillata and Isostigma megapotamicum, placing emphasis on the shoot-buds
development. The subterranean systems were collected from “cerrado” areas of São Paulo State. The anatomical structure in
C. verticillata is of both stem and root nature, with self-grafting of both shoots and roots, whereas in I. megapotamicum, the
anatomical structure is caulinar, with self-grafting of shoots. Both species are composed of xylopodium with a high bud shoot-
forming potential, whose buds are exclusively formed in the cambium. Secretory ducts occur in these species. The microchemical
test, accomplished with Sudan black B, stained the oily nature of the secretion. Crystals of inulin were visualized by polarized
light in I. megapotamicum. The high bud shoot-forming potential, present in the subterranean systems of both species here
analyzed, improves their survival perspectives when they are submitted to the “cerrado” adverse conditions, by providing the
sprouting of new shoots in favourable periods.
Key words - anatomy, buds, “cerrado”, storage, xylopodium
RESUMO – (Morfo-anatomia do sistema subterrâneo de Calea verticillata (Klatt) Pruski e Isostigma megapotamicum (Spreng.)
Sherff – Asteraceae). Várias espécies herbáceas do cerrado apresentam sistema subterrâneo espessado, esses podem ser de
natureza radicular, caulinar ou mista. Esses sistemas muitas vezes possuem potencial gemífero, promovendo o rebrotamento de
ramos aéreos após um período desfavorável do ambiente, como uma seca prolongada ou uma queimada. A verificação da
natureza dos sistemas subterrâneos é de extrema importância para utilização correta da terminologia dos mesmos. O objetivo
desse trabalho foi fornecer informações sobre a morfo-anatomia dos sistemas subterrâneos de Calea verticillata e Isostigma
megapotamicum, com ênfase na formação de gemas caulinares. Os sistemas subterrâneos foram coletados em áreas do cerrado
do Estado de São Paulo. As espécies apresentam sistema subterrâneo bastante complexo, com estrutura anatômica mista,
lignificada, auto-enxertias de ramos e raízes e elevada capacidade gemífera, ambas espécies são providas de xilopódios e as
gemas têm origem cambial. Foi verificada a presença de canais secretores em C. verticillata e em I. megapotamicum, originados
a partir de células derivadas do câmbio vascular. O teste microquímico realizado com Sudan black B confirmou a natureza
lipídica da secreção. Em I. megapotamicum foi verificada a presença de cristais de inulina sob luz polarizada. Os sistemas
subterrâneos aumentam as chances de sobrevivência das duas espécies estudadas às condições adversas do cerrado, pois
apresentam alto potencial gemífero, promovendo o rebrotamento de ramos aéreos durante a estação favorável.
Palavras-chave - anatomia, cerrado, gemas, reservas, xilopódios
Introdução
Cerca de cinqüenta por cento da vegetação
herbácea e subarbustiva do bioma cerrado apresenta
órgão subterrâneo espessado, o que sugere a importância
ecológica dessas estruturas (Mantovani & Martins
1988). Dentre as estruturas subterrâneas encontradas
no Cerrado destacam-se os xilopódios, as raízes
gemíferas, as raízes tuberosas, os sóboles e os rizóforos
(Appezzato-da-Glória 2003).
Os sistemas subterrâneos possuem diferentes
características morfo-anatômicas (Dietrich &
Figueiredo-Ribeiro 1985), podendo apresentar natureza
estrutural complexa. Visto que os sistemas subterrâneos
podem ter origem radicular, caulinar ou mista, as
observações baseadas somente na morfologia externa
são insuficientes para identificar sua natureza estrutural
e, conseqüentemente, análises anatômicas são
fundamentais. Dentre os trabalhos sobre anatomia de
sistemas subterrâneos no Brasil, merecem destaque os
1. Parte da dissertação de mestrado do primeiro autor, Programa
de Pós-Graduação em Biologia Vegetal da Universidade
Estadual de Campinas.
2. Universidade Estadual de Campinas, Departamento de
Botânica, Caixa Postal 6109, 13083-970 Campinas, SP, Brasil.
3. Universidade de São Paulo, Escola Superior de Agricultura
Luiz de Queiroz, Departamento de Ciências Biológicas, Caixa
Postal 9, 13418-900 Piracicaba, SP, Brasil.
4. Autor para correspondência: bagloria@esalq.usp.br
D.A.A. Vilhalva & B. Appezzato-da-Glória: Sistemas subterrâneos de Calea verticillata e Isostigma megapotamicum40
de Menezes et al. (1969), Figueiredo (1972), Paviani
(1972, 1977, 1978, 1987), Paviani & Haridasan (1988),
Appezzato-da-Glória & Estelita (1995, 2000), Melo-de-
Pinna & Menezes (2003).
A presença de xilopódio foi relatada desde os
primeiros estudos em plantas do cerrado (Rawitscher
et al. 1943, Rawitscher & Rachid 1946, Rachid 1947,
Rizzini & Heringer 1961, 1962, 1966, Rizzini 1963, 1965),
tendo sido interpretada como uma adaptação às
condições de seca. Os xilopódios originalmente descritos
por Lindman (1906) caracterizam-se pela sua
complexidade estrutural, consistência extremamente
rígida e capacidade gemífera. Variam quanto à forma,
de globosos a cilíndricos, segundo Appezzato-da-Glória
& Estelita (2000), ou mesmo sem forma definida,
conforme mencionado por Rachid (1947).
Rizzini (1965), analisando a regeneração de plantas
do Cerrado sujeitas à ação do fogo e do homem,
ressaltou o papel da formação de gemas em raízes na
sobrevivência das espécies, particularmente em regiões
secas. Segundo o autor, ao contrário das sementes, as
raízes gemíferas encontram-se protegidas no solo e
mantêm conexão com o sistema subterrâneo, que lhes
proporciona nutrição para seu desenvolvimento.
Em levantamentos realizados no cerrado, tem se
verificado que diversas espécies possuem órgãos
subterrâneos de reserva que acumulam grandes
quantidades de frutanos (Figueiredo-Ribeiro et al. 1986,
Tertuliano & Figueiredo-Ribeiro 1993). Os frutanos
apresentam outras funções além das de fonte de energia
ou de carbono de reserva. Eles também estariam
relacionados à tolerância de algumas espécies sujeitas
aos estresses ambientais, principalmente no Cerrado,
onde pode haver secas prolongadas e queimadas sendo,
portanto, uma estratégia adaptativa das plantas às
condições adversas do ambiente (Melo-de-Pinna &
Menezes 2003). Frutanos do tipo inulina já foram
encontrados em diversos órgãos subterrâneos
espessados, principalmente em espécies de Asteraceae
(Figueiredo-Ribeiro et al. 1986).
Dada a importância ecológica dos sistemas
subterrâneos, o objetivo desse trabalho é fornecer
informações sobre a morfo-anatomia dos sistemas
subterrâneos de Calea verticillata e Isostigma
megapotamicum, pertencentes à família Asteraceae,
com ênfase na formação de gemas caulinares.
Material e métodos
As duas espécies foram coletadas numa área de campo
sujo do Estado de São Paulo, sendo que Isostigma
megapotamicum (Spreng.) Sherff, na Estação Ecológica de
Itirapina, no Município de Itirapina (22º13’20” S e 47º54’13” W)
e Calea verticillata (Klatt) Pruski, numa propriedade particular
“Fazenda Palmeira da Serra” no Município de Pratânia
(22º48’50.2” S e 48º44’35.8” W). Foram analisados cinco
espécimes de I. megapotamicum e dois de C. verticillata.
As espécies foram identificadaspor especialista e as
exsicatas registradas e incorporadas ao acervo do Herbário
da Escola Superior de Agricultura ‘Luiz de Queiroz’ (ESA) da
Universidade de São Paulo, sob os seguintes registros: Calea
verticillata ESA 83397 e Isostigma megapotamicum ESA
83398.
A análise anatômica foi realizada mediante coleta e
fixação dos sistemas subterrâneos em FAA com etanol 50%
(Sass 1951). As secções (transversais e longitudinais), feitas
à mão-livre e em micrótomo de deslize (150-200 µm de
espessura), foram clarificadas com hipoclorito de sódio a 20%,
lavadas em água destilada, coradas com azul de astra e
safranina aquosa (Gerlach 1984) e desidratadas em série
etílica. Posteriormente imersas em acetato de butila 50% e
100% e montadas em resina sintética “Entellan”.
Para determinar a origem das gemas, porções do sistema
subterrâneo contendo gemas foram retiradas e fixadas em
solução FAA com etanol 50% (Sass 1951) e levadas a uma
bomba de vácuo para a retirada do ar contido nos espaços
intercelulares. Após a fixação, as amostras foram desidratadas
em série etílica, incluídas em hidroxi-etil-metacrilato (Leica),
seccionadas a 5 µm de espessura, coradas com azul de
toluidina para as análises anatômicas usuais (Sakai 1973) ou
com corifosfina para análise de substâncias pécticas (Weis
et al. 1988), seguindo a montagem em resina sintética “Entellan”.
Testes microquímicos foram realizados utilizando-se
amostras fixadas e não-fixadas dos sistemas subterrâneos de
C. verticillata e I. megapotamicum. As secções foram feitas
em micrótomo de deslize. A presença de substâncias lipofílicas
foi visualizada pelo emprego de Sudan IV (vermelho Sudão
IV) e Sudan black B (preto Sudão B) (Jensen 1962). Para a
cristalização da inulina, foi utilizada a técnica descrita por
Johansen (1940), submetendo o material a etanol 100% por 48
horas. Os cristais foram visualizados em microscópio equipado
com polarizador. As observações do material corado com
corifosfina foram realizadas com microscópio de fluorescência
modelo Leica DM LB, equipado com uma lâmpada de mercúrio
HBO 50 com filtro I3,
 BP 450-490 nm (comprimento de onda). A
presença de proteínas foi testada com “aniline blue black”,
(Ficher 1968) e os compostos fenólicos com cloreto férrico
(Johansen 1940) e cloreto de zinco iodado (Strasburger 1913).
Fotomicrografias foram tiradas com o filme Ektachrome
64T para as análises em campo claro e com o filme Ektachrome
400 para imagens fluorescentes.
Resultados
Em Calea verticillata (Klatt) Pruski, o sistema
subterrâneo é constituído pelo xilopódio que emite raízes
Revista Brasil. Bot., V.29, n.1, p.39-47, jan.-mar. 2006 41
adventícias espessadas (figura 1), esse sistema está
localizado nas camadas superficiais do solo, possui
consistência lenhosa e formato ovóide (5,0 cm de
comprimento e 3,5 cm de largura).
A análise anatômica do sistema subterrâneo nos
planos de corte 1, 2 e 3, indicados na figura 1, revela
que a estrutura é altamente complexa e de natureza
mista. Na porção proximal (figura 1 - plano 1), se
observa auto-enxertia entre cinco eixos caulinares
(figura 2). A auto-enxertia natural entre quatro eixos
caulinares de um outro sistema subterrâneo pode ser
visualizada na figura 3. Observa-se que os eixos
caulinares emitidos nos diferentes períodos não estão
todos no mesmo plano. Na porção média do sistema
subterrâneo (figura 1 - plano 2), a estrutura também é
caulinar. Na porção distal (figura 1 - plano 3) se observa
auto-enxertia entre eixos radiculares, sendo que a região
central de um deles é mostrada na figura 4.
As gemas caulinares ocorrem em grupos (figuras
5, 6) na porção proximal do sistema subterrâneo,
localizada entre os planos 1 e 2 indicados na figura 1.
As gemas são protegidas por catafilos (figura 6) e se
originam a partir da atividade cambial (figura 7).
O xilopódio e as raízes adventícias de Calea
verticillata não apresentam cristais de inulina e outros
compostos de reserva, pois o resultado dos testes
microquímicos foi negativo. O sistema subterrâneo
apresenta estruturas secretoras no floema secundário
(figura 8). Nas secções longitudinais é possível verificar
que essas estruturas são alongadas constituindo canais
secretores. Nos materiais fixados é mais difícil visualizar
a secreção dentro dos canais. Nas amostras não fixadas,
a secreção dos canais é corada com o Sudan IV. As
raízes adventícias de Calea verticillata também
apresentam canais secretores.
Em Isostigma megapotamicum (Spreng.) Sherff,
o sistema subterrâneo é constituído pelo xilopódio que
emite raízes adventícias delgadas (figura 9). Nem
sempre os xilopódios apresentam o mesmo formato. O
xilopódio ilustrado na figura 9 é ovóide como na espécie
Calea verticillata, com 6 cm de comprimento e 5,5 cm
de largura; sua porção proximal apresenta várias gemas
caulinares (figura 10), concentrando-se até 2,5 cm do
ápice, e sua porção distal, mais dilatada, emite muitas
raízes (figura 9).
As gemas caulinares presentes nesse sistema
subterrâneo (figura 11) se originam a partir da atividade
cambial (figura 12).
Até a porção mediana do sistema subterrâneo (plano
de corte 1 da figura 9) há vários eixos caulinares auto-
enxertados. No corte transversal de um desses eixos
(figura 13), o cilindro central apresenta maturação
centrífuga do xilema primário (figura 14). O xilopódio
após ser submetido à técnica para a cristalização da
inulina apresenta cristais de inulina predominantemente
no parênquima xilemático (figura 15).
O sistema subterrâneo apresenta estruturas
secretoras que, em secção transversal (figuras 16, 17),
possuem epitélio secretor delimitando o lume, o qual é
preenchido por uma secreção de coloração avermelhada
in vivo (figuras 16, 18). A secreção é uma emulsão e se
apresenta em forma de gotas no interior dos canais
(figuras 19-21), de coloração amarelada (no lume do
canal) e alaranjada (no epitélio) quando corada com a
corifosfina e observada em microscópio de fluorescência,
indicando a presença de substâncias pécticas (figuras
20, 21). A análise dos cortes longitudinais (figuras 18,
19) revela que tais estruturas são longas tratando-se de
canais ou ductos. Esses canais ocorrem tanto no floema
(figura 22) como no xilema secundários (figura 23) e se
originam a partir de células derivadas do câmbio
(figura 23).
Testes microquímicos realizados com o Sudan black
B (figuras 17, 19) confirmam a natureza lipídica da secreção.
Essa mesma secreção obteve resposta negativa para
proteínas totais através do teste com “aniline blue black”.
Também obteve resposta negativa para cloreto férrico,
cloreto de zinco iodado e para “aniline blue black” em
todos os tecidos do xilopódio, sugerindo a ausência de
compostos fenólicos, amido e de proteínas totais,
respectivamente, nesses tecidos.
Discussão
Os sistemas subterrâneos de Calea verticillata
(Klatt) Pruski e Isostigma megapotamicum (Spreng.)
Sherff são bastante complexos, altamente lignificados
e caracterizados pela auto-enxertia entre eixos
caulinares (reflexo da sua elevada capacidade
gemífera). Essas características morfo-anatômicas
permitem denominar esses sistemas de xilopódio
(Appezzato-da-Glória 2003). Segundo a autora, os
xilopódios originalmente descritos por Lindman (1906)
caracterizam-se pela sua complexidade estrutural,
consistência extremamente rígida e capacidade
gemífera. Também Rachid (1947), baseando-se apenas
na morfologia externa das estruturas, comentou que o
xilopódio poderia ser caulinar e/ou radicular. Com as
análises anatômicas, Paviani (1977, 1978) considerou o
xilopódio, em Brasilia sickii G.M. Barroso, uma unidade
morfológica, porém não anatômica. De acordo com a
autora, a estrutura do xilopódio às vezes é caulinar e,
D.A.A. Vilhalva & B. Appezzato-da-Glória: Sistemas subterrâneos de Calea verticillata e Isostigma megapotamicum42
Figuras 1-6. Calea verticillata (Klatt) Pruski. 1. Visão geral do xilopódio, onde S corresponde ao nível do solo, e os números
1, 2 e 3 aos planos de corte analisados anatomicamente. 2. Vista frontal da porção superior de outro xilopódio,com cinco eixos
caulinares (E) enxertados naturalmente. 3. Secção transversal do xilopódio no plano 1, evidenciando quatro eixos caulinares
auto-enxertados (E). 4. Estrutura radicular no plano 3 do xilopódio (x = xilema primário). 5. Gemas caulinares (G) localizadas entre
os planos 1 e 2 do xilopódio. 6. Secção longitudinal das gemas do xilopódio (setas = gemas; C = catafilo; F = floema; X = xilema).
Barras = 1 cm (1,5), 2 cm (2,4), 0,5 cm (3), 0,12 cm (6).
Figures 1-6. Calea verticillata (Klatt) Pruski. 1. General view of the xylopodium, in which S corresponds to soil level and
numbers 1, 2 and 3 to anatomical sectioning levels. 2. Frontal view of the upper part of another xylopodium, with natural self-
grafting of five shoots (E). 3. Transverse section of level 1 of the xylopodium showing self-grafting of four shoots (E). 4. Root
structure of the level 3 of the xylopodium (x = primary xylem). 5. Shoot buds (G) located between levels 1 and 2 of the
xylopodium. 6. Longitudinal section of the xylopodium buds (arrows = shoot buds; C = cataphyll; F = phloem; X = xylem). Bars
= 1 cm (1,5), 2 cm (2,4), 0,5 cm (3), 0,12 cm (6).
Revista Brasil. Bot., V.29, n.1, p.39-47, jan.-mar. 2006 43
Figuras 7-8. Calea verticillata (Klatt) Pruski. 7. Gema caulinar (G) do xilopódio em início de formação. A gema é lateralmente
delimitada pelo floema secundário (F), confirmando a origem cambial (setas), X = xilema. 8. Canais secretores no floema
secundário (CS = canal secretor; F = floema). Barras = 100 µm (7), 200 µm (8).
Figures 7-8. Calea verticillata (Klatt) Pruski. 7. Beginning of formation of xylopodium shoot bud. The shoot bud is surrounded
by the phloem, confirming its cambial origin (arrow = cambium; G = shoot bud; F = phloem; X = xylem). 8. Secretory ducts of the
secondary phloem (CS = secretory ducts; F = phloem). Bars = 100 µm (7), 200 µm (8).
em outras vezes, radicular. Fato também confirmado
por Appezzato-da-Glória & Estelita (1995, 2000) em
Mandevilla illustris (Vell.) Woodson e M. velutina
(Mart. ex Stadelm.) Woodson.
A complexidade estrutural dos xilopódios está
relacionada ao processo natural de enxertia entre ramos
e raízes que são emitidos pela planta ao longo de seu
desenvolvimento como verificado em Calea verticillata
e Isostigma megapotamicum e em outras espécies do
cerrado (Paviani 1977, 1978; Appezzato-da-Glória &
Estelita 1995, 2000). A emissão periódica de ramos
observada em C. verticillata e I. megapotamicum, em
função das gemas presentes nos xilopódios, confere às
espécies a capacidade de sobrevivência às condições
do Cerrado, especialmente nos períodos de déficit hídrico
que, em geral, estão associados à ação do fogo,
conforme salientado por Rizzini & Heringer (1961) para
outras espécies providas de xilopódio.
D.A.A. Vilhalva & B. Appezzato-da-Glória: Sistemas subterrâneos de Calea verticillata e Isostigma megapotamicum44
Figuras 9-15. Isostigma megapotamicum (Spreng.) Sherff. 9. Vista geral do xilopódio onde S corresponde ao nível do solo, e o
número 1 ao plano de corte analisado anatomicamente. 10. Vista geral da gema na porção proximal do xilopódio. 11. Secção
longitudinal de uma gema (G) do xilopódio, cujo detalhe é mostrado na figura 12 (C = catafilo). 12. Detalhe do setor indicado na
figura 11 mostrando a origem cambial da gema (seta = câmbio; F = floema; G = gema; X = xilema). 13. Secção transversal do
xilopódio no plano 1 da figura 9 (M = medula; PX = parênquima xilemático). 14. Detalhe da figura anterior mostrando o xilema
endarco (seta) confirmando a estrutura caulinar do xilopódio (M = medula). 15. Cristais de inulina, no parênquima xilemático,
observados sob luz polarizada. Barras = 2 cm (9), 800 µm (10), 400 µm (11), 150 µm (12), 900 µm (13), 50 µm (14), 200 µm (15).
Figures 9-15. Isostigma megapotamicum (Spreng.) Sherff. 9. General view of the xylopodium, in which S corresponds to soil
level, and number 1 to anatomical sectioning level. 10. General view of the xylopodium bud. 11. Longitudinal section of the
xylopodium shoot bud (G), whose detail is showed in figure 12 (C = cataphyll). 12. Detail of the sector indicated on figure 11,
showing the cambial origin of the xylopodium shoot bud (G). (arrow = cambium; F = phloem; G = bud; X= xylem). 13. Transverse
section of the xylopodium. (M = pith; PX = xylem parenchyma). 14. Detail of the previous figure showing the endarch xylem
(arrow) confirming the cauline structure of the xylopodium (M = pith). 15. Crystals of inulin, in the xylem parenchyma cells,
observed by polarized light. Bars = 2 cm (9), 800 µm (10), 400 µm (11), 150 µm (12), 900 µm (13), 50 µm (14), 200 µm (15).
Revista Brasil. Bot., V.29, n.1, p.39-47, jan.-mar. 2006 45
Figuras 16-23. Isostigma megapotamicum (Spreng.) Sherff. Secções transversais (16, 17, 20-23) e longitudinais (18, 19). 16, 18.
Canal cuja secreção é avermelhada. 17 e 19. Mostram a secreção do canal corada com Sudan black B. 20 e 21. Canal com
secreção em gotas corada pela corifosfina (setas = epitélio). 22. Canais secretores (CS) no floema secundário (F). (C = câmbio).
23. Canal secretor (tracejado) originado a partir de derivadas do câmbio (IC = iniciais cambiais; F = floema secundário;
X = xilema secundário). Barras = 30 µm (16,23), 50 µm (17-20), 250 µm (21), 300 µm (22).
Figures 16-23. Isostigma megapotamicum (Spreng.) Sherff. Transversal sections (16, 17, 20-23) and longitudinal sections (18,
19). 16, 18. Canal whose secretion is reddish. 17 and 19. Canal showing the secretion stained by Sudan black B. 20 and
21. Secretory canals showing secretion with drops coriphosphine-stained (arrows = epithelium). 22. Secretory canals (CS) of
the secondary phloem (F). C = cambium. 23. Secretory duct (hatched) originated from cambium derivate cells (IC = cambial
initials; F = secondary phloem; X = secondary xylem). Bars = 30 µm (16,23), 50 µm (17-20), 250 µm (21), 300 µm (22).
D.A.A. Vilhalva & B. Appezzato-da-Glória: Sistemas subterrâneos de Calea verticillata e Isostigma megapotamicum46
As gemas do xilopódio de Calea verticillata e de
Isostigma megapotamicum são originadas pela atividade
cambial. Embora Paviani (1987) tenha considerado como
padrão para os xilopódios a origem das gemas a partir
da desdiferenciação de células parenquimáticas
proliferadas, Appezzato-da-Glória e Estelita (1995) já
haviam verificado a origem cambial das gemas em
Mandevilla illustris e M. velutina.
Em relação às reservas, o xilopódio e as raízes
adventícias de Calea verticillata não apresentaram
cristais de inulina ou amido. Por sua vez, no xilopódio
de Isostigma megapotamicum foi detectada a presença
de cristais de inulina, confirmando as observações de
Tertuliano & Figueiredo-Ribeiro (1993) quanto à
ocorrência de frutanos no sistema subterrâneo dessa
espécie. Em I. megapotamicum, os cristais de inulina
são visualizados apenas no parênquima xilemático,
enquanto em outras Asteraceae podem ocorrer no
parênquima cortical, periciclo e parênquima axial do
floema e do xilema (Melo-de-Pinna & Menezes 2003).
Segundo as autoras, os frutanos estariam relacionados
à tolerância de algumas espécies sujeitas aos estresses
ambientais, principalmente no Cerrado, onde pode haver
secas prolongadas e queimadas.
Os xilopódios de Calea verticillata e de Isostigma
megapotamicum apresentam canais secretores de
substâncias lipídicas. Em I. megapotamicum os canais
ocorrem tanto no floema como no xilema secundários,
enquanto que, em C. verticillata, ocorrem apenas no
floema secundário. A posição dos canais secretores
em raízes de Asteraceae pode variar entre espécies
de uma mesma tribo ou de tribos diferentes (Melo-de-
Pinna & Menezes 2003). Calea verticillata e
Isostigma megapotamicum pertencem à tribo
Heliantheae e, segundo dados apresentados pelas
autoras, os canais secretores podem ocorrer no córtex
interno, periciclo e no floema secundário nas raízes de
plantas dessa tribo. A despeito da importância
taxonômica das estruturas secretoras para as
Asteraceae (Castro et al. 1997) não há registro na
literatura sobre a ocorrênciados canais secretores em
xilopódios dessa família. Além disso, pouco se sabe
sobre o papel ecológico das estruturas secretoras em
sistemas subterrâneos de espécies do Cerrado,
tornando necessários estudos sobre a interação da
fauna subterrânea com tais sistemas.
Agradecimentos – Ao Prof. Dr. Lindolpho Capellari Júnior,
pela ilustração botânica e ao Prof. Dr. Vinícius Castro Souza,
pela identificação do material botânico, ambos do
Departamento de Ciências Biológicas ESALQ/USP. À
farmacêutica Marli Kasue Misaki Soares, pelo apoio técnico
na preparação das lâminas e na elaboração das pranchas para
a publicação. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo, pelo financiamento do projeto Biota
(n. 00/12469-3) e da bolsa de Mestrado (n. 01/12138-0).
Referências bibliográficas
APPEZZATO-DA-GLÓRIA, B. 2003. Morfologia de sistemas
subterrâneos: histórico e evolução do conhecimento no
Brasil. Ed. Alexandre Sene Pinto, Ribeirão Preto.
APPEZZATO-DA-GLÓRIA, B. & ESTELITA, M.E.M. 1995.
Caracteres anatômicos da propagação vegetativa de
Mandevilla illustris (Vell.) Woodson e de M. velutina
(Mart. ex Stadelm.) Woodson - Apocynaceae. In Anais
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