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TT: 036 
Emissão: 26/04/2010 
Revisão: 00 
Data da Revisão: 25/04/2010 
Aprovação: 1530200110 
DE MÉDICO A LÍDER 
Por Thomas H. Lee 
 
(publicada originalmente em Abril de 2010 pela Harvard Business Review Brasil) 
 
A medicina vai sofrer uma mudança radical à medida que a 
velha guarda der lugar a equipes movidas a resultados. 
Thomas H. Lee 
Thomas H. Lee (thlee@partners.org) é diretor da rede de saúde integrada Partners HealthCare 
System, nos EUA, e professor de medicina da Harvard Medical School. É autor, com James J. Mongan, 
de Chaos and Organization in Health Care (MIT Press, 2009). 
 
O problema com o setor de saúde é gente como eu: médicos (em sua maioria, homens) 
na casa dos cinquenta ou mais, que aprenderam o que sabem quando a medicina era mais 
arte e menos dinheiro. Aprendemos a chegar ao hospital antes do dia raiar, a ficar até que 
todo paciente estivesse estável, a focar as necessidades de cada paciente a nossa frente e a 
não se preocupar com custos. Aprendemos a checar o resultado de cada exame com os 
próprios olhos, a não depender de ninguém. O único jeito de garantir a qualidade era adotar 
critérios elevados para nós mesmos e respeitá-los. Agora, em muitas instituições de saúde e 
consultórios, estamos no comando. E isso é um problema, pois a saúde hoje precisa de uma 
abordagem fundamentalmente distinta — e de uma nova geração de líderes. 
Em certos países, o debate recente sobre a saúde se concentra basicamente na escalada 
dos custos. Mas o desafio financeiro é só um sintoma. Qual o verdadeiro problema? Por 
incrível que pareça, o papel dos suspeitos de sempre é pequeno. Ganância e incompetência 
existem, sim, mas economistas concordam que, sozinhas, não responderiam pela alta anual 
de dois dígitos nos custos da saúde em certos lugares do mundo. 
A boa e a má notícia é que o maior fator da elevação dos custos é o progresso na 
medicina: novos fármacos, novos exames, novos aparelhos e novas maneiras de usá-los. 
Essas ferramentas em geral são maravilhosas e complexas, e seu uso requer um número 
crescente de gente altamente especializada. Um doente com um quadro complicado acaba 
vendo uma série de médicos — médicos muitas vezes espalhados por várias instituições. 
Esse progresso naturalmente é bem-vindo, e às vezes parece milagroso. Jon Lester, 
arremessador do time americano de beisebol Red Sox, foi diagnosticado com linfoma em 
setembro de 2006; estava de volta aos treinos em meados em 2007 e conseguiu a proeza de 
um "no-hitter" em 2008. Steve Jobs segue na ativa. Hoje, muita gente com diagnóstico de 
insuficiência cardíaca pode voltar ao trabalho depois do implante de um marca-passo de 
última geração. 
Mas essa explosão de conhecimento esta ocorrendo num sistema fragmentado e 
desorganizado demais para absorvê-lo. O resultado é caos. Na minha própria instituição, a 
americana Partners HealthCare, posso citar o triste exemplo da viúva de um paciente que 
morreu de câncer. Nos últimos dias da estadia final de seis semanas do rapaz na unidade de 
terapia intensiva, a moca exigiu que todos os médicos do marido se reunissem com a família. 
Não era a família que precisava da reunião, disse ela. Eram os médicos. O que ela queria era 
ter certeza de que todos os envolvidos estavam de fato conversando entre si, pois era 
comum receber, deles, informações divergentes ou até contraditórias. A confusão que 
descreveu faz mais do que abalar a família, é claro. Leva a intervenções redundantes e a 
erros que elevam custos e ameaçam a qualidade. 
Remédio amargo 
Para realmente atacar esse caos, precisamos de um novo tipo de liderança em toda 
esfera do sistema de saúde — em grandes redes integradas como a Partners, em hospitais, 
em consultórios médicos. Embora o tipo de atividade e os indicadores de desempenho 
possam diferir de um cenário para outro, as principais responsabilidades da liderança são as 
mesmas. Para saber quais são, o líder deve primeiro assimilar três duras mensagens: 
Resultados importam. A maioria dos médicos da duro, mas a qualidade de seu trabalho 
não deveria ser medida pelo número de pacientes que atendem ou de exames e 
procedimentos que solicitam. O que importa são os resultados. Há controvérsia aqui, pois é 
sabidamente complicado comparar resultados. Afinal, a evolução do paciente depende 
muito da seriedade de seu quadro, para começo de conversa. Ainda assim, a referenda deve 
ser a evolução do paciente. Com que frequência sobrevive à doença e se recupera daquilo 
que o debilita? Com que frequência adquire infecções e outras complicações? Suas 
necessidades psicológicas e de informação são contempladas? 
"Eficiência" não é palavrão. Quando instituições de saúde e companhias de seguros 
usam o termo, a suspeita de muitos profissionais da área é que seja um disfarce para corte 
de custos. Mas gente como Michael Porter, da Harvard Business School, vem apontando há 
anos que, na saúde, "eficiência" significa outra coisa: atingir bons resultados do modo mais 
eficiente possível. Talvez seja impossível expressá-la como uma relação numérica (qualidade 
dividida por custos) que permita comparações relevantes entre instituições e profissionais. 
Mas medir resultados e custos permite, sim, que esses prestadores busquem 
aprimoramentos — e aprendam com concorrentes. 
Resultados melhores exigem trabalho em equipe. Um médico e um hospital, por si sós, 
têm controle limitado sobre o destino do paciente. Em qualquer organização de saúde, uma 
coordenação superior, a troca de informações e a colaboração entre gente de várias 
disciplinas são indispensáveis para uma maior eficiência e resultados melhores. 
 
Idéia em resumo 
O atendimento na saúde é fragmentado e caótico, sobretudo devido à explosão de 
conhecimento e de avanços tecnológicos. Para conter o caos é preciso uma nova geração de 
líderes em todas as instâncias do sistema. 
Essa nova liderança deve organizar médicos em equipes; medir seu desempenho não 
pelo número de procedimentos efetuados, mas pela evolução do paciente; aplicar incentivos 
financeiros e comportamentais; melhorar processos; e desmantelar culturas disfuncionais. 
Ao organizar o atendimento em torno de necessidades do paciente — ideia mais radical 
do que parece —, líderes de organizações de vanguarda estão elevando a qualidade, a 
eficiência e o valor dos serviços que prestam. 
 
 
 
 
Muitos líderes de instituições de saúde sabem exatamente em que momento 
perceberam que seu mundo estava mudando; em geral, foi quando alguém de fora da 
organização começou a medir seu desempenho. Embora poucas instituições aplaudam a 
mudança, ela arma o palco para uma nova geração de líderes. Líderes tradicionais tentam 
ganhar tempo, rechaçar mudanças e maximizar enquanto podem a receita sob o atual 
regime de pagamento. Já novos líderes se concentram em resultados e usam a mensuração 
do desempenho como ferramenta de motivação para organizar colegas e promover avanços. 
Os desafios são similares independentemente de o líder estar atuando numa grande 
rede integrada de atendimento, num hospital, numa grande entidade de medicina de grupo 
ou num pequeno consultório médico. As táticas de um cenário para o outro irão variar — 
mas não o amplo papel que cada líder terá de assumir. 
 
Articule visão e valores 
O processo de reorganização começa com a articulação da lógica e das metas da 
mudança. Mudar é difícil em qualquer campo e os valores altruístas na base da medicina 
acabam reforçando a resistência de profissionais da saúde a mudanças na ordem vigente. 
Tradicionalistas da minha geração sabem que são pessoas boas, que trabalham duro — e é 
com convicção que apontam para os riscos da mudança. Logo, a visão articulada por líderes 
da saúde deve transmitir tanto compreensão como determinação. Deve reconhecer a 
importância daquilo que médicos fazem atualmente, mas deixar explícito que terão de 
trabalhar de outra forma no futuro. Deve ser direta sobre os critérios que determinarão seu 
sucesso. E deve ser aomesmo tempo otimista e realista, expressando a crença de que o 
atendimento prestado pode melhorar e de que prestar um atendimento superior e a melhor 
estratégia de negócios. 
Uma visão eficaz ajuda as pessoas a aceitar mudanças inevitáveis e contextualiza 
informações e eventos. Muitos médicos e dirigentes hospitalares têm, por exemplo, uma 
reação negativa visceral a divulgação publica de dados sobre a qualidade do atendimento 
que prestam. Sabem das limitações dos dados e abominam a ideia de que a instituição ou o 
profissional sejam classificados numericamente com base em informações inadequadas, 
facilmente mal interpretadas. Sua reação típica a decisão de divulgar dados sobre a 
qualidade do atendimento e dizer que a civilização esta chegando ao fim. 
Vejamos, em comparação, como o cirurgião cardíaco Delos M. Cosgrove, que assumiu a 
presidência da americana Cleveland Clinic em 2004, integrou o imperativo da medição de 
desempenho a uma grande visão. Se a instituição estava comprometida com a idéia do 
"paciente em primeiro lugar", defendeu, seria preciso não só adotar o sério compromisso de 
medir a evolução do paciente, mas mostrar ao mundo esse compromisso. Cosgrove 
imediatamente disseminou por todo o hospital sistemas de mensuração até então em uso 
numa área específica da organização. No início, somente gente de dentro tinha acesso a 
esses dados. Hoje, mesmo que ruins, são publicados no website da instituição. No começo, a 
mudança incomodou, sim, os médicos. Mas, quando passaram a ver a mensuração de 
desempenho como ferramenta para ajudar (e atrair) pacientes, e não só como incentivo ou 
castigo, acabaram se convertendo a idéia. 
Líderes em outro centro médico americano, o Virginia Mason Medical Center, em 
Seattle, adotaram compromisso parecido com a idéia do paciente primeiro, mas foram um 
passo além ao tornar explícito o claro corolário disso: médicos e todos os demais vem em 
segundo. Na maioria dos centros de tratamento de câncer, por exemplo, é o doente que se 
desloca: para o laboratório, para consultórios médicos, para salas de quimioterapia. Já no 
novo centro oncológico do Virginia Mason, médicos, enfermeiros e pessoal de laboratório 
vêm ao doente, que é instalado em salas bem decoradas, banhadas pela luz natural que 
entra por grandes janelas. Já os médicos trabalham em baias sem janelas no miolo do 
edifício. 
O centro oncológico do Virginia Mason adotou com tal veemência a visão do paciente 
primeiro que certos médicos da equipe preferiram sair. Já os que ficaram, mesmo com 
certas queixas, ajudaram a promover a recuperação financeira do centro e sua ascensão a 
um posto de destaque nos Estados Unidos. 
 
Organize para obter resultados 
Na saúde, fechar o foco no desempenho é mais radical do que parece. Na era que agora 
chega ao fim, reinou a tese de que a verdadeira qualidade não pode ser medida. Logo, o 
desempenho em geral era avaliado pelo volume e pela rentabilidade dos serviços prestados. 
No mundo tradicional, a medicina é organizada em torno daquilo que os médicos fazem, 
não daquilo que os pacientes precisam. Hospitais, por exemplo, em geral contam com 
unidades separadas para cardiologia, cirurgia cardíaca, anestesiologia cardíaca e radiologia 
— e cada uma abriga médicos e outros profissionais que contribuem para o tratamento de 
problemas cardiovasculares. Cada unidade tem um médico que a chefia e pessoal 
administrativo próprio. Em muitos hospitais, cada unidade apresenta sua fatura de forma 
independente a companhias de seguros e pacientes. É por isso que, em certos países, o 
doente volta e meia se confunde com tantas contas. 
Na prática, esses profissionais podem até trabalhar bem juntos no atendimento de cada 
paciente, mas custos maiores e disfunção são inerentes a estruturas administrativas 
separadas. Nessas unidades trabalham indivíduos com boas intenções, mas todos têm um 
território a defender — e, na medicina americana, ao menos, ameaçar o território de alguém 
é uma via rápida para o conflito destrutivo. Na falta de razões contundentes para mudar 
esse regime, estruturas ineficientes permanecem teimosamente de pé. E, para profissionais 
da saúde, abraçar uma reformulação radical do atendimento não seria nada natural — pois 
são organizados de acordo com sua especialidade e estão satisfeitos com isso. 
Essa fragmentação em geral vai alem da divisão organizacional dos profissionais. Em 
muitos hospitais a relação entre médicos e gestores é abertamente antagônica e interesses 
financeiros estão mal alinhados ou em direto conflito. Em certos lugares, por exemplo, o 
hospital quer encurtar a estadia do paciente, pois recebe um montante fixo pela internação. 
Já o médico recebe a cada visita feita em dias distintos, de modo que quanto mais depressa 
o paciente tiver alta, menos ganha. A maioria dos planos de saúde não premia nenhum deles 
pelo esforço adicional que poderia impedir a reinternação da pessoa. 
 
 
Pressão dos pares para melhorar desempenho Kelly W. Hall 
 Na saúde, como em qualquer outro setor, é preciso incentivos financeiros para 
otimizar o desempenho das pessoas. Mas isso não basta. 
Se o incentivo estiver ligado a metas demais ou a metas muito complexas, por exemplo, 
ou se o parâmetro de desempenho for absurdamente elevado, o efeito se perde. No pior 
dos casos, o médico simplesmente ignora as metas, pois o esforço para atingi-las é 
considerado maior do que o ganho potencial. 
Onde o incentivo financeiro não funciona, a pressão dos pares pode funcionar. É como 
disse o diretor médico de um grupo de saúde: "Já que todo médico é muito competitivo e 
quer estar sempre entre os melhores, uso esses dois traços para motivar a mudança de 
comportamento". Quando um profissional recebe estatísticas como índices de infecção, 
reinternação, controle de diabetes e utilização de testes — sobretudo se seu desempenho 
deixar a desejar e os colegas puderem ver —, e comum ele tentar melhorar simplesmente 
por orgulho profissional. Para que a pressão dos pares surta efeito, os membros do grupo 
devem ter um respeito fundamental pela integridade dos dados de desempenho. Se não, em 
vez de ajudarem, esses dados vão causar revolta e recriminação. Se os médicos de uma 
organização reagirem a relatórios confidenciais de desempenho com ceticismo e negação, 
por exemplo, sua reação à divulgação pública de dados parecidos tenderá a ser ainda mais 
extrema. Se a conversa sobre outros assuntos ligados a atuação médica rapidamente 
descambar para a altercação, provavelmente o grupo não está preparado para lidar com a 
questão emocionalmente carregada do desempenho comparado. 
Na rede da Partners Health-Care, muitos grupos de médicos aliam a pressão dos pares a 
incentivos financeiros. Em outra grande clínica americana multidisciplinar, a Hawthorn 
Medical Associates, os médicos sabem exatamente como se comparam com os pares (tanto 
localmente quanto ao longo da rede) em indicadores específicos de remuneração por 
resultados. Os de menor pontuação se reúnem com diretores médicos para discutir 
estratégias de melhoria. Os de maior nota são convidados a comentar os dados e sugerir 
razões para seu sucesso. Os médicos se reúnem para a apresentação dos dados, com os 
nomes dos profissionais claramente visíveis. 
Um relatório de desempenho mostrou variação dramática no uso de exames 
radiológicos como tomografia e ressonância magnética por um grupo de médicos. Segundo 
o diretor medico da Hawthorne, a reação do médico a um dado desses "pode ser qualquer 
uma na escala Kubler-Ross, da cólera à negação à aceitação". Para atenuar efeitos negativos, 
o diretor vai imediatamente falar com o médico para lhe dizer exatamente o que fazer para 
melhorar. "Com isso, não estamos apenas soltando a má notícia, mas dando esperança ao 
indivíduo (...) e delicadamente lembrando que dados semelhantes serão apresentados na 
reunião do mês seguinte." No grupo em questão, o uso de exames radiológicos caiu 15% no 
primeiro ano e permaneceu constante desdeentão. Com abordagem similar, os médicos 
também fizeram progresso na gestão do diabetes e em resultados clínicos. 
Outra clínica multidisciplinar nos Estados Unidos, a Charles River Medical Associates, 
leva a combinação da pressão de pares e incentivos financeiros a um nível ainda mais 
elevado. A cada um dos 50 médicos do grupo é alocada uma quantia de cerca de US$ 10 mil 
ao ano numa espécie de bolão interno para promover vários elementos de "cidadania". No 
caso de um elemento — satisfação do paciente —, o grupo usa dados para classificar os 
médicos do melhor ao pior e divulga o resultado ao grupo todo. Financeiramente, e um jogo 
de soma zero: quem fica acima da média ganha um bônus e quem fica abaixo da media paga 
multa. Quanto mais afastado o médico estiver da média, mais dinheiro há em jogo. 
A resposta típica a esse ranking é "um monte de e-mails e telefonemas dos piores 
colocados", diz o administrador medico da Charles River. No final, porém, "querem saber 
por que se saíram mal e o que fazer para melhorar". 
 
Kelly W. Hall (khall@pchi.partners.org) é diretora executiva de planejamento estratégico da Partners 
Community HealthCare, nos EUA. 
 
 
Uma organização pensada para oferecer alto desempenho (e não unidades de serviço) 
pode ajudar a romper essas barreiras. Agora que resultados começam a pesar, por exemplo, 
certas instituições estão adotando estruturas de atendimento definidas pelas necessidades 
do doente. Em muitos casos, o primeiro passo é reunir, num único lugar, médicos das várias 
especialidades que prestam o grosso do atendimento a uma população de doentes. Às 
vezes, a oportunidade para essa reunião é aberta pela construção de novas instalações 
dedicadas a pacientes com um mal específico, como doenças cardíacas ou câncer. Em geral, 
no entanto, dirigentes institucionais precisam lançar uma campanha elaborada de 
remanejamento, algo que leva anos, para colocar em maior proximidade médicos de 
diferentes disciplinas que atendem a uma mesma população de pacientes. 
Mas essa medida, por si só, não vai garantir um esforço coordenado para melhorar o 
resultado para o paciente. É por isso que, na Cleveland Clinic, Delos Cosgrove aboliu 
departamentos tradicionais em favor de "institutos" definidos por doenças. Cosgrove 
percebeu que, no papel de cirurgião cardíaco, precisava colaborar mais com cardiologistas 
do que com cirurgiões especializados em outras partes do corpo. Logo, reuniu cardiologistas, 
cirurgiões cardíacos e cirurgiões vasculares numa nova unidade — o Instituto Cardiovascular 
— e começou a reunir e publicar informações sobre a evolução de pacientes ali. 
Em instalações parecidas, como o Centro de Cabeça e Pescoço da M.D. Anderson Câncer 
Center, de Houston, nos EUA, os médicos ainda pertencem a um departamento especifico, 
mas estão em proximidade, em dois andares adjacentes. Com o tempo, passaram a se 
identificar mais com seu papel no centro oncológico do que com o departamento de origem. 
O trabalho de organizar o tratamento em torno de necessidades do paciente — e não 
de interesses territoriais e políticos de médicos — também se da em escala menor. Em 
muitos dos principais hospitais de hoje, médicos das áreas cirúrgica, clínica e radiológica 
atuam juntos em procedimentos híbridos (como cirurgia cardíaca a céu aberto junto com 
cirurgia de correção de aneurisma abdominal) que, antigamente, teriam sido feitos 
separadamente. 
Mudanças organizacionais de grande escala como essas exigem líderes fortes e um contexto 
cultural no qual possam liderar. Por razões óbvias, tais líderes conseguem alavancagem 
adicional se forem médicos e sua organização empregar seus médicos. Na Cleveland Clinic, 
todos os médicos possuem contratos renováveis de um ano, o que diz maravilhas sobre a 
importância do espírito de equipe. 
Nem toda instituição terá a capacidade de liderança para realizar mudanças tão 
transformadoras. Mas, mesmo quando a integração de departamentos médicos não for 
viável, critérios de desempenho estrategicamente escolhidos podem promover o progresso. 
 
REGRA GERAL 
Em geral, o numero de gente que uma organização precisa capacitar para o aprimoramento 
de processos é a raiz quadrada do total de funcionários. 
Se tiver cem funcionários, 
 
sua organização precisa, portanto, treinar dez; se tiver 10 mil, precisa treinar cem. A maioria 
tem muito chão a percorrer antes de atingir essa meta. 
 
Crie um sistema de mensuração 
O primeiro desafio na criação de um sistema de mensuração de desempenho é levar 
todos na organização a falar a mesma "língua": ou seja, a medir as mesmas coisas da mesma 
maneira. Sem isso, fica fácil, para quem resiste a idéia, contestar a validade de aparentes 
diferenças, algo até compreensível. Já quando o profissional acredita que maçãs estão sendo 
comparadas a maçãs, a pressão dos pares e outros incentivos ajudarão a disseminar 
melhores práticas (veja "Pressão dos pares para melhorar desempenho"). 
A importância de uma linguagem comum fica clara no exemplo a seguir, que vem da 
minha própria organização. Infecções da corrente sanguínea são um problema grave e 
frequente em pacientes com cateteres intravenosos. Em Janeiro de 2008, o governo do 
estado americano de Massachusetts anunciou que começaria a divulgar publicamente as 
taxas de infecção de cada hospital. Cientes da iminente mudança, meus colegas passaram a 
incluir dados sobre infecções da corrente sanguínea nos boletins internos de qualidade 
compartilhados com o conselho e outros dirigentes da organização. Esses boletins 
mostravam diferenças evidentes nas taxas de dois de nossos hospitais, mas era difícil 
comparar as duas, pois cada hospital usava um método distinto de detecção de infecções. 
Para checar se havia infecção, o hospital A coletava amostras de sangue pelo próprio 
cateter — método indolor e simples, mas mais sujeito a contaminação ou falsos positivos. O 
hospital B, por sua vez, fazia uma nova punção com seringa para coletar a amostra de 
sangue. Em geral, o hospital A tinha taxas de infecção maiores. Em sua defesa, os médicos 
ali sempre diziam que era devido a falsos positivos decorrentes do método específico de 
detecção. Quando por fim adotaram o método do hospital B, no entanto, viram que sua 
taxa de infecção seguia maior. Com ambos os hospitais usando o mesmo método de 
mensuração, acabou a disputa sobre a origem da diferença. Responsáveis pelo controle de 
infecções ficaram interessadíssimos em saber o que mais o hospital B fazia de forma 
diferente. 
Quando os dados são uniformes e confiáveis, o líder pode defender a padronização de 
melhores práticas por toda a organização. Profissionais em todos os hospitais de nosso 
sistema decidiram, por exemplo, indicar com uma fita adesiva colorida todo cateter inserido 
em condições menos que ideais na emergência. Esse sinal informa a médicos e enfermeiros 
na unidade de tratamento intensivo que é preciso trocar o cateter assim que o paciente 
tiver sido estabilizado — algo que, esperamos, reduzira ainda mais as taxas de infecção. 
Nesse caso, as normas não foram ditadas pela cúpula da organização. O que veio de 
cima foi à pressão para coletar dados da mesma forma em todos os hospitais e usá-los para 
melhorar o atendimento. A inovação ocorre na linha de frente do atendimento; nossos altos 
administradores jamais teriam pensado em usar fita adesiva colorida em cateteres. O que 
podiam fazer — e fizeram — foi criar um ambiente no qual essas ideias se difundem. 
Por último, um sistema eficaz de mensuração requer métricas claras que detalhem 
custos e resultados de episódios de atendimento ou até de populações inteiras de pacientes. 
Esses dados podem ser usados com maior ou menor impacto. Embora trabalhadores de 
qualquer entorno, médico ou não, respondam a incentivos negativos ("Derrube a taxa de 
infecção para evitar humilhação"), incentivos positivos ("Derrube a taxa para prestar o 
melhor atendimento possível") podem ser mais eficazes. Critérios de desempenhomovidos 
a valores devem ser o foco de esforços internos de melhoramento — antes que a 
mensuração seja imposta aos líderes por atores externos. 
 
Monte equipes eficazes 
Trabalhar em equipe não é fácil para o médico, que ainda se enxerga como o herói 
solitário. A capacidade de desenvolver equipes e, no entanto, crucial para a liderança de 
toda sorte de instituição de saúde. 
Vejamos, por exemplo, como a atuação de equipes na americana Geisinger Health 
System (de cujo conselho faço parte) ajudou a reduzir reinternações pela metade. Nos EUA, 
cerca de 20% dos pacientes internados pelo programa público Medicare voltam a ser 
internados menos de 30 dias depois de receber alta. Esse retorno deve ser tornado por 
aquilo que é: a incapacidade do sistema de saúde de satisfazer necessidades de pacientes. 
Muitas reinternações parecem inevitáveis, mesmo em retrospectiva, mas outras resultam da 
confusão em torno de medicamentos que o paciente deveria tomar, de sinais que poderiam 
sugerir futuras complicações, do momento em que o paciente deve voltar ao médico e por aí 
vai. 
Nessa confusão reside uma oportunidade para instituições bem organizadas. O 
ingrediente óbvio da triunfal fórmula da Geisinger e instalar enfermeiros ("coordenadores 
de atendimento") no consultório de médicos de atendimento primário. Esses coordenadores 
estão sempre em contato com pacientes cujo caso é complexo, sobretudo se estão prestes a 
receber alta do hospital ou se voltaram há pouco para casa. São eles que determinam, por 
exemplo, que paciente precisa consultar qual médico, e quando. 
Já o ingrediente mais sutil desse modelo de sucesso — a formula secreta, por assim dizer 
— é uma cultura na qual coordenadores podem realmente coordenar o atendimento. Tal 
cultura exige que médicos sejam a um só tempo líderes e membros da equipe. Não faz 
muito, na estrita hierarquia de medicina o enfermeiro era visto basicamente como um 
técnico cuja função era obedecer a ordens. Nenhuma decisão era tomada sem o 
conhecimento e o consentimento de um médico. Achar que um enfermeiro pudesse ser um 
colaborador crucial de uma equipe clínica e tomar decisões de forma independente teria 
siso absurdo. 
Isso está mudando, pois instituições nas quais o atendimento segue o modelo 
tradicional simplesmente não podem igualar o desempenho da Geisinger e de outras 
organizações nas quais o médico trabalha em equipe com os coordenadores de 
atendimento. Nessas organizações, o papel do coordenador é parecido ao do armador no 
basquete, com o médico atuando como uma combinação de técnico e capitão do time. Para 
conduzir essas equipes o médico precisa passar uma responsabilidade considerável aos 
enfermeiros. A recompensa é um desempenho melhor nos indicadores mais importantes 
para o profissional e seus pacientes. 
Formar equipes é uma competência fundamental para líderes de grupos de medicina, 
sobretudo para os grupos cada vez mais comuns de 25 ou mais indivíduos, com médicos de 
várias especialidades. A maioria desses médicos entrou para um grupo não porque queria 
trabalhar em colaboração com outros para melhorar resultados, mas porque queria estar 
numa grande organização onde outra pessoa cuidasse de problemas administrativos, onde a 
presença de outros garantisse alguma proteção contra forças do mercado e onde fosse 
possível obter receita adicional com serviços de apoio como radiologia e exames 
laboratoriais. 
Só que a sorte desses grupos e de outros em todas as áreas da medicina vai depender 
de líderes que possam melhorar o desempenho ao inspirar (ou exigir) o trabalho em equipe. 
Em muitos mercados, seguradoras estão computando custos e qualidade na concepção de 
planos de saúde, para que o individuo pague mais — ou não tenha cobertura — se quiser 
consultar médicos em grupos mais caros, menos eficientes ou de menor qualidade. Na falta 
de pacientes, obviamente o grupo fecha. A capacidade de montar equipes de alto 
desempenho confere vantagem competitiva. 
 
Melhore processos 
Uma equipe de saúde não pode encarar sua missão como circunscrita a um momento 
ou projeto. O dia em que taxas de reinternação forem baixas o suficiente, em que o socorro 
em infartos for rápido o suficiente ou em que todo processo de atendimento médico for 
eficiente e confiável o suficiente não vai chegar nunca. Logo, o líder deve trabalhar sem 
trégua para reduzir erros e desperdício e melhorar resultados — prevenindo reinternações, 
por exemplo, ou reduzindo o tempo entre a chegada do infartado ao pronto-socorro e a 
desobstrução da artéria. Para tanto, precisa adotar uma cultura de aprimoramento de 
processes e usar de forma disciplinada seus métodos, como a gestão enxuta, a coleta de 
dados, o brainstorming, a intervenção e a análise de impacto. Precisa, ainda, de um 
compromisso de longo prazo com sua aplicação. É possível conseguir essa cultura e essa 
experiência de uma série de maneiras. 
Na saúde, o exemplo hoje clássico vem do Virginia Mason Medical Center, que uma 
década atrás corria o risco de perder mercado e seus melhores médicos para os vários 
hospitais de destaque na região. Num vôo em 2001, J. Michael Rona, diretor do centro, 
calhou de sentar ao lado de John Black, então diretor de gestão enxuta da Boeing. Black 
tinha mandado centenas de gerentes da Boeing ao Japão para estudar o Sistema Toyota de 
Produção (STP). Ao final do vôo, Rona estava convencido de que o Virginia Mason precisava 
fazer o mesmo. 
Rona e o presidente do centro, um médico de nome Gary Kaplan, começaram a levar 
grupos de colegas ao Japão para cursos de imersão de duas semanas no STP. Rona e Kaplan 
avisaram a organização inteira que papéis de liderança provavelmente seriam reservados a 
gente (inclusive médicos) que fizesse o curso e adotasse as lições. Até perderam médicos 
muito bons por causa disso. Mas o Virginia Mason usou sua versão do STP para reduzir 
custos, melhorar a qualidade e o atendimento e reforçar sua saúde financeira. 
É claro que nem todo hospital ou clínica pode ou deve despachar o pessoal para o 
Japão. Mas essas instituições podem achar (e estão achando cada vez mais) alternativas para 
incutir na organização a cultura do aprimoramento de processos. Muitas organizações 
enviaram altos dirigentes e gerentes de nível médio para treinamento na americana 
Intermountain Healthcare, de Utah. Ali, o diretor de qualidade. Brent James, administra um 
curso muito respeitado de melhoria de processos. Generoso, James já ajudou algumas 
organizações, incluindo a minha, a lançar um programa próprio para disseminação desse 
conhecimento. 
 
A CAPACIDADE DE DESENVOLVER EQUIPES E CRUCIAL PARA A LIDERANÇA DE 
TODA INSTITUIÇÃO DE SAÚDE. 
 
Derrube barreiras culturais 
Por que é tão difícil promover a colaboração num campo que atrai gente idealista, 
interessada em fazer o bem? Por que a mensuração do desempenho e o aprimoramento são 
coisas tão problemáticas para alguns dos indivíduos mais brilhantes, mais esforçados e mais 
competitivos da sociedade? Por que o conceito de eficiência e rejeitado por profissionais e 
instituições que se beneficiariam caso isso melhorasse o serviço que prestam? 
Uma palavra diz tudo: autonomia. Barreiras culturais a transformação do setor de saúde 
— a resistência de médicos a serem avaliados, a necessidade de serem "perfeitos", sua 
relutância em criticar colegas, sua resistência ao trabalho em equipe — refletem a profunda 
convicção de que a autonomia do médico é crucial para a qualidade na saúde. O médico 
sempre se enxergou como o único defensor do paciente, com o resto do mundo dividido 
entre aqueles que ajudam e aqueles que atrapalham. Armar um escândalo para defender o 
interesse de pacientes era uma conduta aceitável. Alguns de meus colegas mais respeitados 
confessaram o desejo de que ninguém nem sequer falasse com seus pacientes, salvo por 
intermédio deles. 
Por mais louvável que seja o fervor pela causa do paciente, a autonomia do médico não 
significa qualidade. Para que mudanças estruturaise operacionais — avaliação de 
desempenho, melhoria de processos, trabalho em equipe — se disseminem, o médico deve 
aceitar que cuidar bem do paciente não é o mesmo que ser onisciente ou controlador. Para 
que a ideia seja aceita, o líder pode usar três abordagens: 
Apelar ao melhor lado das pessoas. Quem decide trabalhar na saúde quer passar a vida 
fazendo algo bom: ajudar quem está doente. O altruísmo é crucial para a identidade do 
médico é a de praticamente todo mundo na medicina. Um líder da área da saúde não vai ter 
sucesso se não deixar explícito que partilha dessa aspiração e quer torná-la realidade. 
Em duas ocasiões nos últimos anos, vi James J. Mongan — que se aposentou há pouco 
da presidência da Partners HealthCare — observar, calado, enquanto colegas discutiam se 
uma determinada pratica seria adotada em toda a nossa rede de médicos. A primeira foi em 
6 de Janeiro de 2005, quando considerávamos a possibilidade de tornar obrigatório o uso de 
prontuários eletrônicos. A segunda foi em 6 de marco de 2007, quando considerávamos 
inscrever automaticamente o paciente com insuficiência cardíaca num programa de gestão 
do problema em vez de esperar que o médico o fizesse. 
Achávamos que ambas as medidas ajudariam a melhorar o atendimento ao paciente. 
Mas hesitávamos, pois sabíamos que alguns médicos ficariam contrariados ao perder parte 
da autonomia. Podiam deixar a rede e levar consigo seus pacientes. Mas, nos dois casos, 
Mongan encerrou a discussão dizendo: "Creio realmente que isso e o certo a fazer". 
Ninguém podia rebater tal argumento, e ninguém o fez. Na medicina, mais do que na 
maioria das outras áreas, o chamado de um líder importante a fazermos o que é "certo" 
pode ser um coelho na cartola. 
Divulgar dados. Ao ver avaliações de desempenho, o médico corre a questionar os 
dados e a detectar problemas metodológicos com a informação. Mas o fato e que e 
fascinado por dados e fica vidrado nisso. No setor de saúde, Brent James talvez seja o 
supremo mestre dos dados; há décadas colocou a coleta e a partilha de informações sobre 
qualidade e eficiência no centro da cultura da Intermountain Healthcare. Em vez de fazer um 
ataque frontal a autonomia dos médicos, James derruba sua resistência a mudança ao 
mostrar como seu desempenho difere da norma. 
Definir estratégia em torno de necessidades do paciente. O que os médicos sabem e 
fazem esta constantemente mudando, mas as necessidades do paciente permanecem as 
mesmas. O individuo adoece, se preocupa e espera ser curado ou livrado do sofrimento. E 
para satisfazer suas necessidades que o setor de saúde existe. Vimos que os líderes de 
organizações como as americanas Cleveland Clinic, Intermountain Healthcare e Virginia 
Mason Medical Center fizeram da abstrata noção do paciente em primeiro lugar uma sólida 
estratégia organizacional. 
A migração para um sistema voltado a eficiência é movido por resultados exige que o 
médico se adapte ou até mesmo rejeite certas formas de trabalho enraizadas no passado da 
medicina. Por mais difícil que seja a mudança, acredito que a nova geração de líderes irá 
conseguir. Aliás, essa geração não tem escolha. Defender a ordem vigente não é mais uma 
estratégia viável, mesmo a curto prazo.