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Simulação Monte Carlo em Mamografia

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XXX Congresso de Iniciação Científica da UNICAMP – 2022 1 
Simulação Monte Carlo dos fatores de conversão de dose 
glandular em mamografia para modelos de mamas 
homogêneos e heterogêneos 
Palavras-Chave: Mamografia, Simulação Monte Carlo, Dose glandular 
Autores/as: 
Gabriel Ferrauche1 
Prof.ª Dr.ª Alessandra Tomal1 (orientador/a) 
1Instituto de Física “Gleb Wataghin”, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil 
INTRODUÇÃO: 
Em 2020 o câncer de mama feminino se tornou, mundialmente, a manifestação mais comum da 
doença. O cenário brasileiro apresenta-se de maneira similar, sendo o carcinoma mais letal e o segundo mais 
recorrente dentre a população feminina[1]. A literatura médica indica que existe uma correlação entre detecção 
precoce do câncer de mama e a taxa de sobrevida das pacientes. Levando em conta as considerações anteriores, 
agências de saúde nacionais e internacionais indicam a realização de exames periódicos de rastreamento 
visando a detecção de neoplasias da mama em estágios iniciais[2, 3]. Vista a ampla disponibilidade, facilidade 
de acesso, praticidade clínica de execução, o exame de mamografia digital é considerado o padrão-ouro no 
rastreamento do câncer de mama feminino ao redor do mundo[4]. Embora a realização periódica de exames 
mamográficos tenha seus efeitos benéficos comprovados, a exposição recorrente à radiação ionizante apresenta 
riscos às pacientes, sendo o principal deles a carcinogênese radioinduzida. Dessa maneira, é importante que 
esse risco possa ser devidamente conhecido e quantificado. 
A principal grandeza empregada na estimativa do risco biológico para a exposição radiológica no 
contexto de mamografia é a dose glandular média (DGM)[5]. Uma vez que o câncer de mama se manifesta 
essencialmente no tecido glandular mamário. A DGM, entretanto, não pode ser diretamente mensurada devido 
ao caráter difuso e heterogêneo do tecido glandular e sua grande variabilidade populacional em termos de 
distribuição e densidade mamária. Sendo assim, método de quantificação da grandeza em questão ocorre, de 
forma geral, por vias de simulação Monte Carlo (MC). São determinados coeficientes de conversão de kerma 
no ar (Kar) para DGM denominado dose glandular normalizada (DgN). 
 Durante o processo de simulação MC do exame de mamografia, a forma com que a mama é 
anatomicamente modelada é de suma importância. É importante que seja avaliada a influência dosimétrica da 
variação de parâmetros do modelo como fração de tecido glandular e sua distribuição. Com os avanços dos 
estudos na área de dosimetria da mama por simulação MC, um modelo representativo de “mama média” 
consolidou-se na literatura. Esse modelo apresenta uma geometria semicilíndrica - usualmente com raio de 10 
cm - e conta com uma distribuição de tecido homogênea com fração mássica (ou glandularidade) de 50:50 em 
tecido glandular e adiposo. Um semicilindro externo concêntrico empregado é para representar a pele, sendo 
modelada de formas variadas na literatura[5]. 
 
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 Estudos das últimas décadas questionam a validade do modelo supracitado, uma vez que este 
dificilmente é representativo da real anatomia da mama[6, 7, 8]. Em especial, resultados da literatura apontam 
que o tecido glandular é distribuído de forma heterogênea, com uma fração glandular de, em média, 20%. 
Ademais, ajustes de distribuições de tecido glandular obtidos a partir das imagens de CT da mama foram 
disponibilizados em 2021, possibilitando um entendimento mais quantitativo da estrutura interna da mama. 
 Considerando as diferenças entre a modelagem convencional da mama e dados recentes referentes a 
anatomia da mesma, este projeto tem como objetivo analisar o impacto dosimétrico da implementação de um 
modelo da mama que busque se aproximar da realidade. Foi construído um modelo virtual da mama com tecido 
glandular distribuído heterogeneamente que subsequentemente foi empregado em simulações MC de 
mamografia cujos resultados de DGM foram comparados com simulações utilizando o modelo convencional. 
Por fim, foram determinados os coeficientes de conversão de DgN para ambos os casos. 
 
METODOLOGIA: 
As simulações foram realizadas com o código MC PENELOPE v. 2018[9] em conjunto com a extensão 
penEasy v. 2020[10] como programa principal. Foi utilizado um computador pessoal com as seguintes 
configurações: Intel Core i5-6200 @ 2,30 GHz (2/4 núcleos/threads) 8GB RAM DDR4 @ 2133 MHz. 
Modelagem da mama 
Dois modelos da mama foram usados nesse estudo: o 
convencional homogêneo (Figura 1) e o modelo heterogêneo 
voxelizado (Figura 2). A construção do modelo homogêneo foi 
baseada em superfícies quádricas, usando o pacote de geometria 
do PENELOPE, enquanto o modelo heterogêneo da mama foi 
gerado a partir de um script em Python v. 3.10, sendo baseado no 
uso de geometrias voxelizadas. 
A construção do modelo heterogêneo baseou-se em dados 
disponíveis na literatura referentes a distribuições de tecido 
glandular de pacientes reais[8]. O conjunto de dados se resume às 
distribuições de tecido glandular em cada eixo anatômico, fornecidas 
como frações mássicas glandulares em função da posição. 
O algoritmo de geração dos modelos é baseado em um método 
de escolha aleatória. Inicialmente é gerado um modelo voxelizado, 
com tamanho de voxel 0,5×0,5×0,5 mm3, composto unicamente de 
tecido adiposo e recoberto por uma camada de pele com espessura 1,5 
mm. A forma do modelo é mantida idêntica ao caso convencional, 
tendo geometria semicilíndrica de raio 10 cm e espessuras arbitrárias. 
Na sequência, as distribuições são tratadas como funções densidade de 
probabilidade, associando um valor probabilidade a cada voxel do modelo. Então, é realizado um sorteio, 
ponderado pelas probabilidades, de voxels que terão sua composição alterada para tecido glandular[11]. Para 
todas as espessuras, consideraram-se modelos com glandularidades 5%, 10%, 20% e 30%. 
 
 
Figura 1: Representação esquemática de um 
modelo homogêneo da mama. 
Figura 2: Modelo heterogêneo e voxelizado 
da mama. A visualização é realizada pelo 
software ParaView v. 5.9[12]. 
 
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Geometria de simulação 
 A geometria de simulação visa replicar um exame de mamografia digital de vista craniocaudal e é 
baseada no Report TG-195 da AAPM[13]. Em decorrência da necessidade de calcular tanto a DGM quanto o 
Kar, duas geometrias de simulação ligeiramente distintas foram empregadas. 
 Para as simulações de DGM (figura 3a), a mama é posicionada entre duas placas de acrílico (de suporte 
e compressão) com 2 mm de espessura e 26×14 cm2 de área. Uma placa de ar de espessura 0,2 mm e mesma 
área é posicionada 1,5 cm abaixo da placa de suporte, representando o detector de imagem. Um bloco de água 
de dimensões 30×17×30 cm3, representando o tórax da paciente, é posicionado em contato com a superfície 
posterior da mama. A fonte de raios X pontual é posicionada 66 cm acima do detector, produzindo um feixe 
retangular que incide sobre toda sua área. A grade anti-espalhamento não foi simulada. Para as simulações de 
Kar (figura 3b), a mama é substituída por um cilindro de ar de raio 2 cm e 2 mm de espessura, representando 
uma câmara de ionização. A câmara é posicionada com seu centro a 4 cm da superfície do tórax. Além disso, 
placa de compressão é posicionada em uma altura de 45 cm acima da placa de suporte, reduzindo a influência 
da radiação espalhada que atinge o cilindro. Por fim, o detector, a placa de suporte e o bloco de água são 
também removidos da geometria [3]. 
 
Figura 3: Diagrama esquemático das geometrias de simulação empregadas na aquisição de dados de DGM (5a) e DgN (5b). 
As combinações de ânodos e filtros e potencias do tubo sumarizadas na tabela 1 foram empregadas, 
visando representar espectros típicos empregados na prática clínica. 
 
Tabela 1: Espectrosde raios X empregados nas simulações para cada espessura da mama. Os espectros foram gerados a partir dos 
códigos MASMICSM-T e TASMICSM-T[14] 
Espessura da mama Ânodo/Filtro Potencial do tubo [kV] 
2 cm 
Mo/Mo 24 
W/Rh 25 
5 cm 
Mo/Mo 28 
W/Rh 28 
8 cm 
Mo/Mo 30 
W/Ag 32 
 
 Dosimetria 
 Após a execução das simulações, são fornecidas as energias depositadas nos voxels glandulares do 
modelo da mama e na câmara de ionização. A partir destes resultados, é possível obter as grandezas 
dosimétricas de interesse. 
b) a) 
 
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 A DGM (equação 1)[15] é dada pela soma das energias depositadas em todos os voxels de tecido 
glandular, por cada história, dividida pela massa glandular total e pelo número total de histórias (fótons de 
raios X) 
 
𝐷𝐺𝑀 = 
∑ 𝐸𝑖,𝑔𝑙𝑎𝑛𝑑
𝑁
𝑖 = 1
𝑁 × 𝑀𝑔
 [
𝑚𝐺𝑦
ℎ𝑖𝑠𝑡.
] 1 
Já o Kar pode ser calculado de forma similar ao caso de anterior, em especial, uma vez que é 
considerada a absorção local de elétrons secundários, sendo dado pela soma das energias depositadas no 
volume do cilindro por cada história, normalizado pela quantidade total das mesmas e pela massa de ar 
(equação 2)[15]. 
 
𝐾𝑎𝑟 = 
∑ 𝐸𝑖,𝑎𝑟
𝑁
𝑖 = 1
𝑁 × 𝑀𝑎𝑟
 [
𝑚𝐺𝑦
ℎ𝑖𝑠𝑡.
] 2 
Dadas as duas grandezas acima, os coeficientes de DgN são determinados por sua razão (equação 3). 
 
𝐷𝑔𝑁 = 
𝐷𝐺𝑀
𝐾𝑎𝑟
 [
𝑚𝐺𝑦
𝑚𝐺𝑦
] 3 
 Todas a simulações tiveram como critério de parada a aquisição de uma incerteza de 1% na energia 
depositada no material de interesse (tecido glandular e cilindro de ar) ou a simulação de 108 histórias. 
RESULTADOS E DISCUSSÃO: 
 A figura 4 representa comparativamente os resultados dosimétricos de (a) DGM e (b) DgN para o 
modelo heterogêneo “realista” como função dos resultados adquiridos com o modelo homogêneo. Os valores 
de dose apresentados foram calculados sob as mesmas condições de glandularidade e espessura da mama, 
espectro de raios X e espessura de pele, sendo que a diferença entre os modelos reside exclusivamente na 
distribuição de tecido glandular. A figura 4c mostra as diferenças relativas médias dos valores de DGM em 
função da espessura da mama para todas as glandularidades e diferentes espectros de raios X. 
Nota-se que, para todos os casos avaliados, os valores de DGM obtidos a partir do modelo realista se 
mostraram expressivamente menores que seus análogos com o modelo homogêneo. A DGM é decrescente 
com a glandularidade para cada modelo e espectro, de tal forma que o maior valor de DGM é associado à 
glandularidade de 5% e decresce com o aumento da glandularidade. O comportamento apresentado decorre 
fundamentalmente da distribuição de tecido glandular. Uma vez que o modelo realista tem uma distribuição 
de tecido glandular concentrada em regiões centrais do modelo, o tecido adiposo superior atua como uma 
Figura 4: Comparação de DGM (a) e DgN (b) adquiridas após a simulação do exame mamográficos. Nota-se que para todos os 
casos existe uma superestimativa das grandezas por parte dos modelos homogêneos. As barras de incerteza são omitidas, uma vez 
que são menores que os próprios marcadores. (c) Diferenças relativas médias de DGM. Para cada par de barras, o espectro à direita 
apresenta maior penetrabilidade 
 
 
 
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blindagem, efetivamente reduzindo a deposição de dose na porção glandular. A figura 4c evidencia uma 
correlação entre a penetrabilidade do espectro e uma diminuição da diferença percentual de dose, reforçando 
a hipótese da atuação do tecido adiposo como blindagem. 
CONCLUSÕES: 
 Ao final deste trabalho foi possível verificar o impacto dosimétrico do emprego de distribuições 
realistas de tecido glandular em modelos virtuais da mama a partir da comparação valores de DGM e DgN 
para dois modelos distintos, um com distribuição homogênea de tecido glandular e outro realisticamente 
distribuído conforme os resultados de Fedon et al[8]. Foram determinadas diferenças relativas de dose glandular 
média entre 12% e 62% (36%, em média), conforme são variados a espessura dos modelos e a penetrabilidade 
dos espectros de raios X. As diferenças foram maiores para mamas mais espessas e baixas glandularidades, 
aumentando com a diminuição da energia do feixe. Por fim, entende-se que os resultados encontrados decorrem 
de um efeito de blindagem do tecido glandular mama por parte do tecido adiposo, o que não ocorre em modelos 
homogêneos pelo caráter difuso da distribuição tecidual. 
Após a comparação dos modelos de mama no contexto do exame de mamografia, observaram-se 
resultados coerentes com os previamente publicados na literatura[16], que indicam a existência de uma 
superestimativa da DGM quando são utilizados modelos heterogêneos. 
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