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CIDADANIA: O CAMINHO DO EXERCÍCIO DO DIREITO Á SAÚDE
Shandra Carmen Sales de Aguiar1
Sílvia Maria Nóbrega-Therrien2
RESUMO
O presente estudo teve o objetivo de conhecer a percepção de pacientes internados nos leitos
da Unidade II (A e B) de uma Unidade Hospitalar em Fortaleza Ceará sobre o exercício do
direito à saúde como uma questão de cidadania. A nossa Constituição é a Lei maior do
Estado, é a Carta Magna do País, e no seu artigo 196 assegura o direito à saúde a todo cidadão
brasileiro. No entanto, sabemos que a valorização do homem começa a partir do
reconhecimento de seus direitos e garantias como pessoa humana. De acordo com Marshall
(1967), a proteção social baseada nos princípios de cidadania tem como pressuposto a
redefinição das relações sociais em direção à redistribuição, à equidade e à justiça social.
Nessa compreensão a cidadania plena, é um fenômeno típico do século XX, resultante de um
processo histórico. Ser cidadão é, portanto, ser membro, de pleno direito, da cidade, onde
seus direitos civis são plenamente direitos individuais. Mas ser cidadão é também ter acesso à
decisão política, ser um possível governante, um homem político. São esses dois elementos, a
igualdade dos cidadãos e o acesso ao poder, que fundam a cidadania antiga e a diferenciam da
cidadania moderna (HAJ-EL-ABU, 2002). Caminhando nessa compreensão, Gadotti (1995)
afirma que pode ser considerado cidadão o indivíduo que participar do governo, e só pode
participar do governo quem tiver poder, liberdade e autonomia para exercê-lo. Pinsky
(2003, p. 09) enriquece a nossa discussão quando nos fornece uma definição mais ampla de
cidadão: ser cidadão para ele é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade
perante a lei: é, em resumo, ter direitos civis. É também participar no destino da sociedade,
votar, ser votado, ter direitos políticos. Ainda para Pinsky (2003) os direitos políticos não
asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que garantem a participação do
indivíduo na riqueza coletiva: o direito à saúde, a uma velhice tranqüila e finalmente
considera que exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais. Cidadão, como
conceito moderno, é o “o indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado ou no
desempenho de seus direitos para com este” (Ferreira 2001, p. 153). Nesse sentido Demo
1 Economista Doméstica. Mestre em Saúde Pública. Coordenadora do Núcleo de Educação do Consumidor e
Administração Familiar do Departamento de Economia Doméstica da UFC.shandra@ufc.br
2 Enfermeira. Doutora em Educação. Professora do Mestrado Acadêmico em Saúde Pública da Universidade
Estadual do Ceará- UECE.
(1992, p.30) complementa ao afirmar que cidadania, “é um processo de conquista popular
através do qual o indivíduo adquire progressivamente, condições de se tornar sujeito histórico,
consciente e organizado, com capacidade de conceber e efetivar projeto próprio”. Nesse
sentido para exercer sua cidadania, o homem deve ter assegurado direitos que possam ser
reconhecidos e respeitados por todos. E para que isso ocorra, de acordo com Barros (1998,
p.31), o reconhecimento do brasileiro como cidadão não deve depender só da lei, mas também
da ética e, principalmente, de uma transformação de visão de mundo e comportamento. A
partir dessa afirmação, entendemos que a cidadania não é um processo simples, mas uma
aprendizagem que para alguns demora anos, principalmente no Brasil, onde vivemos vários
anos sob regimes autoritários. Ainda para Barros (1998), a construção da cidadania inclui a
luta pela democratização dos processos decisórios e o exercício do controle sobre a ação
estatal e essa aprendizagem para nós está em reconhecer a condição fundamental da cidadania
que segundo Demo (1992) significa reconhecer criticamente que a emancipação depende
fundamentalmente do interessado, no que concordamos. Portanto, não devemos esperar que a
emancipação venha dos outros, mas deve ser um reconhecimento de cada um, isto é, cada
cidadão deve ter conhecimento dos seus direitos e principalmente, de seus deveres, para exigir
o seu cumprimento. Sob estes argumentos, vários estudiosos do direito e do que seja ser
cidadão ou cidadania se debruçam e nos oferecem com riqueza de detalhes muito “fogo e
munição” sobre esta questão. A cidadania, definida pelos princípios da democracia, constitui-
se na criação de espaços sociais de luta e na definição de instituições permanentes para a
expressão política, significando necessariamente conquista e consolidação social e política. A
cidadania passiva, outorgada pelo Estado, se diferencia da cidadania ativa, na qual o cidadão,
portador de direitos e deveres, é essencialmente criador de direitos para abrir novos espaços
de participação política (Chauí, 1984). Para a autora uma sociedade democrática não pára de
trabalhar suas divisões e diferenças internas, e está sempre aberta à ampliação dos direitos
existentes e à criação de novos direitos. Para ela a verdadeira cidadania é aquela construída a
partir do povo, desvinculados do Estado. Estado este que coloca em questão as concepções de
cidadania, apregoado durante décadas, onde igualdade, liberdade e fraternidade deveriam ser
princípios básicos. Ainda segundo a autora os indivíduos querem uma liberdade que não seja
condicionada a valores dominantes, um outro tipo de igualdade, a de oportunidades de
condições e, uma fraternidade honesta e não mascarada. A partir desse raciocínio a cidadania
pode ser entendida como as práticas que envolvem a eqüidade de direitos e deveres do ser
humano em seu meio social, e a definição de eqüidade na saúde deve pressupor não só o
sentido restrito da quantidade de recursos materiais e humanos (leitos, consultórios, médicos,
enfermeiros, etc), mas também qualidade dos serviços de saúde oferecidos. Nesse sentido o
processo da cidadania não é algo pronto e acabado. Nesse contexto essa “nova” cidadania
representa uma possibilidade de buscar “o direito a ter direito” pelos próprios agentes que
reivindicam espaço na sociedade, que organizam um projeto de construção democrática que
valoriza e reconhece o outro como sujeito, com direito a participar efetivamente da gestão das
políticas públicas e das novas relações entre Estado e sociedade, e, sobretudo, com direito à
igualdade e também a diferenças. Quando essa busca do direito a ter direito envolve o direito
à saúde, essa só se concretiza fundamentada em uma política e em uma “práxis” que permita o
exercício desse direito cidadão. Entendemos que, é dentro de uma perspectiva histórica de
incessantes reformulações que se pode visualizar os dois temas em exploração aqui: a
cidadania e a percepção do direito à saúde. Este estudo teve um caráter exploratório de
natureza descritiva, onde foi utilizada predominantemente a análise qualitativa, apesar de
envolver também técnicas quantitativas de coleta, para que os objetivos propostos fossem
alcançados. Os sujeitos da pesquisa foram 25 consumidores internados na Clínica II A e B de
uma unidade hospitalar localizada na cidade de Fortaleza. Utilizamos para coleta dos dados a
entrevista semi-estruturada e para a análise dos dados a técnica de Análise de Conteúdo de
Bardin. Todos foram esclarecidos sobre os objetivos do trabalho, e àqueles que mostraram
interesse e se dispuseram a participar da pesquisa, deixamos claro que a qualquer momento
eles tinham a liberdade de recusar-se a participar do estudo, bem como, informamos sobre a
disponibilidade de tempo para realização da entrevista e que todos teriam seus nomes
mudados, a fim de resguardar sua privacidade. Assim atribuímos a cada consumidor um nome
bíblico. A cada um deles foi entregue para ser assinado o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, exigido pela Resolução 196/96 do Código de Ética para pesquisa com seres
humanos. Como conclusão do estudo pudemosconstatar que a contradição entre a cidadania
proposta pelo Estado, a cidadania que é real e a que vem se efetivando a partir de novos
movimentos sociais cotidianos é muito crescente. Temos por um lado um Estado que visa o
mercado, a competição e um cidadão-consumidor e por outro, uma sociedade civil que não
consegue competir, nem consumir, e ainda, um pequeno grupo desta sociedade, lutando para
ter acesso aos bens de consumo, através da mobilização organizada e do direito à cidadania
efetiva. As contradições implícitas nas arenas política e social representam condição básica
para compreender a cidadania como um processo histórico e social, portanto contraditório,
onde o homem tem condições de se tornar sujeito histórico, consciente e organizado, com
capacidade de conceber e efetivar um projeto individual e coletivo para a sociedade. Nesse
sentido, reforçamos o fato de que o direito ao exercício da cidadania se apresenta em início de
construção, principalmente na arena das políticas públicas de saúde.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BARROS, E. O controle social e o processo de descentralização dos serviços de saúde: In:
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CHAUÌ, Marilena de Sousa. Desvios 3: Considerações sobre o realismo político. Editora
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FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico da Língua
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PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (Orgs). História da cidadania. São Paulo:
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