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Portuguese ReonFacema. 2016Out-Dez; 2(4):339-344. CITIES ARE PEOPLE: the public space as constitutional guarantee of the citizen CIDADES SÃO PESSOAS: o espaço público como garantia constitucional do cidadão CIUDADES PERSONALES: el espacio público como garantía constitucionaldel ciudadano RESUMO Objetivo: estuda a questão do planejamento urbano - com enfoque na dimensão humana - como agente promotor do desenvolvimento das cidades que amparam o caráter social e cultural das cidades.Metodologia: tece-se uma discussão reflexiva acerca dos espaços públicos urbanos como lugares de encontros e trocas constantes, principalmente com a prerrogativa que estes são sítios onde se expõe a estreita relação entre cidades x pessoas x qualidade de vida. Resultado: apresenta-se uma reflexão que destaca a dimensão humana como forma de observar um melhor aproveitamento dos espaços públicos corroborando com a hipótese de boas cidades como lugar de pessoas e ratificando o direito à cidade como garantia constitucional do cidadão. Conclusão: é patente a necessidade de se discutir o planejamento urbano das cidades que – independente da localização, economia e grau de desenvolvimento – menosprezam o pedestrianismo, em detrimento de outras questões como a acomodação dos automóveis e as ideologias de planejamento urbano. Ademais, mostra-se salutar a análise da relação entre espaços públicos de qualidade e a apropriação das pessoas por esses espaços. ABSTRACT Objective: to study the issue of urban planning - with a focus on the human dimension - as an agent that promotes the development of cities that support the social and cultural character of cities. Methodology: a reflexive discussion about urban public spaces is organized as meeting places and constant exchanges, especially with the prerogative that these are sites where the close relationship between cities x people x quality of life is exposed. Result: a reflection that highlights the human dimension as a way to observe a better use of public spaces corroborating with the hypothesis of good cities as a place of people and ratifying the right to the city as a constitutional guarantee of the citizen. Conclusion: there is a clear need to discuss the urban planning of cities that - regardless of location, economy and degree of development - disparage pedestrianism, to the detriment of other issues such as car accommodation and urban planning ideologies. In addition, it is salutary the analysis of the relation between public spaces of quality and the appropriation of the people by these spaces. RESUMÉN Objetivo: estudiar la cuestión de la planificación urbana - con foco en la dimensión humana - como agente que promueve el desarrollo de ciudades que apoyen el carácter social y cultural de las ciudades. Metodología: una discusión reflexiva sobre los espacios públicos urbanos como lugares de reuniones y lugares de cambios constantes, principalmente con la prerrogativa de que estos son lugares donde la relación estrecha entre las ciudades x personas x calidad de vida es expuesta. Resultado: una reflexión es presentada destacando la dimensión humana como una manera de observar una mejor utilización de los espacios públicos corroborando con la hipótesis de buenas ciudades como un lugar de personas y ratificando el derecho a la ciudad como garantía constitucional del ciudadano. Conclusión: hay una clara necesidad de discutir la planificación urbana de ciudades que, independientemente de la ubicación, economía y grado de desarrollo, desprecian el trekking, en detrimento de otras cuestiones, como el alojamiento de coches e ideologías de planificación urbana. Además, el análisis de la relación entre espacios públicos de calidad y la apropiación de personas por esos espacios es saludable. Descriptors Cities. Fundamental right. Urban planning. Descritores Cidades. Direito Fundamental. Planejamento Urbano Descriptores Ciudades. Derecho Fundamental. Planificación Urbana. Sources of funding: No Conflict of interest: No Date of first submission: 2016-04-26 Accepted: 2016-05-19 Publishing: 2016-12-27 Tiago Leal Catunda Martins Walber Angeline da Silva Neto Rua Aarão Reis, 1000 Centro · Caxias - MA CEP: 65600-000 99.3422.6800 tiagocatunda@hotmail.com ISSN: 2447-2301 1 CEUT. Pós-Graduação em Direito Civil e Direto Processual Civil. Rua Des. Pedro Conde, 320, Noivos. Teresina-PI. Email: tiagocatunda@hotmail.com. 2 UFPI. Pós-Graduação Práticas Projetuais em Arquitetura e EngenhariaRua Raimundo Portella, 1451, Fátima. Teresina- PI. Email:walberangelineneto@hotmail.com REFLEXÃO / REFLEXION / REFLECCIÓN Tiago Leal Martins¹ Walber Angeline Silva Neto² 325 339 ISSN: 2447-2301 Martins TL; Neto WAS CITIES ARE PEOPLE: the public space as constitutional… Portuguese ReonFacema. 2016Out-Dez; 2(4):339-344. INTRODUÇÃO A cidade deve ser compreendida como palco de trocas entre o homem e o meio, como um lugar dinâmico que se transforma ao passo que são inseridos ou retirados valores da coletividade, e que absorve as características culturais da população. Nesse aspecto, merece destaque o espaço público, local este inserido na cidade, que é utilizado para a circulação, lazer, convívio, e onde são desenvolvidas atividades vitais para a vida em sociedade, mostrando-se como referência de identidade paisagística, política e cultural. Justifica-se a abordagem do estudo pelo fato de que as pessoas que usam os espaços públicos das cidades são maltratadas, em decorrência da baixa prioridade ao sítio público dentro da urbe, deixando sitiada as funções cultural e social do espaço da cidade(1). O presente artigo tem como objetivo analisar a questão do espaço público como patrimônio cultural nacional e, portanto, elevado ao status de garantia constitucional, gozando das prerrogativas que são atribuídas aos direito fundamentais. Para tanto, no primeiro capítulo desvela-se o conceito de cidade, como lugar de exposição das relações culturais, configurando-se como um ambiente onde se pode observar e compreender a sociedade e cultura as quais se está inserida. No segundo capítulo, aborda-se o caráter fundamental do direito ao espaço público, como sendo patrimônio cultural e dotado de prerrogativas de proteção trazidas pela legislação nacional. Nesse ponto, apresenta-se espaço público como uma garantia constitucional, sendo dever do poder público conservá-lo com o fito de garantir o bem-estar da população. 1.CIDADES SÃO PESSOAS Por conceito, “cidade” é palavra que vem do latim civitas e significa “direito do cidadão”. Popularmente, o conceito não foge ao significado da palavra, definindo cidade como uma área povoada, com ruas, praças, habitações, comércios, onde se encontram ofertas de emprego, hospitais e o poder público, sendo, portanto, uma sede político-administrativa. Esse entendimento cria a ideia de que cidade é um lugar maquinal, que se desenvolve principalmente por meio de uma legislação e quase sempre associada à política. Analisando a Constituição Federal Brasileira constata-se a verdade contida na afirmativa, quando se lê no artigo18º, parágrafo 4º: A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.” As cidades são, assim, local de encontro e de trocas constantes, que não englobam apenas os aspectos técnicos ou formais, físicos e territoriais, mas, também, os saberes e culturada população, a Arquitetura, a Filosofia, a Economia, aspectos sociais e o modo de vida, sendo, desta maneira, importantes agentes de formação dos espaços urbanos, que, por sua vez, os expõe. Esta abordagem mais complexa apresenta a cidade como um local que ganha novas definições à medida que são feitas as trocas entre o homem e o meio em que vive, ou seja, que absorve as características culturais da população e se transforma ao passo que são inseridos ou retirados valores da comunidade. Nessa mesma linha, discute-se a cidade como uma “organização das experiências”(2 , ou seja, um lugar de tradições, cultura e troca constante. Dessa maneira, a cidade se torna um espaço de criação humana e, portanto, um espaço vivo e mutável. É, assim, o ambiente onde se dão as relações sociais, onde se constrói e expõe a história e a cultura; um espaço de encontros, onde se podem constatar os mais variados processos sociológicos e antropológicos. Entende-se, pois, a Urbe, como um ambiente mais involuntário que mecânico. Este olhar se volta, consequentemente, para os espaços públicos urbanos, uma vez que concentram um maior número de pessoas e, por isso, revelam importantes trocas sociais do homem com o meio, isto é, permitem que se perceba a dimensão humana numa escala macro, sendo a cidade um espaço catalisador das experiências dos cidadãos e de suas características culturais. A importância dos espaços públicos evoca das sociedades gregas e romanas, onde os espaços vazios dentro da cidade eram pensados de forma projetual, acompanhando a cultura de cada uma dessas sociedades. A àgora, na Grécia, e o fórum, em Roma, faziam o papel da “praça” nestas civilizações tradicionais. No Renascimento, o espaço público assumiu papel decisivo na estrutura da 340 ISSN: 2447-2301 Martins TL; Neto WAS CITIES ARE PEOPLE: the public space as constitutional… Portuguese ReonFacema. 2016Out-Dez; 2(4):339-344. cidade. Era, portanto, importante à medida que passava a constituir um espaço da cidade e não mais um espaço autônomo. Analogamente seria uma peça em um quebra- cabeça que é a cidade. Era um lugar isolado e deveria deixar a cidade à vista, expondo-a, assumindo, desta maneira, status de lugar de encontros. (2) A partir do século XVIII, o sítio público e, principalmente, as praças se tornam “obrigatórios” na concepção da urbe, assumindo papel de elemento urbano que funciona como espaço de convivência, contemplação e recreação dos cidadãos(3). A praça – que constitui um espaço público – é um elemento intencional e morfológico da cidade, ou seja, é um componente de formação das cidades não acidental (4). Nesse espaço dão-se as relações de troca entre o homem e o espaço melhores percebidas pelos pesquisadores, uma vez que são lugares de circulação, intencional encontro, permanência e práticas sociais, além de ser palco para manifestações culturais que afetam a paisagem cultural e, por consequência, moldam a vida dos cidadãos. “A praça reúne a ênfase do desenho urbano como espaço coletivo de significação importante. Este é um dos seus atributos principais e que a distingue dos outros vazios da estrutura da cidade” (4). Os espaços públicos urbanos, desta forma, constituem-se em espaço de caráter social e de convivência, sendo assim direito fundamental dos cidadãos, porque são espelho da sociedade e cultura, reflexos dos acontecimentos e trocas existentes. O prisma apresentado coloca os espaços urbanos – e as cidades – como palco do desenvolvimento urbano e da melhoria da qualidade de vida das pessoas. Verifica-se, contudo, que o uso dos espaços urbanos pelas pessoas tem ocorrido de forma insatisfatória, posto que, independente da localização, economia e grau de desenvolvimento, o planejamento urbano tem se afastado das questões da dimensão humana e excluindo da prática de gestão urbana questões como áreas para pedestres, e dos espaços urbanos como locais de encontro(1). Dois fatores são desenhados como propulsores destes afastamentos: “o dramático aumento do tráfego de automóveis e a ideologia urbanística do modernismo” (5). Sobre o primeiro, a autora pontua a incapacidade intelectual dos gestores em planejar cidades funcionais e saudáveis – com ou sem automóveis – uma vez que não compreendem as reais necessidades das cidades (ou seja, não pensam em cidades para pessoas). “Como saber que solução dar ao trânsito antes de saber como funciona a própria cidade e de que mais ela necessita nas ruas?” (5). Já em relação à ideologia urbanística do modernismo, a crítica é a cerca da separação de usos das cidades (setor residencial, setor comercial, setor administrativo) e o destaque dado aos edifícios individuais autônomos. Em resumo, esses dois fatores produzem cidades individualizadas e que não cooperam com a inter-relação de seus moradores. Sob esse panorama, destaca-se a fundamental observância dos espaços urbanos públicos como instrumentos de melhoria da qualidade de vida das pessoas e destaca-se o entendimento de que a cidade precisa ser pensada na dimensão humana para que ocorra um desenvolvimento urbano adequado e, portanto, se obtenha a salvaguarda do direito à cidade. Essa premissa liga-se intimamente aos ideais do desenvolvimento de cidades pensadas para pessoas, o que este chama de cidades vivas, seguras e saudáveis(1). Destacam-se de cidades pensadas para pedestres, em que as pessoas seriam ao mesmo tempo agentes de boas práticas civis e fiscalizadoras do bem comum, naquilo que os urbanistas chamam de apropriação do espaço urbano. Esta apropriação se dá, por sua vez, pela possibilidade de uso da cidade, vinculada diretamente aos convites que as cidades fazem aos seus cidadãos. O convite a caminhar, a pedalar, a sentar-se e apreciar a paisagem, a usufruir dos parques e praças, promovendo uma constante interação entre as pessoas e o meio, motivando o câmbio de experiência e possibilitando o uso daquilo que é primordial ao homem, o espaço que habita. Os espaços públicos, por conseguinte, precisam ser pensados como locais de comando e orientação de todo o processo urbano, em oposição aos interesses meramente comerciais. Faz-se necessário pensá-los sob a ótica do “autorreforço” (1) que sustenta a vida urbana à medida que insere as pessoas no espaço público, evitando obstáculos das mais diversas ordens. Faz-se necessário, paralelamente, que seja permitido o usufruto de todos os espaços da cidade, como sentido de identidade e, consequentemente, de promoção da cidadania e da salvaguarda do direito de ir e vir dos cidadãos. Essas concepções, ora filosóficas, ora urbanísticas, são relevadas para que se compreenda o papel das cidades 341 ISSN: 2447-2301 Martins TL; Neto WAS CITIES ARE PEOPLE: the public space as constitutional… Portuguese ReonFacema. 2016Out-Dez; 2(4):339-344. na formação individual das pessoas e, ainda, como direito fundamental da população de qualquer cidade. A tônica aproxima o urbanismo das diretrizes jurídicas, uma vez que garante o direito à cidade e aos espaços públicos como prerrogativa fundamental do Estado para com o cidadão. preciso que se comece a pensar o espaço público urbano como palco para as atividades humanas, e, para tanto, se faz necessário que as cidades permitam o acesso das pessoas aos seus espaços, promovendo um novo planejamento urbano que inclua a dimensão humana. Para esse fim, os urbanistas e gestores das cidades precisam entender que a vida das cidades está diretamente ligada aos convites que esta faz a seus moradores. A cidade precisa ser agradável, permitir que as pessoas circulem e adotar políticaspúblicas de melhoria urbana: melhorar o transporte público, os passeios, eliminar fronteiras – grades, muros, desníveis – num entendimento que a cidade é feita de pessoas e, portanto, precisa ser pensada para elas. Antes de mudar a cidade, é preciso conhecê-la e é preciso, também, compreender que as discussões que cercam o espaço público são necessidade primeira das pessoas. A partir desse ponto de vista, a interdisciplinaridade se faz necessária na compreensão do direito à cidade. Para isso, o urbanismo e o direito se constituem em disciplinas irmãs na construção deste ideal. 2.O ESPAÇO PÚBLICO COMO DIREITO FUNDAMENTAL O espaço público é, dentro das cidades, o lugar de uso comum e posse de todos os cidadãos, utilizado para a circulação, lazer, convívio, atividades coletivas e destinado às diversas formas de relações humanas. Compreende os lugares urbanos que, unidos às estruturas prediais, possibilitam e estruturam a vida em comum. Nesses espaços são desenvolvidas atividades vitais para a vida em sociedade e é onde aparecem refletidos a cultura e os costumes predominantes do lugar, sendo, portanto, estes, referências de identidade paisagística, política e cultural. O espaço público parte do mundo da circulação e deve ser um lugar de convivência democrática, um espaço de estímulos culturalmente produtivos, onde o cidadão possa interagir não só com seus iguais, mas também com o ambiente comum da cidade.1Nesse sentido, é imperioso trazer o texto do artigo 216, inciso IV da Constituição da República (6): Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: [...] IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; A partir desta leitura, constata-se que a CF incluiu no conceito de patrimônio cultural brasileiro as edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico- culturais, ou seja, os espaços públicos. O legislador constitucional, desta forma, foi sensível ao que representava o espaço público para a sociedade urbana e o elevou ao status de patrimônio cultural para que lhe fossem garantidas todas as prerrogativas de proteção trazidas pela legislação brasileira. Ademais, o texto constitucional discerne que o espaço público somente reflete a identidade de um lugar e cumpre sua função social se for utilizado pelo cidadão de forma plena. Para tanto, a CF garantiu ao cidadão, nestes espaços, o direito constitucional pleno de ir e vir, previsto no art. 5º, inciso XV, quando assenta, no citado artigo, no inciso XVI que: XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente; Por sua vez, o artigo 99, inciso I, do Código Civil, define bens públicos como aqueles espaços de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças, lugares onde todos os moradores têm livre circulação. Assim, dentre a universalidade de bens reconhecida pelo ordenamento pátrio, o Código Civil destacou aqueles que são de uso comum dos cidadãos, denominados espaços públicos livres, nos quais não só o uso é comum, mas onde, também, é garantido o direito constitucional de ir e vir. Bens de uso comum do povo, ou do domínio público, como exemplifica a própria lei, são os mares, praias, rios, estradas, ruas e praças. Enfim, todos os locais abertos à utilização pública adquirem este caráter de comunidade, de uso coletivo, de 342 ISSN: 2447-2301 Martins TL; Neto WAS CITIES ARE PEOPLE: the public space as constitutional… Portuguese ReonFacema. 2016Out-Dez; 2(4):339-344. fruição própria do povo. Sob esse aspecto – acentua Cirne Lima–pode o domínio público definir-se como a forma mais completa de participação de um bem na atividade de administração pública. São os bens de uso comum do povo, ou do domínio público, o serviço mesmo prestado ao público pela Administração, assim como as estradas, ruas e praças. Esses bens integram-se no domínio público pela só destinação ao uso indiscriminado do povo, e independem de qualquer registro imobiliário(7). Assim sendo, os espaços em análise, por se constituírem patrimônio cultural e serem de livre acesso e gozo de todos os cidadãos, merecem o adequado uso e preservação. Dessa forma, os espaços públicos mostram-se como bens difusos, pois, o legislador constituinte estabeleceu como dever do poder público, com a colaboração da comunidade, promover e proteger o patrimônio cultural através de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, além de outras formas de acautelamento e preservação, conforme o art. 216, parágrafo 1º, da CF(8). Logo, a competência de proteger os bens ambientais é comum da União, estados-membros, Distrito Federal e Municípios, como assenta o art. 23, inciso I, da Constituição Federal: “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;” Nessa linha, o dever do Estado não se cinge às modalidades de preservação do espaço público descritas na lei, pois, é lição do ente público, também, Não sendo, portanto, respeitados os comandos de preservação e de necessidade de efetiva utilização do bem público pelo cidadão, resta ferido o princípio constitucional da Administração Pública, qual seja, o princípio da eficiência, e, de igual forma, não resta atendida a função social do espaço público prejudicando a função social da cidade. A Lei nº 10.257/01, denominada de Estatuto da Cidade, em artigo 1º2, amparado pelo que traz a CF em seus arts. 182 e 183, defende a necessidade de execução, pelo poder público, de uma política urbana, com o objetivo de se colocar em vigor a função social da cidade, pautada em 2 Art. 1o Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei. Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. Assim, pelo texto do citado artigo, não resta dúvida que a política urbana deve contemplar os espaços públicos. O artigo 2º do Estatuto da Cidade, de forma semelhante,traz que a função social da cidade deve obedecer a diretrizes gerais, dentre elas, a de preservação e recuperação do meio ambiente construído. Dessa maneira, o poder público possui responsabilidade e deveres de conservação e segurança em relação aos bens públicos, caracterizando omissão ilícita quando este deixar de atender à real função dos espaços públicos e, por via de consequência, a função social da cidade. Essa política adotada pelo Estado, consequentemente, deve ter como fim o desenvolvimento urbano, através da preservação dos espaços públicos, para que seja posto em prática a função social da cidade e, por efeito, garantir o bem-estar e a proteção dos direitos e garantias fundamentais de seus habitantes. Assim sendo, tem-se que o espaço público mostra-se verdadeiro direitofundamental, pois este carrega o status de patrimônio cultural nacional, por representar a identidade de um lugar, garante a execução de direitos fundamentais, a exemplo do direito de ir e vir, é amparado pela legislação brasileira no que tange à proteção e preservação e, quando utilizado, assegura a função social da cidade e o bem-estar do cidadão. CONCLUSÃO Os espaços públicos são, dentro da perspectiva ora apresentada, direito fundamental do cidadão e, portanto, matéria que precisa ser discutida dentro das mais diversas esferas – acadêmica, política, social. Para tal fim, é preciso que se lance olhares fiscalizadores sobre as práticas gestoras do planejamento urbano das cidades. Um olhar sobre as cidades aponta, porém, o caminho oposto. Os espaços urbanos são cada vez menos dotados da dimensão humana, promovendo cidades sem vida, sem uso, grandes centros edificados que priorizam os o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. 343 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1031135/estatuto-da-cidade-lei-10257-01 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1031135/estatuto-da-cidade-lei-10257-01 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1031135/estatuto-da-cidade-lei-10257-01 http://www.jusbrasil.com.br/topicos/11148940/artigo-2-da-lei-n-10257-de-10-de-julho-de-2001 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1031135/estatuto-da-cidade-lei-10257-01 ISSN: 2447-2301 Martins TL; Neto WAS CITIES ARE PEOPLE: the public space as constitutional… Portuguese ReonFacema. 2016Out-Dez; 2(4):339-344. automóveis e desconsideram o pedestrianismo como agente de desenvolvimento urbano sustentável. O direito à cidade não é, somente, a licença a frequentar os espaços públicos urbanos. É urgente o entendimento que estes espaços precisam ter qualidade, uma vez que a melhoria destes sítios está diretamente ligada à melhoria da qualidade de vida das pessoas. Cidades vivas são cidades onde as pessoas circulam, trocam experiências com outras pessoas, caminham, apreciam as paisagens; são cidades acolhedoras que integram socialmente e não excluem. Para que isto ocorra, as cidades. “Devem ter um espaço público cuidadosamente projetado para sustentar os processos que reforçam a vida urbana. Uma condição básica é que a vida na cidade seja potencialmente um processo de autorreforço” (1). Ou seja, pessoas atraem pessoas e, assim sendo, transformam os espaços, que por fim modificam a sociedade. Dá-se assim a importância do olhar cuidadoso ao sítio público urbano, uma vez que este oportuniza os elementos sociais e culturais. Destarte, conclui-se, que a letra da lei, sozinha, não garante a construção de cidades humanas, tampouco a teoria do Urbanismo. Contudo, ao colocar o espaço urbano público como uma garantia fundamental, visto que este é tratado como patrimônio cultural, revela-se a busca para que seja efetivado o bem-estar da população e, com isso, garantida a função social da cidade. O destaque do bem público, de livre acesso dos cidadãos, do bem privado feito pela Legislação Civil e a responsabilidade do poder público em conservar os espaços públicos, prevista na legislação, tenta garantir uma política urbana voltada para a cidade como espaço do cidadão. Entretanto, a cobrança por uma cidade com melhores espaços públicos deve partir das pessoas para as pessoas. A educação urbana deve ser matéria de discussão social, tendo como foco principal a dimensão humana. Entender que a cidade nos convida a determinadas ações – mais vias, mais carros; mais banco, mas pessoas sentadas; melhor espaço público, melhor qualidade de vida; mais segurança, mais gente na rua – é o primeiro passo para se construir uma cidade com qualidade. REFERÊNCIAS 1.GEHL, Jan. Cidades para pessoas. São Paulo. Editora Perspectiva. 2015. 2.BENEVOLO, Leonardo. A Cidade e o Arquiteto. São Paulo: Perspectiva, 2006. 3.ROBBA, Fábio; MACEDO, Sílvio Soares. Praças Brasileiras. São Paulo: Publifolha, 2003. 4.LAMAS, José Manuel RessanoGarcia.Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Fundação CalousteGulbenkian e Fundação para a Ciência e Tecnologia, 2004. 5 .ACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 6 .SILVA, Lucas Soares e; AGOSTINHO, Luís Otávio Vincenzi de. A fundamentalidade do direito ao espaço público e sua limitação em nome da segurança. Disponível em <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=6e7b33f dea3adc80> Acesso em: dez. 2016. 7.MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, p. 228. 8.BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/consti tuicaocompilado.htm>.Acesso em: jan. 2017. B 344