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Experimentações didáticas em educação científica e matemática para Claudia Lage Rebello da Motta Cristiano Alberto Muniz Gilberto Lacerda Santos Iara Regina Nocentini André Loyola João Victor Pereira Jorge Cássio Costa Nóbriga Maria Fernanda Farah Cavaton Monique Aparecida Voltarelli (organizadora) Regina da Silva Pina Neves (organizadora) Crianças Monique Aparecida Voltarelli é professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa Sociologia da Infância e Educação Infantil (GEPSI) na Universidade de São Paulo. É formada em Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia, tem mestrado em Educação pela Universidade Federal de São Carlos e doutorado pela Universidade de São Paulo. Realizou doutorado sanduíche sobre o campo dos Estudos Sociais da Infância na Espanha, na Universidad Complutense de Madrid e foi pesquisadora visitante na Faculdade de Ciências Sociais, na Universidade de Stirling- Escócia. Atuou como professora de Educação Infantil nas Redes Municipais de Uberlândia e São Carlos no período de 2008 a 2018, quando também trabalhou com formação de professores no curso de Pedagogia UAB – UFSCar. Atualmente é afiliada ao CI 17 - Sociología de la Infancia da Federación Española de Sociología. Experimentações didáticas em educação científica e matemática para Claudia Lage Rebello da Motta Cristiano Alberto Muniz Gilberto Lacerda Santos Iara Regina Nocentini André Loyola João Victor Pereira Jorge Cássio Costa Nóbriga Maria Fernanda Farah Cavaton Monique Aparecida Voltarelli (organizadora) Regina da Silva Pina Neves (organizadora) Crianças Projeto Gráfico Maylena Clécia Editoração eletrônica Didier Max Ilustrações Maylena Clécia Revisão Débora Diersmann Silva Pereira Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, São Paulo, Brasil) Todos os direitos desta edição reservados à VIVA Editora www.VIVAEDIToRA.CoM.BR Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de Acordo com ISBD EXPERIMENTAÇÕES didáticas em educação científica e matemática para crianças pequenas / Monique Aparecida Voltarelli, Regina da Silva Pina Neves (organizadoras) -- Brasília: Viva Editora, 2019. 191 p., il.: color. ISBN 978-85-63520-19-7 1. Educação 2. Educação Básica 3. Processo de Aprendizagem 4. Pedagogia 5. Matemática 6. Ensino Infantil 7. Didática I. Monique Aparecida Voltarelli (Org.) II. Regina da Silva Pina Neves (org.) III. Claudia Lage Rebello da Motta IV. Cristiano Alberto Muniz. V. Gilberto Lacerda Santos VI. Iara Regina Nocentini André Loyola VII. João Victor Pereira VIII. Jorge Cássio Costa Nóbriga IX. Maria Fernanda Farah Cavaton Copyright © 2019 by VIVA Editora Brasília, 2019 Experimentações didáticas em educação científica e matemática para Claudia Lage Rebello da Motta Cristiano Alberto Muniz Gilberto Lacerda Santos Iara Regina Nocentini André Loyola João Victor Pereira Jorge Cássio Costa Nóbriga Maria Fernanda Farah Cavaton Monique Aparecida Voltarelli (organizadora) Regina da Silva Pina Neves (organizadora) Crianças Caro leitor, o título deste livro Experimentações didáticas em educação científica e matemática para crianças expressa, de início, a intenção das organiza- doras em pôr em questão um conjunto de elementos que configuram o interesse pela educação científica e matemática da escola de hoje. Entretanto, a palavra-chave desse título é crianças, assim mesmo, no plural. Pois, não se pode falar de uma criança no singular, genérica, para a qual intencionalidades ditadas por diretrizes curriculares para a educação infantil ou para os anos iniciais do ensino fundamental se impõem com força de prescrição e enquadramento, independente- mente de suas histórias e contextos socioculturais. Podemos sim falar de crianças singulares, que fazem a multiplicidade da infância, mul- tiplicidade essa carregada de diferenças, de experiências de vida, de fantasia, de pensamento, linguagens, criatividade, vontade de brincar, enfim, falamos de crianças sendo crianças no seu direito à infância. Na escola, esse modo de ser da infância estimula, desafia e ressignifi- ca intencionalidades docentes. Quando as crianças são pequenas ou mesmo quando já não são tão pequenas e frequentam os anos iniciais da escolarização, a relação cuidadosa entre o que, na escola, se esta- belece como direitos de aprendizagem dessas crianças e o seu próprio direito à infância é o motor da ação pedagógica na escola. o direito ao conhecimento não se separa do direito de ser criança, nem a este se sobrepõe. Há décadas a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças têm sido objeto de interesse e preocupação dos educadores, dos pais e da sociedade em geral, em nome de uma educação para todos e da Prefácio formação de cidadãos. Com a promulgação da Lei n. 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) efetiva-se, de lá para cá, um processo de institucionalização da obrigatoriedade do ensino dos 4 aos 17 anos e de alteração da duração de nove anos1 para o Ensino Fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos seis anos de idade e não mais a partir dos sete anos. Com essa mudança, passou a coexistir no mesmo espaço físico e temporal as lógicas da educação infantil e do ensino fundamental (SANTOS, 2014). A implementação dessa mudança na escola requer, portanto, uma gestão pedagógica atenta, para que se evite a antecipa- ção do currículo da escola de oito na escola de nove anos, agravando e perpetuando dificuldades com o ensino e aprendizagem, especialmente, em matemática, herdadas da escola de oito anos. Faz parte desse processo de institucionalização da educação para as crianças a produção de diretrizes, de referenciais, parâmetros e bases curriculares que, por um lado, fomenta o debate de ideias, fruto de es- tudos e pesquisas que tomam o currículo e a infância como objetos. Por outro lado, essa produção é utilizada como subsídio às práticas escolares que tomam as crianças como sujeitos. Dessa dupla dimensão, conside- ra-se que há avanço no campo das ideias pedagógicas relativas à edu- cação das crianças e, ao mesmo tempo, não há, necessariamente, re- novação de práticas escolares consagradas com alcance bem limitado. Este livro reúne textos de um grupo de docentes pesquisadores/as com- pondo um painel temático relativo ao ensino e aprendizagem de no- ções de Ciências e Matemática voltado para crianças e que dão sentido à expressão Experimentações didáticas, utilizada no título desta obra, para se referirem a possibilidades interessantes, originais, entre muitas outras, de trabalho com noções em dois domínios de conhecimento e relevância reconhecida pelos autores/as e recorrentemente abordados nos documentos curriculares oficiais. 1 Lei Federal n. 11.274/2006. Tomando os/as professores/as das crianças como gestores/as impres- cindíveis da sala de aula, os textos discorrem sobre um amplo espectro de questões que se referem explícita ou tacitamente a: uma pedagogia da infância; escola de nove anos; direitos de aprendizagem; impor- tância de se trabalhar com essas noções nos anos iniciais da escola; metodologias de ensino; tomadas de decisões para o andamento do trabalho em sala de aulas, em laboratórios, mediados ou não por tec- nologias de informação e comunicação, enfim, sobre a pertinência de orientações curriculares para crianças da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental. Recomendo fortemente a leitura, discussão e análise reflexiva dos textos que compõem esta obra. Pode-se considerar que os diferentes auto- res trazem elementos importantes da produção recente nas áreas de Educação Matemática e Educação em Ciências, com possibilidades de inspirar práticas escolares que considerem as crianças como sujeitos que interagem entre si e com o mundo, dotados/as de experiências, de ideias, curiosidades e interesses.Que você tenha, como eu tive, uma ótima leitura! Vinício de Macedo Santos Faculdade de Educação da USP Referência SANToS, V. de M. Ensino de Matemática na escola de nove anos: dúvidas, dívidas e desafios. São Paulo: Cengage Learning, 2014. Sumário Capítulo 1.....................................................................12 As crianças pequenas e os processos de aprendizagens: contri- buições da pegagogia da infância Monique Aparecida Voltarelli Capítulo 2.......................................................................42 Toda criança aprende as matemáticas: cada criança é um ser matemático Cristiano Alberto Muniz Capítulo 3........................................................................94 Educação Científica, Tecnológica e Matemática: um estudo junto a estudantes do Programa Infantojuvenil da Universidade de Brasília Regina da Silva Pina Neves Capítulo 4...................................................................118 Alguns exemplos de atividades matemáticas na plataforma GeoGebra para estudantes dos anos iniciais Jorge Cássio Costa Nóbriga João Victor Pereira Capítulo 5......................................................................142 A aprendizagem de conceitos científicos por crianças pequenas mediada por um software lúdico-educativo Maria Fernanda Farah Cavaton Gilberto Lacerda Santos Capítulo 6......................................................................170 observar, comparar e pensar fora da caixinha: o despertar do pensamento científico Claudia Lage Rebello da Motta Iara Regina Nocentini André Loyola 13 Assim como o poeta, o pedagogo e educador italiano Loris Malaguzzi nos relembra a importância de seguirmos as crianças e não os planos e manuais, pois as crianças, nas suas diferenças e diversidades, são completas e capazes de sentir, pensar, emocionar-se, imaginar, pesqui- sar, inventar, criar, etc., elas são agentes sociais e produtoras de cultura. As crianças pequenas solicitam aos educadores uma pedagogia sus- tentada nas relações, nas interações e em práticas educativas intencio- nalmente voltadas para suas experiências cotidianas e seus processos de aprendizagem no espaço coletivo, diferentemente de uma inten- cionalidade pedagógica voltada para resultados individualizados nas diferentes áreas do conhecimento (FARIA, 2005). Conforme pontuam Quinteiro e Carvalho (2007), é necessário co- nhecer a criança que está no aluno com base na análise de suas As crianças pequenas e os processos de aprendizagens: contribuições da pedagogia da infância Monique Aparecida Voltarelli Faculdade de Educação, Departamento de Métodos e Técnicas - Universidade de Brasília - UnB Capítulo 1 “Só deveria haver escolas para meninos-poetas, onde cada um estudas- se com todo o gosto e vontade o que traz na cabeça e não o que está escrito nos manuais.” moniquevoltarelli@yahoo.com.br Mário Quintana – Baú de Espantos 14 representações sociais, buscando ouvi-la a respeito de como pensa o mundo e a escola. A concepção de escolarização como algo sério, formal e disciplinador não deixa espaço para o livre, o inesperado e o transformador. Antes de pensar no brincar como eixo para o trabalho com as crianças, faz-se necessário repensar o sentido das práticas pedagógicas presentes nas instituições escolares, bem como intro- duzir os direitos da criança de participar, brincar e aprender como conteúdos formativos que devem ser ensinados também na escola (QUINTEIRo; CARMINATI, 2012). os estudos sobre a infância vêm valorizando a singularidade das crian- ças e seus modos próprios de ser e pôr-se no mundo, o que as difere dos adultos. Kramer (2006) destaca que as crianças, em suas formas próprias de expressão, socialização, com suas especificidades e diver- sidades, é requisito fundamental para a concepção de criança como produtora e reprodutora de culturas. Já Faria (1999, p. 196) sublinha que os desafios da educação em geral e da criança pequena, em par- ticular, estão em como garantir que a criança seja criança, “construa conhecimentos e a cultura infantil, e aprenda outros conhecimentos, de outras culturas, preparando-se para continuar criando (sem esconder seu lado criança) como aluno, como adulto, em um mundo de diversi- dade, antagonismos e contradições.” Assim, a dimensão que os conhecimentos assumem na educação dos pequenos coloca-se numa relação extremamente vinculada aos pro- cessos gerais de constituição da criança: a expressão, o afeto, a socia- lização, o brincar, a linguagem, o movimento, a fantasia, o imaginário, a ludicidade. Nesse sentido, pensar nos processos de construção do conhecimento das crianças remete a compreendê-las como seres hu- manos concretos e reais, que pertencem a diversos contextos sociais, culturais, geográficos que são constitutivos de suas infâncias. Esse en- tendimento tem exigido dos profissionais da educação que conheçam 15 CAPÍTULO 1 as crianças, e as formas como se relacionam com o mundo, conside- rando suas diversas linguagens1 e formas de expressão. As crianças são sujeitos sociais e históricos marcados pelas condi- ções e contradições das sociedades em que estão inseridas. Elas não se resumem ao que se tornarão (quando forem adultas), pois já são sujeitos de direitos, cidadãs, atores sociais, que devem ser respeitadas em suas particularidades e especificidades. A imaginação, a fantasia, a criação, o lúdico, a brincadeira são formas de experimentar a cultura, nesse sentido, as crianças produzem cultura e nela são produzidas, sendo que esse modo de compreendê-las busca valorizar seus pontos de vista. Sendo assim, para favorecer as brinca- deiras, as criações e produções culturais das crianças, as instituições es- colares precisam oferecer condições que garantam o tempo e o espaço para vivenciar experiências que enriqueçam e ampliem o repertório cultural dos pequenos. Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) (BRASIL, 2013), a criança deve ser o centro do planejamento curricular, tendo na interação e nas brincadeiras elementos principais para seu desenvolvimento e aprendizagem, de forma a considerar as relações e práticas cotidianas a ela disponibilizadas e por ela estabe- lecidas com adultos e crianças de diferentes idades nos grupos e con- textos culturais nos quais se insere. Nessas condições ela faz amizades, brinca com água ou terra, faz-de-conta, deseja, aprende, observa, conversa, experimenta, questiona, constrói sentidos sobre o mundo e suas identidades pessoal e coletiva, produzindo cultura. o conheci- mento científico hoje disponível autoriza a visão de que desde o nas- cimento a criança busca atribuir significado a sua experiência e nesse 1 Linguagem é compreendida em um sentido amplo para “compartilhar sentidos e comunicar significados, ou seja, de leitura, de interpretação, de expressão e de produção de significados simbólicos e não no sentido res- trito de linguagem verbal, oral ou escrita.” (BARBOSA, 2009, p. 85). 16 processo volta-se para conhecer o mundo material e social, amplian- do gradativamente o campo de sua curiosidade e inquietações, me- diada pelas orientações, materiais, espaços e tempos que organizam as situações de aprendizagem e pelas explicações e significados a que ela tem acesso. (BRASIL, 2013, p. 86). As crianças pertencem a uma classe social e são partes de grupos, de comunidades, sendo que suas brincadeiras expressam esse per- tencimento. o reconhecimento da diversidade cultural, das desigual- dades econômicas, dos costumes implica práticas educacionais que garantam o direito das crianças à brincadeira, ao conhecimento, ao cuidado, ao afeto e a interações saudáveis (ROCHA, 2007). Importante dizer que é na singularidade e não na padronização de comportamentos e ações que as crianças, em suas interações com o mundo sociocultural e natural, vão elaborando e construindo os seus conhecimentos (CORSINO, 2007). Esse pressuposto destaca a impor- tânciada observação e do olhar atento para as crianças nos pro- cessos de significação e interação, o que permitirá conhecer os seus interesses, os saberes que estão sendo apropriados por elas, assim como os elementos culturais do grupo social em que estão imersas. A partir daí sugere-se o desenvolvimento de atividades pedagógicas que tenham as crianças como foco, não apenas na educação infantil, mas também em todas as demais etapas da educação básica. Rosemberg (1976) questionava o adultocentrismo como invisibilizador das crianças, colocando-as como receptoras do ensinamento adulto. Superar o adultocentrismo, oferecer oportunidades de participação e colaborar para a valorização das culturas infantis se tornam outros desafios para não institucionalizar, escolarizar e padronizar o ensino para as crianças. o que os pequenos necessitam é justamente de um trabalho que rompa com essas práticas institucionais tradicionais, que 17 CAPÍTULO 1 olhe e promova a escuta sensível para compreender que a linguagem está além do que é dito e ensinado, que os corpos e o movimento produzem significados de acordo com as experiências relacionadas ao universo sociocultural e que não devem ser silenciadas nas escolas (ABRAMowICZ; MoRUZZI, 2010). Conhecer as crianças implica tempo, observação, sensibilidade, as- sim como o desenvolvimento de práticas que articulem o que elas já sabem com as diferentes áreas do conhecimento. Além disso, de- manda dos profissionais da educação a elaboração de propostas pe- dagógicas flexíveis, abertas ao novo e ao imprevisível, pois ouvir as crianças demanda considerar suas falas, seus pontos de vistas, inte- resses, percepções, curiosidades e produções para promover, confor- me pontua Benjamin (1986), saltos de conhecimentos e saberes, não apenas sobre os elementos da proposta curricular, mas também do mundo social, físico e natural. Para isso, o exercício e a prática da escuta das crianças possibilita per- seguir a compreensão de seus modos de sentir, pensar, fazer, pergun- tar, desejar, planejar, sendo também uma maneira de se aproximar de suas perspectivas, das situações conflitantes, das cooperações, das interferências e das alegrias provocadas quando um grupo de crian- ças se encontra (oSTETTo, 2000, 2008). A observação e o registro dos processos de aprendizagem das crianças significam notar o sen- tido das suas ações, tendo em vista planejar o cotidiano não somente para elas, mas que seja elaborado com elas (WARSCHAUER, 1993). Assim, a organização do trabalho pedagógico da escola, enquanto tarefa dos professores, coordenadores, supervisores, diretores, dentre outros, deve pautar-se pelas especificidades, potencialidades, sabe- res, limites para a cidadania, autonomia para aprender e vivenciar diversas experiências que contribuam para a formação das crianças 18 (oLIVEIRA, 1999). A forma como cada escola percebe e concebe as potencialidades e necessidades das crianças reflete diretamente na or- ganização do trabalho escolar. As autoras Corsino (2007) e Nery (2007) propõem que as linguagens verbais, artísticas, científicas, sejam articuladoras das práticas multidis- ciplinares, por meio da expressão corporal, gráfica e plástica, oral, e registros escritos, tendo como grande potencializador e articulador de linguagens o trabalho com projetos. Nessa perspectiva, Kramer, Nunes e Carvalho (2011) propõem a organização do trabalho docente em três dimensões, que constituem a cultura humana, e que são denomi- nadas por Bakhtin (2003) de conhecimento, arte e agir estético; por Vygotsky (2009) de conhecimentos científicos, artísticos e espontâneos ou vivenciais; e por Benjamin (1986), de dimensões epistemológicas, estéticas e ética do conhecimento. Garantir a formação dos professores e gestores que atuam com as crianças na educação infantil e no ensino fundamental, considerando essas dimensões, coloca-se como grande desafio, segundo a autora. Mediar essas relações é uma tarefa desafiadora para as instituições escolares, assim como a escolha dos conteúdos, temas, propostas metodológicas que se aproximem das crianças, pois conforme res- salta Corsino (2007, p. 59), entender como as crianças aprendem implica “entendermos que o conhecimento é uma construção cole- tiva e é na troca dos sentidos construídos, no diálogo e na valoriza- ção das diferentes vozes que circulam nos espaços de interação que a aprendizagem vai se dando.” Além disso, demanda considerar o brincar como componente desse processo (FARIA, 2005), compreen- dido como um modo de ser, estar e aprender o mundo, levando em conta a função humanizadora da cultura e sua contribuição para a formação das crianças. 19 CAPÍTULO 1 A Pedagogia da Infância “Os gregos diziam que a maravilha é o início do saber e quando para- mos de maravilhar-nos, corremos o risco de parar de saber.” Ernst H. Gombrich De acordo com Nascimento (2016), uma nova concepção de infância se forma a partir de três movimentos durante a segunda metade do sé- culo XX, os quais contribuíram para a compreensão das crianças como sujeitos de direitos e atores sociais. o primeiro movimento refere-se à legislação internacional e nacional (Constituição Federal de 1988; Convenção dos Direitos das Crianças, 1989; Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996), que institui os direitos das crianças e as reconhece como sujeitos; o segundo relaciona-se à repercussão da pedagogia das relações praticadas e difundidas pelas instituições de educação infantil do norte da Itália (MALAGUZZI, 1999; RINALDI, 1999, 2007); e o terceiro envolve a constituição do campo científico da Sociologia da Infância em países da Europa e dos Estados Unidos (CORSARO, 1979; JENKS, 1982; QVORTRUP, 1987). Pautada na Convenção dos Direitos das Crianças (1989), a pedagogia da infância considera a criança como um sujeito de direitos – a provisão, a proteção e a participação social –, e reconhece que a criança tem direi- to: de ser consultada e ouvida; de ter acesso à informação, à liberdade de expressão e de opinião; de tomar decisões em seu benefício; e de seu ponto de vista ser considerado. Assim, colocou-se como essencial para as instituições educativas garantir os direitos das crianças, considerando -as agentes de suas aprendizagens, além de considerar a sua participa- ção nas decisões relativas ao processo educativo, retirando-as do lugar de espera de participação (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007). 20 Em texto precursor por uma pedagogia da infância, Eloisa Rocha, em 2001, esclarece que enquanto a escola tem como sujeito o aluno e como o objeto fundamental o ensino nas diferentes áreas, por inter- médio da aula; a creche e a pré-escola têm como objeto as relações educativas travadas num espaço de convívio coletivo que tem como sujeito a criança de 0 a 5 anos de idade. A partir dessa consideração, estabelece-se um marco diferenciador das instituições educativas, ten- do em vista a função que lhes é atribuída no contexto social, sem definir uma diferenciação hierárquica ou qualitativa entre as etapas de ensino. Nessa direção, Cerisara (2004) aponta que o uso do termo educar no contexto da educação infantil é mais apropriado do que o termo ensinar, por ter um caráter mais amplo que o segundo, porque, em geral, refere-se mais diretamente ao processo ensino-aprendizagem no contexto escolar. As contribuições do pedagogo italiano Danilo Russo (2007, 2008, 2009) apontam para o entendimento de que professor na educação infantil não ensina, nem dá aulas, mas, com intencionalidade edu- cativa planeja, organiza e coloca à disposição das crianças tempos, espaços e materiais para que favoreçam provocações à imaginação e desafios ao raciocínio, dando asas à curiosidade, proporcionando espanto, descoberta, maravilhamento e todas as formas de expressão nas mais diferentes intensidades (MALAGUZZI, 1999). A pedagogia da infância compreende, portanto, a apropriação culturale os processos de aprendizagem como fruto da relação social (BAR- BOSA, 2010), compartilhada de significados coletivos, que propõem ações pedagógicas pautadas nas interações, brincadeiras, ludicidade, linguagens, de forma que estejam vinculadas aos conhecimentos das artes, da cultura, da ciência e da tecnologia, conforme previsto nas DCNEI em 2009. 21 CAPÍTULO 1 A ação pedagógica com os pequenos A ação pedagógica refere-se a um ato educativo intencional, resul- tado do pensamento, do planejamento, das problematizações, dos debates e das avaliações, explicitando as escolhas pedagógicas da instituição e de seus profissionais, configurando uma pedagogia (BARBOSA, 2006). A pedagogia também é definida na consideração dos modos de edu- car articulados entre saberes, fazeres, pensares, sentires, os quais in- dicam o caminho a ser traçado com as crianças (RoSSETTI-FERREIRA et al., 2009). Entretanto, Barbosa (2009) nos lembra de dois aspectos fundamentais, que nem sempre estão explícitos nas proposições edu- cativas: primeiramente, o fato de que nem todas as ações, por mais intencionais que sejam, podem, efetivamente, garantir a aprendiza- gem simultânea em todas as crianças e, em segundo lugar, a clara evidência de que nem todas as aprendizagens acontecem somente porque houve uma intencionalidade pedagógica. Para realizar um trabalho direcionado aos pequenos, as autoras Bon- dioli e Mantovani (1998) sugerem a didática do fazer, a qual envolve bases de experiências bem-sucedidas, de forma a garantir apren- dizados significativos e contextualizados. Segundo as autoras, três elementos importantes precisam ser considerados: a ludicidade, a continuidade e a significatividade das experiências, os quais podem incentivar nas crianças a exploração e a transformação do ambiente. o primeiro elemento é a ludicidade, justamente pelo fato de valorizar a singularidade da infância, a fim de favorecer a liberdade para os processos de descobertas dos pequenos, instigando a ato criativo, o prazer em aprender e a combinação entre fantasia e realidade por meio de jogos e brincadeiras. 22 o brincar para as crianças é uma das formas para compreender o mundo ao seu redor, constituindo-se como uma atividade humana criadora, na qual “imaginação, fantasia e realidade interagem na produção de novas possibilidades de interpretação, de expressão e de ação pelas crianças, assim como de novas formas de construir relações sociais com outros sujeitos, crianças e adultos.” (BORBA, 2007, p. 35). Corsaro (2011) pontua que as crianças não apenas reproduzem e re- presentam o mundo por meio das brincadeiras, mas também o rein- terpretam de forma ativa e criativa, inovando e produzindo novos sig- nificados, saberes e práticas. Assim, o brincar propicia o diálogo com referenciais socioculturais das crianças para construção e partilha de significados entre os pares e também com os adultos. Nesse sentido, cabe mencionar que o brincar é um espaço de apropriação e constituição pelas crianças de conhe- cimentos e habilidades no âmbito da linguagem, da cognição, dos valores e da sociabilidade. E que esses conhecimentos se tecem nas narrativas do dia-a-dia, constituindo os sujeitos e a base para muitas aprendizagens e situações em que são necessários o distanciamento da realidade cotidiana, o pensar sobre o mundo e o interpretá-lo de novas formas, bem como o desenvolvimento conjunto de ações coor- denadas em torno de um fio condutor comum. (BORBA, 2007, p. 39). Na didática do fazer, a ludicidade, a brincadeira e a fantasia co- locam-se como essenciais para os processos de desenvolvimento e aprendizagem, contribuindo para articulações, rupturas, construções de saberes e potencializando novas possibilidades de apropriação de conhecimentos. o segundo elemento dessa didática refere-se à continuidade de experi- ências, a qual envolve atividades integradas, partindo do que a criança já sabe fazer, produzindo por meio de intervenções educacionais potenciais 23 CAPÍTULO 1 de desenvolvimento. Convidar as crianças a explorarem o mundo, to- cando, manipulando, de forma a abranger os diversos sentidos, são pressupostos para a didática do fazer, articulando saberes adquiridos com novos conhecimentos, construindo sentidos e aprofundando as explorações e atividades com as crianças. As autoras pontuam que a criança pequena tem, portanto, uma forte exigência de continui- dade. A essa necessidade pode-se responder pelo menos de duas maneiras: estabelecendo hábitos, isto é, momentos reconhecíveis pela sua identidade e repetitividade, ou ainda favorecendo um con- tinuum experimental, ou seja, prestando atenção às possibilidades intrínsecas a cada experiência, de demonstrar-se passível de amplia- ção, generalização, enriquecimento e aprofundamento. (BoNDIoLI; MANTOVANI, 1998, p. 32). Assim, por meio de atividades lúdicas, contínuas e integradas, temos a composição do terceiro elemento, que é a significatividade. Ao fa- vorecer a integração de saberes, das experiências, implica observar e contribuir para a construção de significados que as crianças elaboram em cada situação, a fim de que os saberes se consolidem e se reforcem com a mediação docente. A ludicidade e a continuidade das experiências das crianças propiciam um espaço para a produção de significados “pessoais, seja pelo prazer do já vivido característico na atividade lúdica, seja por germinar algo que está embrionário na criança na continuidade de suas experiências. A produção de significado é vista como experiência do sujeito e não como transmissão.” (FOCHI, 2015, p. 227). Outra perspectiva é apontada por Nigris (2014), quando se refere à didática das maravilhas, na qual os professores dedicam esforços para romper com a didática transmissiva tradicional e entender a partir da 24 observação das crianças: i) as direções que elas decidem focar suas energias; ii) os seus desejos e curiosidades para o conhecimento; iii) o fascínio e os olhares que as surpreendem com os acontecimentos diários, os quais não se limitam ao ambiente escolar. Segundo a autora, a todo o momento e em todo lugar evidenciam-se opor- tunidades de experiências de aprendizagem e toda criança pode ser considerada “uma cientista na descoberta das leis da natureza.” (NIGRIS, 2014, p. 139). Inspirada nas obras de Dewey, Nigris (2014) pontua que a didática com as crianças pequenas se dirige no sentido de alimentar a admi- ração pelo novo, que desperte nas crianças o desejo de conhecer, de compreender a relação de estar no mundo, explorando as diversas experiências, de forma intencional e planejada, para despertar o senso de maravilha nas crianças. Considerar a arte e as ciências, a imaginação e o pensamento, a ob- servação e a reflexão com as crianças pequenas, de forma que elas participem, investiguem, questionem, e construam saberes demanda por ações educativas que potencializem a atividade criadora das crian- ças e a experimentação. Nesse sentido, De Vecchi e Carmona Magnaldi (1999, p. 32) assina- lam que as “crianças não descobrem nada se tudo estiver limpo, e elas também não descobrem nada se tudo estiver em ordem, tudo pré-es- truturado”, pois as crianças aprendem a partir de seus erros, levantan- do hipóteses e elaborando caminhos diferentes para alcançar as res- postas desejadas. Para isso, as autoras propõem que adultos e crianças sejam parceiros na construção do saber, que estejam envolvidos em um processo comum para construir significações e entendimentos de mundo por meio da atividade de pesquisa e experiências concretas de produção individual e coletiva nas instituições escolares. 25 CAPÍTULO 1 As crianças são verdadeiras pesquisadoras, afirma Rinaldi (2016), ao pontuar que elas não apenas perguntam “por que”, mas são capazes de buscar soluções e respostas satisfatórias aos seus questionamentos, de criar suas próprias teorias e percepções sobre as coisas e a vida, sendo que “nessa capacidade infantil de desenvolverteorias, podemos observar a liberdade de coletar elementos de ideias e montá-los de maneira original. Nesta busca por respostas na infância, vemos as raí- zes de uma atitude filosófica.” (RINALDI, 2016, p. 241). A autora destaca ainda a importância de se considerar a participa- ção das crianças em todo o processo investigativo, pois enquanto agentes sociais capazes de significar suas experiências, de expres- sarem e comunicarem, por meio de diversas linguagens, suas ideias e observações acerca do mundo, as crianças produzem teorias e compartilham os significados elaborados e construídos em suas pes- quisas. o que exprime, portanto, que a ação docente deve se voltar ao estímulo da postura científica nas crianças, ao invés de lhes dar respostas prontas e superficiais. Nessa perspectiva, também cabe mencionar a proposta dos campos de experiência educativa, inspirada na pedagogia italiana (FINCo; BARBOSA; FARIA, 2015), que tem possibilitado uma programação pedagógica que valorize a cultura construída pela criança nas suas diferenças, ouvindo-a, compreendendo-a, no intuito de garantir-lhe o direito de ser criança. A organização do trabalho pedagógico centra- do nas experiências, além de valorizar as vivências e os saberes das crianças, permite que a escola da infância possa ter flexibilidade e autonomia para construir um projeto próprio, criativo, a respeito das indicações do currículo. o trabalho com os campos de experiência consiste, portanto, no fazer e no agir das crianças de forma a compreender a construção curricular 26 relacionada ao contexto educativo, estimulando a criança a dar signifi- cado, reorganizar e representar a própria experiência (FOCHI, 2015). Cabe mencionar uma fala de Larrosa (2002), quanto evidencia que a “experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca”, e pensar o contexto educacional deve-se remeter à grandeza das pos- sibilidades a serem ofertadas às crianças. Benjamin (1986) coloca que a pobreza de experiências para os seres humanos faz com que ele se contente com pouco, construa com pouco e, assim, ao ofertar experi- ências empobrecidas estamos educando para a subalternidade e não para a emancipação (FARIA, 2004; TRISTÃO, 2004). Nessa direção, as autoras Contrerás e Lara (2010) afirmam que a ex- periência é o que nos leva à necessidade de repensar, de voltar para as ideias anteriores sobre as coisas, justamente, por mostrar a insufi- ciência ou insatisfação com o modo anterior de pensar, e ao refletir a respeito das vivências experienciadas e daquilo que nos provoca, localiza-se um caminho para investigação. Essa reflexão significa, para os docentes, a busca por modos de investigar, estudar e compreender as dimensões do processo educativo, promovendo a possibilidade de construir uma pedagogia atualizada, contemporânea e em conformi- dade com as demandas e reivindicações feitas pelas crianças. A partir disso, diversos autores (MALAGUZZI, 1999; RINALDI, 2012; EDWARDS et al., 2016) têm apontado à necessidade de uma peda- gogia da escuta e de uma pedagogia relacional que estejam atentas aos pontos de vista das crianças, bem como promovam interações no contexto educativo em todos os processos de aprendizagem. Barbosa (2009) também sugere que a proposta para a organização do traba- lho docente esteja fundamentada no desenvolvimento da criança, nas relações escola e família, nas relações entre crianças, no papel do edu- cador e nas relações criança-adulto. 27 CAPÍTULO 1 A respeito das relações, acredita-se na importância das interações en- tre as crianças e seus pares, pois elas permitem o desenvolvimento de formas mais complexas de agir, de conhecer e simbolizar o mundo, de se relacionar com as pessoas e de perceber as suas próprias necessi- dades. Além disso, os relacionamentos contribuem para engajá-las na tomada de decisões, em fazer sugestões, em responder e questionar ideias e auxiliam na resolução de conflitos e discussões. De acordo com Malaguzzi (1999), os relacionamentos e as aprendiza- gens coincidem dentro de um processo ativo da educação, de modo que professores e crianças estejam conectados, cooperando uns com os outros, trocando saberes, reconhecendo fragilidades e potencialida- des nas falas das crianças, a fim de partilhar projetos comprometidos com a construção e reelaboração do conhecimento. No que se refere ao papel do educador e relações criança-adulto, o processo de construção do conhecimento ocorre à medida que o edu- cador busca favorecer o desenvolvimento da criança, incentivando sua atividade frente a problemas que fazem parte de seus interesses e ne- cessidades, promovendo situações que incentivem a curiosidade, pos- sibilitando a troca de informações entre os pequenos e permitindo o aprendizado das fontes de acesso que levam ao conhecimento. É por meio de interação com a criança que o educador vai descobrir em que momentos a sua intervenção será realmente fundamental no processo de construção do conhecimento. À medida que, na sua ação, o professor vai decidindo, executando, registrando, revendo, sistematizando, também vai sendo realizada a avaliação do seu fazer pedagógico e da aprendi- zagem e do desenvolvimento das crianças (oSTETTo, 2000). Destaca-se, também, a importância do afeto e relações de confiança entre crianças e adultos, bem como o respeito mútuo e cooperação, como elementos im- portantes para o trabalho a ser desenvolvido com os pequenos. 28 A intervenção dos professores no trabalho com os pequenos se ca- racteriza por uma participação indireta e uma atenção e observação constantes (RINALDI, 1999, 2012). É preciso, então, organizar a escola para que as crianças possam ter tempo para viver a infância. Essa intervenção se faz por intermédio da criação e da transformação das condições de tempo e espaço, da seleção de materiais, da proposição de situações que provoquem o desejo e a necessidade de aprender. o olhar atento docente, os gestos delicados, as palavras escolhidas, a oferta de ideias e materiais, garante às crianças a segurança necessá- ria para ir além do conhecido e experimentar o novo, ampliando suas vivências de aprendizagem (BARBoSA, 2009). A vida cotidiana de um grupo de crianças em determinado lugar é sem- pre mais rica do que aquilo que possa ser previamente pensado ou pla- nejado, pois a convivência cotidiana implica a existência do inesperado (BRASIL, 2009). Contudo, não podemos esquecer que é a intencionali- dade pedagógica que define o trabalho docente e ela somente é con- quistada mediante uma formação profissional sólida, um olhar sensível e atento, assim como disposição em oferecer às crianças oportunidades de conhecerem aquilo de mais instigante e importante que o mundo apre- senta à nossa sensibilidade e racionalidade, por meio de situações que as desafiem e, ao mesmo tempo, aconcheguem (FARIA, 1999). As crianças pequenas e a educação científica e matemática Nota-se que grandes avanços no âmbito jurídico-legal vêm ocorren- do, especialmente, após a Constituição de 1988, no que se refere aos direitos e ações pedagógicas com as crianças pequenas. o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996; o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, de 1998; as DCNEI, de 2009, são alguns documentos que consagram tais avanços. Destacam-se, entre estes, as 29 CAPÍTULO 1 DCNEI e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), de 2018, como importantes e atuais referenciais curriculares para a área. Segundo oliveira (2010), as novas concepções acerca do desenvolvi- mento da cognição e da linguagem modificam a maneira como as pro- postas pedagógicas para a área eram pensadas. As DCNEI (BRASIL, 2009) apontam, dentre outras contribuições, elementos para o traba- lho com as crianças, de forma a respeitar e valorizar o modo como as crianças vivenciam o mundo, como constroem conhecimentos, expres- sam-se e manifestam seus desejos de modo singular epeculiar. O documento (BRASIL, 2009, p. 86) sublinha a necessidade das pro- postas pedagógicas articularem “as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cul- tural, artístico, científico e tecnológico”, de maneira a considerar as relações sociais que as crianças estabelecem com os professores, com outras crianças e comunidade em atividades intencionalmente planeja- das e articuladas com o projeto pedagógico das instituições. Em relação ao conhecimento das ciências naturais e matemáticas, o documento demarca que as atividades com as crianças devem contribuir na elaboração de conhecimentos sobre a natureza, meio ambiente, conservação e preservação, exploração e “uso de conhe- cimentos matemáticos na apreciação das características básicas do conceito de número, medida e forma, assim como a habilidade de se orientar no tempo e no espaço” (BRASIL, 2009, p. 94), além da oportunidade de aprender a usar computadores e outros recursos tecnológicos e midiáticos. Cabe mencionar que a apropriação dos conhecimentos sobre o mundo natural demanda por uma ação pedagógica pautada na exploração, investigação, pesquisa, descobertas sobre os elementos da natureza 30 e relações matemáticas de forma que elabore uma educação científi- ca baseada na manipulação, observação, registros, comparações em situações de brincadeiras , para que as crianças possam se apropriar dos conhecimentos historicamente construídos no campo das ciências. Além de considerar práticas educativas que incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento, a indagação, que es- tejam pautadas nas relações, interações e práticas voltadas para expe- riências concretas e significativas às crianças, considerando o trabalho integrado com suas diferentes linguagens (BRASIL, 2009). Sobre esse aspecto, Barbosa (2009) destaca a importância da ludici- dade, da cultura de pares, das trocas e construção do conhecimento entre as crianças, enquanto brincam, interagem e ampliam saberes so- bre elas mesmas e sobre o mundo. Nesse aspecto, a dimensão lúdica se torna essencial para o processo de apropriação de conhecimentos matemáticos e científicos, tendo na brincadeira elementos para se lidar com situações físicas, naturais, etc. No que diz respeito à BNCC, as propostas de trabalho com as crianças estruturam-se em campos de experiências, considerando as interações e as brincadeiras (já previstas pelas DCNEI) como articuladoras dos processos de aprendizagem. o trabalho educativo com as crianças pe- quenas demanda trabalho integrado com os conhecimentos, seja por meio de projetos coletivos para estudos de aspectos do meio social, natural, cultural e tecnológico. Dentre os elementos citados pelo documento para compor os campos de experiência, encontra-se o item “espaços, tempos, quantidades, re- lações e transformações”, que aborda a importância de trabalhar os diversos fenômenos naturais e socioculturais de forma que as crianças possam investigar, explorar e levantar hipóteses, consultar fontes de informações e procurar por respostas de suas indagações. Por meio da 31 CAPÍTULO 1 pesquisa, as crianças têm a oportunidade de ampliar seus conhecimen- tos de diversas áreas. Segundo o documento, nas diversas experiências as crianças se depa- ram com os conhecimentos matemáticos “contagem, ordenação, rela- ções entre quantidades, dimensões, medidas, comparação de pesos e de comprimentos, avaliação de distâncias, reconhecimento de formas geométricas, conhecimento e reconhecimento de numerais cardinais e ordinais etc.” (BRASIL, 2018, p. 38), que instigam sua curiosidade e precisam ser considerados para que elas possam aprender a usar os conhecimentos dessa área em seu cotidiano. Destaca-se que a aprendizagem dos conhecimentos científicos e ma- temáticos pressupõe o trabalho conceitual trabalhado cotidianamente com as crianças nas mais variadas situações, para que não seja fruto de memorização e imitação, mas sim na tomada de conhecimento dos conceitos trabalhados com as crianças, no intuito de que possam signi- ficar saberes de forma processual, intencional, instigando e provocan- do, por meio de desafios e questionamentos, novas oportunidades de aprendizagens. oliveira (2012) acentua que as atividades trabalhadas com as crianças devem estar integradas em suas rotinas e voltadas para o desenvolvi- mento e aprendizagem das crianças em situações integradas ao con- junto de experiências. Considerando que as crianças são socializadas nas diversas relações sociais que estabelecem com o meio em que estão inseridas, nas experi- ências que vivenciam, no contato com os meios de comunicação social e midiático, suas aprendizagens têm se deparado com a pluralidade de vi- vências, as quais influenciam na construção de saberes, ampliando pos- sibilidades à educação matemática e científica para com os pequenos. 32 Nesse sentido, esta obra foi organizada no conjunto de seis textos em torno das experimentações didáticas em educação científica e matemá- tica com as crianças pequenas. Neste primeiro capítulo buscou-se apresentar uma breve contribuição da pedagogia da infância para as formas de aprendizagem das crian- ças pequenas. Considerando-as como atores sociais e sujeitos ativos nos processos de construção do conhecimento, aponta-se à necessida- de de pedagogias descolonizadoras que favoreçam e valorizem suas formas de se relacionar e apreender o mundo. A dimensão da aprendizagem matemática das crianças, presente no segundo texto, é de grande relevância para as discussões propos- tas na obra, compreendendo as crianças como “seres matemáticos” ativos, criativos e críticos. De autoria do professor Cristiano Alberto Muniz, o capítulo desconstrói a aquisição de saberes matemáticos enquanto dom inato e reafirma a necessidade de oportunizar expe- riências de qualidade que promovam o potencial de aprendizagem das crianças. De acordo com o autor, o ser matemático refere-se à singularidade das crianças, enquanto sujeitos histórico-sociais, ca- bendo ao educador participar e propiciar a construção dos conceitos e procedimentos dessa área que favoreçam o entendimento de co- nhecimentos matemáticos pelas crianças. Por meio da apresentação de um estudo de caso, o autor nos convida a uma compreensão mais ampla e aprofundada das constituições subjetivas da aprendizagem da matemática com um grupo de crianças em situação de risco social no interior de Goiás. o terceiro capítulo é de autoria da professora Regina Pina, sobre a educação científica, tecnológica e matemática, baseado em um traba- lho desenvolvido na Universidade de Brasília, DF, intitulado “Programa Infantojuvenil”. o programa, de caráter interdisciplinar, tem realizado 33 CAPÍTULO 1 atividades lúdicas focalizadas no potencial criativo e posicionamento crítico das crianças, a fim de construir relações mais positivas e inves- tigativas no âmbito das ciências, tecnologia e matemática por meio de Estações de Conhecimento. A autora traz alguns exemplos de ativida- des e experiências significativas que foram desenvolvidas no programa, ressaltando a importância de ações pedagógicas que incentivem as descobertas por parte das crianças. Destaca, ainda, que o trabalho com os pequenos pautado na colaboração, na partilha e na comunica- ção pode contribuir com a formação de jovens investigadores. A partir do diálogo sobre os aportes das Tecnologias Digitais de In- formação, Comunicação e Expressão no processo de aprendizagem e ensino da Matemática, o quarto capítulo, de autoria de Jorge Cássio Costa Nóbriga e João Victor Pereira, traz contribuições de atividades preparadas na plataforma GeoGebra para o trabalho com crianças de até 10 anos. o texto apresenta alguns exemplos de exercícios e ativi- dades da plataforma para as crianças nos anos iniciais do ensino fun- damental, os quais foram embasados nas competências e habilidades propostas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC).A construção do conhecimento das crianças pequenas mediado por um software lúdico-educativo, de autoria de Maria Fernanda Farah Cavaton e Gilberto Lacerda Santos compõe o quarto capítulo. os autores partem da perspectiva da educação criativa, da pedagogia dialógica e do uso das Tecnologias de Informação, Comunicação e Expressão (TICE) para discorrer a respeito da construção de concei- tos científicos com as crianças pequenas. Valorizando a singularida- de da infância e ressaltando a importância das brincadeiras para o processo de aprendizagem das crianças, o texto descreve uma rica experiência realizada no laboratório de informática da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, DF. Esta foi desenvolvida por uma professora e quatro crianças em uma relação educativa 34 no manuseio do jogo – o Dado de Contos –, o qual foi utilizado como instrumento de construção de conhecimentos e de promoção de comportamentos criativos. o sexto texto da obra é de autoria de Claudia Lage Rebello da Motta e Iara Regina Nocentini André Loyola. Trata-se do despertar do pensa- mento científico nas crianças, ressaltando o prazer e o senso de ma- ravilhamento diante das novas descobertas. Tendo como referência o grande pesquisador Charles Darwin, as autoras realçam a importân- cia de saberes e habilidades científicas a serem desenvolvidas com as crianças. Ao considerar o potencial cientista dos pequenos, o trabalho pautado na inovação, na curiosidade, pesquisas, erros e aprendiza- gens, experimentações, entre outras ações relacionadas aos processos científicos, tende a favorecer o desenvolvimento do pensamento lógico- dedutivo e o senso crítico. Além de recuperar elementos importantes da metodologia científica, o texto coloca em relevo o diálogo entre a aprendizagem, as ciências e as crianças pequenas. A explicitação de pontos de partida teóricos, juntamente com a apre- sentação de atividades e ações educativas, travadas com as crianças e descritas no decorrer da obra, fornece material para inspiração e encaminhamentos de práticas pedagógicas na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. Compreender que as crianças pensam, organizam suas reflexões, de forma sofisticada e complexa, bem como tomá-las como ponto de parti- da para o desenvolvimento do trabalho pedagógico implica considerar que elas aprendem o mundo pelos sentidos, movimento, explorações, brincadeiras, afetos, prazeres, pela poesia, artes, linguagens, música e matemática. De acordo com Kuhlmann Júnior (1999), a brincadeira para as crianças é uma forma de linguagem, assim como a linguagem também é uma maneira de brincar. 35 CAPÍTULO 1 os processos de aprendizagem das crianças pequenas envolvem, por- tanto, relacionamentos e interações, vinculados aos seus contextos so- ciais e culturais. Demandam, também, ações pedagógicas provenien- tes das curiosidades e interesses do grupo, considerando as hipóteses e as soluções encontradas pelas crianças, mediadas pela ação docente, que vai construindo com os pequenos a produção de significados e sentidos para suas descobertas. os diferentes capítulos que constituem esta publicação referem-se a contribuições para a educação científica e matemática que buscaram dialogar sobre experiências com as crianças de forma a valorizar as suas potencialidades, enquanto sujeitos ativos e competentes. Referências ABRAMowICZ, A.; MoRUZZI, A. B. O plural da infância: aportes da so- ciologia São Carlos: Ed. UFSCar, 2010. 118 p. (Coleção UAB-UFSCar). BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BARBOSA, M. C. S. Especificidades da ação pedagógica com os bebês. Anais do I Seminário Nacional: currículo em movimento – Perspectivas Atuais Belo Horizonte, novembro de 2010. ______. 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Toda criança aprende as matemáticas: cada criança é um ser matemático Cristiano Alberto Muniz Faculdade de Educação, Departamento de Métodos e Técnicas - Universidade de Brasília - UnB Capítulo 2 cristianoamuniz@gmail.com Introdução Nosso pressuposto fundamental enquanto matemático, educador, pes- quisador em Educação Matemática, formador e proponente de polí- ticas públicas é que cada criança, jovem ou adulto, dentro e fora da escola, possui em sua constituição ontológica plenas capacidades para aprender matemática, assim como plenas condições de desenvolvi- mento humano num processo tanto rico quanto complexo, no qual, as matemáticas e suas aprendizagens se constituem em importantes ferramentas culturais e psicológicas. Nessa perspectiva, vemos cada educando sob nossa responsabilidade escolar, enquanto “ser matemá- tico”, de forma ativa, criativa e crítica, produzir processos subjetivos associados à construção de significados aos conceitos e procedimentos matemáticos, por mais que culturalmente a matemática seja, sobretudo no interior da escola, considerada área de conhecimento exata e pura. Assim, se há aprendizagem matemática, esse pressuposto fundamental assume que a aprendizagem varia de um sujeito para outro, pois essas aprendizagens estão fortemente determinadas pelos complexos pro- cessos de subjetivação de cada um sobre como se aprende. 44 Assim, a categoria “ser matemático” é proposta a partir da posição epistemológica de que a aprendizagem matemática escolar não deve se constituir na assimilação mecânica de procedimentos operatórios, como prevalece hoje em nossas escolas. A epistemologia da aprendiza- gem matemática que sustenta o conceito de “ser matemático” (MUNIZ, 2001) considera o sujeito que aprende como efetivamente produtor de conhecimentos e saberes matemáticos, dentro ou fora da escola, em situação de sucesso ou de fracasso escolar (ou seja, mesmo no con- texto de fracasso, há aprendizagens). Essa perspectiva epistemológica reconhece que a aprendizagem e a construção de saberes matemáticos não são lineares, tampouco isentas de erros. os caminhos tortuosos, as aparentes involuções e os erros na busca de matematização podem dar acesso ao educador, assim como ao pesquisador, à compreensão dos complexos processos (conceitualização, construção e validação de procedimentos, desenvolvimento da linguagem e registros, argumenta- ção e prova) que determinam a aprendizagem matemática, não sendo válida, portanto, nessa perspectiva, a postura de validar uma produção de um ser matemático como certa ou errada, enquanto verdade mate- mática. Afinal, o que nos interessa são a estruturação (mesmo que esta seja sempre parcial) e a compreensão (o que requer um esforço inter- pretativo) da construção de conceitos matemáticos (conceitualização) e de procedimentos resolutivos, mesmo que incompletos, sem valor para generalização, ou ainda que matematicamente errados, mas de alto valor para a formação dos pensamentos do ser matemático em início de constituição.A categoria “ser matemático” é proposta (MUNIZ, 2001, p. 12) na perspectiva de diferentes categorias de seres cognoscentes para além do campo da Matemática: cada criança, jovem ou adulto, nos mais diferentes níveis de desenvolvimento e diversos contextos culturais, podem ser vistos como seres esportistas, seres literatos, seres musi- cais, seres artísticos, seres políticos, seres amorosos, seres científicos, 45 CAPÍTULO 2 seres esotéricos, dentre muitas outras possibilidades. A capacidade de todos para a realização de aprendizagens, de produção de modus de aprender e gerar saberes e conhecimentos, de comunicar e validar suas produções e verdades, nos mais diferentes campos do conheci- mento humano e, em especial, na matemática, é um dos fundamen- tos na proposição dessa categoria para nossos estudos e investiga- ções no campo da Educação Matemática. os processos de aprender e de produzir saberes matemáticos não são muito diferentes dos demais campos do conhecimento humano: pressupomos, em nossos trabalhos investigativos, de formação e de definição curricular, que cada criança, cada jovem ou cada adulto são capazes de aprendizagem significativa da matemática desde que, ao longo da vida, tenham oportunidades de realizar experiências de qualidade que favoreçam o desenvolvimento desse potencial para o aprender e o pleno desenvolvimento, opondo-nos, assim, desde o início, à ideia de dom inato para o trato com os números, funções, probabilidades, medidas, Álgebras e Geometria. A constituição do ser matemático repousa no potencial que todos temos para a apren- dizagem matemática, social e culturalmente constituída, assim como nas vivências e experiências socioculturais e reflexivas que favoreçam o desenvolvimento dessas aprendizagens. Ser matemático, ambien- te, situações, desafios, motivações, emoções, representações sociais e crença em si são elementos integrativos e de mútua relação na sua constituição e desenvolvimento. Assumimos que a aprendizagem é de sentido plural, ou seja, mesmo se tratando de Matemática, no campo das Ciências Exatas não há processo único, nem universal na construção dos modos de apren- der a matemática, ou seja, de construção conceitual e procedimental matemáticos. Portanto, o ser matemático é assumido como ser único e não universal, uma vez que os processos de aprender e conhecer 46 dependem tanto da história de cada um, de como cada sujeito se per- cebe no processo de aprender matemática, quanto de dar respostas ao seu meio socioeducativo. Teoricamente, o ser matemático é aquele que aprende, que desenvol- ve processos cognitivos, esquemas mentais próprios para superação de dificuldades, de enfrentamento de desafios, que produz processos resolutivos para situações-problema matemáticas, que acredita em sua própria capacidade de gerar novos procedimentos para situações inéditas. Mesmo que tais processos matemáticos, geridos pelo sujeito para resolver problemas, tenham validade apenas local, sem valor geral ou científico, esses processos podem revelar capacidades cogni- tivas articuladas à construção de conceitos e procedimentos. Em aná- lises microgenéticas, podemos explicitar os esquemas mentais (VERG- NAUD, 2009) que dão sustentação à estruturação do pensamento matemático presente na atividade matemática da criança ou jovem, desvelando conceitos, hipóteses, procedimentos, lógicas próprias do indivíduo que busca elaborar uma solução de uma situação dada, assim como as estratégias e valores de sua validação. A negação da existência ontológica de um ser matemático em cada um que aprende e se desenvolve é característica de contextos educa- cionais em que os conceitos de certo e errado das produções mate- máticas de crianças e jovens estão colocados de forma equivocada. No contexto da aprendizagem matemática, na busca da contribuição do desenvolvimento das capacidades matemáticas, mais importante que julgar uma produção estritamente como certa ou errada, seja em relação a seu valor prático, seja científico, deveria o educador pautar sua ação pedagógica pela valorização dos processos de aprendiza- gem que requerem a busca da compreensão dos processos. Assim sendo, na perspectiva da categoria de ser matemático, o edu- cador matemático (aquele que promove mediação ou intervém nos 47 CAPÍTULO 2 processos de aprendizagem matemática) não deve se limitar, no iní- cio da aprendizagem de novos conceitos-procedimentos, a julgar a validade dos processos de produção matemática em face do conhe- cimento científico universalmente sistematizado. Cabe ao educador e ao professor mergulhar num esforço de interpretação das lógicas ine- rentes às produções matemáticas daquele que está em processo de aprendizagem, num importante deslocamento epistemológico: não julgar a produção da criança apoiado nos algoritmos matemáticos ortodoxos, medindo o quanto a produção da criança se aproxima ou se distancia das verdades matemáticas postas como imutáveis. De- veria cada educador buscar compreender e participar da construção dos conceitos e procedimentos que, no desenvolvimento daquele que aprende, revelam-se instáveis, provisórios, não validados, com vera- cidade e validade apenas locais e circunstanciais. Captar, compreen- der, valorizar, socializar e institucionalizar os caminhos, descaminhos, atalhos, retrocessos, antagonismos, provisoriedade, recursividade. Esse foi o objetivo nosso (MUNIZ, 2009) ao analisar os processos de produção de registros matemáticos de crianças consideradas em situação de dificuldade pela escola. Das produções matemáticas, em ação, daquele que aprende são formas de considerar que cada crian- ça e cada jovem, na realização de tarefas matemáticas, são seres matemáticos em plena mobilização de saberes construídos ao longo de suas histórias sociocognitivas-emocionais e sociais, tendo sempre a cada novo desafio, de rever conceitos e procedimentos, fazendo evoluir seus conhecimentos para dar conta de novas e mais desafian- tes situações-problema. Este capítulo se ocupará de apresentar a história de uma menina em processo de alfabetização que tem uma vida caracterizada pela su- peração do fenômeno da exclusão-negação, o que acaba por fazer com que uma menina no interior do estado de Goiás, desenvolva uma capacidade de matematização não reconhecida pelo sistema 48 escolar, mas que por meio da investigação fundamentada na Episte- mologia Qualitativa, de Fernando González Rey (2014), pudemos ter uma compreensão tanto mais ampla quanto profunda das constitui- ções subjetivas da aprendizagem matemática. Este estudo de caso é um dentre um grupo de 11 crianças, entre 6 e 11 anos, em situação de risco social no interior de Goiás. Contribuições da Teoria dos Campos Conceituais (TCC) para um novo olhar para aprendizagem diversa da matemática Contribuições da TCC do psicólogo cognitivista, didata e matemático francês, Gérard Vergnaud (1994), despertam para um novo olhar às produções matemáticas das crianças: lógicas e verdades localmen- te validadas. Se assumirmos que, no processo da aprendizagem, as construções de saberes matemáticos são apenas localmente valida- dos, isso acaba por nos revelar o quanto é medíocre a escola que se limita a atribuir à produção matemática escolar somente “certo” ou “errado”, perdendo a oportunidade de compreender, individualmen- te, os processos de atribuição de significados em relação àquele que está a aprender. A ideia de esquema proposta por Piaget e resgatada por Vergnaud (1998) pode trazer importantes contribuições, tanto para o professor quanto para o pesquisador, na melhor e mais profunda compreen- são dos conhecimentos mobilizados pelo sujeito em ação cognitiva numa situação-problema. A complexa rede de conceitos mobilizada na atividade cognitiva, o papel que cada conceito desempenha na determinação de procedimentos, os significados atribuídos a cada es- tratégia resolutiva e o poder de autorregulação da atividade realizada pelo aluno devem sertemas inevitáveis das ciências da educação. A revelação, o reconhecimento, a análise e a valorização dos esquemas que sustentam as estratégias de ação cognitiva do ser matemático 49 CAPÍTULO 2 podem trazer nova luz à postura pedagógica do professor, pois é por meio deles que podemos compreender melhor os conhecimentos em ação, as potencialidades, as incompletudes, os desvios e os atalhos, as ressignificações, os erros e os obstáculos quase sempre presen- tes nas produções matemáticas em sala de aula. Entretanto, consi- derar os esquemas subjacentes nas produções requer, quase sempre, um trabalho criterioso de interpretação por parte do educador ou do pesquisador, interpretação que mobiliza, por sua vez, conceitos e concepções acerca das produções do aluno. o tratamento dado pelo educador a tais produções pode nos revelar posturas teóricas e metodológicas que determinam fortemente a natureza do triângulo pedagógico aluno-conhecimento-professor. A consideração dos esquemas subjacentes às produções dos alunos poderá significar a construção de uma intervenção pedagógica não mais a partir de supostos e hipotéticos conhecimentos do aluno, mas uma maior aproximação de reais capacidades, construções e aquisi- ções do aluno, assim como estabelecer uma luz tanto teórica quanto metodológica sobre as necessidades do aluno, para conseguir produ- zir respostas exigidas pela situação. Em geral, nas nossas investiga- ções pedagógicas, isso acaba por revelar o processo de conceituali- zação no qual se encontra o aluno e o quanto determinados conceitos dão conta ou não de fornecer instrumentos para a construção de uma proposição resolutiva a uma dada situação. Processos criativos na produção matemática de crianças Nossos estudos mais recentes junto a grupos de crianças em início de escolarização julgadas pela escola como “em dificuldade na aprendiza- gem” (MUNIZ; BITTAR, 2009) buscam compreender os significados das dificuldades dessas crianças em processo de escolarização. As investi- gações procuram inserir os sujeitos epistêmicos em contextos onde não 50 haja controle absoluto por parte dos educadores sobre suas produções. Assim, utilizamos de contextos lúdicos, em especial, jogos, nos quais a atividade matemática é parte inerente à atividade lúdica, para identificar e analisar suas produções e consequentes dificuldades matemáticas. Nesse sentido, buscamos em Michael otte, em sua obra clássica O For- mal, o Social e o SUBJETIVO: uma introdução à Filosofia e à Didática da Matemática (1993, p. 248), o papel da produção da ciência e a partici- pação do sujeito ativo como base da sua própria transformação. Se existir, portanto, uma conexão, ou mesmo uma harmonia, entre “ci- ência”, “educação” e “técnica”, então ela tem de se ancorar em algum lugar no sujeito humano e no seu desenvolvimento. Esta ligação com o desenvolvimento é para mim particularmente importante, porque acre- dito que qualquer quadro estático do sujeito, mesmo quando ele assu- me uma grande dinâmica no contexto de sua vida, implica uma relação dicotômica dos três aspectos do tema. Ao contrário, teria de se partir da constatação de que tudo que alguém faz ou deixa de fazer provoca uma transformação da própria pessoa. Na intenção de revelar uma capacidade intelectual para processos de matematização presentes na escola, dos quais somos testemunhas, buscamos, em um caso real e concreto, que nos dá uma margem muito rica de discussão acerca da estreita relação entre fazer mate- mática e desenvolvimento da inteligência nos anos iniciais do ensino fundamental, quando crianças consideradas em situação de dificul- dade na aprendizagem matemática, em nossas análises, acabam por nos revelar uma sagacidade cognitiva que nos leva a considerar a presença de processos, inteligências, geralmente, eliminados do pro- cesso curricular escolar. Nesse caso, temos uma situação de subtração entre números naturais, mas que requer uma decomposição do número, uma vez que as uni- dades do subtraendo são superiores às do minuendo. Essa situação é 51 CAPÍTULO 2 um “calcanhar de Aquiles” na ação pedagógica, uma vez que implica uma sólida compreensão da estrutura do número no sistema de nu- meração decimal. A articulação entre ação, registro e validação realizada pela criança de oito anos de idade (considerada em situação de dificuldade de aprendizagem matemática) revela-nos uma inteligência a ser institu- cionalizada. Esse é um caso em que podemos facilmente constatar o quanto os registros revelam limpidamente as estruturas de pensamen- to pleno de significado, em especial, a compreensão pela criança do número e suas estruturas advindas das regras do sistema de numera- ção decimal: Figura 1 – Processo da subtração apoiado na decomposição do número se- gundo conhecimento do sistema decimal Inicialmente ela decompõe o trinta em uma adição de três parcelas iguais a dez. Como tem de retirar 12, já retira a primeira dezena (o 10 riscado à esquerda na segunda linha), faltando ainda retirar dois (12=10+2). Para retirar dois, decompõe uma dezena em cinco gru- pos de dois (revelando mais um conhecimento) e, então, retira dois. Assim resta, além de um dez, um oito (quatro vezes dois), o que nos dá como resultado 18. 52 o que é importante em tal produção para nossa discussão acerca da inteligência e Matemática? Essa criança, em dificuldade segundo a instituição, não reproduz os procedimentos ortodoxos e impostos pela escola, mas, ao contrário, apoiada na compreensão do sentido de retirar e da estrutura do número, ela age e registra, com seguran- ça, desvelando um esquema matemático rico e que em nada perde frente aos procedimentos que o professor espera em termos de pla- nejamento pedagógico. o que desestabiliza nossa escola é o fato de a criança resolver a situação sem ter que mobilizar/compreender os procedimentos do professor; e mais, levanta a questão se realmente ela necessita saber como o professor realiza tal operação para se constituir um sujeito inteligente no fazer matemática dentro e fora da escola. Isso provoca uma desestabilização acerca dos papéis do professor como promotor da inteligência por meio da matemática, o que deve ser objeto de discussão mais ampla e aprofundada na so- ciedade atual, no que diz respeito ao empowerment no contexto das produções matemáticas realizadas no contexto educativo. Essa citação, dentre inúmeros casos identificados ao longo dessa nos- sa trajetória no campo da Educação Matemática, remete-nos à ne- cessidade de um estudo mais aprofundado e sistematizado, que nos permita, via pesquisa qualitativa, gerar mais argumento, fundamen- tação conceitual-teórica, na busca de revelação que, muitas vezes, os casos considerados de dificuldades na aprendizagem matemática são uma incongruência epistemológica e metodológica entre as expectati- vas da escola em termos de produção matemática e o conhecimento e saberes contextualizados e significados pela criança que está em plena ação e produzindo significados outros que não captados pelos professores, mas com alto valor matemático, uma vez que revelam a presença de esquemas mentais matemática e pedagogicamente vá- lidos, apesar de muito se diferenciarem dos compêndios escolares e acadêmicos. 53 CAPÍTULO 2 Mitjáns Martínez (1997, 2008, 2012) estuda os processos criativos consonante com a Teoria da Subjetividade, de González Rey (2008), onde o resgate do sujeito que aprende requer a revivificação da sub- jetividade como coluna central dos processos de aprendizagem, uma vez que o autor concebe o complexo processo da aprendizagem en- quanto sistema que não se resume à sua dimensão cognitiva, já que o sistema é bem mais amplo que as operações lógicas normalmente consideradas. Portanto, González Rey propõe que o caráter singular da aprendizagem vai nos obrigar a pensar em nossas práticas pedagógicas sobre os aspectos que propiciam o po- sicionamento do aluno como sujeito da aprendizagem, o que neces-