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................................................................... Anais Eletrônicos do IX Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História 18, 19 e 20 de abril de 2011– Florianópolis/SC 1 ENSINO DE HISTÓRIA: ENTRE O VISÍVEL E O POSSÍVEL André Felipe Penteado 1 Universidade do Vale do Itajaí - Univali andre.f.penteado@gmail.com Introdução Os trabalhos pertinentes ao ensino da História no sistema público de educação enfrentam, neste início de século XXI, problemas que interferem em sua qualidade de forma drástica e profunda. Os desafios a serem enfrentados são grandes e devem ser pensados e analisados de modo a se encontrar respostas a eles que possibilitem a atualização do ensino de História para o novo século. De que forma então deveremos iniciar este processo de análise e questionamento? A observação parece ser o ponto de partida, pois é através destas práticas de observação que entraremos em contato com uma realidade que pretendemos alterar, por não a considerarmos eficiente. As observações realizadas em escolas da rede pública de educação, em turmas do ensino fundamental e médio demonstraram de forma contundente alguns problemas estruturais, que devem ser explorados. Em primeiro lugar a inacessibilidade da História aos alunos. Os métodos adotados pelos professores demonstram uma linha metodológica baseada na acumulação repetitiva de fatos, personagens e datas. Tal método parece não surtir efeito uma vez que a História explicada e estudada desta forma tende a estender ainda mais a distancia entre o conhecimento e os alunos, ao invés de aproxima-los. Questionamento inevitável ao constatar tal situação é “que tipo de História estamos ensinando?”. Com toda certeza não é uma História que permita aos jovens compreenderem suas próprias situações enquanto agentes históricos e conjecturar possibilidades de transformação pessoal e coletiva. É sim uma História que retira qualquer noção de responsabilidade pessoal e a deposita sobre os ombros de personagens históricos absolutamente distantes dos alunos, figuras que nada lhes dizem. 1 Graduação em Licenciatura Plena em História pela Universidade do Vale do Itajaí - Univali ................................................................... Anais Eletrônicos do IX Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História 18, 19 e 20 de abril de 2011– Florianópolis/SC 2 Compreendendo que o papel da História para o novo século seja, entre outras coisas, possibilitar a formação de uma consciência crítica sobre a sociedade e o mundo e a fomentação da cidadania nas novas gerações, devemos buscar formas de alcançar tais objetivos através da História, uma vez que tais pontos não poderão ser alcançados através do ensino como ele é atualmente ministrado nas escolas onde as observações ocorreram. A possibilidade de utilização da literatura nas aulas de História apresenta-se como uma ferramenta ideal devido a algumas características específicas, dentre elas a possibilidade de se observar e se identificar com os personagens contidos nos romances através de uma abordagem comparativa. É um ângulo de visão diferente do apresentado nos textos da História tradicional, é a visão de pessoas e grupos sociais muitas vezes não pertencentes as parcelas dominantes política e economicamente. Abre-se o estudo da História a uma nova perspectiva, mais próxima e mais acessível aos educandos. Admitindo portanto a extrema importância de aproximar os temas de estudo do campo de significação dos alunos, diz Piaget (2005, p. 37) “O interesse é a orientação própria a todo ato de assimilação mental. Assimilar, mentalmente, é incorporar um objeto à atividade do sujeito, e esta relação de incorporação entre o objeto e o eu não é outra que o interesse, no sentido mais direto do termo („inter-esse‟)”. Busca-se na Literatura uma forma de tornar a História viva, de encontrar nas situações e tramas ficcionais da Literatura pontos de identificação entre os alunos e os personagens literários e a consecutiva geração de interesse pela História. Interesse que é indispensável para um estudo crítico da História, que demonstre as condições do Homem em outros momentos históricos e as transformações ocorridas nas formas de entender e sentir o mundo até a atualidade, segundo Rafael Ruiz (2005, p. 77) “Trata-se, portanto, de ensinar o aluno não a contemplar o “edifício da História” como algo já pronto, mas de ensinar-lhes a edificar o próprio edifício”, oferecendo a ele os instrumentos para a edificação do próprio ponto de vista, tão explicitamente quanto possível. O visível: o fracasso de um modelo Tendo em vista que este trabalho é um dos resultados provenientes das práticas de observação levadas a cabo ao longo do ano de 2010 em duas escolas da rede pública de educação torna-se necessário iniciar as discussões com alguns elementos notados durante tais práticas. ................................................................... Anais Eletrônicos do IX Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História 18, 19 e 20 de abril de 2011– Florianópolis/SC 3 As aulas de História que observamos caracterizam-se por serem estruturadas de forma a inviabilizar a autonomia intelectual dos alunos, isto ocorre na medida em que as informações e conteúdos percorrem uma via única dentro da classe, partindo do professor para os alunos, em algumas ocasiões mediada por livros didáticos em outras não. De toda forma este movimento não é alterado, uma vez que tanto os professores quanto os livros didáticos organizam-se da mesma forma. Os temas de estudo são rapidamente explicados para em seguida iniciar-se um longo processo de exposição de fatos e acontecimentos que tendem a não serem absorvidos pelos alunos de forma apropriada. O educador enquanto emissor e os estudantes como receptores de um conhecimento supostamente importante, mas que não se verifica enquanto tal aos olhos dos jovens termina por criar uma atmosfera que muitas vezes vemos descrita nas reclamações de professores. Alunos dispersos, que não se concentram nas aulas, que desestabilizam o ambiente com brincadeiras e conversas paralelas aos temas das aulas, arrogantes e zombateiros. Eis algumas das mais frequentes exteriorizações da inadequação dos alunos aos métodos educacionais utilizados cotidianamente. Os professores por outro lado completam o quadro com suas também típicas broncas, ameaças e punições em um esforço inútil e desgastante de manutenção de uma postura disciplinar que encontra como eco, na melhor das hipóteses, um silencio antinatural, sustentado pela imposição hierárquica e ainda assim efêmero. Em tais situações, críticas muitas vezes, o único elemento que se faz presente de forma clara é a inadequação, dos alunos com relação aos métodos aplicados pelos professores e destes em relação aos estudantes. Esta desarmonia ocorre devido ao fato de não haverem pontos de identificação e aproximação entre os conteúdos abordados e os jovens. A História ministrada de forma factual, que não se presta a análise e sim a memorização de fatos e eventos está tão distante do universo de significação dos jovens que a sua importância é mínima a estes estudantes. As análises provenientes das observações realizadas no decurso do ultimo ano nos fornecem exemplos abundantes das maneiras ineficientes com que os professores e alunos tentam sustentar suas relações de convívio. São formas antigas de relacionamento Educador – Aluno, que facilmente nos remetem aos nossos próprios períodos escolares, que revelam portanto uma estruturação pedagógica anacrônica,que se sustenta hoje devido a imposição violenta da hierarquia e outras formas de controle disciplinar não saudáveis à construção de um ambiente propício e funcional de aprendizado. ................................................................... Anais Eletrônicos do IX Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História 18, 19 e 20 de abril de 2011– Florianópolis/SC 4 Uma vez reconhecidos os problemas acima expostos devemos nos questionar então qual História ensinar neste novo século? Uma vez que a História tradicional não encontra espaço ou razão de ser em nossos dias? Que tipo de História ensinar no século XXI? Impelidos a realizar autoquestionamentos a respeito da docência neste inicio de século, de modo a buscar alternativas que sejam mais condizentes com a sociedade atual e suas demandas buscamos definir qual a História que devemos ensinar em nossas práticas profissionais. Levando em conta a ineficiência de modelos anteriores e ainda encontrados em muitas escolas nos perguntamos sobre a forma com a qual devemos agir enquanto professores e quais os objetivos que devemos procurar alcançar no ensino de História. Os modelos descritos anteriormente possuem por características básicas a emissão, a partir do educador, de uma gama de informações, eventos e personagens que devem ser memorizados pelos estudantes e reproduzidos em exames avaliativos periódicos, cuja finalidade é justamente medir a quantidade de informação memorizada pelo aluno. Observa-se então que o foco dos trabalhos não é o desenvolvimento de análises críticas por parte dos alunos a respeito dos temas trabalhados, e sim a acumulação de informações memorizadas. Esta História meramente factual, sem contato com o presente com a realidade é uma História presa ao passado, que não permite movimento, é uma História morta portanto. Para dar vida a História devemos identificar e estabelecer pontos de contato com a vida dos alunos, pontos que induzam a realização de análises comparativas entre a vivencia humana individual e coletiva, enquanto sociedade, ontem e hoje, é a ascensão da consciência histórica é a formação de sujeitos que se entendem como Sujeitos Históricos. Jaime Pinsky (2005, p. 21) refletindo sobre a educação de História atualmente ressalta a necessidade de que “Cada estudante precisa se perceber, de fato, como sujeito histórico, e isso só se consegue quando ele se dá conta dos esforços que nossos antepassados fizeram para chegarmos ao estágio civilizatório no qual nos encontramos”. A percepção de nossa condição enquanto Sujeitos Históricos nos investe de um senso de responsabilidade ................................................................... Anais Eletrônicos do IX Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História 18, 19 e 20 de abril de 2011– Florianópolis/SC 5 individual e coletiva. Uma vez que observamos os movimentos e esforços de nossos antepassados na construção do mundo que conhecemos, para o bem e para o mal, torna-se inevitável nos perguntarmos quais devem ser nossas posturas perante o mundo hoje, como as ações que realizamos ou deixamos de realizar afetarão o mundo em que nossos filhos e netos viverão ou mesmo o mundo no qual viveremos nossa velhice. Rejeitado os métodos tradicionais de se ensinar História devido a sua ineficiência em relação ao objetivo de se formar jovens investidos de consciência histórica, devemos refletir então sobre quais as formas mais apropriadas de se alcançar estes objetivos. O possível A literatura enquanto uma ferramenta dos professores de História em suas práticas é um tema discutido com regularidade especialmente no meio acadêmico, e aproximações e distanciamentos entre estas duas formas de apresentar o ser humano sugerem que por mais que já tenha sido abordado e discutido o tema ainda esta longe do esgotamento. A representação do ser humano em uma determinada época, manifestando-se em relação ao mundo e a si mesmo, agindo de acordo com padrões comportamentais, códigos éticos ou concepções do sagrado e do místico que hoje nos parecem absolutamente alheias constituem a joia principal para o educador convencido da possibilidade de utilização da Literatura nos estudos de História. Uma vez assumida a necessidade de identificação em algum grau dos estudantes com os temas de estudo, afim de que se crie os laços de interesse indispensáveis a boa aprendizagem, o educador encontrará no aspecto humano dos personagens e nas diversas situações descritas nos romances a criação de possibilidades de identificação pessoal para os alunos e o surgimento de pontos de interpretação e questionamento que deverão ser explorados pelo Professor em debates em sala de aula, como nos dizem Abud, Silva e Alves (2010) em suas análises sobre a Literatura no ensino da História é função do historiador captar e compreender as discussões políticas, sociais, econômicas, culturais e até mesmo psicológicas do autor da obra com o seu tempo, sendo este o Educador, que poderá identificar, em uma prática conjunta com os alunos, as especificidades históricas presentes na ficção literária, caracterizando assim a literatura como importante material de discussão na prática do ensino de História (Id., Ibid.). Ao refletirmos sobre os deveres e objetivos do ensino de História para o novo século estipulamos a possibilidade que a História oferece de criar jovens que se reconheçam enquanto sujeitos inseridos em uma História comum a humanidade, que se ................................................................... Anais Eletrônicos do IX Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História 18, 19 e 20 de abril de 2011– Florianópolis/SC 6 percebam como sujeitos históricos, cujas vidas são parte dos movimentos já ocorridos ao passo que são também construtoras do futuro a partir do presente, nas palavras de Bezerra (2005, p. 45) “O sujeito histórico, que se configura na inter-relação complexa, duradoura e contraditória entre as identidades sociais e as pessoais, é o verdadeiro construtor da História”.. Se este é o papel da História para o novo século, se este objetivo trará ao ensino de História a vitalidade e o espírito critico que a concepção de uma história factual e memorialista não a concedeu poderemos adotar a literatura de época, os romances históricos como grandes aliados. A literatura operando em conjunto com o estudo da História, no sentido de familiarizar os jovens com períodos de tempo inacessíveis através dos livros didáticos e da exposição apenas cientifica da História permite a compreensão a partir de pontos de vista pertencentes a grupos sociais que não prevaleceram ao longo do curso da humanidade, apresenta-se a perspectiva histórica de grupos excluídos e não apenas a história dos heróis, condição fundamental para a criação da consciência crítica do jovem cidadão, ainda segundo Bezerra (2005, p. 47): O conjunto de preocupações que informam o conhecimento histórico e suas relações com o ensino vivenciado na escola levam ao aprimoramento de atitudes e valores imprescindíveis para o exercício pleno da cidadania, como exercício do conhecimento autônomo e crítico; valorização de si mesmo como sujeito responsável da História [...] O processo através do qual podem ser realizadas as atividades envolvendo o ensino de História e a Literatura deve ser planejado pelo educador de modo a se adaptar a turma, deve ser flexível para atender as necessidades de cada sala de aula ou de cada escola, sempre diferentes umas das outras. No entanto há alguns pontos que devem ser observados, a um primeiro momento a própria seleção do texto que será utilizado duranteas aulas levando em consideração os objetivos específicos que se pretende alcançar com aquela leitura. Os textos a serem trabalhados devem se diferenciar dos textos de caráter científico encontrados nos livros didáticos e manuais devido a seu caráter impessoal, anônimo e desvinculado da prática social. Os trabalhos de leitura e análise dos materiais escolhidos pelo professor, conduzidos pelo mesmo de forma a provocar nos alunos a percepção de sua capacidade de interpretar e de identificar indícios da experiência humana em outros tempos. Após as interpretações e análises realizadas pelos alunos o conhecimento histórico de caráter formal pode encontrar espaço dentro da prática didática, uma vez que agora ele não é visto como um estranho, mas como parte do mundo criado previamente pelos alunos ao terem contato com os relatos e as ................................................................... Anais Eletrônicos do IX Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História 18, 19 e 20 de abril de 2011– Florianópolis/SC 7 narrativas literárias. Tal conhecimento histórico segundo Schmidt e Garcia (2005, p. 302), “pode ser articulado em diversas situações de aula, com outras formas de conhecimento histórico – por exemplo, com as narrativas de historiadores, de autores de manuais didáticos e com conteúdos históricos veiculados pela mídia”. Conclusão O ensino de História nas escolas brasileiras sofre hoje de uma crise de identidade, não encontrando um lugar no mundo moderno, mundo este caracterizado pela velocidade da informação e sua abundante disponibilidade. Valendo-se de métodos ultrapassados e insistindo em ensinar nas salas de aula uma visão da História que não mais encontra eco na mente dos jovens o estudo da História parece estar inviabilizado a contribuir de forma significativa para a formação das novas gerações. Buscando formas de se alterar tal situação devemos a um primeiro passo definir que tipo de História devemos então ensinar aos nossos alunos, uma História tradicional pautada na acumulação repetitiva de informações, que desincentiva qualquer análise ou reflexão e que apresenta de forma abundante sinais de ineficiência? Ou devemos procurar formas de se ensinar História aos nossos alunos de uma maneira que os sensibilizem em algum grau com os conteúdos de estudo? E se esta for a opção como viabilizar isto em sala? A opção pela utilização da Literatura não deve ser compreendida como algo de menor importância ou como uma distração que o professor pode lançar mão de tempos em tempos, uma medida paliativa e sem profundidade. O ensino da História sendo realizado de forma conjunta com a Literatura a partir de obras que permitam aos estudantes realizarem reflexões sobre as condições de vida de parcelas da população geralmente marginalizadas como a situação das mulheres ou das crianças em vários momentos históricos é de fundamental importância se esperamos realizar um ensino que ao invés de forçar o aluno a apreender ou decorar algumas informações procura cativa-lo para que ele mesmo apreenda (com a ajuda e mediação do educador) a História da humanidade e a relacione com sua própria vida. Tal possibilidade oferecida pela literatura pode ser aproveitada pelo educador de modo a criar as condições básicas de familiarização com o espírito de determinada época e a partir disto iniciar uma abordagem mais “cientifica” ou “didática” inclusive a respeito de temas políticos ou econômicos. ................................................................... Anais Eletrônicos do IX Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História 18, 19 e 20 de abril de 2011– Florianópolis/SC 8 Considerando a formação de pessoas com capacidade critica, capazes de olhar e interpretar o mundo ao seu redor e conscientes de suas situações enquanto sujeitos históricos como sendo o norte de nossa proposta ao ensino de História para o novo século este artigo propõe, para se alcançar tal fim, a utilização de obras literárias em sala de aula devido a capacidade da literatura de fornecer possibilidades de interpretação e de identificação, levando o aluno e o professor a estabelecer paralelos entre a vida humana ontem e hoje e conscientizar o aluno sobre sua condição de sujeito histórico, fruto de construções passadas e responsável pelo futuro. Referências BEZERRA, Holien Gonçalves. Ensino de História: conteúdo e conceitos básicos. In: KARNAL. Leandro (Org.) História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 4. edição. 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