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USURPAÇÃO
Art. 161 – “Suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia: Pena - detenção, de 1 a 6 meses, e multa”. A propriedade imobiliária, por sua natureza, é menos suscetível de sofrer lesões, sendo protegida de maneira mais eficaz no âmbito do direito privado, ressaltando a função subsidiária do direito penal.
BJ tutelado
É a inviolabilidade do patrimônio imobiliário. Para Noronha se protege imediatamente a posse, e por meio dela a propriedade, pois a posse é a propriedade exteriorizada. Ante a omissão legal, é irrelevante que trate-se de imóvel público ou particular.
Sujeitos
- Ativo
Entendimento majoritário é de que trata-se de crime próprio, podendo ser cometido apenas pelo proprietário do imóvel vizinho, limítrofe, proprietário lindeiro, visto que somente eles podem acrescer ao seu a diferença alterada. Para Bittencurt, porém, o possuidor também pode fazê-lo, pois pode alterar marcos e ampliar sua posse, inclusive fazendo jus a propriedade maior em eventual usucapião. 
Alguns, como Paulo José da Costa Jr, sustentam inclusive que pode cometer a presente conduta o futuro comprador do imóvel, visto que conseguiria pedaço de terra maior pelo mesmo preço. Hungria, porém, entende tratar-se de possibilidade condicionada, subordinada à aquisição, o que é incompatível com a finalidade que a lei descreveria como imediata. 
Paulo José da Costa Jr entende que também pode sê-lo o arrendatário para usufruir de porção superior à arrendada. Para Bittencurt, porém, usufruir não pode ser confundido com apropriar-se.
É impossível sê-lo o condômino, visto que na co-propriedade não há a divisão de limites a serem alterados, havendo a impropriedade absoluta do objeto, salvo se tratar-se de condomínio pro divisio, onde há a limitação da parte sobre a qual cada um tem posse, tendo este direito frente terceiros e demais proprietários.
Tipicidade objetiva
Para sua configuração é necessária a existência de tapumes, marcos ou outros sinais indicativos de linha divisória, que são os objetos da ação de supressão ou deslocamento.
· Suprimir: eliminar, destruir, fazer desaparecer, gerando o desaparecimento completo, inviabilizando a percepção de onde se encontravam. Por isso não caracteriza supressão o simples ato de arrancar tapumes ou marcos de uma cerca, sem tapar os buracos existentes no solo, que são denunciadores da linha divisória. O mesmo ocorre com a simples colocação de novos marcos, sem a supressão dos anteriores;
· Deslocar: afastar, mudar de lugar, induzindo à conclusão de que a linha divisória é uma diferente da real, sendo irrelevante que os sinais movidos possam ser recolocados em seu lugar facilmente ou substituídos por semelhantes. 
Ainda que o sujeito pratique as duas ações, isto é, primeiro desloque e depois suprima os sinais, o crime será único. Também não há crime na simples colocação de novos marcos, mesmo que sobre propriedade alheia, salvo se isto produzir alterações que a lei proíbe, tornar confusos ou irreconhecíveis os marcos originais.
São as formas adquiridas pelos sinais divisórios:
· Tapumes: meios físicos, como muros e cercas (mesmo as vivas);
· Marcos: sinais materiais, coisas corpóreas, naturalmente existentes ou artificialmente colocadas, como tocos, pedras e estacas.
Não é necessário que sirvam para marcar a divisão perpetuamente, apenas permanentemente. A eventual ocorrência de esbulho possessório, após a alteração de limites, absorve este, que tem natureza subsidiária.
Tipicidade subjetiva
O elemento subjetivo do tipo é o dolo, sendo necessário que tenha consciência da existência e função dos marcos divisórios. Também exige-se a finalidade especial de apropriar-se da coisa alheia, que distingue a conduta em apreço do simples furto dos marcos ou dano se a finalidade for sua destruição. Apropriar-se não significa adquirir a propriedade, que é ato complexo, exigindo registro do título aquisitivo em cartório. Procura-se impedir o apossamento ou apoderamento ilegítimo, a posse ilícita. O objeto desta finalidade especial só pode ser imóvel por natureza (art. 79 CC), não os imóveis por ficção, que o são por acessão física artificial, por acessão intelectual e por determinação legal (art. 80 CC).
Consumação e tentativa
Consuma-se com a efetiva supressão ou deslocamento, independentemente de alcançar ou não o objetivo de apropriação, sendo crime formal. A admissibilidade da tentativa não é pacífica, mas admissível pois o sujeito passivo pode ser surpreendido quando inicia a retirada dos sinais, sendo interrompido durante a fase executória.
Usurpação de águas
§ 1º - “Na mesma pena incorre quem: I - Desvia ou represa, em proveito próprio ou de outrem, águas alheias”. É crime autônomo, distinto do capitulado no caput.
BJ tutelado
Direitos reais do proprietário (posse e propriedade imobiliárias), e não simples direitos pessoais ou obrigacionais. 
O objeto material de proteção são as águas, em estado natural, como complexo de bens imóveis (art. 79 CC), enquanto parte líquida do solo, uma vez que as móveis ou mobilizadas, que podem ser retidas com bombas ou manualmente recebem a proteção dos arts. 155 e 157. Não apenas as águas que já se encontram na propriedade da vítima, mas também aquelas cujo curso natural por lá deva passar. 
Tipicidade objetiva
· Desviar: alterar, mudar o curso das águas fluentes ou estagnadas;
· Represar: conter, interromper o curso, impedindo que prossigam seu fluxo natural. 
Art. 71, Código de Águas (Decreto 24.643/34) - “Os donos ou possuidores de prédios atravessados ou banhados pelas correntes, e com aplicação tanto para a agricultura como para a indústria, contanto que o refluxo das mesmas águas não resulte prejuízo aos prédios que ficam superiormente situados, e que inferiormente não se altere o ponto de saída das águas remanescentes, nem se infrinja o disposto na última parte do parágrafo único do art. 69”.
As águas podem ser, sendo todas protegidas:
· Públicas: perenes, mesmo que sequem eventualmente durante estiagem forte ou durante secas. São exemplos mares territoriais, golfos, baías, enseadas e portos; correntes, lagos e canais, navegáveis ou flutuáveis; fontes e reservatórios públicos;
· Comuns: correntes não navegáveis ou flutuáveis e que não formem correntes de tal natureza (art. 7º);
· Particulares: nascentes e águas que se situem em imóveis particulares (desde que não classificadas como públicas ou comuns — art. 8º), lagos ou lagoas que se situem apenas em um imóvel particular e sejam apenas por ele cercados (art. 2º, § 3º).
Tipicidade subjetiva
Além do dolo, exige-se o especial fim de obter proveito para si ou para outrem, que não precisa consumar-se. Assim, se o agente desvia ou represa águas alheias, com o propósito exclusivo de causar prejuízo à vítima, se tem apenas o crime de dano (art. 163).
Consumação e tentativa
Consuma-se no momento em que o sujeito ativo efetua o desvio ou o represamento, ainda que não obtenha o proveito desejado, tratando-se de crime formal. Não é pacífica admissibilidade da figura tentada. 
Esbulho possessório
§ 1º - Na mesma pena incorre quem: II - Invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório [perda da posse, desalojamento do possuidor].
BJ Tutelado
Além da integridade física, é a posse e a propriedade imobiliárias. Se tutela a posse independentemente da propriedade, podendo-se, aliás, contrapor a esta.
Sujeitos
- Ativo
Para Noronha, o proprietário pode sê-lo quando pratica o crime contra possuidor exercendo a posse direta legitimamente. 
Se concorrerem apenas 2 sujeitos, estar-se-á diante do concurso eventual (coautoria ou participação - art. 29). Sendo mais de duas, tem-se o concurso necessário, que, nesse caso, configura elementar da estrutura típica do crime, perdendo sua natureza de eventual. 
- Passivo
Quem se encontra na posse do terreno ou edifício invadido, seja proprietário ou possuidor a qualquer título(como enfiteuta, usufrutuário, arrendatário, locatário ou titular de servidão), podendo valer-se das ações possessórias.
Tipicidade objetiva
Invadir é penetrar, ingressar, introduzir-se, o que pode ser feito de maneira violenta ou astuciosa ou sorrateira.
Se o imóvel foi ou é objeto de financiamento do Sistema Financeiro da Habitação, incorrerá no esbulho possessório definido na Lei Especial (5.741/71, art. 9º). Se o agente desocupar o imóvel espontaneamente, antes de qualquer medida coativa, será isento de pena. O STJ decidiu que não há esbulho de unidade do Sistema Nacional de Habitação quando a ocupação se dá naturalmente, por força de contrato celebrado com a CEF, mesmo que o ocupante se torne, inadimplente. A invasão de terras da União, Estados ou Municípios, é regulada no art. 20, lei 4.947/66.
Tipicidade subjetiva
Além do dolo, exige-se a finalidade especial de praticar esbulho possessório, ou seja, colocar a vitima fora do imóvel e ocupa-lo, de lá retirando o possuidor, não configurando a conduta a invasão com finalidade de mera turbação da posse ou por exemplo, colher frutos ou forçar servidão de passagem.
Consumação e tentativa
Consuma-se com a invasão, mesmo que não concretizado o esbulho, diferindo e, a despeito da intervenção mínima, sendo mais abrangente que o direito civil, que não pune a mera turbação. Admite-se a tentativa.
- Usurpação em concurso com violência
§ 2º - “Se o agente usa de violência, incorre também na pena a esta cominada”. Previsão aplicável a qualquer das figuras - alteração de limites, usurpação de águas ou esbulho possessório - apenas quando a violência empregada constituir em si mesma crime, mesmo que a conduta tenha sido tipificada em razão da pratica de violência. 
Deve a pena cominada ser cumulada com a da à infração constituída pela violência. Há concurso formal, quando o agente mediante uma só conduta (invadir imóvel violentamente), gera mais de um resultado, enquanto no material tem-se mais de uma conduta. 
Supressão ou alteração de marca em animais
Art. 162 – “Suprimir ou alterar, indevidamente, em gado ou rebanho alheio, marca ou sinal indicativo de propriedade: Pena - detenção, de 6 meses a 3 anos, e multa”.
Tutela-se a posse e propriedade de semoventes, aqui considerados coisas móveis, embora, para o direito civil, possam ser tratados como imóveis, por acessão intelectual, por exemplo, quando imobilizados num prédio, para sua exploração industrial. A marca ou sinal em si mesmos são apenas meio de proteger sua propriedade, apenas objeto material da conduta, motivo pelo qual quem adquire animal e suprime ou altera a marca ou sinal que trazia não comete crime. 
Tipicidade objetiva
Suprimir (fazer desaparecer, retirar) e alterar consistem em modificar o estado de fato anterior relativo à sinalização indicativa do animal. Não é necessária mudança completa da marca, apenas de algum traço que a desfigure. É atípica a conduta executada em animais ainda não assinalados. 
Embora a lei 4.714/65, regule dimensões e localização das marcas em animais, bem como seu registro, sua observância é irrelevante para a configuração do crime, sendo suficiente que possam ser reconhecidas como identificadores da propriedade alheia. Contudo, ressalta-se que a marca, por si só, não constitui prova incontestável da propriedade, até porque existem animais não marcados cuja propriedade é incontestável, ou animais marcados que não pertencem ao dono da marca.
O elemento normativo indevidamente caracteriza tipo aberto, não havendo crime quando autorizada ou permitida a alteração ou supressão, como após a compra do animal. Além disso, os animais não seriam “alheios.
Para Bittencurt, gado ou rebanho são sinônimos que significam uma pluralidade quadrúpedes, sendo irrelevante se apresentam ou não significado distinto, importando apenas que são substantivos coletivos, devendo aquele cuja marca ou sinal foi alterado ou suprimido fazer parte de uma coletividade, não sendo necessário que ação ocorra em mais de um animal pois se feita em apenas um animal ele poderá ser facilmente identificado.
- Concurso com outros crimes
A conduta em apreço não se confunde com o furto, porque não há subtração da coisa alheia; com a apropriação indébita, porque ainda não há a efetiva apropriação; com o estelionato, porque a “fraude” não é seguida pela obtenção imediata e efetiva de vantagem ilícita. Contudo, se qualquer das condutas descritas no art. 162 for meio para a prática de outro crime, como furto, estelionato e apropriação indébita, ficará absorvida, o que não impede, para Bittencurt, eventual concurso, a exemplo da subtração dos animais (furto) e posterior alteração da marca.
Tipicidade subjetiva
Além do dolo (devendo o sujeito ter consciência de que o animal pertence a outrem que sua ação é indevida), deve o sujeito ter o especial fim de provocar dúvida sobre a propriedade dos animais. 
Consumação e tentativa
Consuma-se com a supressão ou alteração, ainda que em apenas um animal, desde que integrante de algum rebanho, entendimento que não é pacífico. É admissível a tentativa.
Ação penal
Art. 161, § 3º - Em todas as suas modalidades, “se a propriedade é particular, e não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa”. Tratando-se de propriedade particular e não havendo emprego de violência, a ação penal será de exclusiva iniciativa privada.

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