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Disciplina Linguística: Formalismo Coordenador da Disciplina Profª. Maria Claudete Lima 9ª Edição Copyright © 2010. Todos os direitos reservados desta edição ao Instituto UFC Virtual. Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, dos autores. Créditos desta disciplina Realização Autor Prof. Paulo Mosânio Teixeira Duarte Sumário Aula 01: Formalismos, seu Alcance Metodológico e Pontos de Contato.............................................. 01 Tópico 01: A contribuição de Saussure .................................................................................................. 01 Tópico 02: O Estruturalismo Americano ............................................................................................... 04 Aula 02: Princípios do Estruturalismo ................................................................................................... 06 Tópico 01: O Princípio da Oposição e da Distribuição .......................................................................... 06 Tópico 02: Princípio da Sistematicidade ................................................................................................ 09 Tópico 03: Princípio da Neutralização ................................................................................................... 11 Aula 03: Introdução ao gerativismo ........................................................................................................ 13 Tópico 01: A gramática gerativa: Um conceito diferente de gramática ................................................ 13 Aula 04: O Gerativismo ............................................................................................................................ 17 Tópico 01: Linhas Gerais de seu Programa ........................................................................................... 17 TÓPICO 01: A CONTRIBUIÇÃO DE SAUSSURE O nome formalismo se prende à palavra forma, palavra que, em Linguística, tem vários sentidos como você deve saber. O sentido que nos interessa de perto é "feixe de relações", tal qual está definido no Curso de Linguística Geral: "a língua é uma forma não uma substância". Com esta frase, Saussure quis dizer que o importante não é o mundo exterior, mas o objeto língua fechado em si mesmo. As unidades seriam definidas no interior da própria língua. Não interessam as funções sociais que a língua desempenha, quer como representação do mundo, a função ideacional, quer como relação entre falante e ouvinte, a função interpessoal. As unidades começam do fonema e da sílaba no nível fonológico; perpassam o plano morfológico, com o morfema; ascendem à palavra, à junção de palavras (sintagmas). Desta junção nascem as orações, que se combinam para formar combinação de orações ou sintagmas superocionais (cf. CAMARA JR.,1968 sv.Sintagma; BORBA, 1984). Por várias vezes, Saussure reforça seu ponto de vista sobre a língua como objeto fechado em si. Como você deve lembrar-se, algumas afirmações ficaram famosas. Podemos citar algumas: " a língua é um sistema em que tudo está estreitamente ligado"; "o sistema linguístico gira por inteiro ao redor das identidades e das diferenças". É famoso o slogan: "o signo não une o nome a uma coisa, mas um conceito a uma imagem acústica". O conceito corresponde ao significado, enquanto o nome corresponde ao significante. O linguista concebia a língua como um repertório de signos, conforme lhe foi dado a conhecer no início de seu curso. Porém, o conceito de língua tem outros alcances: "instituição social" e "acervo de regras e palavras no cérebro falante". A língua é, portanto, coletiva e abstrata. Como é fácil perceber, estas entidades se encontram na mente/ cérebro do emissor, quer seja em forma de imagem pela qual se reconhece os sons da língua em sua ilimitada variedade, quer seja em forma de conceito, que permite reconhecer os objetos apesar de nunca haver dois objetos iguais, pois eles mudam conforme as situações. O problema é que é muito difícil saber o que é um conceito e como ele se forma na cabeça do falante. Afinal nunca vimos um cérebro em funcionamento nem sabemos muito sobre os mecanismos neurológicos que geram um conceito. E mesmo assim, seria preciso "ver" o produto chamado conceito. LINGUÍSTICA: FORMALISMO AULA 01: OS FORMALISMOS, SEU ALCANCE METODOLÓGICO E PONTOS DE CONTATO 1 Como sabe, conceito é termo filosófico: ele contém por definição o que é comum a todos os objetos e, consequentemente, elimina as diferenças. Guardadas as distinções, o mesmo se pode dizer do termo imagem, na expressão imagem acústica. Qual é a natureza desta imagem? Saussure insiste no caráter psíquico do significante e do significado. Ele diz claramente que "ambos são de natureza psíquica". Por isto, não concordamos com autores, como Castelar de Carvalho (2000), que divulgam o ensinamento de Saussure, simplificando-o: o autor citado afirma que o significante é psicofísico, tradução fônica de um conceito. Na verdade, o significante é apenas psicológico. Ainda hoje, apesar dos inconvenientes, usam-se as denominações significante/significado. Mas em vez delas, se formularam outras, Plano da Expressão/Plano do Conteúdo, da qual vamos falar no momento oportuno com as devidas reformulações, apoiadas no próprio Curso de Linguística Geral (1977). OBSERVAÇÃO Saussure nos deixou um legado ímpar em Linguística. Em primeiro lugar, foram fecundas as dicotomias propostas por ele, as quais certamente você estudou quando fez Introdução à Linguística e que lhe sugerimos revisar nas linhas gerais: ◾ língua/fala; ◾ significante/significado; ◾ paradigma/sintagma; ◾ forma/substância; ◾ sincronia/diacronia. Nos capítulos pertinentes, não repetiremos os conteúdos básicos a não ser como mera introdução. O importante para nós é tirarmos as consequências destas dicotomias para fins de estudo e análise para que você verifique a aplicabilidade delas. Também é de suma importância, apoiados em revisões posteriores de outros estudiosos, vermos como algumas insuficiências foram superadas. Outro ponto importante é o legado para a formação de grandes escolas: A GLOSSEMÁTICA Do Grupo de Copenhague, a mais ortodoxa corrente saussureana, representada por Hjelmslev, cujo objetivo era levar às últimas consequências a tese de que a língua se constitui só de relações internas, como objeto fechado. Daí o nome Glossemática: estudo das menores unidades da língua (do grego glossa: "língua" e –ema,"menor unidade"). O CÍRCULO DE PRAGA Heterogênea, congregava estruturalistas e funcionalistas (estes julgam que a língua não pode ser reduzida a um feixe de funções internas, mas possui função de comunicar ideias e relacionar pessoas). Entre eles citamos: Tesnière, o Pai da concepção de que o núcleo da oração é o verbo, 2 Trubetzkói, o Pai da Fonologia; Jakobson, famoso por trabalhos em Fonologia e sobre funções da Linguagem; Bühler, estudioso, que também estudou as funções da linguagem; Mathesius, Danes, ambos funcionalistas, e outros. O CÍRCULO DE GENEBRA De onde saiu Ferdinand de Saussure, heterogênea, o maior vulto foi Bally, que concebeu a língua como portadora de afetividade e subjetividade. Foi o Pai da Estilística. Mas a concepção formalista de língua não se limita a Saussure. Nos Estados Unidos, você certamente deve recordar a partir de suas aulas de Introdução à Linguística, houve um linguista de muita importância, Bloomfield, que publicou um livro que marcou época, Language (1933). Falaremos dele a seguir. FONTES DAS IMAGENS 1. http://www.denso-wave.com/en/ Responsável: Profª. Maria Claudete LimaUniversidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual 3 TÓPICO 02: O ESTRUTURALISMO AMERICANO Leonard Bloomfield (1887-1949) [1] Bloomfield tinha uma concepção de língua diferente da de Saussure, embora defendesse como ele, a ideia de um sistema fechado. De início, poderíamos apontar algumas características na proposta do linguista americano: • mecanicismo: o homem é visto como uma máquina; • materialismo: o homem é encarado como um ente puramente material; • empirismo: o único método válido é a experiência. É célebre o exemplo de Bloomfield para ilustrar seus princípios teóricos. Duas pessoas, Jack e Jill, passeavam. Jack sentiu fome e pediu a Jill que lhe trouxesse uma maçã, o que ele fez. O ato verbal de Jack foi um substituto de suas necessidades fisiológicas. Emitiu ondas sonoras a Jill, que respondeu, ao apanhar a maçã. As ondas sonoras constituem o estofo, a contraparte física. Como você vê, ele rejeita a concepção de imagem acústica, de qualquer construto teórico que evoque a caixa preta, que é a mente humana. Por isso, dá dimensão física ao som, o que o opõe a Ferdinand de Saussure. Claro que reconhece os sons como alvo de estudo plural: de físicos e neurologistas, por exemplo. A maçã é o estímulo (S), que desperta fome e ação dos sucos gástricos em Jack (R). Jack fala, emite outro estímulo, que interessa à Linguística em parte, pois outros aspectos dos estímulos sonoros dizem respeito à Física e à Neurologia. O sentido não é mental para Bloomfield, que se recusava a entrar na caixa preta, a mente humana, ou melhor, o cérebro, pois mente, para Bloomfield, é entidade metafísica, da qual não se deve falar em ciência. Do mesmo modo, não se deve falar de entidades como espírito, vontade e outras que não se podem medir. O significado para Bloomfield compõe-se do que chamamos aspectos extralinguísticos, como a situação do falante, o enunciado (mais ou menos sinônimo de frase, que pode ou não ter verbo), e a resposta do ouvinte. Onde estaria então o sentido? Clipart Bloomfield se depara com problemas filosóficos que ele honestamente expõe. Um deles é o do conceito, que faz com que Jack e Jill reconheçam uma maçã naquela situação particular, embora haja um sem-número de maçãs. Segundo ele mesmo afirma, as situações que nos preparam para enunciar qualquer forma linguística são muito variadas. O que faz, então, que reconheçamos uma maçã numa dada situação? Bloomfield reconhece honestamente que o ponto fraco dos estudos linguísticos é o sentido. Esta doutrina sobre o significado não explica por que identificamos o objeto em sua ausência, como se dá a linguagem figurada, LINGUÍSTICA: FORMALISMO AULA 01: OS FORMALISMOS, SEU ALCANCE METODOLÓGICO E PONTOS DE CONTATO 4 como a ironia e a metáfora, a mentira e o processo pelo qual reconhecemos um objeto de diferentes formas e cores através de generalização da experiência. Mais radical que Bloomfield foi Harris num livro mais método que teoria. Veja o título: Métodos de Linguística Estrutural. O autor só reconhecia como importante para a análise linguística o contexto, que é o lugar onde dada unidade (fonema, morfema) ocorre. Daí o conceito de distribuição. Mais tarde, Harris abandonou este método chamado Distribucionalismo. Um discípulo de Harris, Chomsky, fundou uma corrente hoje chamada Gerativismo, que sofreu muitas mudanças. Mas, em nosso curso, não teremos tempo de acompanhá-las. Deixaremos para o capítulo apropriado falar desta corrente do formalismo. FÓRUM Leia a seção “corrente americana" (p.123-125) do capítulo sobre Estruturalimo do livro de Mário Eduardo Martelotta (Manual de Linguística, S.Paulo. Ed. Contexto, 2011) e discuta com seus colegas e tutor as diferenças e semelhanças entre o estruturalismo de Saussure e de Bloomfield. FONTES DAS IMAGENS 1. http://static.wixstatic.com/media/8ee51c_5c649b8596914bc2b7839252 0081629d.jpg/v1/fill/w_322,h_296,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01/8ee51 c_5c649b8596914bc2b78392520081629d.webp 2. http://www.denso-wave.com/en/ Responsável: Profª. Maria Claudete Lima Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual 5 TÓPICO 01: O PRINCÍPIO DA OPOSIÇÃO E DA DISTRIBUIÇÃO O princípio da oposição, como você deve recordar a partir de suas aulas de Introdução à Linguística, se baseia no princípio saussureano de que na língua o que conta são as diferenças. O sistema linguístico gravita em torno das identidades e diferenças, como você deve ter ouvido falar em seu curso de Introdução à Linguística. Assim, a) consideradas duas unidades A e B formadas de mais de um elemento; b) e de tal modo que possuam uma parte em comum e outra diferente, podemos afirmar que estas duas unidades se encontram em oposição. Valemo-nos do que você conheceu pelo nome de comutação: substituição de um elemento do PE (Plano da Expressão) por um outro, a fim de verificar se o significado muda, ou ao contrário, na substituição de um elemento do PC (Plano do Conteúdo) para identificar mudança na expressão. PARADA OBRIGATÓRIA O princípio da oposição articula-se com o princípio da funcionalidade. Ela decorre da oposição entre os diversos termos da língua. Vem do princípio saussureano de que a língua é forma, isto é, um feixe de relações. Daí o princípio geral de que as unidades existem como unidades da língua vez que nascem de um sistema de relações. Uma diferença mínima entre duas unidades duma língua denomina-se traço distintivo. A consoante portuguesa /b/, por exemplo, funciona como consoante oral e não nasal em relação a /m/. Por sua vez, é oclusiva e não fricativa em relação a /v/. É labial e não dental em relação a /d/, como sonora e não surda em relação a /p/. O fonema /b/ funciona em cada uma destas oposições através de traços distintos a depender do fonema ao qual se opõe. Como vê, a partir do princípio da oposição, uma unidade linguística é composta de uma série de traços distintivos. O que vimos dizendo das unidades linguísticas vale tanto para as unidades da expressão como para as do conteúdo. Assim, tomemos algumas formas do imperfeito do subjuntivo: amasse, amasses amassem, amássemos. Se você se lembra do que aprendeu em Vocábulo, verá que temos os seguintes constituintes da primeira forma: am-a-sse- porque você comuta com am-a-sse-s. O zero ou , representando aqui a desinência número- pessoal, é obtido a partir da comutação de ama-a-sse-s com ama-sse- . O constitituinte –sse- , denominado desinência modo-temporal, é obtido a partir da comutação de am-a-sse- com am-a-va - . O radical é deduzido a partir da comutação de am-a-sse- com cant-a-sse- . LINGUÍSTICA: FORMALISMO AULA 02: PRINCÍPIOS DO ESTRUTURALISMO 6 Daí se deduz a fórmula do verbo em uma das versões do estruturalismo: Rad+/-VT/+-/DMT/+-/DNP. Esperamos que você se lembre do nome destes constituintes: radical, vogal temática, desinência modo-temporal, desinência número pessoal. Os elementos que, em certa posição, são constantes e, no entanto, não se opõem, não tendo, portanto caráter funcional, são denominados redundantes e assumem funções secundárias em relação à função principal. É o caso da passagem de o fechado (ô) para o aberto (ó) em alguns plurais e femininos: porco/porcos; porco/porca. OBSERVAÇÃO Como você percebe, a utilidade do princípio da oposição é ampla. Se duas ou mais unidades não se opõem em morfologia, por exemplo, como -r , re- e -rem, do futuro do subjuntivo, elas são morfes, que, no conjunto, correspondem ao conteúdo "futuro do subjuntivo." Estas unidades, em conjunto, associadas ao conteúdo já falado, formam um signo, uma classe, no caso, classe de morfes. Esta classe, com PE -r, -re e –rem e PC "futuro" e "subjuntivo" forma o morfema. Às vezes, o morfema é constituído só de um morfe, como –mos, cujo PC é "1ª pessoa" e "plural". Nãoprecisa, como você vê, apenas um elemento no PE ou um só elemento no PC. O importante é haver uma correlação entre unidade(s) do PE associadas a unidade(s) do PC. Se a correlação é a mesma, haverá um só signo. O elemento do PE –mos com PC 1ª pessoa e plural é um só signo. Os elementos -r, -re e -rem (ex; amar, amares , amarem) do PE têm o mesmo PC: "futuro e subjuntivo", formam, como você já leu, uma classe, um só morfema um só signo. Em Fonologia, como você viu na disciplina que cursou, os fones que são apenas diferenciados pela distribuição são alofones. Exemplo já muito conhecido é a palavra tia, em que o [tch] é palatal pela presença da vogal palatal [i]. Assim, [tch] é alofone de [t]. Cada um é fone. O fonema é a classe dos alofones. Podemos pensar assim em sintaxe: o SN , por exemplo, é um sintagma cujo núcleo é um nome e inclui até pronomes. Exemplo: meninos, bom menino, eu etc. Sintagma nominal é uma classe de sintagmas cujo núcleo, só ou acompanhado por artigos ou adjetivos, é um nome. Podemos estender o conceito aos outros sintagmas, verbais, adjetivais e preposicionais. Um conceito importante é o de distribuição, que é a soma dos contextos em que uma unidade ocorre. Podemos, assim, dizer que as desinências modo-temporais do verbo ocorrem após a vogal temática. O fone [l], em encontros consonantais, vem depois de oclusivas. A distribuição dos fones é estudada pela Fonotática. Em sintaxe, podemos pensar que Sintagmas adjetivais vêm antecedidos de intensificadores ou modalizadores (ex: extremamente bela, claramente genial). 7 FONTES DAS IMAGENS 1. http://www.denso-wave.com/en/ Responsável: Profª. Maria Claudete Lima Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual 8 TÓPICO 02: PRINCÍPIO DA SISTEMATICIDADE MORFOLOGIA LEXICAL Em morfologia lexical, os exemplos podem ser multiplicados ilimitadamente. Quantos vocábulos podemos formar com prefixos como pré- e pós-? Inúmeros. Temos palavras como pré-parto, pós-parto, pré- vestibular, pós-guerra etc. Mais uma vez, temos de ser cautelosos, pois o ambiente ou o contexto influi e muito. Estes prefixos costumam ser tônicos e aparecer diante de verbos. No caso dos sufixos, a situação se complica mais por causa de forte polissemia que costuma caracterizar os morfemas sufixais. Assim, um sufixo como –eiro, tem vários sentidos: “recipiente” (cinzeiro), “conjunto “(nevoeiro), “árvore“ (abacateiro) etc. SINTAXE Em sintaxe você pode formar ilimitados grupos nominais, como o bom livro, adjetivais, como muito bom, preposicionais, a exemplo de contra a guerra, de ouro. Isto sem falar das inúmeras frases que se podem construir. O princípio da sistematicidade refere-se ao fato de os mesmos traços distintivos serem comumente utilizados na língua mais de uma vez. A sistematicidade é também chamadarecorrência ou recursividade. Em outras palavras, um certo número de traços distintivos, recorrentemente usados possibilita, conforme reconhece Coseriu “um número de unidades funcionais e superior ao dos próprios traços distintivos” (1979, p.74). Se os traços podem combinar-se diversamente, existe a possibilidade de haver mais unidades que traços distintivos. Em português, por exemplo, a distinção entre consoantes vozeadas e desvozeadas não funciona somente no caso da oposição entre /p/ e /b/ mas também na oposição entre /t/ e /d/, /k/ e /g/ etc. O fonema /p/ pode aparecer em muitas palavras em oposição: /p/ato, /b/ato, /m/ato; / p/orto, /t/orto, /m/orto. A distinção entre masculino e feminino, ainda que precária em morfologia, como reconhece Rocha (1998), pois só atinge um pequeno número de palavras, é sistemática ou recorrente, como bem dizem os exemplos: menino/menina/garoto/garota. Já é diferente do plural, que atinge um sem-número de palavras: livro/livros, casa/casas, entre outras. Podemos em sintaxe substituir um SN por vários outros: este bom rapaz/ aquele diligente moço etc. E assim por diante, com outros sintagmas, verbais, adjetivais, adverbiais. Porém, na frase, há limitações por causa de regras de combinação: não podemos substituir na frase aquele rapaz lê o livro o 1º. SN por este gato, pois gatos não leem. Podemos pensar na ilimitada quantidade de orações adverbiais, com subtipos, e substantivas, também com subtipos. Veja as observações seguintes: Há exemplos marginais na língua, como –ebre de casebre. Este só ocorre nesse exemplo. Autores citam exemplos de palavras como armário. Ninguém sabe o que significa arm, mas –ário seria sufixo motivado pelo que LINGUÍSTICA: FORMALISMO AULA 02: PRINCÍPIOS DO ESTRUTURALISMO 9 ocorre em aquário. O problema é: o que significaria arm? Seria um não- signo. É questão para se discutir. Os linguistas se dividem. Os que advogam o signo não veem razão de se identificarem dois constituintes em armário. Os que seguem uma linha mais mecanicista não veem problema nenhum em reconhecer dois constituintes. O constituinte que só aparece uma vez e desobedece ao princípio da sistematicidade ou recorrência recebe a terminação –óide: basóide ( se se trata de uma base, como arm- de armário), sufixóide (-ebre de casebre). FONTES DAS IMAGENS 1. http://www.denso-wave.com/en/ Responsável: Profª. Maria Claudete Lima Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual 10 TÓPICO 03: PRINCÍPIO DA NEUTRALIZAÇÃO VERSÃO TEXTUAL O princípio da neutralização aparece mais claro no estruturalismo europeu e considera casos de suspensão das oposições, quer dizer de "neutralização" como o próprio nome sugere. Em fonologia, por exemplo, costuma aparecer em sílabas pretônicas, como em R/ê/cife, R/é/ cife e, num registro mais culto R/i/cife. A oposição entre /é/, /ê / e /i/ , que acontece nas tônicas, deixa de existir, ocorrendo neutralização. PARADA OBRIGATÓRIA Lembre-se que, em contexto tônico, há oposição, a exemplo de m/é/ta, m/ê/ta; m/ê/to, m/i/to. Quando ocorre a neutralização, há o arquifonema, que Pais (1981) caracteriza através da interseção dos traços. Assim, em c/ô/légio e c/ó/légio, os traços comuns são [+ média + posterior, +oral]. Sai o traço de abertura, fechado no primeiro caso, aberto, no segundo. O arquifonema é representado por letra maiúscula /O/. Mas o arquifonema não é aceito por linguistas americanos. Será que a solução seria apelar para alofonia e dizer que, em certos contextos, perde-se a distintividade e há outra classe de fonemas? Por exemplo, em sílaba pretônica, pode-se dizer que [ó] é alofone de [o]. Fica para você pensar. Outra solução seria limitar o estudo a um dado lugar, com certos tipos de falantes, em certos registros, formal ou coloquial. Assim, não precisaria dizer que , em Fortaleza, por exemplo, há um arquifonema /S/, resultado da não-distinção entre /ch/ e /s/. Isto só pode ser dito se estudarmos o português do Brasil por inteiro, em que entra o falar típico do carioca e do cearense. No léxico, em certos contextos, a oposição dia/noite pode deixar de existir, podendo dia também se aplicar a dia e noite juntos (24 horas). Na gramática, o masculino em português pode, em certos ambientes, não se opor ao feminino e aplicar-se a uma e outra categoria. Se ouvíssemos os meninos estão no pátio, podemos igualmente interpretar o primeiro substantivo como referente a "meninos" e "meninas". Os termos meninas e noite só têm significados específicos. Já meninos e dia podem ter significados específicos: "jovens do sexo masculino", "parte do dia a partir das 18 horas". Mas podem ter significado genérico: podem significar "jovens do sexo masculino ou feminino" ou "o período inteiro de 24 horas". O termo de valor não-genérico na fala (ou discurso, em termos de Saussure) se chama termo marcado. Deduzimos, com base nesta informação, LINGUÍSTICA: FORMALISMO AULA 02: PRINCÍPIOS DO ESTRUTURALISMO 11 quanto aos exemplosacima, referentes ao léxico e à gramática, que o termo marcado, no primeiro caso, é noite e, no segundo, meninas. OBSERVAÇÃO Quanto aos tempos verbais, o presente pode ser usado no lugar do pretérito perfeito ou do futuro do presente: em Belém, conforme as profecias, nasce Jesus; amanhã estou em sua casa. Como já foi dito, boa parte dos estruturalistas europeus acata a neutralização. Mas não a diferenciam de outro fenômeno reconhecido por Coseriu, o sincretismo. Vocês sabem que o latim tinha, no caso acusativo, formas idênticas para o nominativo e o neutro, como templum/templum. Em português, temos como exemplo amava, que acumula as formas de 1ª e 3ª pessoa do singular. Ora, isto é bem diferente de dia/noite, em que a suspensão das oposições é dada pela generalização de uma das formas bem diferente no plano da expressão em certos contextos. Dizemos, então, que, no primeiro caso, há sincretismo e, no segundo, neutralização. Salvo engano nosso, parece que há certa reserva quanto à neutralização em relação ao sincretismo. A primeira acontece tanto em Fonologia quanto no Léxico e na Gramática, sendo, portanto mais geral. O segundo ocorre tanto em Lexicologia quanto em Gramática, mas não em Fonologia. ATIVIDADE DE PORTFÓLIO Baixe o arquivo e responda as questões propostas. FONTES DAS IMAGENS 1. http://www.denso-wave.com/en/ Responsável: Profª. Maria Claudete Lima Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual 12 TÓPICO 01: A GRAMÁTICA GERATIVA: UM CONCEITO DIFERENTE DE GRAMÁTICA Por gramática, o não-especialista se refere comumente a um livro com regras, mais especificamente ao que o usuário entende vagamente por norma culta, regras do reto falar e do reto escrever. Dizemos “entende vagamente” porque se ele for indagado sobre norma culta, não saberá dizer com precisão. Talvez se refira ao texto de literatos. São as próprias gramáticas que nos dão esta ilusão de certo e de errado. Até mesmo gramáticas de porte, como a de Rocha Lima (1985), são fartas de exemplos literários, e de diferentes extrações, como do Padre Antônio Vieira e de Alexandre Herculano. A de Celso Cunha (1983) também é pródiga em exemplos de referência literária. Leia, nesta última gramática, a parte dedicada à regência verbal e você ficará estarrecido ao ver que cada regra é desmanchada com referência a literatos distintos. E aí? Mal sabe o nosso consulente que o que chamamos norma culta é fluido por depender de um conjunto de fatores que você deve conhecer: • diatópicos, • diastráticos e • diafásicos. Assim, em certas ocasiões tolera-se dizer eu vi ele, ela viu ele passar, e construções costumeiras na norma não-padrão. Como descrição de uma pretensa norma ideal, a Gramática Normativa deixa muito a desejar. Tomemos estes exemplos de Miotto, Silva e Lopes (2004, p.17). O comentário é dos autores sobre os advérbios de dúvida, definidos como palavra cujo ambiente é junto de adjetivos ou verbos. Mas vejam vocês que o alcance destes advérbios é bem maior, como demonstram os exemplos em colchetes: DESCRIÇÃO 01 [Provavelmente o João] doou os jornais para a biblioteca. (não a Maria) DESCRIÇÃO 02 O João [provavelmente doou] os jornais para a biblioteca. (não vendeu) DESCRIÇÃO 03 LINGUÍSTICA: FORMALISMO AULA 03: INTRODUÇÃO AO GERATIVISMO 13 O João doou [provavelmente os jornais] para a biblioteca. (não as revistas) DESCRIÇÃO 04 O João doou os jornais [provavelmente para a biblioteca]. (não para o bar) O advérbio provavelmente pode se distribuir em diferentes lugares da sentença, naturalmente alterando o sentido desta. A conclusão a tirar é, segundo os autores: "o conjunto de observações que a GT faz não dá conta da riqueza da língua, nem mesmo do registro que ela se propõe a descrever" (MIOTO, SILVA E LOPES, p.18). Os autores postulam que a linguagem humana: a) se caracteriza por ter recorrência, sistematicidade ou recursividade; b) mais que recursividade possui regras de combinação dos itens para gerar ilimitado número de sentença novas; c) é governada pela racionalidade, dote característico da espécie humana. Para tornarem concreto o que afirmam, dão estes exemplos, que qualquer falante do português brasileiro reconhece como legítimos: a. 'Cê viu a Maria saindo. a'. Você viu a Maria saindo. b. Quem que 'cê viu saindo? b'. Quem você viu saindo? c. A Maria disse que 'cê foi viajar. c'. A Maria disse que você foi viajar. Comentam os autores que os falantes do português brasileiro estão cientes de que construções como as que estão abaixo asteriscadas são muito esquisitas: a. *A Maria vai ver 'cê. b. *A Maria comprou o livro pra 'cê. c. *A Maria e 'cê vão comprar o livro. OBSERVAÇÃO Concluem os autores que estes juízos só são possíveis porque os falantes têm ao seu dispor uma gramática internalizada: um sistema de regras que governa a distribuição de formas linguísticas. As sentenças consideradas legítimas são dadas como gramaticais, pois são geradas segundo a gramática de dada língua enquanto as não-legítimas, as que você viu asteriscadas, são agramaticais. Nesta concepção de gramática, abandona-se a presunção prescritiva de boa parte das gramáticas normativas. Quem sabe decidir se uma sentença 14 pertence ou não a dada língua é o falante nativo daquela língua, seja ele escolarizado ou não. Assim, você não deve associar os conceitos de certo e de errado, de natureza prescritiva, aos conceitos de gramaticalidade/agramaticalidade da Gramática Gerativa. E o que possibilita ao falante decidir, então, se uma sentença é gramatical ou não possui o nome técnico de competência. PARADA OBRIGATÓRIA Quando o falante utiliza sua competência para produzir as sentenças em situações concretas de interação social, resulta o que se denomina performance (ou desempenho). A função da teoria gerativa é descrever e explicar a competência lingüística do falante, explicitando rigorosamente e explicitamente os mecanismos gramaticais que a compõem. A teoria deve ser apta a explicar igualmente sentenças ainda não-produzidas. Por exemplo, podemos encaixar uma série de orações adjetivas ilimitadamente: a) João pegou o gato que comeu o rato que comeu o queijo que estava na mesa que estava na cozinha... Esta sentença seria muito dificilmente produzida, mas é governada por regras do português, é da competência. O que a impede de ser produzida são fatores pragmáticos, lapsos de memória etc., em suma, impedimentos ligados à performance. O programa gerativista é o mais formal na escola formalista. Não podemos compará-lo à Glossemática de Hjelmslev, no Estruturalismo, porque ela estacionou. O Gerativismo nunca deixou de perseguir seu objeto na medida em que os fatos impunham mudança no formato da teoria, de forma que o arcabouço teórico sofreu inúmeras modificações. Seu objetivo é ambicioso, como o próprio nome diz: gerar a partir de condições rigorosas um número ilimitado de sentenças gramaticais de uma dada língua não importando a extensão das mesmas e, ao mesmo tempo, explicar por que certas sentenças não são produzidas. Este alvo é inspirado na Matemática. Lembra-se de quando você estudou funções? Havia certas restrições: x teria de pertencer, por exemplo, ao conjunto dos números reais, mas não poderia ser, digamos 4 no denominador se ele contribuísse para torná-lo igual a zero. DICAS Agora compare: o procedimento do linguista deve ser o mesmo. Ele deve estudar as condições capazes de gerar frases do português e aquelas que devem ser descartadas por formarem frases agramaticais. O linguista deve ser um matemático de sua língua. ATIVIDADE DE PORTFÓLIO Baixe o arquivo e responda as questões propostas. 15 FONTES DAS IMAGENS 1. http://www.denso-wave.com/en/ Responsável: Profª. Maria Claudete Lima UniversidadeFederal do Ceará - Instituto UFC Virtual 16 TÓPICO 01: LINHAS GERAIS DE SEU PROGRAMA Avram Noam Chomsky [1] Como foi dito na primeira aula, o Gerativismo de Chomsky constituiu-se uma reação ao distribucionalismo de Harris. O Gerativismo passou por muitas mudanças que não temos condições de historiar aqui, pois seria um trabalho imenso, tão imenso, que, por si só, daria um livro. Vamos, portanto, ficar só com as linhas principais dessa corrente formalista sem entrar nos detalhes do modelo. O Gerativismo, como reação ao empirismo harrisiano, é inatista. Baseia- se na hipótese de que o homem é geneticamente dotado da faculdade de linguagem. Esta faculdade é modular: não é parte da inteligência como um todo, ela é específica do homem, é apenas uma parte do cérebro humano. Não há evidências disto nas ciências neurais porque precisaríamos ver um cérebro em funcionamento. Chomsky parte da hipótese da pobreza de estímulos do meio ambiente. Este não seria capaz de explicar, como, através de seus estímulos caóticos e desordenados para Chomsky, uma criança aprende a produzir frases nunca ouvidas antes. QUESTIONANDO Fica uma pergunta: como explicar a variedade das línguas humanas, adotando-se como ponto de partida o aparato genético humano? No Gerativismo, parte-se da noção de Princípios e Parâmetros. Os princípios seriam leis comuns a todas as línguas naturais e são ligados ao que se denomina Gramática Universal, não são adquiridos; os parâmetros, por sua vez, constituiriam propriedades em número reduzido previstas pela Gramática Universal, reconhecidas pela criança no contato com uma língua natural. Só existe parâmetro em função do contacto da criança com uma dada língua, o português, por exemplo. Em língua portuguesa, por exemplo, pode-se dizer : 1) Pedro afirmou que ele (ele é referente a Pedro) conheceu Roma. 2) Pedro disse que ------ (o espaço vazio referente a Pedro se conhece por anáfora) conheceu Roma. Mas o Inglês não pode omitir o sujeito como na frase (2), referente ao português. Só se pode dizer: 1) Peter said he knew Rome. Jamais em Inglês se pode suprimir o pronome he. LINGUÍSTICA: FORMALISMO AULA 04: O GERATIVISMO 17 Num plano abstrato, portanto, duas possibilidades são dadas: manifestar ou não o sujeito. O português manifesta-as sob certas condições que vocês conhecem. O Inglês não pode prescindir do sujeito. PARADA OBRIGATÓRIA No Gerativismo, um conceito é importante: o de Estrutura Sintática, que se compõe de duas facetas, a Forma Fonética e a Forma Lógica, ou seja, a representação fonética e um sentido estrutural. De alguma forma, podemos dizer que é o signo linguístico no âmbito da frase. A Forma Lógica pode interpretar uma única Forma Fonética de dois (ou mais) modos diversos. Melhor dizendo: a Estrutura Lógica interpreta duas (ou mais) Estruturas Sintáticas distintas (mesmo que pareça estranho a você que seja numa só cadeia Fonética, numa Estrutura Sintática aparente). Parece que há uma certa primazia da Estrutura Lógica. Seja a frase: MARIA VIU O MENINO DOENTE. Ela pode ser interpretada de dois modos: 1) Maria viu o menino que está doente. 2) Maria viu o menino que é (vive sempre) doente. Damos por terminado o assunto, embora estejamos longe de concluí-lo. Agora você, para mostrar que entendeu, discuta o tema no Fórum a seguir. FÓRUM Com base no que você estudou sobre Gerativismo e sobre outras abordagens linguísticas, discuta com seus colegas e tutor as seguintes questões: (a) como a criança é capaz de formar frases que nunca ouviu antes? (b) Qual o papel do ambiente no desenvolvimento da linguagem? (c) como explicar a variabilidade das línguas diante da ideia de uma gramática universal? REFERÊNCIAS BORBA, Francisco da Silva. TEORIA SINTÁTICA. São Paulo. EDUSP, 1984. 18 BLOOMFIELD, Leonard. LANGUAGE. New York: Henry Holt, 1933. CAMARA JR. JOAQUIM MATTOSO. DICIONÁRIO DE LINGUÍSTICA E GRAMÁTICA. Petropólis: Vozes, 1977. CARVALHO, Castelar de. PARA COMPREENDER SAUSSURE. Petropólis: Vozes, 2000. COSERIU, Eugeniu. LIÇÕES DE LINGUÍSTICA GERAL. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1979. CUNHA, Celso Ferreira da. GRAMÁTICA DO PORTUGUÊS CONTEMPORÂNEO. Rio de Janeiro, 1983. MIOTO, Carlos, SILVA, Maria Cristina Figueiredo, LOPES, Ruth Elizabeth Vasconcelos. NOVO MANUAL DE SINTAXE. Santa Catarina: Editora Insular, 2004. LIMA, Rocha. GRAMÁTICA NORMATIVA DA LÍNGUA PORTUGUESA. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985. ROCHA, Luiz Carlos de Assis. ESTRUTURAS MORFOLÓGICAS DO PORTUGUÊS. Belo Horizonte: Editora da Universidade Federal de Minas Gerais: 1998. SAPIR, Edward. A LINGUAGEM. São Paulo: Perspectiva, 1980. SAUSSURE, Ferdinand de. CURSO DE LINGUÍSTICA GERAL. São Paulo: Cultrix, 1977. FONTES DAS IMAGENS 1. http://lecolporteur.files.wordpress.com/2010/05/noam-chomsky.jpg 2. http://www.denso-wave.com/en/ Responsável: Profª. Maria Claudete Lima Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual 19 LLPTCapa_Creditos_Sumario impresso_parcial LinguisticaFormalismo_aula_01 01 02 LinguisticaFormalismo_aula_02 01 02 03 LinguisticaFormalismo_aula_03 LinguisticaFormalismo_aula_04 LLPTContracapa