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einstein: Educ Contin Saúde. 2009;7(4 Pt 2): 216-8 Saúde alimentar Segurança alimentar: lactário Silvia Maria Fraga Piovacari1,Vanessa A. Cruz Ramis Figueira2, Ana Lucia Salgado Potenza3 1 Coordenadora do Serviço de Nutrição Clínica do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE; São Paulo (SP), Brasil. 2 Nutricionista sênior responsável técnica pelo Banco de Leite, DIEN e Lactário do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE - São Paulo (SP), Brasil. 3 Mestre em Ciências Aplicadas à Pediatria; Nutricionista da Unidade de Neonatologia do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. Este artigo apresenta uma revisão de procedimentos e condutas que focam o controle de qualidade na produção de fórmulas lácteas, tendo em vista que a população-al- vo (prematuros, recém-nascidos e lactentes) pode estar imunologicamente debilitada e apresentar maior susce- tibilidade às doenças transmitidas por alimentos(1). O lactário é a unidade hospitalar ligada ao Serviço de Nutrição destinada ao preparo, higienização e distri- buição de leite materno e fórmulas infantis modificadas em pó prescritos pela equipe médica ou pelo nutricio- nista para atender às necessidades do recém-nascido e dos lactentes nas unidades de internação, sob as mais rigorosas técnicas de assepsia, de maneira a oferecer à criança uma alimentação adequada com menor risco de contaminação(1). O preparo da fórmula infantil modificada em pó e da nutrição enteral envolve processos bem semelhantes, devendo ser implantadas rotinas e procedimentos, para cada etapa do processo, que assegurem e comprovem a qualidade microbiológica do produto final. No Brasil, o preparo da nutrição enteral é regido pela resolução RDC nº 63 de 6 de julho, 2000, porém não há uma resolução específica para a área do lactário. Por esse motivo, a implantação do Sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC) no lactário de um hospital é de grande importância, pois Esta seção tem o objetivo de atualizar o leitor em relação à nutrição e saúde alimentar. A alimentação saudável e segura, baseada em informações atuais, pode se refletir na qualidade de vida dos indivíduos e nos tratamentos de saúde a ela associados. Nutrição clínica, segurança e higiene alimentar, gastronomia e saúde pública serão tópicos desta seção. Silvia Maria Fraga Piovacari Editora da seção se baseia na análise das diversas etapas de produção de alimentos, identificando e avaliando os perigos e sua probabilidade de ocorrência, determinando medidas preventivas para controlá-los com base em pontos críti- cos de controle(2). Visando a melhorar as condições higiênico-sa- nitárias que envolvem a preparação de alimentos e a adequá-las à ação da Vigilância Sanitária, o Ministério da Saúde publicou a portaria nº 1428 de 26/11/1993, re- comendando que seja elaborado um Manual de Boas Práticas de Manipulação de Alimentos baseado em pu- blicações técnicas da Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos (SBCTA), Organização Mun- dial da Saúde (OMS) e Codex Alimentarius. Esse manual deve ser um descritivo real dos pro- cedimentos técnicos utilizados para a produção de ali- mentos, envolvendo: responsabilidade técnica, controle de saúde dos funcionários, controle de água para consu- mo, controle integrado de pragas, regras para visitantes, controle de matéria-prima, adequação estrutural do es- tabelecimento e procedimentos técnicos(3). O nutricionista é o profissional responsável pela ela- boração desse manual, tendo as seguintes atribuições: - selecionar, adquirir, armazenar e distribuir criterio- samente os insumos necessários ao preparo de fór- mulas lácteas; - controlar o estoque dos produtos utilizados; - validar e implantar procedimentos que assegurem a manutenção das características organolépticas e a garantia microbiológica e bromatológica dentro de padrões recomendados; - organizar e operacionalizar as áreas e atividades de preparação; - elaborar receituários padrão e especial (ordem de produção); einstein: Educ Contin Saúde. 2009;7(4 Pt 2): 216-8 217 - elaborar relatórios estatísticos de produtividade; - avaliar a prescrição dietética da fórmula láctea quanto à sua adequação, concentração e compatibi- lidade físico-química de seus componentes; - realizar treinamentos e reciclagens periódicas para as lactaristas; - determinar e acompanhar coletas de amostras men- sais realizadas pelo laboratório de análises micro- biológicas. A lactarista é o profissional responsável pela exe- cução operacional das atividades que envolvem o re- cebimento e armazenamento de produtos, produção, envase e distribuição de fórmulas lácteas, higienização de mamadeiras, utensílios e equipamentos de utilização na produção(4). PreParo de fórmulaS lácteaS(4-5) Após a higienização da área, dos equipamentos e uten- sílios, é efetuada a separação dos ingredientes/mate- riais, higienização das mãos e paramentação que deve ocorrer da seguinte forma: - higienizar as mãos e antebraço; - colocar touca descartável; - vestir sobre o uniforme o avental limpo; - colocar a máscara descartável; - higienizar as mãos novamente. A utilização de luvas é indicada para a manipu- lação de alimentos prontos para o consumo que já sofreram tratamento térmico, para o preparo e ma- nipulação de alimentos que não sofrerão tratamento térmico e manipulação de frutas e vegetais que já fo- ram higienizados. Devem ser trocadas a cada troca de procedimento. Deve ser reforçada a recomendação de se lavarem as mãos sempre que estiverem visivelmente sujas e as situações para a utilização do gel alcoólico. O processo de produção das fórmulas lácteas com ou sem mucilagens, complementos e envase de leite ma- terno com ou sem fortificante segue os passos a seguir: 1. checagem das etiquetas de identificação das formu- lações/leite materno conforme lista de ordem de produção, alterando se necessário; 2. cálculo da quantidade total de cada tipo de fórmu- la a ser preparada, conforme lista da pediatria, dos berçários e da UTI neonatal, conforme indicado no receituário do lactário; 3. preenchimento do formulário de controle de lote de produção de fórmulas lácteas para rastreamento; 4. pesagem dos ingredientes necessários para iniciar a diluição; 5. envase das formulações, conferindo o volume com o previsto na etiqueta, seguindo a ordem de preparo: I. formulações autoclaváveis; II. formulações não-autoclaváveis; III. leite materno com adição de fortificante. As formulações lácteas que poderão sofrer o proces- so de esterilização terminal são colocadas em autoclave e confecciona-se, em toda produção, uma mamadeira teste para acompanhamento da temperatura durante o processo de autoclavagem e resfriamento. O tratamento térmico utilizando autoclave em for- mulações infantis modificadas visa a garantia da quali- dade da sua utilização em ambiente hospitalar, permi- tindo utilização em 24 horas sob refrigeração(4). O leite constitui excelente meio de cultura para a maioria dos micro-organismos, além de sofrer alterações com grande facilidade em curto espaço de tempo. Além dos aspectos inerentes à natureza desse produto, asso- ciam-se riscos adicionais, como higiene no processamen- to das preparações lácteas, tempo entre preparo e distri- buição e condições de armazenamento, que podem ser consideradas um risco de infecção para o recém-nascido. No primeiro semestre de 2009, o lactário do Hos- pital Israelita Albert Einstein readequou o processo de preparo das fórmulas lácteas devido à existência da bac- téria Enterobacter sakazakii (ES), que pode estar pre- sente na fórmula infantil modificada em pó. Todas as fórmulas que não são autoclavadas são obrigatoriamen- te preparadas com água mineral à temperatura mínima de 70 °C para inibir o crescimento da bactéria que pos- sui habilidade em contaminar as fórmulas lácteas por meio de duas maneiras(6): - intrinsecamente: resultante da introdução da bacté- ria na fórmula durante oprocesso de manufatura do produto; - extrinsecamente: resultante do uso de utensílios contaminados durante a reconstituição da fórmula. A ES é um bacilo gram-negativo da família Entero- bacteriaceae, que não faz parte da microbiota normal do trato gastrintestinal humano ou animal, relacionada a diversos surtos e casos esporádicos de doenças envol- vendo neonatos debilitados. A população de risco à in- fecção é composta por prematuros, abaixo de 2.500 g ou recém-nascidos a termo até atingirem quatro a seis semanas de idade, crianças imunocomprometidos de qualquer idade ou que necessitem de cuidados espe- ciais (UTI neonatal). A maioria dos casos de infecção por E. sakazakii re- latada na literatura científica descreve recém-nascidos com sepse, meningite ou enterocolite necrosante como consequência da infecção. einstein: Educ Contin Saúde. 2009;7(4 Pt 2): 216-8 218 recomendaçõeS da fao, WHo e eSPGHan Para reduzir riSco de infecção(7) - a preparação da fórmula deve ser realizada em am- biente estéril; - a água utilizada para a diluição do pó deve estar em temperatura maior que 70 °C; - minimizar a permanência em temperatura ambiente. Validade daS fórmulaS lácteaS Sob refriGeração (2 a 4°c)(2,4) - fórmulas lácteas autoclavadas; validade de 24 horas; - fórmulas lácteas não-autoclavadas; validade de 12 horas. reaquecimento e diStribuição - Devem ser desenvolvidos padrões e técnicas para o reaquecimento das fórmulas lácteas, no momento da distribuição, em banho maria a 37 °C. - A distribuição deve ser realizada imediatamente após a realização do choque térmico em recipientes apropriados. Guarda de amoStra daS fórmulaS lácteaS - Recomenda-se separar amostra de 100 ml de cada tipo de produto por lote produzido por 72 horas sob refrigeração. - Mensalmente são coletadas amostras das fórmulas lácteas e dietas enterais produzidas no lactário e no Setor de Dietas Enterais (DIEN) do Hospital Isra- elita Albert Einstein para análise microbiológica e validação dos processos. conSideraçõeS finaiS Os processos direcionados pelas normas técnicas e re- gulamentos técnicos são de suma importância para nor- tear as atividades, assegurando que os serviços atendam uniformemente às exigências, garantindo assim a segu- rança e qualidade do produto final. Em uma instituição, a qualidade pode ser resultado não apenas de ações que objetivam atender às expec- tativas dos clientes, mas também de um conjunto de procedimentos, processos, controles e estratégias que proporcionam a efetiva realização do trabalho com ex- celência de qualidade e eficiência. referênciaS 1. Cardoso TZ, Hamanaka HDN, Teixeira EP, Oliveira RC, Fonseca YSK, Arine MLB, et al. Controle de qualidade em lactário. Hig Aliment. 2004;18(120):64-9. 2. Silva Jr E. Manual de Controle higiênico-sanitário em alimentos. 4ª ed. São Paulo: Varela; 1995. p. 264. 3. São Paulo. Secretaria da Saúde. Portaria CVS-6/99 do Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria de Estado da Saúde de 10 de março de 1999. Regulamento técnico sobre parâmetros e critérios para o controle higiênico- sanitário em estabelecimentos de alimentos. Diário Oficial do Estado; 12 mar 1999. p. 24-7. 4. Carneiro OP. Recursos e procedimentos inovadores em lactário. Hig Aliment. 1992;6(24):37-9. 5. Maschietto LW. Procedimentos em relação ao controle higiênico sanitário em lactários In: Silva EAJ. Manual de controle higiênico-sanitário em serviços de alimentação. São Paulo: Varela; 2005. p. 378-92. 6. Giovannini M, Verduci E, Ghisleni D, Salvatici E, Riva E, Agostoni C. Enterobacter sakazakii: an emerging problem in pediatric nutrition. J Int Med Res. 2008;36(3):394-9. 7. Agostoni C, Axelsson I, Goulet O, Koletzko B, Michaelsen KF, Puntis JW, Rigo J, Shamir R, Szajewska H, Turck D, Vandenplas Y, Weaver LT; ESPGHAN Committee on Nutrition. Preparation and handling of powdered infant formula: a commentary by the ESPGHAN Committee on Nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2004;39(4):320-2.